Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02697/13.2BEPRT 0436/17
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24865
Nº do Documento:SA22019091102697/13
Data de Entrada:04/19/2017
Recorrente:A..........,S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A………., S.A., impugnou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o ato de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao ato de autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário, referente ao ano de 2013, no valor de 27.248.772,54 €, peticionando a sua anulação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 27/12/2016 (fls. 127/143) julgou a impugnação improcedente.
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1.3. A impugnante recorreu dessa decisão imputando-lhe o vício de nulidade, por omissão parcial de pronúncia, nos termos do artigo 125.º do CPTA e 608.º n.º 2 do CPC aplicável ex vi da al. e) do artigo 2.º CPTA, designadamente, por o Tribunal a quo, apesar de ter analisado «a questão da incompetência da autora da decisão objecto imediato da presente impugnação e concluído que tal vício efectivamente se verifica, não se pronúncia expressa ou implicitamente a propósito da anulação requerida…», conclusão (a) das alegações a fls. 234.
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1.4. Foi proferido o despacho de 26/05/2017 (fls.271/272) com o seguinte teor:
«A impugnante veio apresentar recurso contra a sentença proferida nestes autos, invocando nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al d), do CPC, em virtude de, na sentença proferida, o tribunal não se ter pronunciado sobre a questão da anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por incompetência do autor do acto, bem como sobre a questão da nulidade da notificação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, pela não especificação da delegação de competências do seu autor.
Assiste absoluta razão à impugnante.
Com efeito, por lamentável lapso, pelo qual nos penitenciamos, não foram conhecidas nem apreciadas, de forma alguma, as aludidas questões, formuladas pela impugnante, no requerimento apresentado em 5.12.2013 e que, na sentença, se decidiu conhecer.
Tal omissão configura a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, o qual dispõe que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O lapso verificado contende com o mérito da decisão, não podendo ser simplesmente rectificado, nos moldes previstos no art. 614º, do CPC, pelo que importa declarar a nulidade da sentença, nesta parte, e complementá-la, substituindo-a por outra que se pronuncie sobre as questões suscitadas pela impugnante, assim se suprindo a nulidade referida, conforme consente o nº 2, do art. 617º, do CPC.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), e 617º, nº 2, do CPC, declaro verificada a nulidade da sentença proferida a fls. 127 a 143 do proc. físico, procedendo-se, de seguida, ao seu complemento, a fim de suprir a referida nulidade.
Notifique.
Segue sentença, proferida em substituição da que se acaba de declarar nula, nos termos do art. 617º, nº 2, do CPC, que conterá a decisão das questões, cuja apreciação se omitiu, mantendo o restante conteúdo inalterado.»
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1.5. É dessa decisão que a recorrente vem declarar que «mantém o recurso interposto nos presentes autos», com alegações adicionais tendo concluído do seguinte modo:
«15. Para facilidade de enquadramento, o Recorrente junta as suas conclusões por referência à (nova) decisão recorrida.
Do exposto nas suas alegações de recurso originais e na presente alegação adicional apresentada ao abrigo do número 3 do artigo 617.º do Código de Processo Civil retira o Recorrente as seguintes conclusões:
(a) Na (nova) decisão recorrida o Tribunal a quo dá razão ao Recorrente na sua alegação de que a decisão da reclamação está ferida de anulabilidade por incompetência da sua autora.
(b) Mais decide o Tribunal a quo que tal vício determina a anulabilidade da decisão em causa.
(c) Tal significa que no momento do exame crítico e da formação da sua convicção o Tribunal a quo afirma a razão que assiste ao Recorrente – a decisão da reclamação está viciada de incompetência – mas não decide em conformidade com tal conclusão, ou seja, não decide no sentido da procedência de tal vício.
(d) A sentença recorrida padece assim do vício de nulidade, por oposição dos fundamentos com a decisão, o que se invoca nos termos do número 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
(e) Julgou o Tribunal a quo improcedente a impugnação apresentada pelo Recorrente em termos imediatos contra o indeferimento da reclamação contra a autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário por si efectuada em 27 de Junho de 2013, no montante de € 27 248 772,54, e, mediatamente, contra a autoliquidação em causa, na qual foi igualmente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, e condenou o Recorrente em custas, indeferindo, por outro lado, o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deduzido pela Recorrida.
(f) O Recorrente considera que a sentença recorrida enferma de erro nas soluções de direito nela consignadas.
(g) A título prévio, o Recorrente salienta que a redacção dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime que cria a contribuição sobre o sector bancário, que é citada pelo Tribunal a quo e que, assume-se, fundamenta a decisão recorrida, é a redacção vigente à data da prolação da sentença recorrida (27 de Dezembro de 2016) e não a redacção que vigorava à data dos factos relevantes (2013).
(h) O Recorrente não pode concluir quanto ao impacto que o erro do Tribunal a quo nesta sede poderá ter tido na decisão no sentido da improcedência da impugnação. Não pode, no entanto, deixar de o registar.
(i) Invocou o Recorrente nos presentes autos a (falta de) sustentação formal constitucional da regulamentação pelo Governo, através de portaria, de elementos essenciais da Contribuição sobre o Sector Bancário, como as taxas e a determinação da matéria colectável, do que decorre a respectiva inconstitucionalidade orgânica por violação do princípio da reserva de lei previsto no artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa e, em conformidade, toma ilegal a decisão que é objecto imediato da presente impugnação e a liquidação mediatamente contestada.
(j) Em cumprimento do disposto na alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República a “[c]riação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a fator das entidades públicas”, expressão da vertente formal do princípio da legalidade fiscal, também designado por princípio da reserva de lei formal, que exige uma intervenção de lei parlamentar, seja ela uma intervenção material que fixe a própria disciplina dos impostos ou o regime geral das taxas e das contribuições financeiras, ou uma intervenção de carácter formal que autorize o Governo a estabelecer essa disciplina.
(k) Em sentido material, o princípio da legalidade fiscal, também designado por princípio de reserva de lei material, exige que a lei (entenda-se, Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado do Governo), seja completa no que respeita aos elementos essenciais dos impostos, isto é, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, em cumprimento do disposto no número 2 do artigo 103.º da Constituição.
(l) A concepção tripartida dos tributos, que passou a relevar, ao lado das taxas e dos impostos, as contribuições financeiras, foi reflectida na Constituição da República Portuguesa pela revisão constitucional de 1997, que introduziu na alínea i) do número 1 do artigo 165.º a referência às “de contribuições financeiras a favor das entidades públicas.”
(m) Estas contribuições apresentam um carácter híbrido, na medida em que não reflectem nem a comutatividade directa e imediata, típica das taxas, nem o carácter unilateral inerente aos impostos. Estão em causa, outrossim, tributos que visam compensar benefícios potenciais e difusos dos respectivos sujeitos passivos.
(n) É geralmente aceite que o alcance da reserva de lei formal é distinto consoante esteja em causa a criação ou alteração de um imposto, por um lado, ou a criação ou alteração de uma taxa ou contribuição financeira, por outro, já que neste último caso aquela norma apenas sujeita à reserva de lei formal o respectivo regime geral.
