Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0854/09
Data do Acordão:06/02/2011
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS
RECUSA DE INSCRIÇÃO
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
SENTENÇA
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Não incorre em nulidade, por omissão de pronúncia, a sentença que não apreciou questões suscitadas por uma das partes, mas já decididas, no âmbito de recurso de uma outra sentença, anteriormente proferida nos mesmos autos.
II - Os requisitos de inscrição como Técnico Oficial de Contas, nos termos do artigo 1º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho, podem ser provados por quaisquer meios de prova admissíveis em Direito, não sendo juridicamente relevante o «Regulamento» emitido pela Associação dos Técnicos Oficiais de Contas a estabelecer um determinado e único meio de prova.
Nº Convencional:JSTA00067015
Nº do Documento:SA1201106020854
Data de Entrada:09/07/2009
Recorrente:DIRECÇÃO DA CÂMARA DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2009/02/26 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - ASSOC PUBL.
DIR ADM CONT - ACTO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N2 ART668 N1 D.
DL 265/95 DE 1995/10/17 ART46 N2 ART62.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC242/08 DE 2009/03/19.; AC STAPLENO PROC48397 DE 2004/04/18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, melhor identificada nos autos, interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa recurso contencioso de anulação da deliberação, de 16.12.1998, da Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), que indeferiu o recurso hierárquico da decisão que lhe negara a inscrição como técnico oficial de contas.
Esse recurso contencioso foi rejeitado, por sentença de 15.5.07, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que, considerando facultativo aquele recurso hierárquico, julgou o acto impugnado não lesivo, por meramente confirmativo do que negara à interessada a pretendida inscrição.
Inconformada, aquela recorrente impugnou tal sentença junto do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS) que, em acórdão de 27.3.08, entendeu não existir fundamento para considerar meramente confirmativa a primitiva decisão de recusa de inscrição e, por consequência, revogou essa sentença e ordenou o prosseguimento dos autos em 1ª instância, para apreciação do mérito do recurso contencioso. Desse acórdão, a referida Comissão Instaladora, invocando oposição de julgados, interpôs recurso, que foi julgado findo, por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 27.11.08, proferido a fls. 198 a 204, dos autos.
Na sequência do que veio a ser proferida no mesmo TAF de Sintra, em 26.2.09, a sentença de fls. 213 a 238, dos autos, que decidiu julgar procedente o recurso contencioso e, em consequência, anular a impugnada deliberação, de 16.12.1998, da referida Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas.
Não se conformando com esta sentença anulatória, dela veio interpor o presente recurso a Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.
Esta recorrente aprestou alegação, com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 26.02.2009, que, deferindo o recurso contencioso interposto pela ora recorrida A…, anulou a deliberação da autoria da ora recorrente então Comissão Instaladora da então Associação dos TOC's.
2. A sentença recorrida, na opinião da ora recorrente, não faz um correcto e completo julgamento da matéria de facto e de direito constante e aplicável ao caso concreto, pelo que considerando dever ser outro o julgamento do Tribunal se recorra no sentido de ser declarada a nulidade daquela sentença por omissão de pronúncia e ser esta revogada e substituída por outra que, conforme os termos e com os fundamentos que se passam a expor, mantenha e declare a validade da deliberação em crise.
3. A recorrida requereu ao Presidente da Comissão de Inscrição da ATOC a sua inscrição como TOC, ao abrigo da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, em 21.08.1998.
4. Analisados os elementos que instruíram a sua candidatura, foi a recorrida notificada para apresentar elementos de prova adicionais até ao termo do prazo de inscrição, sem o que o seu pedido se consideraria sem efeito, como resulta do mencionado ofício de 28.08.1998, subscrito por aquele mesmo Presidente da Comissão de Inscrição.
5. Reagindo contra este ofício, a recorrida deu entrada na ATOC, a 29.09.1998, de um recurso hierárquico dirigido à Direcção da ATOC, com o fundamento de que "ao considerar sem efeito o pedido de inscrição da recorrente, pela não apresentação do documento exigido pelo (ilegal) Regulamento, o acto recorrido impediu a Comissão de Inscrição de apreciar o pedido da recorrente e a inscrever, assim impedindo o exercício das competências decorrentes das alíneas a) e b) do art. 62 do referido Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas".
