Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0946/09
Data do Acordão:12/09/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
FALTA DE OBJECTO
Sumário:Quando tiver sido extinta a execução fiscal pelo pagamento da dívida exequenda e acrescido, haverá lugar à extinção da instância, devido a impossibilidade superveniente da lide no processo de oposição à execução fiscal, por falta de objecto - de harmonia mormente com a alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. também a alínea f) do artigo 2.º do Código de Processo Tributário].
Nº Convencional:JSTA000P11249
Nº do Documento:SA2200912090946
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…, SA” recorre de acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20-1-2004, que, nos presentes autos de oposição à execução fiscal, decidiu «declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
a) Quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide:
1. Em 14/07/97, após dedução de oposição, a ora recorrente requereu a passagem de guias para pagamento da dívida exequenda e acrescidos, subordinada às seguintes condições:
“....tal pagamento não significa, por qualquer forma, renúncia expressa ou tácita, aos direitos que o A… pretende fazer valer através das impugnações já efectuadas nos indicados processos” (presente processo e processo n° 2810-97/102706.9).
“Assim, o A…, ao obter ganho de causa em tais processos, requererá o reembolso das quantias entretanto pagas”.
2. E foi nestas condições que os Serviços Tributários da então Primeira Repartição de Finanças do Funchal emitiram a guia que permitiu o pagamento em 25/07/97 da dívida exequenda e acrescidos.
3. Em consonância, aliás, com a posição da própria Administração Fiscal que através dos seus ofícios circulares n°s. 4668 e 5149, perfilhou o entendimento de que a aplicação do disposto, por exemplo, no DL 225/94, de 9/4, relativamente às dívidas em litígio, não é impeditiva do prosseguimento dos respectivos processos, restituindo-se, se for caso disso, as importâncias arrecadadas a mais, em resultado da decisão final devidamente transitada em julgado.
4. E destes factos e condicionalismos foi dado conhecimento ao Tribunal através de requerimento junto aos autos em 31 /07/1997.
5. Ora, o pagamento, porque condicional (condicionado à sorte da lide) não implica renúncia aos direitos pretendidos fazer valer através da impugnação deduzida no processo.
6. Aliás, a renúncia, além de constituir um acto de extinção voluntária de um direito por parte do seu titular, o que não aconteceu, tinha, no caso em apreço, de revestir forma expressa, por força do disposto no n° 1 do art° 11º do CPA.
7. Por outro lado também não houve qualquer desistência do pedido, o qual, a existir, teria de realizar-se no processo através de documento ou termo (art° 300, n° 1 do CPC).
8. Não se mostram, pois, observadas as formalidades de renúncia ou desistência do pedido, não podendo, pois, sob pena de fraude à lei, entender-se o pagamento condicional como uma forma de extinção da obrigação exequenda e, consequentemente, da instância.
9. Ao declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide o TCAS violou, por erro da aplicação, o disposto no art° 287°, al. e) do CPC, aplicável por remissão da al. e) do art° 2° do CPPT.
b) Quanto à caducidade da fiança:
10. A fiança que serviu de base à execução foi constituída pelo prazo certo de um ano.
11. Tal prazo expirou em 11/09/1993.
12. A dívida garantida foi exigida ao Banco fiador apenas em 1997, que recusou o pagamento com base na caducidade da fiança, tendo com tal fundamento, deduzido oposição à execução.
13. Oposição, essa, que foi julgada procedente por douta sentença de 9/11/2001, tendo, em consequência, sido declarada extinta a execução.
14. Com efeito, a invocada caducidade de fiança constitui uma excepção peremptória que importa a absolvição do pedido (n° 3 do art° 493° do C.P.C.).
Nestes termos e nos mais de direito deve ser, pois, concedida a revista e, em consequência, revogar-se o Acórdão recorrido, mantendo-se o decidido em primeira instância.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Alega a recorrente que o pagamento da dívida exequenda, porque condicional, não implica a renúncia aos direitos que se fizeram valer através da impugnação deduzida no processo, nem implica desistência do pedido, invocando em abono da sua tese os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 21.01.1992, recurso 13478 e de 21.04.2003, recurso 15579.
Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Como bem se disse no acórdão recorrido (fls. 135) o processo de execução fiscal não visa a anulação da liquidação mas sim a extinção total ou parcial da execução por algum dos fundamentos taxativamente previstos na lei.
Acresce que o pagamento condicional não era permitido, nem está previsto no CPPT (Vide neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.06.2005, recurso 525/05, in www.dgsi.pt).
Assim sendo o pagamento da dívida exequenda determina a extinção da execução, tornando-se inútil discutir as demais questões suscitadas pela oponente e ora recorrente.
Isso só não seria assim se a oposição assumisse substancialmente a natureza de impugnação judicial por nela se discutir a legalidade do acto tributário em relação ao qual a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso (artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do Código de Procedimento e de Processo Tributário) - cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.10.2009, recurso 532/09, in www.dgsi.pt.
Mas não é esse o caso.
Como também não se aplicará ao caso subjudice a jurisprudência citada pela recorrente que diz respeito aos efeitos do pagamento da dívida em processo de impugnação - aí sim, a eventual impugnação da liquidação ou reclamação graciosa não perdem o seu objecto com o pagamento, pelo que a sua eventual procedência implicará o ressarcimento das importâncias pagas e respectivos juros que sejam devidos.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca – ficando prejudicado o conhecimento de qualquer outra, se for dada resposta afirmativa a esta – é a de saber se o presente caso é de extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, ou não.
2.1 Em matéria de facto, o aresto recorrido assentou o seguinte.
1. Em 18-8-92, o A…, SA constituiu-se fiador de B…, L.da, junto da Direcção da Alfândega do Funchal, para garantia, até ao montante de 1700 contos, do pagamento dos direitos e mais imposições aduaneiras e em conta-corrente para diversos despachos, conforme tudo melhor consta do doc. 1 junto pela oponente.
2. Tal fiança, n° 139/92, foi concedida pelo prazo de 1 ano, a contar da sua emissão.
3. A fiança foi aceite pelo Núcleo de Garantias da Alfândega do Funchal em 11-9-92 e pelo prazo de um ano.
4. Com base em tal garantia, veio a Alfândega do Funchal, em 27-1-97 e através do seu ofício n° 0168-Proc. 1.3 - Livro 31, exigir o pagamento da importância de 1694692$00, acrescida de juros, relativa à dívida aduaneira de B…, L.da, constituída em 27-2-91 e exigida em 3-2-97.
5. O A… recusou o pagamento com fundamento na caducidade da fiança.
Aos quais se adita, nos termos do art. 712 do CPC, o seguinte:
6. Em 14.7.97, o A… requereu, nos termos de fls. 48 e 49 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, a passagem das guias para o pagamento condicional das quantias exequendas nos processos de execução fiscal que indica nesse requerimento.
7. Na sequência do referido em 6, o A…, ainda em Julho de 1997, entregou na 1ª Tesouraria da Fazenda Pública do Funchal a quantia de 2.049.073$00 com referência ao processo de execução fiscal 2810-97/102707.7, tudo conforme consta do doc. de fls. 51 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
8. O A… deduziu, em 13.6.97, oposição à execução referida em 7 que foi instaurada em 10.4.97 com base na certidão que se encontra fotocopiada a fls. 53 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
