Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0235/11.0BEVIS
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário:I - O recurso por oposição de acórdãos depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: i) que exista contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento na decisão da mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 284.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).
II - Não há que conhecer do mérito do recurso se verificarmos que os dois acórdãos em alegada oposição não se pronunciaram em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica mas, ao invés, que a divergência das soluções encontradas resultou da diferente factualidade considerada em cada um deles.
Nº Convencional:JSTA000P31951
Nº do Documento:SAP202402210235/11
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 7 de Junho de 2023 – que negou provimento ao recurso por ela interposto e manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2008 –, veio interpor recurso, ao abrigo do art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal, invocando oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (É manifesto o lapso de escrita ao atribuir a autoria do acórdão fundamento ao Supremo Tribunal Administrativo.) de 12 de Fevereiro de 2015, proferido no processo com o n.º 315/11.2BEVIS, com alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Ao não ter proferido decisão sobre a realização da requerida perícia e ao não observar as formalidades legais impostas para o efeito, o Tribunal a quo cometeu uma irregularidade processual, em violação do disposto nos artigos 13.º e 115.º do CPPT, 99.º, n.º 1, da LGT e 156.º, n.º 1, e 578.º do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT).

2. Por via da omissão de decisão sobre a realização da requerida perícia nos autos, foi cometida uma irregularidade no processo que influi no exame ou decisão da causa, consubstanciando-se, assim, tal irregularidade processual numa nulidade, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, nulidade que expressamente se arguiu, com as devidas e legais consequências – AC. STA de 31.01.2002, Rec26653 e ac. STA de 10.07.2002, proferido no Proc. 025998.

3. Nesta senda, a decisão não poderá ser considerada conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 28 de junho de 2012, sob o processo 02517/11.2BEPRT que também nos diz «(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida (…)».

4. O Acórdão Fundamento – TCAN, processo n.º 315/11.2BEVIS – considerou que o Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre o requerimento probatório constante da petição inicial e no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação.

5. No entanto, o Acórdão Recorrido afirmou, sem mais considerações, que a arguição de tal nulidade efectuada apenas aquando na interposição do recurso seria intempestiva, por não alegada nos dez dias posteriores ao conhecimento da omissão.

6. Esta irregularidade cometida nos presentes autos influi no exame ou decisão da causa, porquanto a decisão de dispensar ou de ordenar a realização da prova pericial é indiscutivelmente relevante, influindo decisivamente na decisão da causa.

7. E, no caso concreto, tanto influi na decisão da causa, que o tribunal a quo acaba por considerar que a recorrente não fez prova dos factos essenciais.

8. No Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo deu como não provados factos essenciais, nomeadamente: (A) «As aquisições de mercadorias às sociedades Comerciais B..., Lda. e C..., Lda., durante o exercício de 2008 e os demais que têm as referidas aquisições como pressuposto» e (B) «Que, relativamente ao ano de 2008, os registos contabilísticos da Impugnante (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) permitam um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existenciais iniciais, compras e produção».

9. Ora, a Recorrente pretendia precisamente, mediante a referida prova pericial, a comprovação de tais factos essenciais, retratando a indispensabilidade das aludidas compras para a realização dos proveitos declarados.

10. Destarte, mal andou o Tribunal Central Administrativo, no acórdão impugnado, ao decidir que, ao contrário do Acórdão fundamento, nada há a apontar ao julgamento de direito efectuado pela sentença, uma vez que, além de considerar intempestiva a arguição da nulidade processual, consequentemente deu como não provados, factos essenciais que a recorrente pretendia alcançar como provados com a realização da ora referida perícia.

11. Em consequência, requer-se ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Venerando Supremo Tribunal que uniformize jurisprudência, no sentido do acórdão fundamento, de ser subsidiariamente aplicável ao processo ora em referência, ordenando a produção da prova pericial, conforme requerimento de prova formulado na petição inicial.

Termos em que julgando o presente recurso procedente, farão V. Exas. a acostumada,

JUSTIÇA!».