6. A Comissão Instaladora, a quem sucedeu a ora recorrente, respondeu ao recurso hierárquico concluindo que "em reunião da Comissão Instaladora de 16/12/98, foi deliberado negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão proferida pela Comissão de Inscrição que concluiu pela s/ não inscrição como Técnico Oficial de Contas", sendo desta decisão que, em 04.03.1999, recorre contenciosamente a recorrida.
7. A ora recorrente suscitou duas questões prévias: a da irrecorribilidade do acto, pois que o mesmo seria meramente confirmativo do primeiro; e a da intempestividade do recurso administrativo interposto.
8. Obtendo provimento a primeira questão prévia suscitada, deixou-se a matéria sobre a intempestividade do recurso hierárquico para decisão sobre a questão de fundo (que ali não veio a ser julgada).
9. Recorrendo desta decisão, obteve a ora recorrida provimento do seu recurso jurisdicional, pois que entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul que porque "não existe fundamento para considerar que o acto contenciosamente recorrido seria meramente confirmativo da primitiva decisão de recusa de inscrição", pois que "não decorrendo da matéria de facto apurada em lª instância, nem do acima referido que a decisão primária objecto de recurso hierárquico tenha sido proferida pela Comissão de Inscrição, não era aplicável o disposto no art° 46/2 do Estatuto dos TOC, não se mostrando o recurso hierárquico interposto meramente facultativo, conforme decidido pela sentença recorrida, que vai revogada prosseguindo os autos em 1ª instância com a apreciação do mérito do recurso contencioso, se a tal nada mais obstar".
10. A sentença recorrida, no entanto, apesar da limitada matéria julgada pelo TCA, entendeu que, para além daquela questão prévia julgada conforme trecho transcrito, nenhuma outra existiria, pelo que julgou de imediato o fundo da questão.
11. Contudo, face ao Acórdão do TCA diversas questões se deveriam ter colocado, e obtido decisão prévia, o que não aconteceu, pelo que, no entender da ora recorrente, se verifica omissão de pronúncia.
12. O TCA limitou-se a julgar que estaria incorrecta a sentença recorrida quando julgou aplicável, ao caso, o art.º 46.°, n.º 2 do ETOC, que dispõe que "das deliberações dos Órgãos da Associação cabe recurso contencioso, nos termos da lei, para os tribunais administrativos", donde se retirou em primeira que o recurso contencioso seria extemporâneo por o recurso hierárquico, porque facultativo, não fazer suspender o prazo para o exercício do direito de acção.
13. Desta norma se pode também retirar que entre os órgãos da ATOC não existia uma relação de hierarquia, ainda que se previsse que a Direcção poderia ser chamada a pronunciar-se, em sede de recurso, sobre as decisões tomadas pela Comissão de Inscrição, devendo esse recurso ser interposto no prazo de 15 dias, contados da notificação do acto em causa (cfr. nºs 2 e 3, do art.º 62.° do ETOC).
14. Conjugando-se tal norma com a anteriormente citada, este recurso para além de dever ser qualificado como recurso hierárquico impróprio, era facultativo, como, aliás, diversa jurisprudência assim o tem qualificado (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.12.2001, proc. n.º 046792, in www.dgsi.pt, onde muitos outros são citados).
15. Por esta razão, invocou a ora recorrente a questão da intempestividade do recurso hierárquico interposto pela recorrida, pois que o mesmo foi apresentado depois de verificados os 15 dias.
16. Esta questão não foi apreciada pelo Tribunal, pelo que existiu aqui omissão de pronúncia.
17. No entanto, e porque a mesma poderá ter ficado até prejudicada, e atendendo a que ficou julgado, pelo Acórdão do TCA Sul, que não existiria qualquer deliberação da Comissão de Inscrição, mas apenas uma decisão (que não foi qualificada, e muito menos como acto administrativo) do Presidente da Comissão de Inscrição, ficou por decidir se esta decisão seria ou não, em primeiro lugar, imediata e contenciosamente recorrível, ou se a mesma carecia de acto superior para alcançar a sua definitividade e só assim poder ser impugnada contenciosamente, tal como exige a LPTA.
18. Atendendo ao ETOC, entre o Presidente da Comissão de Inscrição da ATOC e a Direcção da mesma não existe qualquer relação hierárquica que subordine aquele a esta, pelo que o recurso hierárquico interposto não seria nunca necessário.
19. Do Acórdão do TCA deveria ter surgido uma de duas decisões: ou se entendia que a decisão do Presidente da Comissão de Inscrição era um acto administrativo, e se assim o era, se era ou não definitivo e executório; ou se entendia que a decisão do Presidente da Comissão de Inscrição não era um acto administrativo.