(o) Até à presente data (sem prejuízo de terem decorrido quase 20 anos desde a revisão constitucional que introduziu a redacção vigente), não foi aprovado o regime geral das contribuições financeiras, o que tem levado a maioria da doutrina a considerar que, na ausência de um tal regime geral, tais tributos deverão ser tratados, para efeitos de aplicação do princípio da reserva de lei, como impostos.
(p) Concluiu o Tribunal a quo, em consonância com a posição assumida pelo Recorrente nos presentes autos, que a Contribuição sobre o Sector Bancário é uma contribuição financeira e, também em consonância com a posição assumida pelo Recorrente nos presentes autos e com a doutrina dominante, que a reserva de lei formal é aplicável ao tipo de tributo em causa:
(q) No entanto, e contrariamente ao defendido pelo Recorrente, considerou o Tribunal a quo que aquela reserva se bastava no caso concreto com a intervenção parlamentar traduzida na aprovação do Regime que cria a contribuição sobre o sector bancário:
(r) Mas tal conclusão é errada, porque, apesar de a Contribuição sobre o Sector Bancário ter efectivamente génese parlamentar, a Assembleia da República demitiu-se da sua função conformadora, tolerando ao Governo uma latitude manifestamente excessiva em confronto com o princípio da emanação parlamentar da competência tributária.
(s) Atente-se em especial nas taxas da Contribuição sobre o Sector Bancário, em que o legislador parlamentar não fixou, sequer indiciou, nas suas quatro intervenções neste âmbito os “critérios de decisão normativa a ter em conta na fixação efectiva da taxa”, tendo por outro lado permitido a fixação em concreto de taxas balizadas por limites de grande e crescente amplitude, numa atribuição de poderes totalmente discricionários ao Governo
(t) E tão discricionários são os poderes conferidos pela lei que o Governo nem sequer se sentiu na obrigação de enunciar, e muito menos de justificar, os critérios seguidos a respeito das taxas que em concreto foram sendo fixadas dentro da margem (por regra no limite máximo) concedida pela lei,
(u) Acresce que a Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, tem um conteúdo inovatório ao determinar a base de incidência objectiva da referida contribuição.
(v) Neste contexto, há que concluir, seguindo uma formulação do Tribunal Constitucional, que não estão “suficientemente recortados” por lei parlamentar alguns dos elementos essenciais da Contribuição sobre o Sector Bancário, como a incidência e a taxa, do que resulta a inconstitucionalidade orgânica das normas que regulamentaram a Contribuição sobre o Sector Bancário, pelo que a decisão do Tribunal a quo está neste passo viciada de erro de julgamento.
(w) Nem se alegue que a conclusão do Recorrente quanto ao vício invocado não procede porque é contrariada por alguma doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria da reserva de lei aplicável no caso das contribuições, nomeadamente o acórdão n.º 539/2015, de 20 de Outubro de 2015.
(x) É que a posição referida, que na prática se traduz em defender que a inexistência de um regime geral de contribuições financeiras é Irrelevante” do ponto de vista da conformidade constitucional das normas que regulam os elementos essenciais de uma contribuição, corresponde, na realidade, a esvaziar de conteúdo a parte final da alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, é fazer da mesma letra morta, como se a circunstância de inexistir, até à data, um regime geral das contribuições financeiras, fosse afinal uma “carta branca”, uma autorização parlamentar em aberto, para o Governo legislar nessa matéria como se nenhuma reserva de lei existisse.
(y) De outra forma, haveria que concluir que, na prática, a intervenção do legislador constitucional no sentido de expressamente consagrar a figura das contribuições, redundou, afinal, numa menor protecção dos contribuintes contra a actuação do Governo, que se encontraria liberto de qualquer constrangimento a este nível formal.
(z) E, tal como a liquidação e cobrança de impostos, também os actos tributários relativos a contribuições financeiras constituem restrições ao direito de propriedade dos respectivos sujeitos passivos, interferências essas sobre um direito fundamental e que, nessa exacta medida, não podem deixar de estar sujeitas ao princípio fundamental de “no taxation without representation”.
(aa) Negar a aplicação do princípio da reserva de lei formal no caso da Contribuição sobre o Sector Bancário conduziria assim à subversão do princípio da legalidade fiscal que dá substância à reserva de lei, a pretexto de uma facilitação do processo normativo que transformaria a Contribuição sobre o Sector Bancário no tributo “que o Governo quiser” ou “que o Governo for querendo”.
(bb) Mais: a inexistência de reserva de lei e a competência concorrente do Governo e da Assembleia da República em matéria dos elementos essenciais das contribuições financeiras geraria uma desigualdade ao nível da representação dos contribuintes a elas sujeitos, ora directamente, mediante emanação do órgão que os representa, ora indirectamente, mediante emanação do órgão que apenas indirectamente os representa.
(cc) O que, e em suma, torna organicamente inconstitucionais as normas que regulamentaram a Contribuição sobre o Sector Bancário, por violação do princípio da reserva de lei previsto na alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, e, consequentemente, determina a anulabilidade da decisão objecto imediato da presente impugnação e da liquidação que constitui seu objecto mediato, devendo a sentença recorrida ser revogada neste passo, por erro de julgamento, com as legais consequências.
(dd) Argumentou o Recorrente nos presentes autos que as normas que introduziram e regulamentaram a Contribuição sobre o Sector Bancário são também materialmente inconstitucionais por não serem identificáveis as prestações presumidas cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quanto ao grupo que o Recorrente integra e prováveis quando referidos ao Recorrente, prestações estas cuja compensação justificaria conceptualmente (e em termos constitucionais) a imposição de contribuições.
(ee) Com efeito, seja potencial, presumido ou mais ou menos difuso, o benefício e/ou a relação estabelecida entre o sujeito passivo de uma contribuição financeira e o respectivo sujeito activo tem de existir e ser perceptível.
(ff) A legitimidade constitucional de uma contribuição financeira pressupõe então uma equivalência jurídica de grupo, a qual depende da verificação de três requisitos — a homogeneidade de grupo, a responsabilidade de grupo e a utilidade de grupo — sendo bastante a inobservância de qualquer um dos mesmos para originar uma lesão do princípio da capacidade contributiva.
(gg) Por outro lado, o princípio da equivalência deve ser sempre funcionalizado pelo princípio da proporcionalidade. Benefícios manifestamente diferentes não podem proporcionar o mesmo encargo, encargo algum deveria resultar de benefícios inexistentes.
(hh) A esta luz, a conformação com o parâmetro constitucional exige como critério mínimo uma susceptibilidade de aproveitamento pelos sujeitos passivos do tributo dos benefícios que o mesmo pretende remunerar, e é justamente essa susceptibilidade de aproveitamento que o Recorrente considera inexistir no caso da Contribuição sobre o Sector Bancário.
(ii) O Tribunal a quo não aceitou a conclusão do Recorrente, julgando não ser violado o princípio da equivalência.