2.2 O acórdão recorrido expende no essencial, como segue.
“Como se verifica da matéria assente e resulta da documentação junta aos autos, a oponente, ora recorrida, após ter deduzido oposição à execução fiscal 2810-97/102707.7, requereu, em 14.7.97, nos termos de fls. 48 e 49, a passagem de guias para o pagamento condicional da quantia exequenda nesse processo e, na sequência disso, ainda em Julho de 1997, entregou na 1ª Tesouraria da Fazenda Pública do Funchal a quantia de 2.049.073$00 com referência ao processo de execução fiscal 2810-97/102707.7, tudo conforme consta do doc. de fls. 51, sendo 1.694.692$00 referente ao montante da dívida exequenda (cfr. fls. 53), 72.027$00 e 149.995$00 referente a juros vencidos e 132.359$00 referente a custas da execução. Tal quantia entregue na Tesouraria da Fazenda Pública constitui pagamento integral da dívida exequenda e do acrescido, sendo que em sede de execução fiscal não existe a figura do pagamento condicional como pretende a ora recorrida para ficar dispensada da prestação de caução e à espera do resultado da oposição. A ora recorrida, pretendendo prosseguir com a oposição, deveria ter aguardado pelo despacho de recebimento da oposição e depois prestado garantia nos termos do art. 282º do CPT, então aplicável, para efeitos de suspensão da execução, tal como resultava do disposto nos art. 294° e 255° do CPT, então aplicável, e não efectuar o pagamento que efectuou voluntariamente. Tal pagamento, invocado de condicional pela oponente, ora recorrida, não deixa de ser pagamento voluntário da dívida, pois que em execução fiscal não existe a figura do pagamento condicional nem mesmo como garantia da dívida, garantia essa que nos termos do art. 282º do CPT é de montante superior ao pagamento efectuado e constante de fls. 51. O pagamento da quantia em causa, nos termos efectuados, constitui fundamento de extinção da execução nos termos dos art. 260º e 343° do CPT, sendo que efectuado esse pagamento compete ao chefe da Repartição de Finanças declarar extinta a execução como resulta do art. 348° do CPT, hoje do art. 269º do CPPT. Esse pagamento, porque efectuado no decurso da execução, não constitui fundamento de oposição sendo que só o efectuado antes da instauração da execução é que constitui fundamento de oposição (cfr. n.° 1 al. e) do art. 286º do CPT, hoje art. 204° n.° 1 al. f) do CPPT).”
“O processo de oposição à execução não visa a anulação da liquidação (dívida exequenda), mas a extinção total ou parcial da execução pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente previstos na lei (cfr. art. 286º do CPT, hoje art. 204º do CPPT).”
“Ora, in casu, verificando-se o pagamento da quantia exequenda e do acrescido que gera, nos termos já referidos, a extinção da execução, torna-se inútil discutir o pretendido pelo oponente, pois que o efeito pretendido com a oposição efectivou-se já na execução com o pagamento aí efectuado da quantia exequenda e do acrescido. Verifica-se, assim, a inutilidade superveniente da lide, fundamento determinante da extinção da instância nos termos da al. e) do art. 287º do CPC.”
2.3 Segundo julgamos, o acórdão recorrido, ao decretar a extinção da instância nos presentes autos de oposição à execução fiscal, decidiu com essencial acerto e fundamento legal – na senda, aliás, de jurisprudência reiterada, uniforme e pacífica do Supremo Tribunal Administrativo.
Cf., por todos, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos recursos n.º 532/09 e n.º 714/09, ambos de 7-10-2009.
Entre as causas de extinção da instância, está elencada a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo de oposição à execução fiscal, por força da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. também a alínea f) do art. 2.º do Código de Processo Tributário].
A impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa – cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º vol., p. 368.
Paga a dívida exequenda e o acrescido e extinta a respectiva execução fiscal, os presentes autos de oposição à execução ficaram sem objecto, ocorrendo, portanto, a impossibilidade superveniente da lide, determinante da extinção da instância, nos termos da lei – podendo, no entanto, prosseguir o processo de impugnação judicial que no caso tenha sido instaurado.
Estamos deste modo a concluir, em síntese, que, quando tiver sido extinta a execução fiscal pelo pagamento da dívida exequenda e acrescido, haverá lugar à extinção da instância, devido a impossibilidade superveniente da lide no processo de oposição à execução fiscal, por falta de objecto – de harmonia mormente com a alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. também a alínea f) do artigo 2.º do Código de Processo Tributário].
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido, de extinção da instância de oposição à execução fiscal, com fundamento, porém, em superveniente impossibilidade da lide por falta de objecto.
Custas pela recorrente, com procuradoria de 60%.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2009. – Jorge Lino (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.