1.2 A Recorrida não contra-alegou.

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte verificou a legitimidade da Recorrente e a tempestividade do recurso e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto, após pronunciou-se no sentido de que o recurso não é de admitir porque «seja por disparidade dos pressupostos de facto relevantes para aplicar o bom Direito do caso, ou por paridade das soluções jurídicas perfilhadas em ambos os arestos quanto à questão da nulidade processual e seu momento e prazo de arguição, não está verificada a condição legal da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que o presente recurso não é de admitir (art. 284.º, n.ºs 1 e 2)».
Isto, após se pronunciar sobre os termos do recurso e os requisitos legais que o mesmo deve observar, com a seguinte fundamentação:
«[…]
4. Atento o teor destas previsões legais, para efeitos de apreciar da admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência, importa encetar com a análise do pressuposto dos “aspectos de identidade”, scl., apreciar se, realmente, há identidade dos pressupostos de facto subjacentes às soluções jurídicas que dirimiu a mesma questão fundamental de direito (do ponto de vista do tema do presente recurso de uniformização de jurisprudência, qual seja a da qualificação do vício da preterição de decisão do juiz sobre um pedido de produção de prova pericial e qual o seu regime jurídico, nomeadamente o respectivo prazo de arguição.
5. Abreviando razões, diremos que o acórdão tirado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 315/11.2BEVIS, de 15 de Dezembro de 20220 (doravante, “acórdão-fundamento”), não é absolutamente expresso, completo e sistemático na descrição dos pressupostos de facto relevantes para a solução jurídica do caso.
Em qualquer caso, do acórdão-fundamento consta a dado passo que “(...) resulta do processado que a Recorrente peticionou a realização de prova pericial na petição inicial e sobre tal pedido nenhuma pronúncia foi emitida pelo Tribunal a quo” e, mais adiante “no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação [adicional de IVA]. Assim sendo, a arguição da nulidade derivada de tal omissão foi atempadamente realizada” e finalmente, através da transcrição do douto parecer do Ministério Público, “no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida em tempo, nos termos do disposto no artigo 201.º [agora 195.º], n.º 2 do CPC, (n.º 4.1., p. 15, 1.º, e p. 16, último §)”.
6. Convém, entretanto, referir que não é agora relevante apreciar se essa irregularidade procedimental em apreço “influi, ou não, no exame ou na decisão da causa”.
Pois a mera invocação de tal virtualidade basta para ter como validamente arguida uma nulidade, para todos os efeitos processualmente relevantes, nomeadamente para criar na posição jurídica do juiz o dever de decidir ou prover (e então sim, nesse ato deverá resolver se tal “influência” existe ou não), o momento a partir do qual dever ser invocada, e qual o prazo para o efeito.
7. Quanto às soluções jurídicas sufragadas sobre estes pressupostos de facto, foi a de que “Tal omissão consubstanciaria uma nulidade secundária por não constar das omissões insanáveis do processo tributário previstas no artigo 98.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), que , “Por sua vez, nos termos do artigo 149.º, n.º 1 do CPC “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes (…) arguirem nulidades (…)”, sendo certo, prossegue o aresto, que “Conforme jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, “caso a parte lesada apenas tome conhecimento da omissão do acto através da notificação da sentença, o recurso que desta interponha constitui o meio próprio para arguir essa nulidade, dado que é esta peça processual que dá cobertura à falta cometida e, por isso, só com a sua prolação a nulidade se consuma (…)”.
8. Assim sendo, os pressupostos de facto subjacentes à solução jurídica perfilhada no douto acórdão-fundamento são diversos, num ponto relevante, dos pressupostos de facto subjacentes à solução jurídica perfilhada no douto acórdão recorrido, quanto ao momento processual em que ocorre o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento e que determina o termo a quo da arguição da nulidade, “por omissão de pronúncia acerca da produção de prova pericial indicada na petição inicial”.
É que, na verdade, naquele primeiro (o acórdão-fundamento) o tribunal julgou – embora não expressis verbis, mas através da transcrição para o precedente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – que esse momento em que se dá o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento foi o do acto de notificação da sentença, contando então a partir desse facto o prazo de 10 dias a que alude o n.º 1 do artigo 149.º ( Regra geral sobre o prazo), do CPC: “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes (…) arguirem nulidades (…)”.