(jj) Na interpretação que o Recorrente julga ser lícito retirar da fundamentação de direito do Tribunal a quo na sua conclusão de que a Contribuição sobre o Sector Bancário não é materialmente inconstitucional, a decisão baseia-se nos vários objectivos do tributo que são identificados.
(kk) Aponta o Tribunal a quo como um dos múltiplos objectivos da Contribuição sobre o Sector Bancário o de “reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro” e de “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector bancário da que onera o resto da economia e de fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas”.
(ll) O Tribunal a quo aceita assim, acriticamente, a conclusão subjacente àquela enunciação de objectivos (que recebe do legislador), qual seja a de que o “sector financeiro” não suporta o “esforço fiscal” que lhe competiria, em violação de um princípio de igualdade vertical, o que já seria por si só condenável, porque não substanciada em factos e dados que a confirme, sendo até por eles contrariada.
(mm) Em qualquer hipótese, o objectivo identificado pelo Tribunal a quo é dogmaticamente incompatível com os princípios constitucionais aplicáveis às contribuições financeiras, que não são, não podem ser, aptas à modelação da repartição da carga fiscal e à calibração do esforço de consolidação das contas públicas, já que (conforme anteriormente se concluiu) a única justificação constitucionalmente admissível é a da compensação da provocação ou aproveitamento presumidos de prestações públicas que se encontram disponíveis de forma segura para o grupo homogéneo de sujeitos passivos da mesma.
(nn) A utilização (que no caso da Contribuição sobre o Sector Bancário é confessada pelo legislador, note-se) de uma contribuição financeira para acudir a uma putativa míngua do esforço fiscal incidente sobre um determinado grupo de contribuintes constitui uma evidência gritante da total desconformidade com o princípio da equivalência de que a Contribuição sobre o Sector Bancário enferma.
(oo) Em consequência, não procede a conclusão do Tribunal a quo de que, por ter como objectivo “reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro” e de “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector bancário da que onera o resto da economia e de fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas”, a Contribuição sobre o Sector Bancário não é materialmente inconstitucional.
(pp) Afirma também o Tribunal a quo que a Contribuição sobre o Sector Bancário visa “suportar financeiramente a actividade do Estado regulador e supervisor”, objectivo este que não concretiza, mas que justificaria a desnecessidade de “obedecer às exigências apontadas pel[o Recorrente]”, quais sejam as de que fossem “identificáveis as prestações presumidas provadas pelos respectivos sujeitos ou por eles presumivelmente aproveitadas.”
(qq) O Recorrente não compreende o raciocínio do Tribunal a quo, pelo que lhe é difícil escrutiná-lo. Sempre dirá no entanto, que o alegado propósito de suportar financeiramente as ditas actividades do Estado não eximiria o legislador da obrigação de legitimação constitucional assente no princípio da equivalência.
(rr) Procurando retirar das afirmações do Tribunal a quo um sentido coerente com o contexto em que as mesmas são feitas, ou seja, o contexto da justificação constitucional da Contribuição sobre o Sector Bancário, o Recorrente admite que neste passo se pretende concluir que as instituições financeiras que enquanto sujeitos passivos suportam a Contribuição sobre o Sector Bancário beneficiam do apoio financeiro do Fundo de Resolução nacional a medidas de resolução e ou estão na origem da necessidade de aplicação, pelo Banco de Portugal, de medidas de resolução da sua competência.
(ss) No entanto, tal raciocínio pressupõe inevitavelmente e desde logo que se descortine na arquitectura das medidas de resolução (que, simplificadamente, o Fundo de Resolução nacional visaria financiar) uma ou mais prestações públicas cuja provocação ou aproveitamento sejam “seguros” quanto ao grupo dos sujeitos passivos da Contribuição sobre o Sector Bancário, ainda que apenas “prováveis” para cada um desses sujeitos individualmente considerados, incluindo o Recorrente.
(tt) Ora, a única “segurança” que parece existir a este respeito depõe precisamente no sentido inverso, em termos concretos, e a própria noção de “probabilidade” encontra-se arredada do circunstancialismo que, em termos teóricos, pode motivar a disponibilização de apoio financeiro pelo Fundo de Resolução nacional, aquele ao qual a receita da Contribuição sobre o Sector Bancário se encontra consignada.
(uu) É que, por definição, a intervenção do Fundo de Resolução nacional deveria ocorrer em situações absolutamente disruptivas, que se pretendem e esperam “improváveis”, sendo o apoio financeiro que o mesmo faculta como que uma rede de protecção contra situações imprevistas.
(vv) E, ainda que se relativize a dita exigência de probabilidade de fruição da prestação pública por cada um dos indivíduos que integram o grupo, cumprirá, pelo menos, examinar a situação sob a égide do princípio da proporcionalidade, havendo que concluir inevitavelmente pela existência de uma desproporção manifesta e flagrante entre o ónus que impende sobre cada sujeito passivo da Contribuição sobre o Sector Bancário e a virtualmente nula utilidade que pode extrair do bem público que assim financia.
(ww) A esta luz, é manifesto que não existe no caso da Contribuição sobre o Sector Bancário a bilateralidade indirecta, o sinalagma difuso, em suma, a equivalência jurídica de grupo que poderia, em tese, justificar a respectiva imposição.
(xx) Aliás, a metamorfose da Contribuição sobre o Sector Bancário ao longo do tempo — tanto no que respeita à afectação legal da respectiva receita como no que se refere às justificações para a utilização efectiva da mesma — denuncia precisamente a carência de tal equivalência jurídica, porque nunca se atendeu quer aos riscos causados, quer ao putativo aproveitamento das prestações públicas que o tributo visaria financiar.
(yy) Por outro lado, a sujeição ao crivo do princípio da proporcionalidade de qualquer contribuição financeira acarreta forçosamente a susceptibilidade de uma aferição, ainda que grosseira, da medida dos encargos motivados ou dos benefícios auferidos, ainda que presuntivamente, sob pena de a bitola da proporcionalidade se tornar letra morta.
(zz) Esta preocupação está claramente arredada da configuração da Contribuição sobre o Sector Bancário, já que, mesmo que se pudesse aceitar que a base tributável da Contribuição sobre o Sector Bancário Base se molda à medida do risco gerado (o que manifestamente não se pode), é patente no tributo o alheamento a qualquer ponderação do aproveitamento potencial, indirecto ou difuso.
(aaa) Em consequência, não procede a conclusão do Tribunal a quo de que, por ter como objectivo “suportar financeiramente a actividade do Estado regulador e supervisor”, a Contribuição sobre o Sector Bancário não é materialmente inconstitucional.
(bbb) Descortina o Tribunal a quo ainda como objectivo do legislador da Contribuição do Sector Bancário o de “ [harmonizar] o sistema de resolução de crises financeiras ao nível europeu”, que o Recorrente admite pretender significar que a introdução da Contribuição sobre o Sector Bancário se inseriu num esforço de harmonização da resolução de instituições bancárias ao nível da União Europeia, na sequência da crise financeira que se começou a manifestar a partir de 2007/2008, primeiro nos Estados Unidos da América e posteriormente na Europa, incluindo Portugal.
