Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0972/21.1BEBRG
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO DURADOURO
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor. O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
II - Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil.
III - Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo.
IV - O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).
V - É uniforme a jurisprudência deste Tribunal e Secção a concluir que a aplicação, no domínio tributário, da regra prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, quanto ao reconhecimento do efeito duradouro do acto de citação em execução fiscal, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança ou das garantias dos contribuintes. Recente jurisprudência do Tribunal Constitucional vai no mesmo sentido.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28560
Nº do Documento:SA2202111240972/21
Data de Entrada:11/08/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A…………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido ao T.C.A.-Norte tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Braga, constante a fls.234 a 244-verso do processo físico, que julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida pela ora apelante, na qualidade de revertida e no âmbito do processo de execução fiscal nº.3476-2002/104745.0 e apensos, o qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Guimarães, em consequência do que não declarou prescrita a dívida exequenda objecto do identificado processo executivo, relativa a I.V.A., de períodos compreendidos entre o 1º. trimestre de 2002 e o 3º. trimestre de 2005, a I.R.S.-Retenções na fonte, do ano de 2005, e a I.R.C., igualmente do ano de 2005, no total de € 47.936,49.
X
A recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.256 a 278 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-A norma do art. 327.º, n.º 1, do Código Civil, é uma norma excepcional, pois determina que, sendo a citação a causa interruptiva, o prazo de prescrição apenas se inicia após extinto o processo de execução;
II-A prescrição é matéria de garantias dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade tributária, não havendo lugar à aplicação subsidiária do n.º 1 do art. 327.º do Código Civil, sendo esta aplicação violadora das garantias dos contribuintes;
III-O efeito duradouro é próprio dos factos suspensivos da prescrição, que passaram a estar previstos, justamente, na LGT (art. 49.º, n.ºs 4 e 5);
IV-Uma vez posto termo ao processo de execução fiscal, a dívida não pode mais ser exigida, nem cobrada coercivamente, não fazendo qualquer sentido o reinício da contagem do prazo de prescrição (isto é, de exigibilidade) de uma dívida que deixou de ser exequenda, porque inexigível em face da ausência de processo de execução fiscal;
V-Ao processo de execução fiscal apenas pode ser posto termo (isto é, extinto), grosso modo, em caso de pagamento da quantia exequenda e do acrescido ou em caso de anulação da dívida. Donde que, paga ou anulada a dívida – portanto, inexistente –, e, ademais, extinto o processo de execução fiscal, de todo não se vislumbra como possa ter aplicação o disposto no art. 327.º, n.º 1, do Código Civil;
VI-A aplicação cega da norma do art. 327.º, n.º 1, do Código Civil às dívidas tributárias levaria, não a um efeito duradouro da interrupção ocasionada pela citação (desejado pelo legislador quanto às dívidas civis, até ao termo do processo), mas a uma eternização dessa interrupção;
VII-Em lugar de a prescrição se impor, ex lege e contra a sua vontade, ao titular do direito creditício, este é que decidiria se a mesma alguma vez se poderia verificar, o que não sucede nas relações entre particulares. Perdendo qualquer sentido, por inútil, a norma do art. 175.º, do CPPT, que estabelece um dever (e não uma mera faculdade) de conhecimento oficioso da prescrição, pelo órgão de execução fiscal ou pelo juiz;
VIII-A consequência da aplicação do art. 327.º, n.º 1, do Código Civil, inexoravelmente, seria esta: apenas se a Administração permitisse o reinício do prazo de prescrição, por efeito de uma decisão sua, transitada “em julgado”, a pôr termo ao processo de execução fiscal não estando paga nem anulada a dívida, e decorridos, posteriormente, na melhor das hipóteses, 8 anos, então sim os Tribunais poderiam declarar oficiosamente a prescrição;
IX-Ao contrário da execução cível, no plano do Direito Tributário não «deixa de estar nas mãos do titular do direito o controlo referente à sua efetivação»;