20. A seguir-se a primeira opção só uma conclusão possível se poderia ter tirado: se era acto administrativo, o mesmo seria definitivo e executório, pois que o Presidente da Comissão de Inscrição não está subordinado a qualquer órgão que lhe seja hierarquicamente superior, podendo pois ser desde logo e imediatamente atacado contenciosamente, pelo que a utilização do meio gracioso não tinha a virtude de suspender o prazo para a reacção contenciosa, caducando assim o seu direito de acção.
21. Aliás, e adoptando a letra do mesmo Acórdão do STA já citado, está firmada jurisprudência no sentido de que "o aviso feito o interessado de que o seu pedido de inscrição na Associação ficara sem efeito se até certo prazo-limite que lhe e concedido não comprovar, através da entrega de documentos, a posse de requisitos previstos em normas jurídicas que expressamente se invocam não tem a natureza de mero acto interno e preparatório de instrução do processo, mas antes a de acto administrativo lesivo, pelo menos a partir do momento em que o dito prazo transcorreu sem o cumprimento da condição".
22. Entendendo-se que não existiu acto administrativo do Presidente da Comissão de Inscrição, das duas uma: ou o recurso hierárquico verteu sobre acto inexistente, o que tem por consequência a sua invalidade consequente, o que implicaria a inutilidade da lide por inexistência de objecto; ou o recurso hierárquico transformou-se em primeira decisão tomada sobre a questão de fundo, o que determinaria que a Comissão Instaladora decidiu sobre matéria fora das suas atribuições, sendo-lhe apresentado pedido fora do prazo previsto na Lei n.º 27/98, de 3 de Junho.
23. Ficaram estas questões por responder, questões essas essenciais à causa, pelo que deverá ser declarada a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
24. Acresce que a douta jurisprudência citada, não podia ser aplicada sem mais a este caso, pois que os factos constantes dos autos - e que aliás foram apresentados pelo próprio recorrido - indicavam a necessidade de um julgamento mais aprofundado, do que apenas uma mera citação de ainda que douta jurisprudência sobre a legalidade ou ilegalidade do referido regulamento.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Excelências, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, dignando-se admitir e julgar o presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada e mantido a deliberação da recorrente que se visava anular.
A recorrida apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
1) O acto do Presidente da Comissão Instaladora, hierarquicamente recorrido, foi um acto administrativo, lesante dos direitos e interesses legalmente protegidos da ora alegante; na mesma medida o foi o acto da Comissão de Instalação.
II) Ainda que o acto hierarquicamente recorrido não fosse um acto administrativo (e o que seria?), sempre o é, mesmo que primariamente, o acto da Comissão de Instalação, ora contenciosamente recorrido.
III) A Associação dos Técnicos Oficiais de Contas tinha uma estrutura hierárquica interna, como a tem a Câmara respectiva.
IV) Nessa estrutura, a Direcção é a única com competência para decidir de recurso hierárquico de acto proferido, em matéria da competência da Comissão de Inscrição, pelo Presidente desta Comissão.
V) Mesmo que o não fosse, tal relevaria de incompetência relativa que não foi invocada em sede de impugnação atempada do acto.
VI) O prazo para esse recurso hierárquico do acto do Presidente da Comissão de Inscrição não é o prazo especial estabelecido no nº 3 do art. 62 do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, mas o prazo geral estipulado pelo nº 1 do art. 175 do Código de Procedimento Administrativo.
Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional ora em apreciação, com as legais consequências.
Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
1. A recorrente interpôs recurso da douta sentença de 26.2.09 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (fls. 199 a 210) que julgou procedente o recurso contencioso de anulação interposto pela recorrida e, assim, anulou a deliberação da Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), de 16 de Dezembro de 1998 e no que se refere ao pedido de inscrição daquela.
2. Alega, em síntese, que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (art. 668°, nº 1- d) do C.P.C.) já que não se debruçou sobre a intempestividade do recurso hierárquico interposto pela ora recorrida, o que acarretaria a irrecorribilidade do acto em sede de recurso contencioso, e que a jurisprudência indicada na mesma sentença não é aplicável, sem mais, a este caso.