9. Já o douto acórdão recorrido, julgou que esse momento em que se dá o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento sucedeu «(…) após a produção de prova testemunhal, ocorrida em 05.12.2011», quando a ora Rcte. «foi notificada do despacho proferido pelo Mmo Juiz da causa com o seguinte teor: “Ficam as partes notificadas para, querendo, alegarem por escrito no prazo de 25 dias”» cf. folhas 48 dos autos [SITAF]. Por sua vez, em 10.01.2.011 a aqui Recorrente apresentou as suas competentes alegações de direito - cf folhas 63 e ss dos autos [SITAF]. Ora, como sabido, ao ter sido notificada para apresentar tais alegações, implicitamente se expressava que a fase de instrução dos autos se mostrava encerrada. A ser assim, a arguição de tal nulidade apenas aquando na interposição do presente recurso é intempestiva, por não alegada nos dez dias posteriores ao conhecimento da omissão incorrida pelo Tribunal a quo. Sendo a arguição da nulidade processual intempestiva, não se mostra possível, este Tribunal de recurso conhecer dela. Todavia, sempre se diga que tal não impede que em sede de apreciação do erro de julgamento, que eventualmente haja sido suscitado, não possa este tribunal de recurso aquilatar da necessidade da referida prova pericial» (pp. 15 e 16, itálicos nossos).
10. Em suma, são diversas, quanto ao momento processual em que ocorreu o facto determinante do termo a quo para invocar a nulidade processual, por omissão de pronúncia sobre o pedido de produção e prova pericial formulado na petição inicial, as duas situações em causa: no acórdão-fundamento tal momento foi o acto de notificação da sentença; no acórdão recorrido foi o da notificação do despacho judicial que convidou as partes, querendo, alegarem.
Em conclusão, não há identidade dos pressupostos de facto subjacentes às duas soluções jurídicas agora em cotejo, o que faz soçobrar a tal condição de admissibilidade dos “aspetos de identidade que determina a contradição” (art. 284.º, n.º 2).
11. Mas, ex adverso, poder-se-ia argumentar que essa disparidade dos pressupostos de facto das soluções não é pertinente, do ponto de vista da finalidade comparação ora empreendida, porque o momento processual não é o ponto relevante, o que releva em ambos os casos é o facto de ambas essas situações poderem ser subsumidas às hipóteses legais das mesmas previsões normativas que foram chamadas à colação em cada um dos processos.
12. Mas ainda que se admitisse tal premissa – o que se faz sem conceder e apenas argumentandum tantum – a verdade é que sempre prevaleceria a circunstância, insofismável, de que as soluções jurídicas perfilhadas pelo acórdão-fundamento e pelo acórdão recorrido, sobre a mesma questão fundamental de direito do regime da nulidade processual, decorrente da preterição do dever judicial de decidir ou prover, e da oportunidade para a sua arguição, não são contraditórias, bem pelo contrário, são condizentes.
13. Com efeito, como vimos, em ambos os casos, em essência, se julgou que a preterição do dever de decidir configura uma nulidade processual, anterior ao proferimento da sentença, com caráter secundário, por não constar do elenco do artigo 98.º (Nulidades insanáveis) do CPPT, e cujo prazo de arguição é de dez dias, nos termos do artigo 149.º, n.º 1, do CPC — sendo certo que o acórdão recorrido é bem mais preciso e rigoroso, nomeadamente ao mobilizar ainda o regime dos n.ºs 1 e 2 do artigo 199.º (Regra geral sobre o prazo da arguição) do mesmo diploma legal, que proveem sobre o momento em que se dá o conhecimento da consumação do vício em causa.
14. Ou seja, analisadas as soluções jurídica dos dois arestos em comparação, é inelutável concluir que os preceitos legais escolhidos são, em substância, os mesmos, a interpretação que deles se extrai, a mesma e, finalmente, é o mesmo o precedente jurisprudencial invocada em abono dessas teses, em particular o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno do Secção do Contencioso Tributário), de 6 de julho de 2011, tirado no processo n.º 786/010 (aliás, em qualquer um deles sempre na respetiva p. 15)».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante declarou o início de actividade em 01/01/1975, e é sujeito passivo de IRC, colectada no Serviço de Finanças de Tondela, exercendo a actividade de “Comércio por grosso de bebidas alcoólicas” com o código CAE n.º 51341 (actual 46341) e enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, apresentando continuadamente crédito de IVA, cfr. Relatório de Inspecção, fls. 5 a 7 que correspondem a fls. 16 a 18 do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; estes factos não foram questionados pela Impugnante;

B) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu realizaram acção de inspecção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201000538 com código de actividade 12215019 emitida pela Divisão de Inspecção Tributária I, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, de âmbito geral e incidência no exercício de 2008, cujo procedimento teve início em 22/10/2010 e terminou em 06/12/2010, vide fls. 4 e 5 do Relatório constantes de fls. 15 e 16 do PA;

C) Do relatório de inspecção tributária elaborado extracta-se:
A.1 Existências
...
A sociedade não declara inventário permanente das mercadorias. As existências declaradas correspondem ao saldo de quantidade existente em cada um destes livros e em cada armazém a data de 31 de Dezembro.
...
...os livros de registo das existências somente apresentam o registo dos movimentos das mercadorias por DA e ou DAA, não havendo qualquer correspondência com a factura contabilística e ou mesmo a guia.
Deste modo contabilisticamente a existência somente de inventário intermitente implica a falta de conhecimento, no decurso do exercício, das quantidades e do valor das existências em armazém e impossibilidade de um apuramento, a qualquer momento, dos resultados obtidos nas vendas.
Por outro lado, tendo-se procurado fazer um confronto entre o registo contabilístico das facturas de aquisição, a data de recepção das respectivas vendas e o seu registo nos respectivos livros de contas correntes de existências, verifica-se, por vezes, um desmesurado desfasamento temporal.
...
Verificam-se ainda situações de entregues directas, isto é, a sociedade por vezes compra a dado fornecedor e vende directamente para o cliente, isto é, a mercadoria não entra em qualquer armazém da sociedade, indo directamente do fornecedor para o cliente.
...
A.3.1 – Compras-Mat. Primas, Subsid. e de Consumo
...
Atendendo aos quadros conclui-se que a sociedade declarou ter vinificados a quantidade total de 68 795,11 hectolitros (6 879 511 litros).
Considerando os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade vendida questionou-se o técnico dos escritórios... sobre o modo como foi obtida a quantificação de litros a partir das uvas recepcionadas, tendo aquele referido que não foi utilizado qualquer cálculo, tendo as quantidades resultantes da vinificação sido fornecidas pela gerência.
...os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade... tendo sido detectadas facturas para sujeitos passivos já falecidos... referiram que é muito difícil o seu controlo, sendo muitas vezes os descendentes que trazem as uvas com o cartão do vinicultor ainda em nome do falecido. ...
...os documentos de aquisição (documentos internos) e de acompanhamento (DA´s) de uvas são realizados na própria empresa. Dos documentos internos de aquisição, uma parte é realizada num programa específico enquanto a outra é efectuada no processador Word. Relativamente a estes últimos documentos a funcionária encarregou de os emitir alegou utilizar sempre o mesmo original, não dispondo assim de qualquer salvaguarda em suporte informático.
...
A.4 – Acareação: Existências – Compras - Vendas
...
...considerando todos os pressupostos acima expostos, pode aferir-se que os registos contabilísticos da sociedade (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) não permitem um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.
... tendo-se tentado realizar o confronto entre os registos das existências, produção, compras e vendas, uma das conclusões a que se chega é que as diferenças tanto são no sentido positivo como negativo.
(...)
III.B - Identificação e análise de fornecedores não declarantes
Decorrente da análise de reembolsos de IVA solicitados pela sociedade inspeccionada relativamente, ainda ao exercício de 2004, onde constava, o fornecedor “B..., Lda.”, com NIPC: ...72, que evidenciava no cadastro do sistema informático incumprimento continuado das suas obrigações declarativas em sede de IVA e IRC, foi realizada informação e proposta a emissão de fichas de prospecção, tendo sido remetidas à respectiva Direcção de Finanças de Lisboa, da área da sede/domicílio do sujeito passivo.
(...)
Foram recolhidos indícios que nos permitem concluir que as facturas emitidas pela entidade “B..., Lda.”, ao sujeito passivo em análise, não traduzem operações efectivas.
(...)
(...)
As facturas de mercadorias emitidas por B...‟, e “C...”, foram todas realizadas com liquidação de IVA, contudo as correspondentes mercadorias deram entrada nos livros de contas correntes de existências, dos entrepostos de “D...”, conjuntamente com outras adquiridas com isenção, não se verificando qualquer separação.
- As aquisições declaradas aos dois fornecedores representam 87% do total das compras nacionais sem isenção de IVA, ou seja, quase a sua totalidade
- como foi liquidado IVA em todas as facturas de “B...” e de “C...”, tal implicou que a sociedade “D...” deduzisse tal imposto nas suas declarações periódicas (solicitando o reembolso ao Estado) e o emitente (no caso das “B...”), sujeito passivo não declarante não entregasse nos cofres do Estado o respectivo imposto liquidado.
Atendendo aos factos anteriormente descritos e à análise realizada, reforçam-se os indícios indicados nos elementos enviados pelas Direcções de Finanças de Lisboa e de Santarém no sentido da inexistência de transacções entre as entidades “B..., Lda.” e “D...” e entre “C..., Lda.” e “D...”.
Os factos enunciados sustentam que as operações entre as empresas “B.... Lda.”, NIPC: ...72 e “C.... Lda.”. NIPC: ...14 (emitentes) e o sujeito passivo, D..., SA‟ NIPC ...74 (utilizador), foram inexistentes na medida em que não suportam qualquer venda de mercadoria efectiva, tratando-se de transacções fictícias, com o único objectivo de obtenção de vantagem patrimonial, consubstanciada na dedução indevida de IVA e na contabilização de custos, com reflexos no apuramento da matéria tributável em IRC. (...), cfr. fls. 15 a 60 do Relatório constante do PA;