X-Um tal entendimento representa uma posição «juridicamente errónea, na medida em que o art. 327.º do Código Civil é inaplicável no âmbito do processo de execução fiscal, porquanto, o legislador estabeleceu nas leis tributárias – n.ºs 4 e 5 do art. 49.º da LGT – causas ou factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária, e não outras aplicáveis por via do direito subsidiário. Qualquer outra solução viola os princípios da justiça, da certeza e da segurança jurídicas, e, para além de ser anacrónica, remete para as antípodas o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional plena»;
XI-Tal entendimento jurisprudencial vai radicalmente contra a prática da Administração Fiscal e dos Tribunais em larguíssimos milhares de processos de execução fiscal;
XII-Os vários Acórdãos dos Tribunais superiores que tenham aderido a uma aplicação do disposto no art. 327.º, n.º 1, do Código Civil, representam uma ínfima minoria, se considerarmos que a prática diária da Administração Fiscal e dos Tribunais Tributários aponta noutro sentido radicalmente diverso;
XIII-A inaplicabilidade da norma do art. 327.º, n.º 1, do Código Civil pode também ser reafirmada ao nos determos sobre os restantes n.ºs do mesmo art. 327.º;
XIV-É “inconstitucional (art. 204.º, da Constituição), por violação do princípio da segurança e da confiança jurídica (art. 2.º), da garantia fundamental do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4) e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público (art. 266.,º n.º 2), a norma do n.º 1 do art. 327.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação do executado, não cessa com até ao termo do processo de execução fiscal;
XV-Assim, a interrupção do prazo de prescrição ocorre uma única vez (sendo um evento instantâneo e não duradouro), correndo novamente, sem qualquer interrupção;
XVI-Há muito que se esgotou o prazo de prescrição das dívidas fiscais aqui executadas, sendo que os processos de execução, nestes autos, já se arrastam há mais de 16 anos (o mais antigo há 19 anos);
XVII-Se fizer vencimento a tese sufragada na douta sentença recorrida, tais dívidas nunca vão prescrever;
XVIII-Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 49º da LGT, 327º do Código Civil e artigos 2º, 20º, 266º e 268º da CRP.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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Recebidos os autos no Tribunal Central Administrativo Norte, 2ª.Secção, o Exº. Desembargador Relator, por decisão sumária (cfr.fls.307 a 311 do processo físico), declarou o mesmo Tribunal incompetente em razão da hierarquia, tendo em conta que a questão cuja apreciação se pede no recurso é apenas de direito, mais sendo competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
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Remetidos os autos a este Tribunal, o Digno Magistrado do M. P. emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.318 e 319 do processo físico).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.236 a 238 do processo físico):
1-Contra a sociedade “B………… LDA.”, corre pelo Serviço de Finanças de Guimarães 2 o processo executivo nº 3476200201047450 e apensos, para cobrança de dívidas na quantia exequenda de € 47.936,49, relativas a IVA de períodos compreendidos entre o 1.º trimestre de 2002 e o 3º trimestre de 2005, a Retenções na fonte - IRS do ano de 2005 e a IRC de 2005 [cfr. fls. 55 a 58 documento 6375644 SITAF];
2-Em 02.01.2008 foi proferido despacho de reversão no processo 3476200201047450 e apensos contra a ora Reclamante [cfr. fls. 55 a 58 documento 6375644 SITAF];
3-A ora Reclamante foi citada, na qualidade de responsável subsidiária, nos processos executivos nº 3476200201047450 e apensos em 08.01.2008, pela quantia exequenda no valor de € 47.936,49, relativa às dívidas identificadas no ponto 1 antecedente [cfr. ofício lista anexa e aviso de receção de fls. 59 a 60 documento 6375644 SITAF];
4-Em 30.04.2021 foi comunicada à Reclamante a decisão do Chefe de Finanças de Guimarães 2 que indeferiu o pedido pela mesma apresentado de conhecimento da prescrição nos processos executivos nº 3476200201047450 e apensos, que apresenta o seguinte teor:
“(…)
Na sequência da petição remetida a este Serviço de Finanças, na qualidade de mandatário de C…………, NIF ………, com registo de entrada nº 2021E000620951, de 25-03-2021, pela qual requer a prescrição das dívidas que integram o processo de execução fiscal nº 3476200201047450 e apensos, tenho a informar o seguinte:
Consultados os elementos constantes dos autos, verifica-se que ainda não ocorreu a invocada prescrição.
