Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02140/20.0BEPRT
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28036
Nº do Documento:SA22021071302140/20
Data de Entrada:06/09/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A…………, …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 20 de abril de 2021, que, nesta reclamação de decisões do órgão da execução fiscal, julgou verificado erro na forma de processo e absolveu a Fazenda Pública da instância, mais, mantendo o ato de penhora impugnado.
A recorrente (rte) apresentou alegação, encerrada com as seguintes conclusões: «

a) Foi instaurado o Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 pela AT, por reversão, contra a Reclamante e seus dois irmãos por dívidas de IRC da “B…………, Lda.” tendo a citação ocorrido em 7 de Março de 2013 - facto provado 6.

b) A Reclamante deduziu oposição à execução que correu termos sob o Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. - facto provado 5.

c) A progenitora da Reclamante que também era Executada no mesmo processo, depois de ter deduzido oposição em processo autónomo, decidiu aproveitar a facilidade conferida pelo DL 151-A/2013 de 31/10 para proceder ao pagamento da quantia em dívida, ainda que sob protesto.

d) A AT comunicou ao processo executivo nº 982/13.2BEPRT, - oposição à execução - pendente junto da Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que a execução nº 3190201001081853 estava extinta - facto provado 7, tendo o Mmo Juiz a quo com base nessa informação da AT, decidido julgar a oposição extinta por inutilidade superveniente da lide.

e) Uma vez que tendo cessado por extinção a execução, conforme informou a AT o processo, a oposição que lhe era subordinada teria que ser igualmente declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 277º do CPC.

f) Tendo sido julgada procedente a oposição apresentada pela progenitora da Reclamante, o Tribunal ordenou que a AT restituísse a quantia que havia sido paga ao abrigo do DL 151-A/2013 de 31/10, o que veio a ser feito.

g) Então a AT para reaver o capital restituído, entendeu fazer seguir a execução que declarara extinta, agora contra a Reclamante com um valor de cerca de 48.000,00 € e efetuou a penhora que é objeto da reclamação.

h) A Reclamante, depois da notificação da penhora de um saldo bancário no valor de 6.417,25 €, apresentou reclamação ao abrigo do disposto nos artigos 276º e ss do CPPT, uma vez que lhe estava completamente vedado o recurso a qualquer outro meio de defesa.

i) Convencida que a AT desconhecia o resultado de uma oposição apresentada pela Reclamante num outro processo que tinha sido julgada procedente, a Reclamante apresentou a sua defesa na reclamação contando todos os factos que tinham sido julgados procedentes na referida oposição na expetativa que a AT nos termos do disposto no artigo 277º nº 2 do CPPT revogasse o ato reclamado, o que não aconteceu.

j) Bem sabia a Reclamante que lhe tinha sido coartado o direito de defesa que a oposição consagra, quando da citação para os termos da execução.

k) A AT tinha declarado extinta a execução nº 3190201001081853 o que fez com que o processo terminasse os seus termos e uma vez terminado que foi o processo, a AT se pretendia cobrar a quantia que repusera à progenitora da Reclamante, por meio de reversão contra esta, teria que instaurar nova execução, só assim se conferindo ao executado todos os direitos e garantias de defesa que o processo executivo contém.

l) Especificamente está em causa o princípio do contraditório subjacente ao articulado de oposição previsto no artigo 203º do CPPT, que pode ser apresentada no prazo de 30 dias contados da citação ou da primeira penhora.

m) Só este meio processual confere ao executado um verdadeiro direito ao exercício do contraditório consagrado no artigo 3º nº 3 do CPC.

n) É um princípio jurídico fundamental do processo judicial que exprime a garantia de que ninguém pode sofrer os efeitos de uma decisão sem ter tido a possibilidade de ser parte do processo do qual esta provém e implica a necessidade de uma dualidade de partes que sustentam posições jurídicas opostas entre si, como é o caso da AT e da Reclamante.

o) É o direito efetivo de todos os cidadãos do “Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional efetiva”, consagrado nos artigos 20.º e 268.º da CRP, sendo ambos os referidos preceitos “Direitos Fundamentais”, que se impõem diretamente a todos os órgãos sejam públicos ou privados, por força do princípio do Estado de Direito Democrático.

p) O Tribunal a quo ao constatar esta realidade, deveria ter anulado a penhora efetuada pela AT, ordenando que esta instaurasse nova execução para ficar assegurado o direito de defesa da Reclamante.