D) A impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção tributária, por ofício n.º...04 de 09/12/2010 e 60 de 04/01/2011, ambos da Direcção de Finanças de Viseu, a fim de poder exercer o direito de audição nos termos do art. 60.º da LGT e do art. 60.º do RCPIT, o que não fez, vide fls. 74 e 75 do Processo Administrativo, correspondentes a fls. 63 e 64 do Relatório e ainda fls. 8 também do PA;

E) Por ofício n.º ...73 de 21/01/2011, recebido no dia 24, foi a impugnante, na pessoa do seu mandatário, notificada do relatório de inspecção tributária, vide fls. 9 do PA;

F) Na sequência do mencionado relatório de inspecção tributária, foi emitida a liquidação impugnada n.º ...09, com o valor a pagar de € 187 323,84, de que a Impugnante foi notificada no início de Fevereiro de 2011, assim como o foi da demonstração de lei de juros compensatórios, compensação n.º ...08 de 2011/01/28, constando como data limite de pagamento, o dia 09-03-2011, cfr. fls. 11 a 13 destes autos e fls. 121 e 123 do Processo Administrativo;

G) A presente impugnação foi apresentada, via postal, expedida em 11-05-2011, vide código de barras do registo postal aposto a fls.2 dos autos, folha 1 da P.I.».

2.1.2 Por seu turno, o acórdão fundamento considerou como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante declarou o início de actividade em 01/01/1975, e é sujeito passivo de IRC, colectada no Serviço de Finanças de Tondela, exercendo a actividade de “Comércio por grosso de bebidas alcoólicas” com o código CAE n.º 51341 (actual 46341) e enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, apresentando continuadamente crédito de IVA, cfr. Relatório de Inspecção, fls. 5 a 7 que correspondem a fls. 20 a 22 do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; estes factos não foram questionados pela Impugnante;

B) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu realizaram acção de inspecção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201000538 com código de actividade 12215019 emitida pela Divisão de Inspecção Tributária I, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, de âmbito geral e incidência no exercício de 2008, cujo procedimento teve início em 22/10/2010 e terminou em 06/12/2010, vide fls. 4 e 5 do Relatório constantes de fls. 19 e 20 do PA;