De harmonia com o preceituado no nº 1 do artigo 48º da Lei Geral Tributária (LGT) “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.
Nos termos do nº 1 do referido artigo 49º da LGT, “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”.
No entanto, de harmonia com o artigo 323º, nº 1 do Código Civil, a prescrição “…interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Ainda com relevância para a matéria em apreço, refere o nº 1 do artigo 327º do Código Civil que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
No caso em apreço, a citação em reversão, no processo de execução fiscal nº 3476200201047450 e apensos, ocorreu em 08-02-2008.
Assim, tendo em conta os efeitos duradouros da citação, a que se referem os artigos 323º, nº 1 e 327º nº 1 ambos do Código Civil, constata-se que ainda não ocorreu a invocada prescrição.
(…)”
[cfr. fls. 203 do documento 6375644 do SITAF];
5-Em 13.05.2021 foi remetida a Reclamação ao Serviço de Finanças de Guimarães 2, por carta registada [cfr. fls. 234 a 236 SITAF].
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Com relevo não existem outros factos provados ou não provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…Os factos assentes como provados foram fixados com base na convicção alcançada, ante a livre apreciação da prova documental, não impugnada, referenciada junto a cada alínea [artigos 74º e 76.º da LGT e 362.º, n.º 1 e 2 e 376.º do Código Civil, artigo 607º nº 4 e 5 do CPC e 123.º, n.º 2 do CPPT].
A prova documental resulta dos elementos constantes do processo executivo, concretamente daqueles que integram a respetiva tramitação remetidos pelo órgão de execução fiscal com a Reclamação ao Tribunal e pela Reclamante na resposta à matéria de exceção [artigos 74º e 76.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 362º e seguintes do Código Civil]…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em consequência do que não declarou a prescrição da dívida exequenda cobrada no âmbito do processo de execução fiscal nº.3476-2002/104745.0 e apensos, mais mantendo na ordem jurídica o acto reclamado objecto deste processo (cfr.nº.4 do probatório).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição, no âmbito do regime de prescrição dos tributos fiscais, se encontram previstos nos artºs.48 e 49, da L.G.T. Que o regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil, não se aplica ao processo de execução fiscal. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao aplicar o regime previsto no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, ao caso dos autos. Que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs.49, da L.G.T., e 327, do C.Civil (cfr.conclusões I, III a XIII e XV a XVII do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.261 e seg.).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T. (cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária).
"In casu", o Tribunal "a quo" examinou a excepção de prescrição da dívida exequenda, no âmbito do processo de execução fiscal nº.3476-2002/104745.0 e apensos, tendo concluído pela falta de ocorrência do termo final do concreto prazo de prescrição da dívida exequenda objecto do mencionado processo, as quais são relativas a I.V.A., de períodos compreendidos entre o 1º. trimestre de 2002 e o 3º. trimestre de 2005, a I.R.S.-Retenções na fonte, do ano de 2005, e a I.R.C., igualmente do ano de 2005 (cfr.nº.1 do probatório supra).
Pelo contrário, o recorrente entende que já se verificou o termo final do prazo de prescrição das citadas dívidas, visto não ser de aplicar o regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil, ao caso "sub iudice".
Vejamos quem tem razão.
Iniciemos o exame deste esteio do recurso pela determinação do regime de prescrição a apor ao caso dos autos, a qual ocorre no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94).
No caso dos autos, as liquidações que constituem a dívida exequenda são relativas ao ano fiscal de 2002 e posteriores, pelo que o regime aplicável é o previsto na L.G.T., diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/01/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12).
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa, nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo/duradouro (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo, tudo contrariamente ao que defende o recorrente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.62).
