Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0647/15
Data do Acordão:03/16/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:I - A inexistência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário.
II - É legalmente viável a instauração de processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a declaração judicial da sua insolvência, pese embora as execuções fiscais instauradas para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência devam ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência, e as instauradas para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvências devam prosseguir com a penhora de bens não apreendidos no processo de insolvência.
III - É legalmente viável a prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada antes ou depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, com a penhora de bens do património do revertido independentemente da data da sua aquisição, na medida em que só relativamente à entidade insolvente fica a possibilidade de penhora limitada a bens ulteriormente adquiridos, não fazendo sentido invocar a restrição do nº 5 do artigo 180º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si.
Nº Convencional:JSTA00069614
Nº do Documento:SA2201603160647
Data de Entrada:05/21/2015
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART23 N2 ART24 N1 ART22 N3.
CPPTRIB99 ART180 N1 N4 N5 ART153.
CIRE04 ART88 ART46.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0424/14 DE 2015/05/27.; AC STAPLENO PROC0122/15 DE 2016/02/17.
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A……………… E B………………….., com os demais sinais dos autos, recorrem para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do TAF de Penafiel que julgou parcialmente improcedente a oposição que deduziram à execução fiscal contra ambos revertida para cobrança coerciva de diversas dívidas tributárias da sociedade C…………………, Ldª, julgando extinta a execução apenas quanto a dívidas provenientes de coimas e custas de processos de contraordenação.
1.1. Remataram as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Foi considerado provado que à data da declaração de insolvência a executada originária tinha créditos;
2. Os recorrentes/oponentes alegaram a ilegalidade da reversão por existência de bens penhoráveis;
3. O Mmº Juiz do tribunal, para afastar tal ilegalidade da reversão, fundamentou-se no facto dos oponentes não alegaram nem lograrem demonstrar que a executada originária tinha esses bens e direitos penhoráveis em outubro de 2010, aquando da reversão dos PEF.
4. Entendemos, ao contrário da douta opinião do Mmº Juiz do Tribunal “a quo”, que a verificação da existência/suficiência ou não de bens tem que ser contemporânea ao período do exercício do cargo de gerente, pois é por isso, porque foi gerente, que a reversão está a ser determinada.
5. Até porque o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil).
6. No caso em apreço a execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA e IRC, a mais antiga respeita a IVA do primeiro trimestre de 2003.
7. Salvo melhor opinião a verificação da existência/suficiência, ou não, de bens tem que se contemporânea ao período do exercício do cargo de gerente, pois é por isso (porque foi gerente) que a reversão está a ser determinada, assim como a culpa.
8. Ao decidir como decidiu o M.º Juiz do tribunal “a quo” violou os art. 23º nº 2 do nº 1 do artigo 24º todos da LGT e art. 153º nº 2 do CPPT.
9. Por outro lado entendem os recorrentes que estamos perante uma ilegalidade da reversão por falta de sustação dos PEF;
10. Neste particular só têm relevância as dívidas consideradas, pela decisão recorrida, não prescritas.
11. E no caso em apreço as dívidas não consideradas prescritas dizem respeito a IVA e IRC, sendo que a mais antiga respeita ao primeiro trimestre de 2003.
12. O caso vertente diz respeito a dívidas tributárias que se venceram antes da declaração de insolvência, logo de acordo com o art. 88º do CIRE, não mais podiam ser instauradas execuções contra a executada originária declarada insolvente.
13. Isto apesar de art. 180º nº 1 do CPPT permitir a instauração de processos executivos após a declaração de insolvência porque obriga depois à sua sustação, após a instauração e à sua apensação ao processo de insolvência.
14. A execução só prosseguirá contra o revertido depois de findo o processo de insolvência uma vez que aí pode vir a ser paga a dívida tributária o que determinava o não prosseguimento do processo.
15. Se e a execução não pode ser instaurada contra o falido, não pode haver reversão da execução contra o responsável subsidiário uma vez que quando foi proferida a sentença que declarou a insolvência, ainda não tinha sido proferido qualquer despacho de reversão da execução fiscal.
16. A executada originária foi declarada insolvente em 3 de Outubro de 2005.
17. As dívidas tributárias, não declaradas prescritas, foram constituídas antes da insolvência.
18. Os processos executivos não foram sustados nem remetidos para a apensação ao processo de insolvência.
19. Acontece que a execução reverteu contra os oponentes sem que se provasse que a empresa ou os responsáveis subsidiários tivessem adquirido bens depois da declaração de insolvência.
20. Assim, nos termos do art. 180º nº 5 do CPPT, os processos de execução não podiam ter prosseguido contra eles.
21. «Ora, não tendo ficado sustada a execução fiscal, os actos processuais executados na sua ulterior tramitação consubstanciam violação do disposto nos números 1, 4 e 5 do art. 180º do CPPT, o que ocasiona a respectiva nulidade e, por via disso, se apresenta como ilegal a reversão que foi feita na execução fiscal contra o ora recorrido.
22. Da ilegalidade consubstanciada no prosseguimento da execução decorre a nulidade dos atos processuais executados posteriormente» (Ac. Do STA de 31/1/2008, já citado).
23. Resulta pois que é nulo o despacho de reversão uma vez que os oponentes foram citados como executados depois da declaração de insolvência da executada originária.


