Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0553/17
Data do Acordão:05/24/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
CIDADÃO ESTRANGEIRO
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
CONSTITUCIONALIDADE
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Não é de admitir a revista quando as únicas questões que nela se suscitam se relacionam com a inconstitucionalidade de certas normas legais e com o julgamento da matéria de facto.
II - No primeiro caso, porque apreciação da questão da constitucionalidade é da competência do Tribunal Constitucional, a quem cabe sempre a última palavra nessa matéria, nada impedindo que o Recorrente dirija directamente recurso para esse Tribunal sobre essa matéria. No segundo, porque não cabe ao Tribunal de revista a reapreciação do julgamento da matéria de facto (art.º 150.º/4 do CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P21908
Nº do Documento:SA1201705240553
Data de Entrada:05/15/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:
O Ministério Público intentou, no TAC de Lisboa, contra A…………, processo especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa pelo Réu pedindo que se ordenasse o arquivamento daquele processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com fundamento na falta de ligação efectiva do Réu à comunidade nacional.

Com êxito já que aquele Tribunal, por sentença de 29/02/2016, julgou a oposição procedente e ordenou o arquivamento do mencionado processo.
E o TCA Sul, para onde o Réu apelou, por acórdão de 02/02/2017, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

É desse acórdão que vem a presente revista, interposta ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A pretensão do Recorrente é, como se vê, que este Supremo revogue a decisão do TCA Sul, que confirmou a sentença do TAC que julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Réu que a havia requerido, em 12.11.2012, invocando ser filho adoptado plenamente de pai cuja nacionalidade portuguesa foi adquirida depois do seu nascimento.
O TAC entendeu que apesar do art.º 5.º da Lei 37/81 prescrever que “O adoptado plenamente por nacional português adquire a nacionalidade portuguesa” certo era que essa aquisição automática podia ser objecto de oposição se se demonstrasse que era manifesta a inexistência de qualquer ligação efectiva do Requerente à comunidade nacional. E tinha ficado “comprovado que o Réu nunca residiu em Portugal, sendo certo que viveu, desde o seu nascimento, no Brasil.
Dos factos provados resulta que o Réu nasceu no Brasil, tal como os seus pais, que o seu pai adquiriu em 2008 a nacionalidade portuguesa, nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, e que em 27.07.2012, foi-lhe atribuída a nacionalidade portuguesa nos termos do art.1.º, n.º 1, alínea c) da citada Lei n.º 37/81.
O que significa que o Réu não logrou provar ter conhecimento de Portugal ou ter um contacto permanente e consistente com a cultura, geografia e língua portuguesa quer em território nacional, quer no estrangeiro, ou seja, não foi feita prova de nenhum facto relativo à ligação do Réu a Portugal.
Por conseguinte, os factos aqui provados são manifestamente insuficientes para se poder concluir que o Réu tem as suas referências sociológicas e culturais em Portugal, não logrando provar qual a sua ligação à comunidade portuguesa.
Nestes termos, independentemente do seu pai adoptivo ter, entretanto, adquirido a nacionalidade portuguesa, não se evidencia, por parte do Réu, uma ligação efectiva à comunidade nacional, porquanto, é necessária uma identificação com os hábitos sociais, tradições, cultura e interesse pela história do país, o que não ficou demonstrado neste processo.
De todo o modo, o Autor logrou provar que o Réu não tem ligação efectiva à comunidade nacional, pelo que a presente oposição terá de proceder.”

Decisão que o TCAS confirmou pela seguinte ordem de razões:
“c) Ora, com os factos concretos aqui provados e atrás descritos, pode-se concluir, dentro da normalidade, que o Réu, ainda menor, não tem uma ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa.
Quer dizer, a cit. factualidade alegada e depois adquirida no processo (cfr. artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil, cits.) integra-se suficientemente no conceito jurídico de “falta de ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa” por parte do réu, no âmbito das seguintes disposições legais: artigos 9º/a) e 10º da Lei da Nacionalidade e artigos 14º, 31º ss e 56º ss do Decreto-Lei nº 237-A/2006.
Pelo que não ocorreu qualquer erro de julgamento de direito, nomeadamente uma incorrecta aplicação do artigo 342º do Código Civil e do artigo 414º do Código de Processo Civil.
Na verdade, não há necessidade de recorrer a tais disposições legais, auxiliares do tribunal com dúvidas, porque se pode e deve, juridicamente, integrar os citados factos alegados e provados (o réu é menor e estrangeiro; nasceu e cresceu no estrangeiro; viveu e vive com seus pais em país estrangeiro, onde tem as suas referências e raízes; tais pais são estrangeiros, sendo que um deles, já adulto, adquiriu uma segunda nacionalidade, a portuguesa) no conceito indeterminado de “falta de ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa” por parte do réu.
Em síntese: na presente acção administrativa negatória, o autor M.P. logrou (alegar e) obter factos negativos concretos suficientes para, de acordo com os cits. factores de ligação efectiva, integrarmos a realidade pessoal, social e cultural do cidadão estrangeiro, ora réu, no conceito jurídico indeterminado de “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa”.

3. O Recorrente não se conforma com esta decisão fundamentalmente por duas ordens de razões:
- por um lado, porque entende “que o Tribunal a quo fez uma interpretação desigual, quer da Lei da Nacionalidade, quer do Regulamento da Lei da Nacionalidade no que respeita àqueles que são filhos por adopção plena e aqueles que o são por filiação natural, entendendo que os adoptados plenamente têm de provar (independentemente da questão do ónus da prova) a sua ligação efectiva à comunidade portuguesa (apesar de serem filhos com os mesmos efeitos jurídicos daqueles que provêm da filiação natural)”, violando dessa forma os princípios constitucionais da igualdade e da unidade familiar.
- Por outro, porque tinha errado no julgamento da matéria de facto e isto porque não se entende que tendo a sua avó, o seu pai e os seus três irmãos (filhos naturais) nacionalidade portuguesa “não se vislumbra como se poderá considerar que toda a sua família tem ligação efectiva à comunidade portuguesa e o que o Recorrente não.” “Ora, se o pai do Recorrente adquiriu a nacionalidade portuguesa, bem como todos os seus irmãos, é porque quanto a estes o entendimento foi o de que tal fundamento de oposição não se verificaria e não se verificando quanto aos demais, forçosamente não se verifica igualmente quanto ao Recorrente.”
Ora, nenhuma das razões invocadas como fundamento da revista o são verdadeiramente.
Com efeito, a questão relacionada com a inconstitucionalidade suscitada pelo Recorrente não justifica a admissão do recurso na medida em que a apreciação dessa questão é da competência do Tribunal Constitucional, a quem cabe sempre a última palavra nessa matéria, nada impedindo que o Recorrente dirija directamente recurso para esse Tribunal referente às questões de constitucionalidade aqui suscitadas.
Por outro lado, não cabe ao Tribunal a reapreciação do julgamento da matéria de facto (art.º 150.º/4 do CPTA).
Nesta conformidade, e atendendo que as instâncias decidiram de forma convergente e que tudo indica que decidiram bem uma vez que esse julgamento foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada nos autos é forçoso concluir que não estão preenchidos os requisitos de admissão de revista.
DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 24 de Maio de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.