Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01682/17.0BELRS 0605/18
Data do Acordão:11/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23845
Nº do Documento:SA22018111401682/17
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. A………….., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, exarado em 18/04/2018, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por seu turno, negara provimento ao recurso por si instaurado da decisão do Director de Finanças de Lisboa que lhe fixou o rendimento tributável, em sede de IRS, com recurso a avaliação indirecta, no montante de 995.331,73 Euros.

1.1. Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

1. O Tribunal recorrido, que negou provimento ao recurso intentado pela recorrente da decisão da 1ª instância, tendo confirmado esta e, assim mantendo
a decisão do Diretor de Finanças de Lisboa de avaliação da matéria coletável, pelo método indireto, em sede de IRS, respeitante ao ano de 2013, no valor de € 955.311,73, errou notoriamente na apreciação da prova, bem como violou a Lei.
2. O Tribunal recorrido decidiu em manifesta contradição com a matéria de facto e a prova de todos os elementos constantes do processo que permitem e impõem a alteração da matéria de facto provada, por contraditória com esses elementos do processo.
3. O Tribunal recorrido manteve a decisão da 1ª instância que dera, erroneamente, como não provado que a propriedade dos dinheiros depositados e que passou pelas contas da recorrente é, na realidade, das empresas "B…………, SGPS, SA.", "C……….., Lda" que o enviaram, tendo destino final as empresas portuguesas "D……….." e "E…………".
4. A prova documental junta aos autos pela recorrente em 23-11-2017 impunha decisão contrária, por demonstrar, claramente, que as transferências de Angola de divisas, em Dólares USA, para Portugal que se reportam ao ano de 2013, através da "Real Transfer Angola" e "Western Union" tendo como beneficiária a recorrente mas cujo destino final era a empresa "E…………, Lda", bem como outras transferências de divisas de Angola para Portugal, tendo como beneficiários o irmão [menor] da recorrente: F………… e a empresa "D……….., Lda", e tendo a recorrente protestado juntar, se tal lhe fosse pedido, toda a demais e volumosa documentação contabilística e de caixa [de 2013], provinda de Angola para este efeito.
5. A prova documental também junta aos autos em 23-11-2017 impunha decisão contrária por ter ficado demonstrado os graves problemas de saúde da recorrente, desde o seu nascimento, o que, objetivamente, sempre a impediria de "per si", angariar ou movimentar negócios com os volumes e grandezas dos subjacentes ao presente processo (tem dificuldades de locomoção, não ouve, tem diminuta visão, não se consegue fazer entender ao falar e, como tal, depende economicamente dos pais (empresários a trabalhar e viver em Angola), para viver e fazer face às suas despesas.
6. Do depoimento testemunhal de ……….. (TOC/Contabilista Certificado de todas as empresas em causa neste processo e que regularmente vai a angola para exercer essas tarefas) alcançou-se a sua razão de ciência, resultado do seu conhecimento direto e pessoal da factualidade em apreço no presente processo.
7. O Tribunal recorrido não se importou que a sentença da 1ª instância não tivesse descrito, como devia, toda a matéria de facto provada e, antes sim, limitou-se a seguir a "tramitação da A.T, e dos respetivos serviços de fiscalização" para, abruptamente, avançar do saneamento para os "Factos Não Provados" olvidando, de todo, toda a vasta prova documental junta aos autos pela recorrente.
8. A livre apreciação de prova não é, contudo, o "livre arbítrio" pelo que a decisão Recorrida padece, pois, de erro [notório] de julgamento da matéria de facto, dado ter ficado demonstrado pela recorrente quer a origem do dinheiro (Angola) quer a propriedade do mesmo [das empresas supra referidas e não da recorrente] e, o erro de julgamento de facto, ocorreu por o Tribunal recorrido ter decidido mal e contra os factos apurados.
9. A decisão errada do Tribunal recorrido infringiu normas processuais disciplinadoras dos atos processuais aplicáveis e, ainda violou normas de direito substantivo, escolhendo indevidamente a norma a aplicar e procedendo à interpretação e aplicação incorretas da norma reguladora do caso ajuizado.
10. Além do que a decisão do Tribunal recorrido é INJUSTA por resultar de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexata dos factos ao direito e, no âmbito do mérito do julgamento, permitiu ao Tribunal de 1ª instância o uso abusivo dos amplos poderes discricionários que lhe foram, confiados.
11. A recorrente fez prova de que a totalidade dos meios financeiros mobilizados para a aquisição dos bens em causa provinham de rendimentos não sujeitos a declaração (de Angola), com destino final as empresas "E…………, Lda" e "D…………., Lda.", bem como dispunha, no ano da aquisição, de meios financeiros suficientes para o efeito.
12. A reforma da tributação do rendimento que passou a permitir à Fazenda Pública, que proceda à avaliação indireta da matéria tributável, a menos que o contribuinte prove que os rendimentos correspondem à realidade e que a fonte de rendimentos necessários para assegurar as manifestações da fortuna evidenciadas é outra, porque a prova exigida ao sujeito passivo cinge-se apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas para determinar se as mesmas foram omitidas à declaração de rendimentos para efeitos de IRS, o que a recorrente provou [Fonte: Angola e o dinheiro que transitou pelas contas bancárias não é da recorrente e tinha como destino final as empresas "E…………., Lda. "e "D…………, Lda").
13. Em sede de processo tributário preside o "princípio da verdade material", impondo, designadamente, que se procure atingir este desiderato, em detrimento da denominada "verdade formal", princípio que foi violado pelo Tribunal recorrido.
14. O Tribunal recorrido violou, igualmente, o "princípio da investigação", traduzido no poder/dever de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos objeto de tributação.
15. No conceito tributário de incrementos ou acréscimos patrimoniais, os aumentos de valores ou património continuam a estar excluídas as mais-valias não realizadas porque, não entrando tais rendimentos, na propriedade do contribuinte, claro está, não são suscetíveis de tributação tais rendimentos a esse contribuinte visado (a ora recorrente) sob pena de ocorrer Abuso de Direito, por excederem os limites da boa-fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito.
16. A avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta e, àquela, aplicam-se sempre que possível e a lei não prescreve em sentido diferente as regras da avaliação direta o que, no caso concreto não aconteceu porque, neste, são inaplicáveis os critérios técnicos que lhe levaram à liquidação, como sendo um acréscimo patrimonial (não justificado) da ora recorrente, no ano de 2013, na fixação do rendimento tributável da categoria "G" (no valor de € 955.311,73).
17. A avaliação indireta só pode efetuar-se no caso de impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável o que, "in casu", não aconteceu motivo porque ocorreu violação da Lei no recurso à avaliação indireta, o que deveria ter sido decidido e decretado pelo Tribunal recorrido, o que não fez.
18. Tendo ficado provado a capacidade patrimonial da recorrente para a aquisição dos bens em apreço, bem com o ficou provado e demonstrado a origem dos dinheiros utilizados para tais aquisições (provenientes de Angola), pelo que não se encontram reunidos os pressupostos previstos na Lei com vista à fixação de rendimento coletável em sede de IRS e através de métodos indiretos.
19. Foram, pois violados, entre outros os artigos 334º e 371º do Código Civil, o artigo 607º nº 5 do C.P.C, os artigos 84º, 85º, 87º al. d), 88º, 89º-A nºs 3 e 4 e 99º nº 1 da LGT., o artigo 13º nº 1 CPPT e o artigo 10º nº 1 do Código do IRS.
1.2. A entidade recorrida produziu contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, invocando, em suma, a inexistência do imputado erro de julgamento na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto julgada provada.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da não admissão do recurso, por falta de verificação dos pressupostos previstos no artigo 150º do CPTA.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o nº 6 do artigo 150º do CPTA.