C) Do relatório de inspecção tributária elaborado extracta-se:
A.1 Existências
...
A sociedade não declara inventário permanente das mercadorias. As existências declaradas correspondem ao saldo de quantidade existente em cada um destes livros e em cada armazém a data de 31 de Dezembro.
...
...os livros de registo das existências somente apresentam o registo dos movimentos das mercadorias por DA e ou DAA, não havendo qualquer correspondência com a factura contabilística e ou mesmo a guia.
Deste modo contabilisticamente a existência somente de inventário intermitente implica a falta de conhecimento, no decurso do exercício, das quantidades e do valor das existências em armazém e impossibilidade de um apuramento, a qualquer momento, dos resultados obtidos nas vendas.
Por outro lado, tendo-se procurado fazer um confronto entre o registo contabilístico das facturas de aquisição, a data de recepção das respectivas vendas e o seu registo nos respectivos livros de contas correntes de existências, verifica-se, por vezes, um desmesurado desfasamento temporal.
...
Verificam-se ainda situações de entregues directas, isto é, a sociedade por vezes compra a dado fornecedor e vende directamente para o cliente, isto é, a mercadoria não entra em qualquer armazém da sociedade, indo directamente do fornecedor para o cliente.
...
A.3.1 – Compras-Mat. Primas, Subsid. e de Consumo
...
Atendendo aos quadros conclui-se que a sociedade declarou ter vinificados a quantidade total de 68 795,11 hectolitros (6 879 511 litros).
Considerando os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade vendida questionou-se o técnico dos escritórios... sobre o modo como foi obtida a quantificação de litros a partir das uvas recepcionadas, tendo aquele referido que não foi utilizado qualquer cálculo, tendo as quantidades resultantes da vinificação sido fornecidas pela gerência.
...os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade... tendo sido detectadas facturas para sujeitos passivos já falecidos... referiram que é muito difícil o seu controlo, sendo muitas vezes os descendentes que trazem as uvas com o cartão do vinicultor ainda em nome do falecido. ...
...os documentos de aquisição (documentos internos) e de acompanhamento (DA´s) de uvas são realizados na própria empresa. Dos documentos internos de aquisição, uma parte é realizada num programa específico enquanto a outra é efectuada no processador Word. Relativamente a estes últimos documentos a funcionária encarregou de os emitir alegou utilizar sempre o mesmo original, não dispondo assim de qualquer salvaguarda em suporte informático.
...
A.4 – Acareação: Existências – Compras - Vendas
...
...considerando todos os pressupostos acima expostos, pode aferir-se que os registos contabilísticos da sociedade (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) não permitem um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.
... tendo-se tentado realizar o confronto entre os registos das existências, produção, compras e vendas, uma das conclusões a que se chega é que as diferenças tanto são no sentido positivo como negativo.
(...)
III.B - Identificação e análise de fornecedores não declarantes
Decorrente da análise de reembolsos de IVA solicitados pela sociedade inspeccionada relativamente, ainda ao exercício de 2004, onde constava, o fornecedor “B..., Lda.”, com NIPC: ...72, que evidenciava no cadastro do sistema informático incumprimento continuado das suas obrigações declarativas em sede de IVA e IRC, foi realizada informação e proposta a emissão de fichas de prospecção, tendo sido remetidas à respectiva Direcção de Finanças de Lisboa, da área da sede/domicílio do sujeito passivo.
(...)
Foram recolhidos indícios que nos permitem concluir que as facturas emitidas pela entidade “B..., Lda.”, ao sujeito passivo em análise, não traduzem operações efectivas.
(...)
(...)
As facturas de mercadorias emitidas por B...‟, e “C...”, foram todas realizadas com liquidação de IVA, contudo as correspondentes mercadorias deram entrada nos livros de contas correntes de existências, dos entrepostos de “D...”, conjuntamente com outras adquiridas com isenção, não se verificando qualquer separação.
- As aquisições declaradas aos dois fornecedores representam 87% do total das compras nacionais sem isenção de IVA, ou seja, quase a sua totalidade
- como foi liquidado IVA em todas as facturas de “B...” e de “C...”, tal implicou que a sociedade “D...” deduzisse tal imposto nas suas declarações periódicas (solicitando o reembolso ao Estado) e o emitente (no caso das “B...”), sujeito passivo não declarante não entregasse nos cofres do Estado o respectivo imposto liquidado.
Atendendo aos factos anteriormente descritos e à análise realizada, reforçam-se os indícios indicados nos elementos enviados pelas Direcções de Finanças de Lisboa e de Santarém no sentido da inexistência de transacções entre as entidades “B..., Lda.” e “D...” e entre “C..., Lda.” e “D...”.
Os factos enunciados sustentam que as operações entre as empresas “B.... Lda.”, NIPC: ...72 e “C.... Lda.”. NIPC: ...14 (emitentes) e o sujeito passivo „D..., SA‟ NIPC ...74 (utilizador), foram inexistentes na medida em que não suportam qualquer venda de mercadoria efectiva, tratando-se de transacções fictícias, com o único objectivo de obtenção de vantagem patrimonial, consubstanciada na dedução indevida de IVA e na contabilização de custos, com reflexos no apuramento da matéria tributável em IRC. (...), cfr. fls. 15 a 60 do Relatório constante do PA;

D) A impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção tributária, por ofício n.º...04 de 09/12/2010 e 60 de 04/01/2011, ambos da Direcção de Finanças de Viseu, a fim de poder exercer o direito de audição nos termos do art. 60.º da LGT e do art. 60.º do RCPIT, o que não fez, vide fls. 78 e 79 do Processo Administrativo, correspondentes a fls. 63 e 64 do Relatório e ainda fls. 8 também do PA;

E) Por ofício n.º ...73 de 21/01/2011, recebido no dia 24, foi a impugnante, na pessoa do seu mandatário, notificada do relatório de inspecção tributária, vide fls. 12 e 13 do PA;