3. Não tem qualquer razão. Quanto à tempestividade do recurso hierárquico e à recorribilidade do acto veja-se o decidido a fls. 66/7 (decisão devidamente notificada às partes) e sobretudo o douto Ac. do TCA de 27/3/08 (fls. 130 e 131 e v.) que anulando a anterior sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidiu que o acto era recorrível contenciosamente e que o processo deveria prosseguir em 1ª instância com apreciação do mérito do recurso contencioso.
3.1. Assim, a sentença ora recorrida deu integral cumprimento ao ali decidido e nada mais, sendo que a questão da recorribilidade contenciosa do acto ficou desde logo decidida não se vendo qualquer utilidade em apreciar juridicamente se o recurso hierárquico foi ou não tempestivo.
4. Quanto ao fundo da questão, a sentença recorrida acolheu a jurisprudência uniforme deste STA de que é exemplo, por todos, o Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 5.6.08, recurso nº 0530/07, de que foi relator o Exm° Conselheiro Rui Botelho (aliás, esta e demais jurisprudência é citada, abundantemente, na decisão sob recurso) em cujo sumário se pode ler – " Os requisitos de inscrição como Técnicos Oficiais de Contas, nos termos do art.º 1 da Lei n.º 27/98, de 3.6, podem ser provados por quaisquer meios de prova admissíveis em Direito, não sendo juridicamente relevante o "Regulamento" emitido pela ATOC a estabelecer um determinado e único meio de prova".
5. Por tudo o expendido, somos de parecer, salvo melhor opinião, que o recurso não merece provimento.
Cumpre decidir.
2. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1)
A recorrente, em 21 de Agosto de 1998, requereu ao Presidente da Comissão de Inscrição da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), a sua inscrição como Técnico Oficial de Contas, nos termos de requerimento de igual teor ao constante de fls. não numeradas do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2)
Por ofício datado de 28 de Agosto de 1998, subscrito pelo Presidente da Comissão de Inscrição, a ora Recorrente foi notificada para apresentar determinada documentação e que caso tal não fosse satisfeito, o seu pedido de inscrição seria considerado sem efeito (cfr. fls. 1 não numeradas PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3)
O ora Recorrente, não concordando com a decisão que lhe foi comunicada através do ofício referido no precedente facto, dirigiu então um Recurso Hierárquico à Direcção da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, datado de 28 de Setembro de 1998, solicitando a reapreciação do seu processo de inscrição como TOC. (Cfr. fls. não numeradas PA);
4)
No seguimento do referido Recurso hierárquico foi proferida em 16.12.98 pela Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, a deliberação ora recorrida, "nos termos da alínea h) do art. 58° do Decreto-Lei nº 265/95 de 17 de Outubro", pela qual foi negado provimento ao recurso apresentado, mantendo a decisão da Comissão de Inscrição que concluiu pela não inscrição do Recorrente como TOC - (Cfr. ofício de 30 de Dezembro de 1998, a fls. não numeradas do PA);
5)
O presente Recurso foi intentado junto então Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 4 de Março de 1999. (Cfr. fls. 2 Proc°).
3. Como se relatou, a sentença recorrida julgou procedente o recurso contencioso de anulação de deliberação da Comissão Instaladora da ATOC que, indeferindo recurso hierárquico, manteve a decisão que negou à interessada, ao recorrida, a inscrição, nessa mesma Associação, como técnica oficial de contas.
Alega a recorrente Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, e, ainda, que julgou erradamente, ao decidir pela anulação da deliberação contenciosamente impugnada.
Começaremos por apreciar da consistência de tal alegação, na parte que respeita à arguição de nulidade da sentença, cuja eventual procedência tornaria inútil o conhecimento da restante matéria do recurso jurisdicional.
Nos termos do art. 668, do CPCivil, «1 – É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …», sendo que, conforme determina o art. 660 do mesmo CPCivil, «2 – O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo de a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
No caso sujeito, a ora recorrente, como refere na respectiva alegação (vd. concl. 7), havia suscitado duas questões prévias: (i) a da irrecorribilidade da deliberação contenciosamente impugnada, por esta ter sido proferida – segundo o entendimento defendido pela recorrente – no âmbito de recurso hierárquico, previsto no art. 62 (Artigo 62º (Competência):
1 – Compete à comissão de inscrição:
a) …
2 – Das decisões da comissão de inscrição cabe recurso para a direcção.