(ccc) No entanto, a Contribuição sobre o Sector Bancário, enquanto receita consignada ao Fundo de Resolução nacional, não tem qualquer relação, nem pode conceptualmente ter, com o “sistema de resolução de crises financeiras ao nível europeu”, já que este assenta num Fundo Único de Resolução e em medidas da competência do Mecanismo Único de Resolução, que à data a que se reportam os presentes autos nem sequer vigoravam ainda.
(ddd) Com efeito, apenas com a aplicação (desde 1 de Janeiro de 2015) da Directiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, foi harmonizada a recuperação e resolução de instituições de crédito ao nível da União Europeia, aliás na sequência da constatação, precisamente, das profundas divergências (e “desarmonia”) que se verificavam ao nível das diferentes ordens jurídicas dos Estados membros participantes, potenciadoras de distorções na concorrência.
(eee) Mais: da harmonização ficaram de fora a recuperação e resolução de algumas entidades, que continuam a competir às autoridades de cada Estado membro, ou seja, que continuam “não harmonizadas”.
(fff) A Contribuição sobre o Sector Bancário não pode assim ser justificada à luz do objectivo de “harmonizar o sistema de resolução de crises financeiras ao nível europeu” invocado pelo Tribunal a quo, porque, de facto, não contribui nem por definição pode contribuir para tal objectivo.
(ggg) Em consequência, não procede a conclusão do Tribunal a quo de que, por ter como objectivo “harmonizar o sistema de resolução de crises financeiras ao nível europeu”, a Contribuição sobre o Sector Bancário não é materialmente inconstitucional.
(hhh) Aparentemente perfilhando o “discurso oficial” sobre as causas da crise que precedeu a sua introdução, segundo o qual a mesma radica primacialmente no comportamento do sector financeiro, o Tribunal a quo parece aderir ao pretexto “correctivo” (senão mesmo punitivo) da Contribuição sobre o Sector Bancário, que visaria condicionar tal comportamento, não fundamentando em que medida é que a consideração de eventuais fins extratributários como o referido justificaria a Contribuição sobre o Sector Bancário à luz do princípio da equivalência.
(iii) O Recorrente aceita que a indução de um comportamento pode ser o objectivo e — assumindo que seja devidamente gizado e implementado — a consequência da aplicação de um tributo, mas tal não consubstancia certamente uma prestação eventual ou presumida que o sujeito passivo possa provocar ou da qual possa aproveitar.
(jjj) Por outro lado, não se vislumbra qualquer conexão entre tal alegada pretensão de dissuasão do risco e um benefício potencial, indirecto ou difuso para o respectivo sujeito passivo, porque não é admissível uma acepção “paternalista” do papel do legislador, à luz da qual a dissuasão do risco constituiria como que “um bem em si mesmo” e a não assunção de comportamentos de risco uma vantagem para o sujeito passivo que caberia a este último retribuir, como que remunerando os “conselhos” do Estado.
(kkk) Não seria menos absurdo pretender surpreender uma suposta prestação pública na condução do sujeito passivo à adopção de um comportamento conducente à mitigação da sua carga tributária (no caso da Contribuição sobre o Sector Bancário, através da redução do passivo e do valor nocional dos instrumentos derivados fora do balanço), porquanto em tal cenário toda e qualquer contribuição financeira seria automática e auto-poieticamente justificada.
(III) Por fim, se, como alega o Tribunal a quo, o objectivo da Contribuição sobre o Sector Bancário é o de “mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos associados ao sistema financeiro, impedindo determinados comportamentos de risco”, nomeadamente, e tal como se conclui da base da incidência do tributo, a assunção de passivo, não se vê como é que a alteração dos “comportamentos de risco” no sentido pretendido pelo legislador, mediante a redução do passivo pode justificar, como de facto justificou, um aumento da taxa que não numa concepção pura de obtenção de receita fiscal, por forma a compensar a diminuição da receita.
(mmm) Em consequência, não procede a conclusão do Tribunal a quo de que, por ter como objectivo “mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos associados ao sistema financeiro, impedindo determinados comportamentos de risco”, a Contribuição sobre o Sector Bancário não é materialmente inconstitucional.
(nnn) Considera também o Tribunal a quo (mais uma vez sem fundamentar) que o eixo do aproveitamento das supostas prestações públicas financiadas pela Contribuição sobre o Sector Bancário “atende aos custos previstos e aos benefícios para o sujeito passivo, visando (...) evitar que sejam os contribuintes a suportar as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário”.
(ooo) No entanto, não merecendo discussão que o risco financeiro de natureza sistémica afecta a economia e, necessariamente, toda a vida em sociedade, que, por motivos de natureza vária, se encontram umbilicalmente dependentes do sector financeiro, é ilegítima a sua conceptualização como um problema privativo desse mesmo sector, ou ainda mais particularmente do sistema bancário.
(ppp) É que o sector financeiro faz parte da economia e toda a economia — no limite, toda a comunidade — beneficia e sofre com os seus sucessos e malogros, do mesmo modo que a conduta dos demais agentes produtivos e dos consumidores condiciona o desempenho do sector financeiro.
(qqq) Como tal, e a menos que se aceite uma reconfiguração da Contribuição sobre o Sector Bancário como instrumento punitivo — o que, de todo o modo, eximiria a generalidade dos sujeitos passivos da respectiva incidência —, é insustentável a percepção, que parece perpassar a sentença recorrida, de que competiria ao sector bancário suportar as “perdas e encargos” por si alegadamente gerados no desempenho das funções que a Constituição da República Portuguesa lhe reconhece.
(rrr) Com efeito, à luz do princípio da equivalência é no mínimo incerto — e, portanto, certamente não “seguro” — que seja o sector financeiro o beneficiário mais relevante das medidas de resolução que causam “as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário” a que o Tribunal a quo pretenderá referir-se.
(sss) Mais: não é líquido que para um sujeito passivo da Contribuição sobre o Sector Bancário seja mais vantajoso o apoio a uma instituição concorrente objecto de uma medida de resolução, tendo em vista evitar um “contágio” que o prejudique directamente, do que a inexistência de tal apoio, em termos tais que redunde na dissolução e liquidação do património da instituição concorrente, permitindo ao dito sujeito passivo não só poupar verbas muito significativas que despenderia no pagamento da Contribuição sobre o Sector Bancário, como captar clientes, recursos e operações até então na esfera da instituição dissolvida.
(ttt) E, ainda que se admita o interesse colectivo do sector financeiro na manutenção da estabilidade enquanto objectivo ideal, é pelo menos inverosímil que exista um “interesse homogéneo” daquele grupo no modo como a mesma é alcançada e muito menos uma percepção uniforme de quanto se está disposto a suportar no plano tributário para a assegurar.