F) Na sequência do mencionado relatório de inspecção tributária, foram emitidas as liquidações impugnadas n.ºs ...26, ...28, ...30, ...32, ...34, ...27, ...29, ...31, ...33 e ...35, no montante global a pagar de € 80 308,96, de que a Impugnante foi notificada no início de Março de 2011, constando das aludidas liquidações, como data limite de pagamento, o dia 30-04-2011, cfr. fls. 11 a 20 destes autos e fls. 138 e 139 do Processo Administrativo;

G) A presente impugnação foi apresentada, via postal, expedida em 27-06-2011, vide código de barras do registo postal aposto a fls.2 dos autos, folha 1 da P.I.».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Impugnante interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do art. 284.º do CPPT, por alegada oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, ambos do Tribunal Central Administrativo Norte, quanto a uma mesma questão fundamental de direito.
Desde logo, quanto a essa questão, que compete ao recorrente delimitar de modo preciso e circunstanciado (Cfr. n.º 2 do art. 284.º, que dispõe: «A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada ao acórdão recorrido».), as alegações de recurso apresentadas e respectivas conclusões não dão cabal satisfação a essa exigência; sem prejuízo, permitem inferir que essa questão se refere às consequências legais da falta de decisão sobre a realização da requerida perícia, que a Recorrente alega terem sido diversas nas decisões em confronto.
Não se suscitando dúvida quanto à verificação dos requisitos processuais da admissibilidade do recurso, importa averiguar da verificação dos respectivos requisitos substanciais.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

A admissibilidade do recurso para recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no art. 284.º do CPPT, depende i) da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento, já transitado, sobre a mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Começaremos, pois, por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2.3 DA OPOSIÇÃO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O ACÓRDÃO FUNDAMENTO