q) À Reclamante já fora reconhecido o direito de ver arquivado o processo de reversão da execução, por sentença judicial transitada em julgado.

r) A Reclamante, ainda que, até Setembro de 2010 figurasse formalmente como gerente da sociedade, data em que fez registar a renúncia à gerência, não desempenhava, de facto, atos de gerência, antes coadjuvando o seu pai, fundador da sociedade e também gerente, infelizmente falecido em Abril de 2012.

s) Matéria já foi discutida em oposição às execuções que, por reversão, penderam no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a qual foi em todas julgada procedente, por estes motivos ora enunciados, nos processos 1000/13.6BEPRT que pendeu no TAFP UO 3, 981/13.4BEPRT TAFP UO 4 e 980/13.6BEPRT TAFP UO 5 cujas decisões foram juntas com o requerimento inicial.

t) Já foi provado em sede de julgamento que a Reclamante nada tinha a ver com a gerência da devedora originária, podendo vir a sê-lo na reclamação, por existir completa identidade de factos e de imposto e ser o único meio de defesa que a Reclamante dispõe para fazer valer os seus direitos.

u) A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 176º, 264º, 269º e 276º e ss do CPPT, artigos 3º nº 3 e 849º do CPC.

Termos em que julgando procedente a Reclamação revogando-se a douta sentença recorrida,

FAR-SE-Á

JUSTIÇA »


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Não existe registo de contra-alegação.

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A Exma. magistrada do Ministério Público emitiu parecer, suscitando, em exclusivo, a incompetência, em razão da hierarquia, do STA, para conhecer deste apelo, porquanto, “a decisão recorrida não é comprovadamente, uma decisão de mérito”.

Notificadas as partes do seu conteúdo, a rte respondeu, defendendo, em síntese: «


1. O Tribunal a quo proferiu decisão (s)obre a reclamação apresentada, concluindo a final “com a inerente manutenção do acto de penhora impugnado.”
2. Ora, para se manter o ato de penhora impugnado, o Mmo Juiz a quo teve de decidir do mérito da causa, mesmo considerando que houve erro na forma de processo.
(…).
5. O cerne da questão é pois saber se a AT poderia ter pegado numa execução extinta e fazendo-a de novo seguir os seus termos, sem conferir aos executados os meios de defesa que a lei lhes confere numa qualquer execução.
6. Entende a Recorrente que pode o este Tribunal decidir o presente recurso face ao disposto no artigo 280º nº 1 do CPPT.
(…).»

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Cumpridas as formalidades legais, compete apreciar e decidir a coligida exceção.

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# II.


A sentença recorrida procedeu ao julgamento da matéria de facto, nestes moldes: «

1. No Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853, instaurado contra a sociedade comercial “B…………, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ………, para cobrança de créditos de IRC, em 11 de Agosto de 2020, foi efectuada a penhora de “Valores Mobiliários e Contas Bancárias”, depositados no “Banco Santander Totta S.A.”, no valor de € 6.417,25.

2. A…………, C………… e D…………, na qualidade de revertidos, deduziram oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201201018159 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais no montante de € 723,19, referentes a IRC de 2010, que correu termos sob o Processo nº 980/13.6BEPRT, junto da Unidade Orgânica 5, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e findou por sentença que julgou procedente a oposição apresentada, com a consequente extinção do respectivo processo de execução fiscal em relação aos oponentes.

3. E…………, na qualidade de revertida, deduziu oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201201018159 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais no montante de € 723,19, referentes a IRC de 2010, que correu termos sob o Processo nº 981/13.4BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e findou por sentença que julgou procedente a oposição apresentada, com a consequente extinção do respectivo processo de execução fiscal em relação à oponente.

4. E………… deduziu oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais no montante de € 31.715,45, referentes a IRC de 2009, que correu termos sob o Processo nº 1000/13.6BEPRT, junto da Unidade Orgânica 3, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e findou por sentença que julgou procedente a oposição apresentada, com a consequente extinção em relação à oponente do respectivo processo de execução fiscal.

5. A…………, C………… e D…………, deduziram oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais montante de € 31.715,45, referentes a IRC de 2009, que correu termos sob o Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

6. Dos elementos de prova juntos ao Processo nº 982/13.2BEPRT resulta que a Reclamante foi citada, como revertida, em 7 de Março de 2013, e os restantes Oponentes foram citados, como revertidos, em 8 de Março de 2013.