(uuu) Já no que se refere ao benefício para a comunidade como um todo, o próprio legislador (nacional e da União Europeia, note-se) parece não ter dúvidas, uma vez que a aparelhagem jurídica que construiu nesta matéria não coloca à consideração do sector financeiro a decisão de apoiar, ou não, determinada instituição e, em conformidade, gerar “as perdas e os encargos” a que o Tribunal a quo pretenderá referir-se.
(vvv) Assim, inexiste uma verdadeira paracomutatividade, na medida em que a repartição dos encargos resultantes de uma tarefa do Estado beneficia muito mais do que o círculo restrito dos sujeitos passivos da Contribuição sobre o Sector Bancário (se é que não beneficia apenas quem não o integra...), o que torna evidente a falta de equivalência e, por inerência, a desproporcionalidade da mesma, sendo tais flagrantes violações dos princípios da equivalência e da proporcionalidade bastantes para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade material da Contribuição sobre o Sector Bancário.
(www) Acresce a todo o exposto que a utilização efectiva da receita do Fundo de Resolução nacional, nomeadamente da Contribuição sobre o Sector Bancário, está longe de consubstanciar uma prestação pública no sentido da prevenção e/ou cobertura de riscos sistémicos através de apoio financeiro a medidas de resolução, já que o apoio financeiro “possível” do Fundo de Resolução nacional encontra-se actualmente limitado a alguns tipos de instituições financeiras, que não o Recorrente nem as principais instituições bancárias nacionais, pelo que o “sistema” na origem de tal “risco sistémico” potencialmente gerador das “perdas e encargos” a que o Tribunal a quo pretenderá referir-se não tem dimensão relevante e, mesmo que tivesse, dele não fazem parte todos, sequer alguns dos mais importantes contribuintes da Contribuição sobre o Sector Bancário.
(xxx) Por outro lado, de facto, a actividade do Fundo de Resolução nacional limitou-se e limitar-se-á no futuro com grande probabilidade à detenção e financiamento/garantia/alienação do B……, S.A., instituição de transição criada em resultado da aplicação da medida de resolução ao C…….., S.A., e à detenção e financiamento/garantia da D……., S.A., veículo de gestão de activos, criado na sequência da aplicação de medidas de resolução ao E…… -……., S.A.
(yyy) Avolumando-se os indícios de que, pelo menos na primeira das situações referidas no ponto anterior (e a mais representativa em termos de volume), a alegada necessidade e a opção do Banco de Portugal pela aplicação de medidas de resolução não decorreu da materialização do risco sistémico potencialmente gerador das “perdas e encargos” a que o Tribunal a quo pretenderá referir-se pela adopção de condutas de arrojo destemperado, mas da conjugação de práticas ilícitas (incluindo práticas criminalmente ilícitas) e do deficiente exercício de poderes de supervisão por parte do Banco de Portugal, ou pelo menos de insuficiência dos mesmos por inabilidade, legislativa ou de outro tipo.
(zzz) Desta forma, a receita angariada através da Contribuição sobre o Sector Bancário não poderá acudir a necessidades que não necessidades financeiras públicas gerais inerentes à prossecução de fins do Estado, dotando o Fundo de Resolução nacional de recursos que não visam responder a quaisquer potenciais eventos futuros que afectem de forma específica um determinado grupo homogéneo relevante”, mas antes reagir a posteriori a carências estritamente financeiras resultantes de factos já passados, concretos e de enorme relevância, com responsabilidade evidente e indesmentida de várias entidades públicas e do próprio Estado através da tutela do sector financeiro, factos esses que envolvem toda a comunidade, muito para além do sistema bancário.
(aaaa) Deste contexto infere-se com meridiana clareza um violento desprezo pelos critérios da responsabilidade de grupo e da utilidade de grupo, porquanto não apenas não se demonstra nem se pode demonstrar qualquer contributo do sistema financeiro, como um todo, para as situações em causa — de natureza profundamente distinta da mera concretização do risco sistémico inerente ao sector financeiro potencialmente gerador das “perdas e encargos” a que o Tribunal a quo pretenderá referir-se —, nem tão-pouco qualquer medida de relação com o putativo aproveitamento presumido (e muito menos seguro) pelos sujeitos passivos da Contribuição sobre o Sector Bancário.
(bbbb) Em consequência, não procede a conclusão do Tribunal a quo de que, por ter como objectivo “evitar que sejam os contribuintes a suportar as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário”, a Contribuição sobre o Sector Bancário não é materialmente inconstitucional.
(cccc) Demonstrada que fica a falta de razão que assiste ao Tribunal a quo nos diferentes pontos da sustentação da posição que assumiu, cabe concluir (ou antes, sistematizar a conclusão que já foi sendo demonstrada) quanto ao verdadeiro fundamento da Contribuição sobre o Sector Bancário: a obtenção de receita fiscal junto do “sector financeiro”.
(dddd) Conclui assim o Recorrente que a Contribuição sobre o Sector Bancário carece de justificação com base no princípio da equivalência, o que torna o Regime que cria a contribuição sobre o sector bancário e a Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, materialmente inconstitucionais, inconstitucionalidade esta que se reflecte na decisão imediatamente impugnada e na liquidação que é objecto mediato da presente impugnação, devendo a sentença recorrida ser revogada, por erro de julgamento, com as legais consequências.
(eeee) A Recorrida peticionou nos presentes autos a dispensa do pagamento de custas processuais acima de € 275 000, nos termos do número 6 do artigo 7.º Regulamento das Custas Processuais, o que foi indeferido pelo Tribunal a quo.
(ffff) No entanto, sob nenhum dos aspectos referidos relevantes para aqueles efeitos deve a presente acção ser considerada complexa, na medida em que na mesma não foi notoriamente necessária a análise combinada de várias questões jurídicas de espectro diverso nem de factos controversos, sendo o exercício que é referido pelo Tribunal a quo (a “árdua tarefa de hermenêutica para fundamentação da matéria de facto e aplicação do direito”) o exercício mínimo exigível em qualquer decisão judicial.
(gggg) Por outro lado, as partes intervenientes agiram de boa-fé processual, não tendo sido produzida prova testemunhal ou prova pericial — não tendo, assim, ocorrido qualquer acção de especial complexidade ou morosidade, pelo que estão preenchidos os pressupostos de que o número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais faz depender a dispensa de pagamento da taxa de justiça em relação ao valor remanescente ao montante de € 275 000.
(hhhh) Subsidiariamente, ainda que se entenda que não é aplicável a dispensa do pagamento de custas acima dos € 275 000, o facto é que o valor a apurar com base nas regras gerais será certamente excessivo por notoriamente desproporcional face aos serviços efectivamente prestados, desta forma sendo violados o princípio constitucional da proporcionalidade, aqui na sua vertente da adequação, e o direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais, nos termos já sancionados pelo Tribunal Constitucional e pela jurisprudência dos tribunais superiores.
(iiii) O Recorrente considera que, por ter procedido à autoliquidação que contesta e ao pagamento do valor autoliquidado em obediência à posição pública e conhecida da Administração Tributária a propósito da questão controvertida, lhe assiste o direito a juros indemnizatórios nos termos do número 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, devendo tal direito ser aqui reconhecido.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado e, em consequência, declarando-se a nulidade acima invocada, com as legais consequências.