Quanto à invocada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, cumpre ter presente que situação em tudo paralela, pois que também se indagava da oposição entre um acórdão em tudo paralelo ao ora sob recurso – também proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito de recurso de sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito de impugnação judicial deduzida pela também aqui Recorrente com os mesmos fundamentos – e em que também foi invocado como fundamento o mesmo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, foi já objecto de apreciação por este Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 24 de Janeiro de 2024, no processo com o n.º 773/09.5BEVIS.
Assim, vamos recuperar parte do que ficou dito nesse processo a respeito da indagação da contradição de julgados:
«[…] cremos que está em causa, desde logo, a matéria relativa à identidade dos pressupostos de facto subjacentes às soluções jurídicas relacionadas com a questão fundamental de direito, com referência à qualificação do vício da preterição de decisão do juiz sobre um pedido de produção de prova pericial e qual o seu regime jurídico, nomeadamente o respectivo prazo de arguição.
Neste domínio, quando se tem presente os elementos essenciais vertidos nos dois arestos, considerando que seria mais decisivo o facto de ambas as situações poderem ser subsumidas às hipóteses legais das mesmas previsões normativas que foram chamadas à colação em cada um dos processos, importa ainda ter presente que as soluções jurídicas perfilhadas pelo Acórdão fundamento e pelo Acórdão recorrido, sobre a mesma questão fundamental de direito do regime da nulidade processual, decorrente da preterição do dever judicial de decidir ou prover, e da oportunidade para a sua arguição, não são contraditórias, bem pelo contrário, são condizentes, na medida em que, em ambos os casos, foi entendido que a preterição do dever de decidir configura uma nulidade processual, anterior ao proferimento da sentença, com carácter secundário, por não constar do elenco do artigo 98.º (Nulidades insanáveis) do CPPT, e cujo prazo de arguição é de dez dias, nos termos do artigo 149.º n.º 1 do C. Proc. Civil – sendo certo que o Acórdão recorrido é bem mais preciso e rigoroso, nomeadamente ao mobilizar ainda o regime do n.º 1 do artigo 199.º (Regra geral sobre o prazo da arguição) do mesmo diploma legal, que estatui sobre o momento em que se dá o conhecimento da consumação do vício em causa, ou seja, analisadas as soluções jurídicas dos dois arestos em comparação, é inelutável concluir que os preceitos legais escolhidos são, em substância, os mesmos tal como a interpretação que deles se extrai é também a mesma.
Por outro lado, no que concerne à matéria relativa à identidade dos pressupostos de facto subjacentes às soluções jurídicas relacionadas com a questão fundamental de direito, temos que o Acórdão fundamento não é absolutamente expresso, completo e sistemático na descrição dos pressupostos de facto relevantes para a solução jurídica do caso, sem prejuízo de ali se referir que “(...) resulta do processado que a Recorrente peticionou a realização de prova pericial na petição inicial e sobre tal pedido nenhuma pronúncia foi emitida pelo Tribunal a quo” e, mais adiante “no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação [adicional de IVA]. Assim sendo, a arguição da nulidade derivada de tal omissão foi atempadamente realizada” e finalmente, “no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida em tempo, nos termos do disposto no artigo 201.º [agora 195.º], n.º 2 do CPC, …”, apontando ainda que “Tal omissão consubstanciaria uma nulidade secundária por não constar das omissões insanáveis do processo tributário previstas no artigo 98.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT)” e que “Por sua vez, nos termos do artigo 149.º, n.º 1 do CPC “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes (…) arguirem nulidades (…)” e bem assim que “Conforme jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, “caso a parte lesada apenas tome conhecimento da omissão do acto através da notificação da sentença, o recurso que desta interponha constitui o meio próprio para arguir essa nulidade, dado que é esta peça processual que dá cobertura à falta cometida e, por isso, só com a sua prolação a nulidade se consuma (…)”.
Deste modo, resulta claro que os pressupostos de facto subjacentes à solução jurídica perfilhada no Acórdão fundamento são diversos, num ponto relevante, dos pressupostos de facto subjacentes à solução jurídica perfilhada no Acórdão recorrido, quanto ao momento processual em que ocorre o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento e que determina o termo a quo da arguição da nulidade, “por omissão de pronúncia acerca da produção de prova pericial indicada na petição inicial”.
Com efeito, no Acórdão fundamento, o Tribunal julgou – embora não expressis verbis, mas através da referência a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – que esse momento em que se dá o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento foi o do acto de notificação da sentença, contando então a partir desse facto o prazo de 10 dias a que alude o n.º 1 do artigo 149.º (Regra geral sobre o prazo), do C. Proc. Civil: “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes (…) arguirem nulidades (…)».
Por seu turno, no acórdão recorrido considerou-se que, tendo em conta que o prazo para a arguição da nulidade decorrente da omissão de pronúncia sobre o pedido de perícia «conta-se do conhecimento da nulidade, ou do momento em que a parte poderia dela conhecer se actuasse com a diligência devida» e se deve considerar que a Recorrente tomou conhecimento dessa omissão quando «após a produção da prova testemunhal, ocorrida em 05.12.2011, foi notificada do despacho proferido pelo Mmo Juiz da causa», de notificação das partes para, querendo, alegarem por escrito – o que «implicitamente […] expressava que a fase da instrução dos autos se mostrava encerrada» – a arguição da nulidade quando da interposição do recurso se deve ter por intempestiva, «por[que] não alegada nos dez dias posteriores ao conhecimento da omissão incorrida pelo Tribunal a quo».
Assim, em face desse julgamento de intempestividade da arguição da nulidade, o Tribunal Central Administrativo Norte entendeu dela não poder conhecer.
Voltando a citar o anterior acórdão deste Pleno, «Tal equivale a dizer que são diversas, quanto ao momento processual em que ocorreu o facto determinante do termo a quo para invocar a nulidade processual, por omissão de pronúncia sobre o pedido de produção e prova pericial formulado na petição inicial, as duas situações em causa: no Acórdão fundamento tal momento foi o ato de notificação da sentença; no Acórdão recorrido foi o da notificação do despacho judicial que convidou as partes, querendo, alegarem, o que significa que não existe identidade dos pressupostos de facto subjacentes às duas soluções jurídicas agora em equação.
Assim, como já tinha sido enunciado, tem de ser negativa a resposta à questão de saber se os dois acórdãos em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico, pois que, tendo presente a paridade das duas soluções jurídicas - da solução jurídica unitária excogitada em cada um dos arestos - da questão fundamental de direito quanto à questão da nulidade processual e seu momento e prazo de arguição bem como a disparidade dos pressupostos de facto que lhe estão subjacentes, tem de concluir-se que não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.
Razão porque se decide não tomar conhecimento do mérito do recurso».
Com estes fundamentos, também no presente caso entendemos não ser de passar à apreciação do mérito do recurso.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso por oposição de acórdãos depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: i) que exista contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento na decisão da mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 284.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).

II - Não há que conhecer do mérito do recurso se verificarmos que os dois acórdãos em alegada oposição não se pronunciaram em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica mas, ao invés, que a divergência das soluções encontradas resultou da diferente factualidade considerada em cada um deles.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo decidem, em Pleno, não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).


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Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.