7. Pelo ofício nº 11562, de 10 de Dezembro de 2013, foi comunicado ao Processo nº 982/13.2BEPRT, que correu os seus termos junto da Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que “(…) o processo executivo nº 3190201001081853 foi extinto por pagamento efectuado ao abrigo do DL 151-A/2013 de 31/10. O pagamento foi feito pela revertida E………… (…) Mais se informa que a oponente efectuou o pagamento sob protesto, não reconhecendo a dívida objecto de oposição (…)”.

8. No Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi proferida sentença que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

9. Notificados da sentença proferida no processo referido em 7, os aí Oponentes, apresentaram requerimento com o seguinte teor:

“(…) Oponentes nos autos à margem referenciados, vêm nos termos do disposto no artigo 614º do C.P.C., expor e requerer o seguinte:

1. Conforme foi informado este processo por requerimento de 20.12.2013, a progenitora dos Oponentes procedeu ao pagamento da quantia exequenda do processo fiscal pendente nos serviços de finanças sob protesto, ou seja desde logo se declarou que se pretendeu com o pagamento apenas beneficiar do disposto no Decreto-Lei n.º 151-A/2013 de 31 de Outubro, uma vez que esse pagamento não envolvia reconhecimento da dívida conforme documentação então junta.

2. Igual requerimento foi apresentado no processo executivo pendente no serviço de finanças conforme consta da informação prestada por esse serviço a este Tribunal.

3. Sucede que, ao contrário do que consta da mesma informação, a execução que deu origem à oposição não foi declarada extinta tout court.

4. Antes, porque o pagamento foi efetuado por um terceiro que não o executado originário e sob protesto, a execução ficou suspensa a aguardar decisão neste processo de oposição e bem assim naquele que foi instaurado pela progenitora dos ora Requerentes.

5. Daí que, entendem os Opoentes que o Tribunal foi induzido em erro ao ser informado que a execução está extinta o que determinou que se decidisse pela inutilidade superveniente da lide,

6. Quando, de facto nestas circunstâncias de pagamento da quantia exequenda pelo devedor subsidiário para benefício de um regime excecional, não determina a extinção da execução que fica suspensa a aguardar a decisão da oposição que porventura tenha sido apresentada, como é manifestamente este caso.

7. Aquilo que os Oponentes ora articulam quanto ao processo executivo foi confirmado no 5º Serviço de Finanças em consulta efetuada ao processo executivo ao balcão.

Nestes Termos Requer a V. Exa se digne mandar solicitar informação ao 5º Serviço de Finanças do Porto sobre a situação do processo executivo que se encontra suspenso e ainda pendente sob o nº 319021001081853.

Concluindo-se a final pela revogação do despacho de extinção da instância destes autos, substituindo-se por outro que determine o seu prosseguimento.”.

10. O requerimento referido em 9 mereceu despacho com o seguinte teor “Informe os requerentes que atenta a sentença proferida nada há a ordenar.”.

11. A presente Reclamação foi apresentada em 29 de Setembro de 2020.»


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Nos termos (entre outros normativos, vertidos no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e que apontam no mesmo sentido (Arts. 26.º alínea b) e 38.º alínea a).)) do disposto no art. 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), das decisões dos tribunais tributários (de 1.ª instância) cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os, dois, Tribunais Centrais Administrativos, “salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito”, caso em que tal apelo tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário, do STA.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do art. 16.º n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, a que é, indevidamente, dirigido o recurso.

In casu, a decisão recorrida, ponderado os respetivos conteúdo e alcance do judiciado, não constitui, sem margem para reservas, uma decisão que seja de mérito, para os efeitos do art. 280.º n.º 1 do CPPT (na redação da Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro), em virtude de, objetivamente, o seu âmbito não se haver estendido, em sede de fundamentação factual e jurídica, nem ao nível decisório, sobre a relação material controvertida, ou seja, sobre o fundo da causa. Quedou-se pela apreciação e decisão, de aspeto relativo à relação processual, ao desenvolvimento da lide.


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# III.


Pelo exposto, em conferência, acordamos declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer deste recurso jurisdicional.

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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

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Oportunamente, remeta-se o processo, ao Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) - art. 18.º n.º 1 do CPPT.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 13 de julho de 2021


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Pela (o) Exma. (o.) Senhora/Senhor Conselheira (o) Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro e Francisco António Pedrosa de Areal Rothes, na condição de adjuntos, foi transmitido, enquanto relator, a mim, Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra - artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.

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