Subsidiariamente, caso se entenda não existir a nulidade suscitada, sempre deverá dar-se provimento ao recurso, nos termos acima alegados, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a procedência total da impugnação, com as legais consequências.»
*
1.6. Não foram produzidas contra-alegações.
*
1.7. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«…
O recorrente, A………, SA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 273/293, em 27 de Dezembro de 2016, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação da Contribuição Sobre o Setor Bancário (CSB) do ano de 2013, no entendimento de que o tributo em causa é uma contribuição financeira e, como tal, as normas que a preveem e regulam não são organicamente ou materialmente inconstitucionais, que embora a decisão de indeferimento da reclamação graciosa seja anulável por incompetência do seu autor é de considerar improcedente tal vício por não afetar o ato de autoliquidação e que é de indeferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta a elevada complexidade das questões analisadas e decididas.
O recorrente assaca à sentença recorrida vício formal de contradição entre os fundamentos e a decisão.
A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão «...apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adotada na decisão» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, II volume, página 361, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Ora, como bem sustenta a recorrente, parece certo que ocorre a pontada nulidade da sentença sindicada.
De facto, o recorrente interpôs a presente ação, tendo como objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e objeto mediato o ato de autoliquidação da CEBS de 2013.
A sentença recorrida considerou que a decisão que indeferiu a reclamação graciosa é anulável por incompetência do seu autor.
Não obstante tal fundamentação, julgou improcedente a totalidade da impugnação, com o argumento de que tal vício não tinha quaisquer consequências jurídicas quanto à anterior autoliquidação do tributo.
Ora, não pode ser assim.
Na verdade, embora seja certo que o vício que afeta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não se repercute na anterior autoliquidação, a verdade é que essa decisão é objeto imediato da impugnação judicial e, uma vez reconhecido o vício de incompetência que a invalida, deve ser determinada a anulação dessa decisão e não o contrário, sob penda de evidente nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
A sentença recorrida sofre, pois, da apontada nulidade.
Há, pois, que suprir tal nulidade, revogando a decisão neste segmento e anulando a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e consequente condenação, proporcional, em custas da Fazenda Pública.
No que concerne ao ato de autoliquidação, ressalvado melhor juízo, deverá ser mantida a sentença recorrida.
Vejamos.
O artigo 141.º da Lei 55-A/2010, de 31/12 (LOE 2011), em vigor, em 01/01/2011, aprovou o regime que cria a CSB.
No artigo 1.º do referido artigo 141.º é definido o objeto de tal regime, no artigo 2.º é definida a incidência subjetiva, no artigo 3.º é definida a incidência objetiva, no artigo é definida a taxa entre um limite mínimo e um limite máximo, no artigo 5.º é regulada a liquidação, no artigo 6.º o pagamento da contribuição e o artigo 7.º define o direito subsidiário aplicável
No artigo 8.º do mesmo artigo 141.º estatui-se que a base de incidência definida pelo artigo 3.º, as taxas aplicáveis nos termos do artigo 4.º, assim como as regras de liquidação, cobrança e pagamento serão objeto de regulamentação por portaria do Ministério das Finanças, ouvido do Banco de Portugal.
E, assim, publicada a Portaria 121/2011, de 30/03, que veio regulamentar e estabelecer as condições de aplicação da contribuição sobre o setor bancário, sendo certo que no artigo 4.º regulamenta a quantificação da base de incidência e no artigo 5.º fixa as taxas aplicáveis.
O artigo 182.º da Lei 64-B/2011, de 30/12 (LOE 2012) prorrogou o regime em causa e alterou o normativo do artigo 3.º/a), sendo que o artigo 252.º da Lei 66-B/2012 (LOE 2013), de 31/12, prorrogou o regime para o ano de 2013.
Na sequência das alterações operadas pelo artigo 182.º da Lei 64-B/2011, a Portaria 77/2012, de 26/03 alterou os artigos 3.º/a) e 4.º/ c) da Portaria 121/2011.
O DL 31-A/2012, de 10/02 aditou ao RGICSF os artigos 153º/a) a 153.º-U, por via dos quais foi criado o Fundo de Resolução.
O Fundo de Resolução tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais que lhe sejam conferidas por lei no âmbito do exercício de tais medidas (artigo 153.º-C do RGICSF), sendo certo que as receitas da CSB constituem, também, seu recurso (artigo 153.º-F/1/ a) RGICSF).
A Lei 75-A/2014, de 30/09 alterou o OE para 2014, de modo a permitir a transferência das receitas da CSB dos anos de 2013 e 2014 para o Fundo de Resolução.
Note-se que o artigo 22.º/2 da Lei 83-C/2013, de 31/12 (LOE 2014), prevê que a transferência será feita ao abrigo do disposto no artigo 153.º-F/1/ a) do RGICSF, que estatui que as receitas da CSB são receitas próprias do Fundo de Resolução.
O recorrente participa, obrigatoriamente, no Fundo de Resolução.
Consta do preâmbulo da Portaria 121/2011 que “A Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, estabeleceu no seu artigo 141.º um regime de contribuição sobre o setor bancário, definindo os elementos essenciais deste tributo público em termos semelhantes das contribuições já introduzidas por outros Estados membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo setor financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os efeitos sistémicos que lhe estão associados”.
A CSB parece ser, assim, uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública (Fundo de Resolução), já que tem uma natureza híbrida, que compartilha em parte a natureza dos impostos, porquanto não tem uma contrapartida individualizada para cada contribuinte e em parte a natureza das taxas, pois que visa retribuir o serviço prestado pelo Fundo de Resolução a um certo círculo de entidades que beneficiam coletivamente da atividade daquela.
De facto, o tributo em causa parece não poder qualificar-se como um imposto, uma vez que a sua finalidade não é, exclusivamente, a obtenção de receita, não é a de fazer com que as entidades sujeitas concorram para os gastos gerais da comunidade, mas antes fazer com que o setor financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico, inerente à sua atividade.
Afigura-se não se mostrar violado o princípio da legalidade, pois que, no plano formal, as contribuições financeiras, à semelhança das taxas, nos termos da CRP (artigo 165.º/1/i) estão subordinadas a um regime de reserva de lei parlamentar circunscrita ao regime geral.
O facto de não ter sido, ainda, aprovado o regime geral das contribuições financeiras não obsta a que o Governo aprove a criação de contribuições financeiras individualizadas, sem prejuízo da AR poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma no exercício dos seus poderes constitucionais (nesse sentido acórdão do Tribunal Constitucional 539/2015, de 19/11, disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), sendo, todavia, certo que o regime jurídico da CEBS foi, efetivamente, aprovado por Lei da AR, Lei 55-A/2010 e a Portaria do Governo 121/2001, se limitou a concretizar esse regime dentro dos parâmetros, bastante rígidos fixados pela mencionada Lei da AR.