É neste sentido, de resto, que vai toda a jurisprudência deste Tribunal. Concretizando, a citação em processo de execução fiscal ostenta um efeito instantâneo, o qual consiste na inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (regime decorrente do disposto no artº.326, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), tal como um efeito duradouro, o qual se consubstancia no facto de o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (regime decorrente do disposto no artº.327, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.). A título exemplificativo podemos citar os acórdãos do Pleno da 2ª.Secção: 3/04/2019, rec.2369/15.3BEPNF; 20/01/2021, rec. 103/20.5BALSB. Tal como os acórdãos da 2ª.Secção: 27/01/2016, rec.1698/15; 16/05/2018, 419/18; 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT; 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE.
Pelo que, o Tribunal confirma a sentença recorrida, neste segmento, concluindo pela não ocorrência do termo final do prazo de prescrição das dívidas exequendas objecto do processo de execução fiscal nº.3476-2002/104745.0 e apensos, da qual destacamos o seguinte trecho:

"Retomando a factualidade assente e subsumindo-a ao regime jurídico aplicável, verifica-se que as dívidas em execução no processo 3476200201047450 e apensos, revertido contra a ora Reclamante em 02.01.2008, na quantia exequenda no valor de € 47.936,49, respeita a IVA de períodos compreendidos entre o 1.º trimestre de 2002 e o 3º trimestre de 2005, de Retenções na fonte - IRS do ano de 2005 e de IRC de 2005. E que a Reclamante foi citada por reversão em 08.01.2008.
Assim, conforme decorre dos artigos 49.º, n.ºs 1 da LGT, com a citação da Reclamante na qualidade de revertida para o processo executivo, em 08.01.2008, interrompeu-se a contagem do prazo de prescrição de 8 anos, em relação às dívidas de IVA dos períodos compreendidos entre o 1.º trimestre de 2002 e o 3º trimestre de 2005, de Retenções na fonte - IRS do ano de 2005 e de IRC de 2005.
E, como acima se especificou, o ato interruptivo da citação para a execução fiscal, tem não só um efeito jurídico instantâneo [de inutilizar todo o prazo anteriormente decorrido] como, também, um efeito jurídico duradouro, isto é, um efeito interruptivo que permanece até ao termo do processo executivo, em conformidade com o disposto nos artigos 326.º e 327º nº 1 do Código Civil, norma cuja aplicação se deve ao facto de a Lei Geral Tributária nada dispor sobre a matéria, nos termos explicitados supra.
Pelo que, estando demonstrada a concretização da citação da Reclamante, por carta registada com aviso de receção, ocorrida antes do decurso do prazo de 8 anos e, apresentando a citação efeito interruptivo duradouro, elimina todo o prazo anteriormente decorrido e mantém-se até que transite em julgado decisão que ponha termo ao processo executivo, concluindo-se, não estarem prescritas as dívidas exequendas.".

Em conclusão, a decisão recorrida, neste segmento, não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado (errada aplicação do artº.327, nº.1, do C.Civil).
Aduz o recorrente, igualmente e em sinopse, que a aplicação, no domínio tributário, da regra do direito civil prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, viola o princípio da legalidade. Analogamente, afrontando o princípio da segurança e da confiança jurídica, a garantia fundamental do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva e os princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público. Que a sentença recorrida viola os artºs.2, 20, 266 e 268, todos da C.R.Portuguesa (cfr. conclusões II, XIV e XVIII do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se dirá que o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Por outro lado, o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal (cfr.alegações e conclusões do recurso constantes a fls.156 a 278 do processo físico), as defendidas violações dos princípios/direitos constitucionais que cita. Por outras palavras, a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos preceitos constitucionais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN).
Apesar disso, sempre se dirá que é uniforme a jurisprudência deste Tribunal e Secção a concluir que a aplicação, no domínio tributário, da regra prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, quanto ao reconhecimento do efeito duradouro do acto de citação em execução fiscal, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança ou das garantias dos contribuintes (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/01/2016, rec.1698/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE).
Por último, cita-se recente jurisprudência do Tribunal Constitucional que vai no mesmo sentido (cfr.ac. Tribunal Constitucional 351/2021, de 27/05/2021; ac. Tribunal Constitucional 731/2021, de 22/09/2021).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio da apelação e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24 de Novembro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.