1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do STA emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em suma, que a sentença não padece dos erros de julgamento em matéria de direito que os Recorrentes lhe imputam

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

A. O Serviço de Finanças de Amarante instaurou contra a executada originária, entre outros, os PEF identificados nas certidões de dívida de fls. 15 a 24, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B. Em 17/03/2011, pelo despacho de reversão que consta de fls. 48 e verso e das notas de citação de fls. 49 e 53, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foram revertidos contra os oponentes os PEF que constam de fls. 50 e 54, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

C. Os PEF revertidos contra os oponentes respeitam a dívidas de exequendas de IRC, IVA, coimas e custas dos processos identificados a fls. 50 e 54 e das certidões de dívida de fls. 15 a 24, respeitantes aos períodos, datas limite de pagamento voluntário e montantes aí discriminados, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

D. Os oponentes foram citados pessoalmente, por carta registada com aviso de receção, no dia 18/03/2011 (fls. 49 a 56 verso).

E. Em processo de insolvência instaurado em 01/08/2005, a executada originária foi declarada insolvente por sentença de 22/08/2005, junta de fls. 120 a 126, cujo teor aqui se dá por reproduzido, transitada em julgado em 03/10/2005, e o processo de insolvência foi encerrado por despacho de 03/02/2006, por insuficiência de bens para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente (fls. 27 e 118 a 126).

F. No processo de insolvência foram apreendidos à executada originária bens móveis no valor de € 6.070,00 e as quantias de €632,66 e €30,18 (fls. 95 a 111).
G. O PEF nº 1759200401001639 e os apensos nºs 1759200401005413, 1759200401008730, 1759200401013076, 1759200401014471, 1759200501006568, 1759200501029037 foram avocados ao processo de insolvência da executada originária em 15/09/2005 e devolvidos ao Serviço de Finanças de Amarante em 03/12/2010 (fls. 156 a 164).

H. Os PEF nºs 1759200501035851, 1759200501037510 e 1759200701020455 respeitam a dívidas de IRC de 2004 e 2003 e IVA de 2005, e tinham como data limite de pagamento voluntário 24/08/2005, 4/09/2005 e 3/05/2007 (fls. 22 a 24 e 56).

I. As certidões de dívida dos PEF nºs 1759200501035851, 1759200501037510 e 1759200701020455 foram emitidas, respetivamente, em 28/09/2005, 4/10/2005 e 05/06/2007 (fls. 22 a 24).

J. À data da sua declaração de insolvência (2005) a executada originária tinha os seguintes créditos (confissão dos oponentes na petição inicial):

J.1 – Sobre a “D…………., SA”, um crédito no valor de € 2.400,00;
J.2 – Sobre a “E……………, SA”, um crédito no valor de € 3.780,00; e
J.3 – Sobre F…………….., um crédito no valor de € 2.500,00.

K. À data da sua declaração de insolvência (2005) a executada originária tinha como passivo além das dívidas revertidas, as dívidas dos PEF nºs 1759200401019457, 1759200401020269 e 1759200501000365, no valor de respetivamente, € 309,03, € 121,17 e € 65,52 e a dívida da requerente da insolvência, no montante de € 3.512,79 (fls. 118 a 126, 157, 157 verso e confissão dos oponentes).

L. Até 22/09/2011 os PEF não estiveram suspensos e não foram concedidas facilidades de pagamento das dívidas (fls. 14 a 57 e 75).

M. Os oponentes são sócios gerentes da executada originária desde a sua constituição, que se vincula pela assinatura de um gerente, e exerceram a sua gerência desde essa data, com exceção do período situado entre 22/08/2005 e 16/03/2006 (fls. 27 a 29, 120 a 126 e confissão dos oponentes).

E julgaram-se como não provados os seguintes factos:

1. No exercício do direito de audição o oponente B……………… de Magalhães não alegou que a executada originária tinha bens suscetíveis de penhora (fls. 112 a 126).

2. O oponente A………………. não exerceu o direito de audição (fls. 112).

3. Em 25/10/2010 e posteriormente a executada originária tinha os seguintes créditos (fls. 25 e seguintes):
3.1 – Sobre a “D……………., SA”, um crédito no valor de € 2.400,00;
3.2 – Sobre a “E………………, SA”, um crédito no valor de € 3.780,00; e
3.3 – Sobre F…………….., um crédito no valor de € 2.500,00.