Por último entende o recorrente que se mostra violado o princípio da igualdade.
Como se diz no acórdão do TC 539/2015, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt “este princípio aplicado às contribuições financeiras diz-nos que estas devem ter uma relação de equivalência com o valor do benefício obtido ou o custo provocado pelos sujeitos passivos dessas contribuições, devendo ter-se em conta que essa equivalência não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes”.
Ora, parece adequado e justo que os custos resultantes do apoio ao setor financeiro devam ser suportados por esse setor através de receitas que permitam reduzir a probabilidade de surgimento de crises e responder pelos seus custos, sendo certo que não resulta demonstrado que seja exigido ao sujeito passivo um montante acima da prestação de que poderá, eventualmente, beneficiar.
Assim sendo, salvo melhor juízo, não se mostra violado o princípio da equivalência, corolário do princípio da legalidade, estatuído no artigo 13.º da CRP.
Vejamos, agora a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nos termos do disposto no artigo 6.º/7 do RCP “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
São, designadamente, dois os pressupostos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça:
-A menor complexidade ou simplicidade da causa;
-A positiva atitude de cooperação das partes.
Nos termos do disposto no artigo 530.º/7 do CPC “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
- Contenham articulados ou alegações prolixas;
- Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e
- Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Ora, no caso em análise está a em causa, nomeadamente, a apreciação da constitucionalidade orgânica e material das normas que criaram a CESB, pelo que estamos perante uma ação de elevada complexidade, como decorre da vasta doutrina e jurisprudência acerca da criação das contribuições financeiras.
Foi apresentada Petição de impugnação judicial e requerimento superveniente.
A Fazenda Pública contestou, tendo deduzido oposição ao peticionado no requerimento superveniente.
O impugnante respondeu a essa oposição.
As partes apresentaram alegações escritas.
O MP emitiu parecer
Ora, do que se disse, ressalta, a nosso ver, que as partes tiveram um comportamento processual normal.
A sentença recorrida indeferiu o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, no simples entendimento de que a causa é de elevada complexidade.
Ora, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, não basta essa simples constatação para indeferir a pretensão do impugnante.
De facto, como este refere nas conclusões das suas alegações é necessário apreciar se o remanescente da taxa de justiça a apurar não será, manifestamente, desproporcional face ao serviço judiciário, efetivamente, prestado.
Há, pois, que apurar se existe manifesta desproporcionalidade entre a exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça e o serviço prestado.
Tendo a ação o valor de € 27.248.772,54. ressalvado erro de cálculo, o valor do remanescente da taxa de justiça em 1.ª instância rondará os 330.159,00 €, tendo o recorrente pago já 2.448,00€.
Ora, a exigência desse valor é notoriamente desproporcional ao serviço judiciário prestado, pelo que a interpretação que a sentença recorrida faz dos normativos dos artigos 6.º e 11.º, conjugados com a Tabela IA, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais estatuído no artigo 20.º, conjugado com o princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º/2, todos da CRP.
Parece, assim, ser de deferir a pretensão de dispensa do remanescente da taxa de justiça, embora parcialmente, atenda a complexidade da causa.
Termos em que deve dar-se parcial provimento ao recurso, nos termos enunciados.».
*
1.8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. Em 27 de Junho de 2013, o A………., S.A., pagou a quantia de € 27.248.772,54, a título de contribuição sobre o sector bancário (doc. de fls. 5 a 7 do processo de reclamação graciosa).
2. No dia 8 de Julho de 2013, o A……….., S.A., apresentou reclamação graciosa contra a liquidação referida em 1) (doc. de fls. 2 a 4 da Reclamação Graciosa apensa).
3. Em 26 de Agosto de 2013, a Divisão de Gestão e Assistência Tributária, da Unidade dos Grandes Contribuintes, elaborou a informação nº 95-AIR1/2013, propondo o indeferimento da reclamação graciosa (doc. de fls. 14 a 20 da reclamação graciosa apensa).
4. Em 4 de Outubro de 2013, a Chefe de Divisão, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária, da Unidade dos Grandes Contribuintes decidiu o seguinte:
“1. Concordo com o projeto de decisão.
2. Notifique-se o contribuinte.
2013.10.04
F………..
Chefe de Divisão
Por delegação” (doc. de fls. 14 da reclamação graciosa).
5. Em 31 de Outubro de 2013, a Chefe de Divisão, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária, da Unidade dos Grandes Contribuintes decidiu o seguinte:
“1. Concordo com os fundamentos da informação, pelo que indefiro a reclamação graciosa.
2. Notifique-se o contribuinte.
2013.10.31
F…………
Chefe de Divisão
Por delegação” (doc. de fis. 21 da reclamação graciosa.
6. Pelo ofício n.º 2801, de 1 de Novembro de 2013, foi levado ao conhecimento do A……….., S.A., que “conforme Despacho exarado na nossa informação nº 203-AIR1/2013 cuja cópia se junta, foi indeferido o pedido formulado nos autos” (doc. constante da reclamação graciosa).».
*
3.1. O recorrente questiona a sentença de fls. 271-293, de 27 de Dezembro de 2016, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação da Contribuição Sobre o Setor Bancário (CSB) do ano de 2013.
Começa o recorrente por afirmar que a sentença sofre de vício formal de contradição entre os fundamentos e a decisão pois que, embora reconhecendo que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa seja anulável por incompetência do seu autor, é de considerar improcedente tal vício por não afetar o ato de autoliquidação.
*
3.2. Resulta da decisão de fls. 271 que foi declarada a verificação da nulidade da sentença de fls. 127 a 143 e que, por isso, foi proferida sentença, em substituição daquela, pela que consta de fls. 273 a 293.
Entendeu a sentença, agora em apreciação, sobre a questão da incompetência do órgão decisor da reclamação graciosa, que a impugnante consta identificada como uma grande contribuinte, a ser acompanhada pela Unidade dos Grandes Contribuintes, nos termos do Despacho n.º 6999/2013, de 30.5, do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (publicada em Diário da República, 2.ª série, nº 104, 30 de Maio de 2013) pelo que pelo facto de ser uma “grande contribuinte”, o órgão competente para decidir a reclamação graciosa era o Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, não a Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.
Referiu também que o Decreto-Lei nº 6/2013, de 17 de Janeiro, que operacionaliza a Unidade dos Grandes Contribuintes, dispõe, no artigo 9°, que se consideram reportadas ao diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente aos grandes contribuintes, as competências que os códigos tributários e demais legislação não aduaneira remetam, expressa ou implicitamente, para os diretores de finanças e para o diretor dos Serviços de Inspeção Tributária.
Acrescentou, por isso, que o órgão competente para decidir a reclamação graciosa era o Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes e, sendo uma competência deste, só poderia ser praticado pela Chefe de Divisão se lhe tivesse sido especificamente delegado tal poder.
Referiu, ainda, que, de acordo com o artigo 131º do CPPT, a impugnação judicial em caso de autoliquidação é precedida de reclamação graciosa, dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração (o artigo 6º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, do diploma que aprova o CPPT, refere que consideram-se órgãos periféricos regionais, as direções de finanças da Autoridade Tributária e Aduaneira, sempre que estejam em causa atos por estes praticados).