3 – O recurso referido no número anterior deverá ser interposto no prazo de 15 dias a contar da notificação da respectiva decisão.), nº 2 do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo DL 265/95, de 17.10, e que – ainda segundo a recorrente – teria natureza facultativa, por ter como objecto decisão da Comissão Instaladora da ATOC, passível de recurso contencioso, nos termos do art. 46 (Artigo 46º (Órgãos da Associação):
1 – A Associação realiza os seus fins e atribuições através dos seguintes órgãos:
a) Assembleia geral;
b) Direcção;
c) Conselho Fiscal;
d) Comissão de inscrição;
e) Conselho disciplinar;
f) Conselho técnico.
2 – Das deliberações dos órgãos da Associação cabe recurso contencioso, nos termos da lei, para os tribunais administrativos.), nº 2, do mesmo Estatuto; (ii) e a da intempestividade desse recurso hierárquico, por não ter sido interposto no prazo de 15 dias, indicado no nº 3 do art. 46 citado. O que, por via da constituição como caso resolvido da pretendida decisão da Comissão Instaladora, também implicaria – note-se – a confirmatividade da deliberação contenciosamente impugnada, e não a extemporaneidade do próprio recurso contencioso de anulação desta deliberação, como defende a recorrente (vd. concl. 12, da respectiva alegação de recurso).
Ora, no acórdão, de 27.3.08, que revogou a sentença, de 15.5.07, que, inicialmente, julgou improcedente o recurso contencioso, o TCAS decidiu que:
… não existe fundamento para considerar que o acto contenciosamente recorrido seria meramente confirmativo da primitiva decisão de recusa de inscrição, pela simples razão de que não decorre do ofício junto a fls 10 e 11, doc 3, que a recusa de inscrição na ATOC tenha sido determinada por aquela Comissão de Inscrição, decorrendo do seu teor para um destinatário médio que tal ofício veicula decisão tomada pelo seu Presidente. Acresce, que não existe notícia nos autos nem no processo instrutor que à recorrente tenha sido notificada qualquer decisão de recusa dessa Comissão, o que sempre impediria a natureza confirmativa do acto sindicado, por não ter havido notificação da decisão confirmada, conforme refere a recorrente e constitui jurisprudência corrente.
Ou seja, não decorrendo da matéria de facto apurada em 1 instância, nem do acima referido que a decisão primária objecto de recurso hierárquico tenha sido proferida pela Comissão de Inscrição, não era aplicável o disposto no artº 46º/2 do Estatuto dos TOC, não se mostrando o recurso hierárquico interposto meramente facultativo, conforme decidido pela sentença recorrida, que vai revogada prosseguindo o autos em 1ª instância com a apreciação do mérito do recurso contencioso, se a tal nada mais obstar.

Com esta decisão do TCAS, as indicadas questões prévias, suscitadas pela ora recorrente, ficaram, pois, definitivamente resolvidas, restando à sentença ora sob impugnação, em obediência a esse mesmo acórdão, decidir, como decidiu, do mérito do recurso contencioso, sem que, assim, tenha incorrido na omissão de pronúncia, que lhe imputa a recorrente, cuja alegação nessa parte se mostra improcedente.
E também improcedente é essa alegação, ao imputar à sentença erro de julgamento, por ter decido anular a impugnada deliberação da Comissão Instaladora da ATOC, que negou à ora recorrida a pretendida inscrição nessa Associação, por falta de apresentação de declarações modelo 22 do IRC e/ou anexo C às declarações modelo 2 do IRS, referentes aos exercícios compreendidos entre os anos de 1989 a 1994, que tivessem sido apresentadas à administração fiscal e contivessem a assinatura da interessada, na qualidade de responsável pela escrita, como prova de responsabilidade directa por escrita organizada, exigida pela Lei 27/98, de 2.6, como requisito de inscrição na referida ATOC.
Para assim decidir, a sentença recorrida, invocando a jurisprudência deste Supremo Tribunal, considerou que não poderia ser exigida a apresentação de tais declarações como único meio de prova de responsabilidade directa por contabilidade organizada.
Assim, e como bem notou a sentença, a questão a decidir consiste, essencialmente, em saber se, para efeitos de inscrição na ATOC prevista naquela Lei 27/98, é possível provar por qualquer meio o requisito de responsabilidade directa por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, ou se podia ser limitada a possibilidade de prova a cópias das indicadas declarações, como a Comissão de Inscrição estabeleceu num «Regulamento», que aprovou para execução daquela Lei.