4. No exercício das suas funções os oponentes sempre atuaram responsavelmente com o intuito de cumprir todas as obrigações fiscais;

5. A executada originária nos anos de 2003, 2004 e 2005 sofreu dificuldades financeiras graves;

6. Que se prendem com a proliferação de sociedades comerciais de objeto idêntico ao seu, com o preço praticado por estas empresas e com o incumprimento por parte dos clientes.

7. Os problemas económicos agudizaram-se em meados de maio, julho de 2004 até agosto de 2005;

8. Nesse período a executada originária iniciou um processo de reestruturação financeira e produtiva, negociando a recuperação de créditos, renegociando débitos e adequando os seus processo produtivos;

9. Com a declaração de insolvência deixou de ser possível aos oponentes continuarem o processo de recuperação económico-financeira da executada originária;

10. A executada originária ficou sem liquidez financeira e sem atividade produtiva para saldas as suas responsabilidades fiscais, não podendo ser imputada aos oponentes a responsabilidade por esta situação;

11. A atuação dos oponentes não merece qualquer censura ético-jurídica.


3. As questões a decidir no presente recurso – considerando que o thema decidendum do mesmo é estabelecido pelas conclusões da respectiva alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, em harmonia com o preceituado nos artigos 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5, e 637º, nº 2º, todos do actual CPC – consistem em saber se:
− a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, fazendo errada interpretação dos artigos 23º nº 2 e 24º nº 1 da LGT e 153º nº 2 do CPPT, ao julgar que a inexistência de bens da sociedade devedora, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre, porquanto, na óptica dos recorrentes, deve, antes, reportar-se ao momento em que o gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário – conclusões 1ª a 8ª;

− a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação dos artigos 88º do CIRE e 180º nºs 1 e 4 do CPPT, porquanto, na óptica dos recorrentes, tendo sido declarada insolvente a sociedade devedora deveriam ter sido sustados e remetidos ao processo de insolvência todos os processos de execução fiscal quanto às dívidas não prescritas – conclusões 9ª a 12ª;

− a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação da norma contida no nº 5 do artigo 180º do CPPT, porquanto, na óptica dos recorrentes, as execuções fiscais só podiam prosseguir contra os responsáveis subsidiários se estes tivessem adquirido bens após a declaração de insolvência da sociedade devedora originária – conclusões 13ª e seguintes.

3.1. Do erro de julgamento em matéria de direito por interpretação dos artigos 23º nº 2 e 24º nº 1 da LGT e do artigo 153º nº 2 do CPPT.
Como decorre à evidência do teor das conclusões 1ª a 8ª, a questão que os recorrentes colocam é exclusivamente de direito e consiste em saber qual o momento por que deve aferir-se a inexistência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária para que possa operar a reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários pelo pagamento das dívidas em cobrança.

A sentença apreciou e decidiu esta invocada ilegalidade da reversão da execução fiscal, julgando-a improcedente com a seguinte motivação:

«Da leitura dos arts. 23º, nº 2, da LGT e 153º, nº 2, do CPPT, resulta que para efeitos de reversão a existência, inexistência ou fundada insuficiência de bens penhoráveis da executada originária tem de ser verificada aquando da reversão dos PEF e não aquando da falta de pagamento das dívidas revertidas.

No caso em apreço, a fundada insuficiência de bens penhoráveis da executada originária tinha de ser verificada em outubro de 2010 aquando do início do procedimento de reversão contra os oponentes.

Nessa época a administração tributária verificou que a executada originária não tinha bens penhoráveis, conforme resulta da informação de bens de fls. 25, informação transposta e transcrita no despacho de reversão.

Por isso, estando alegada e demonstrada a inexistência de bens penhoráveis conhecidos pela administração tributária, competia aos oponentes alegar e demonstrar que a executada originária em outubro de 2010 tinha bens penhoráveis, para poderem infirmar a verificação desse pressuposto. Todavia, os oponentes não alegaram nem demonstraram que a executada originária em outubro de 2010 tinha bens penhoráveis em valor suficiente para satisfazer o valor da quantia em dívida e acréscimos legais.

Os oponentes alegaram que a executada originária tinha bens e direitos penhoráveis de valor suficiente para pagamento da quantia exequenda em agosto de 2005 aquando da apresentação do processo de insolvência. // Os oponentes só demonstraram que a executada originária teria esses bens aquando da apresentação do processo insolvência e da declaração da sua insolvência, isto é, em 2005. Só que os oponentes não alegaram nem lograram demonstrar que a executada originária tinha esses bens e direitos penhoráveis em outubro de 2010, aquando da reversão dos PEF.».