Ainda, segundo a decisão recorrida, inexistindo um ato de delegação de poderes, a decisão da reclamação graciosa sofre de vício determinante de anulabilidade, por vício de incompetência relativa do seu autor (artigo 135º do CPA).
Conclui que tal circunstância apenas determina a anulabilidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa pois que a ocorrência de vício de forma, em momento posterior à efetivação da liquidação, não projeta efeitos anulatórios sobre este ato pois que tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes relativamente ao ato liquidação, devendo antes visualizar-se como formalidade não essencial que em nada afetou os direitos de defesa do impugnante.
Ainda segundo a sentença recorrida a impugnante não pode almejar a anulação do ato de liquidação com base num vício de procedimento praticado no âmbito do procedimento de reclamação graciosa já que, de acordo com o artigo 131º, n.º 1 do CPPT, em caso de autoliquidação, a apresentação da impugnação judicial é condicionada à prévia apresentação de uma reclamação graciosa necessária pretendendo-se com tal pressuposto que a AT emita pronúncia num procedimento em que ainda não manifestou a sua vontade (porquanto compete ao sujeito passivo proceder à declaração, quantificação e entrega da obrigação tributária) de forma a assegurar o “princípio da economia dos meios processuais, não inundando o Tribunal com questões que podem ser resolvidas em outras sedes”.
Afirma, ainda, que tal desiderato foi plenamente atingido com a decisão proferida, ora em apreço, sendo que, a ocorrência de um vício em momento posterior à efetivação da liquidação, não pode projetar efeitos anulatórios sobre o ato de liquidação.
*
3.3. Sustenta o recorrente, conclusões a) a d), que a decisão da reclamação está viciada de incompetência – mas a sentença não decide em conformidade com tal conclusão, ou seja, não decide no sentido da procedência de tal vício pelo que padece do vício de nulidade, por oposição dos fundamentos com a decisão, o que se invoca nos termos do número 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Resulta deste preceito legal que constitui causa de nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão.
Com efeito a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão «...apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adotada na decisão» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, II volume, página 361, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Contudo a sentença em apreciação não afirmou apenas que a decisão que indeferiu a reclamação graciosa é anulável por incompetência do seu autor.
Referiu, também, que tal circunstância apenas determina a anulabilidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa pois que a ocorrência de vício de forma, em momento posterior à efetivação da liquidação, não projeta efeitos anulatórios sobre este ato até porque tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes relativamente ao ato liquidação, devendo antes visualizar-se como formalidade não essencial que em nada afetou os direitos de defesa do impugnante.
Referiu, ainda, que a impugnante não pode almejar a anulação do ato de liquidação com base num vício de procedimento praticado no âmbito do procedimento de reclamação graciosa já que, de acordo com o artigo 131º, n.º 1 do CPPT, em caso de autoliquidação, a apresentação da impugnação judicial é condicionada à prévia apresentação de uma reclamação graciosa necessária, pretendendo-se, com tal pressuposto, que a AT emita pronúncia num procedimento em que ainda não manifestou a sua vontade (porquanto compete ao sujeito passivo proceder à declaração, quantificação e entrega da obrigação tributária) de forma a assegurar o “princípio da economia dos meios processuais, não inundando o Tribunal com questões que podem ser resolvidas em outras sedes”.
Concluiu que tal desiderato foi plenamente atingido com a decisão proferida, ora em apreço, sendo que, a ocorrência de um vício em momento posterior à efetivação da liquidação, não pode projetar efeitos anulatórios sobre o ato de liquidação.
Entende-se não ocorrer tal nulidade da sentença recorrida.
Com efeito depois de afirmar que a reclamação graciosa é anulável por incompetência do seu autor, acrescentou que tal circunstância apenas determina a anulabilidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, já que a ocorrência de vício de forma, em momento posterior à efetivação da liquidação, não projeta efeitos anulatórios sobre este ato, até porque tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes relativamente ao ato liquidação que se transformou em formalidade não essencial a qual não afetou os direitos de defesa do impugnante.
Concluiu, por isso, que assegurado este direito de defesa a ocorrência de um vício, em momento posterior à efetivação da liquidação, não pode projetar efeitos anulatórios sobre o ato de liquidação.
Apreciada a sentença com este conteúdo e não apenas enquanto afirma a incompetência do autor do referido ato é de concluir pela inexistência da invocada nulidade da sentença por inexistir oposição dos fundamentos com a decisão a que se refere o número 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Poderia eventualmente existir erro de julgamento mas não oposição dos fundamentos com a decisão.
*
3.4. As questões suscitadas pela recorrente foram já apreciadas no acórdão do STA de 19-06-2019, proc. 683/17 (2340.13), proferido em julgamento ampliado do recurso, determinado por despacho do Senhor Presidente do STA.
Acompanhamos tal acórdão no que respeita à apreciação da natureza da Contribuição sobre o Sector Bancário, bem como com a invocada violação dos referidos princípios constitucionais.
Porque o referido acórdão se encontra publicado remetemos, em especial, para os seus pontos 3.4 a 4.4.2. (inclusive).
Improcedem, por isso, as conclusões do presente recurso.
Assim sendo a sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe vêm apontados pelo que se impõe a sua confirmação com exceção do que se apreciará no ponto seguinte.
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3.5. Questiona, ainda, o recorrente a não dispensa do de pagamento do remanescente da taxa de justiça na sentença proferida na primeira instância.
Estabelece o artigo 6.º nº 7 do RCP que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Importa, por isso, que se aprecie a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça considerando a complexidade ou simplicidade da causa e a atitude de cooperação das partes.
Por força do artigo 530.º 7 do CPC “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”.
Como refere o MP, no caso em análise está a em causa, nomeadamente, a apreciação da constitucionalidade orgânica e material das normas que criaram a CESB, pelo que estamos perante uma ação de elevada complexidade, como decorre da vasta doutrina e jurisprudência acerca da criação das contribuições financeiras.
Concorda-se, ainda, com o MP quando afirma que as partes tiveram um comportamento processual normal
Tendo a ação, como refere, ainda, o MP, o valor de € 27.248.772,54, o remanescente da taxa de justiça em 1.ª instância rondará os 330.000,00 €, tendo o recorrente pago já 2.448,00€.
Entende-se, por isso, ser de deferir a pretensão de dispensa do remanescente da taxa de justiça, em primeira instância, em 80%, assim se dando parcial provimento ao recurso.
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3.6. Uma vez que este STA apreciou já esta questão no mencionado acórdão dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça neste STA.
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4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, salvo quanto ao questionado remanescente da taxa de justiça, em 1ª instância, que se dispensa em 80%.
Custas pela recorrente com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça neste STA.
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A seção enviará cópia do acórdão referido no ponto 3.4. com as notificações a fazer às partes.
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Lisboa,11 de setembro de 2019. – António Pimpão (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.