2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, "das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito", competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação de juízes prevista no nº 6 do referido preceito legal.
Este recurso só é, assim, admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso se mostrar claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Pelo que a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito deste tipo de recurso só pode considerar-se justificada em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.
Daí que quem interponha este recurso deva explicitar a sua excepcionalidade, demonstrando que a questão que coloca assume relevância jurídica ou social de importância fundamental ou, então, que ele é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, não bastando invocar que o acórdão recorrido padece de erro de julgamento.
Por outro lado, segundo o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 150º do CPTA, «Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» e «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».
Razão por que se encontra excluído do recurso de revista o controlo do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, com a única ressalva para as situações em que esteja em causa uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Consequentemente, relativamente a questões jurídicas intrinsecamente ligadas à matéria de facto fixada pelas instâncias, isto é, a questões decididas com fundamento numa factualidade que comprometa inexoravelmente o sentido da decisão, fica ultrapassado o interesse na discussão dessas questões.
Posto isto, vejamos se podem considerar-se verificados os requisitos previstos no artigo 150º do CPTA.
Do teor das alegações e conclusões do recurso decorre, desde logo, que a Recorrente nada alega para demonstrar que a questão que pretende ver (re)apreciada assume relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, pese embora lhe competisse expor as razões pelas quais, no seu entender, ocorriam esses pressupostos.
Com efeito, a Recorrente limitou-se a manifestar o seu desacordo com o julgado como se de um recurso em 3º grau de jurisdição se tratasse, olvidando que na jurisdição tributária esse 3º grau foi extinto pelo Dec. Lei nº 229/96, de 29 de Novembro.
Assim, e visto que este recurso é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, encontra-se, desde logo, afectada a admissibilidade do recurso.
Contudo, esta formação tem vindo a entender que essa deficiência, por si só, não inviabiliza a admissão da revista excepcional, já que em face do importante papel objectivo que a lei lhe reserva (de instrumento destinado em primeira linha a melhorar a administração da justiça) os aludidos requisitos podem ser conhecidos oficiosamente a partir do estado da causa e da importância que as questões jurídicas suscitadas possam merecer.
Porém, o que vem suscitado neste recurso é, na sua generalidade, o erro na apreciação e valoração da prova produzida e o erro na fixação dos factos relevantes e nas ilações que deles retiraram os juízes que julgaram a causa em 1ª e 2ª instância, isto é, erros que terão sido cometidos no julgamento da matéria de facto e que conduziram a erro na decisão da causa. Matéria que, como se viu, não pode ser discutida neste recurso, já que não se descortina que tenha havido ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – únicas situações em que pode haver sindicância do julgamento da matéria de facto (nº 4 do art.º 150º do CPTA).
Em suma, a reapreciação pretendida pela Recorrente obrigaria à alteração da matéria de facto e à sua reinterpretação em moldes que são também juízos de facto, pelo que estamos perante um quadro em que as questões de direito não podem ser apreciadas na perspectiva propugnada.
É, assim, de concluir que não ocorrem os requisitos para a admissão do recurso.

3. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 14 de Novembro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – António Pimpão.