A tal questão, como vimos, respondeu a sentença recorrida no sentido de que é ilegal aquela restrição probatória. E é de manter esse entendimento da sentença, que se mostra conforme ao que tem sido afirmado, reiteradamente, pela jurisprudência, designadamente do Pleno desta 1ª Secção, de que não se vê motivo para divergir.
É este entendimento que, por mais acertado, irá seguir-se, no sentido da confirmação da sentença recorrida. Pois que, como se lê no acórdão do Pleno de 19.3.09 (Rº 242/08), citando o acórdão, igualmente do Pleno desta 1ª Secção, de 18.4.04 (Rº 48397):
… a Comissão Instaladora da ATOC moveu-se no contexto já mencionado e emitiu antes da abertura do prazo dos requerimentos dos interessados na inscrição como TOC uma norma que limita a prova do exercício da actividade que é pressuposto da inscrição, aos documentos que enuncia na alínea d) do artigo 1.º da sua deliberação de 3 de Junho de 1998.
Portanto, aquele comando que foi levado ao conhecimento dos interessados, coarctava-lhes o direito de requererem outra prova que não fosse aquela que era taxativamente vazada na norma proveniente do órgão competente.
Esta condicionante tinha reflexos necessários, em termos dos comportamentos normais e exigíveis dos diversos candidatos à inscrição, desde logo na forma como puderam desempenhar-se do ónus de provar o facto constitutivo do direito à inscrição e depois em momento final, também, necessariamente, na decisão que foi tomada de excluir os recorrentes.
De modo que por um lado a restrição probatória pôs em risco também um valor fundamental do procedimento que é o de a decisão se conformar tanto quanto possível com a verdade dos factos que interessam à composição dos interesses em causa, violando o princípio da verdade material. Neste sentido os Ac. deste STA de 15.12.94, Proc. 32949 e de 18.12.2003, Proc. 185/03 e Rui Machete, in Estudos de Direito Público e Ciência Política, pág. 379.
E, por outro lado, ao agir assim o órgão em causa, além de se não conformar com a norma mencionada do n.º 1 do artigo 87.º, também viola a regra inserta no n.º 2 do artigo 88.º do CPA, restringindo sem fundamento, de modo genérico, apriorístico e proibido a possibilidade de os particulares usarem os meios de prova ao seu alcance e de requererem a produção dos que tivessem por adequados, normas estas que eram aplicáveis conjuntamente com o regime substantivo constante do artigo 1.º da Lei 27/98, a qual, sem prever restrições ou meios específicos de prova dos pressupostos que enuncia, confere o direito de inscrição às pessoas que durante três anos seguidos ou interpolados, foram responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do POC de entidades que possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada durante o período visado, isto é, entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995.
Efectivamente as normas em causa apresentam como fundamento a necessidade de disposições que permitam a aplicação da Lei 27/98, de 3/6, por exemplo, quanto a documentos que devem instruir os pedidos.
E, nos artigos 1.º e 2.º dispõe-se que o pedido de inscrição deve ser acompanhado de cópias autenticadas das declarações de IRC ou IRS entregues nos serviços de finanças até 17 de Outubro de 1995 e dos quais conste a assinatura do candidato, relativas a três exercícios, entre 1989 e 1994.
É evidente que os interessados perante estas normas não podiam requerer outra prova do exercício da actividade no período em causa senão pelas ditas declarações de IRC e IRS.
Daí que possamos dizer que pela forma como estão redigidas as normas emanadas da Comissão Instaladora em 3 de Junho de 1998, denominadas "Regulamento", e relativas à inscrição a título excepcional permitido pela Lei 2/79, pelo momento em que foi emitida (isto é, antes da abertura do período de inscrição), pela forma como foi imposta aos interessados (como condicionamento da instrução do requerimento) e tal como foi aplicada (excluindo outro meio de prova) torna-se evidente que não se tratou de sugerir uma forma mais adequada de prova, mas sim de elevar os documentos exigidos a único meio de prova, afastando a possibilidade de os interessados requererem e de a Comissão admitir qualquer outra, pelo que foram ofendidos os artigos 87.º n.º 1 e 88.º n.º 2 do CPA e o Acórdão recorrido que julgou ilegal o acto de recusa da inscrição decidiu correctamente, pelo que deve manter-se.
A alegação da recorrente é, pois, totalmente improcedente.
4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o acórdão recorrido.
Sem custas, por isenção da entidade recorrente.
Lisboa, 2 de Junho de 2011. – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.