Os Recorrentes não imputam à sentença qualquer erro no julgamento da matéria de facto realizado (seja quanto aos factos provados, seja quanto aos factos não provados), não formulam a mínima objecção aos meios de prova que o julgador ponderou e valorou nesse julgamento, nem tecem qualquer crítica à motivação que ele enunciou para fundamentar esse julgamento (matéria que, não sendo de conhecimento oficioso, o tribunal “ad quem” também não pode sindicar), limitando-se a discordar do julgado no que toca à questão (jurídica) do momento a que deve reportar-se a inexistência de bens da sociedade devedora para efeitos de reversão da execução contra si.

Quanto a isso, não lhes assiste, porém, a mínima razão.

O artigo 23º da LGT estabelece no nº 1 que «a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal», dispondo no nº 2 que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»; e o nº 3 prescreve que «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei». Por sua vez, o nº 2 do artigo 153º do CPPT preceitua que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».

Estas normas estabelecem os pressupostos da reversão e o momento em que ela deve ocorrer, tendo por ponto de partida a salvaguarda do benefício da excussão. Ora, perante o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (nº 3 do art. 22º da LGT) e a natureza do benefício da excussão, decorre que a execução fiscal só pode reverter contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário, isto é, desde que se verifique a ocorrência desse pressuposto no momento em que se pretende chamar o responsável subsidiário ao pagamento das dívidas exequendas.

Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se vir a evidenciar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles; e, por outro lado, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido o património daqueles devedores. O que significa que, ainda que não existissem bens à data da constituição ou do vencimento das dívidas exequendas ou à data em que o responsável subsidiário exerceu o cargo de gerente, sempre estará inviabilizada a reversão caso se detecte que ela os adquiriu e possui, em termos de suficiência para pagamento dessas dívidas, à data em que se pretenda chamar à execução os respectivos gerentes através do instituto da reversão.

Por outras palavras, só no caso de o devedor principal não ter mais bens, pode o órgão de execução fiscal fazer reverter a execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, por nada mais haver a excutir, razão por que esse órgão está vinculado a fazer uma investigação sobre a existência de bens no património do devedor originário no momento em que pretende reverter a execução contra aqueles.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, não pode obter provimento o recurso no que toca à enunciada questão

3.2. Do erro de julgamento em matéria de direito por errada interpretação dos artigos 88º do CIRE e 180º nºs 1 e 4 do CPPT.

No que toca a esta questão, a sentença deixou enunciada a seguinte motivação:

«No caso em apreço e por força do disposto nos nºs 1 e 6 do art. 180º do CPPT, temos de distinguir os PEF revertidos contra os oponentes que foram instaurados antes da declaração de insolvência da executada originária (PEF nº 1759200401001639 e os apensos nºs 1759200401005413, 1759200401008730, 1759200401013076, 1759200401014471, 1759200501006568 e 1759200501029037) dos que foram instaurados depois da declaração de insolvência (PEF nºs 1759200501035851, 1759200501037510 e 1759200701020455) por dívidas vencidas já depois da declaração de insolvência da executada originária – 22/08/2005 – cujos PEF tiveram de ser instaurados em data posterior à declaração de insolvência, motivo pelo qual estes últimos não foram avocados pelo processo de insolvência.
Aos PEF nºs 1759200501035851, 1759200501037510 e 1759200701020455, porque respeitam a créditos vencidos depois da declaração de insolvência da executada originária, não se aplica o art. 180º, nºs 1 a 5, do CPPT, pelo que não havia qualquer fundamento legal para o processo de insolvência avocar os PEF, nem para serem sustados, por força do art. 180º, nº 6, do CPPT.
Logo, o despacho de reversão não padece de qualquer ilegalidade por falta de sustação dos PEF.
Os restantes PEF que respeitam a dívidas vencidas antes da declaração de insolvência da executada originária foram sustados e avocados pelo processo de insolvência e foram devolvidos ao Serviço de Finanças em 02/12/2010.
Apesar da devolução dos PEF ser posterior à data da preparação do procedimento de reversão, esse facto não invalida o despacho de reversão porque os PEF só não foram devolvidos ao Serviço de Finanças por manifesto lapso, já que o processo de insolvência estava encerrado desde 03/02/2006 e portanto nada obstava à reversão, que até deveria ter sido realizada antes, caso os PEF tivessem sido devolvidos logo aquando do encerramento do processo de insolvência conforme determina o art. 180º, nº 4, do CPPT.
Esta mera irregularidade formal, não tem efeitos substantivos invalidantes do despacho de reversão. Esta irregularidade – a falta de devolução dos PEF no prazo fixado no art. 180º, nº 4, do CPPT – só teria efeitos invalidantes se o procedimento de reversão dos PEF se tivesse iniciado antes do encerramento do processo de insolvência, o que não foi, de todo, o caso dos autos.».

Tal fundamentação não merece qualquer censura, estando inteiramente correcta, até porque os recorrentes não põem em causa o julgamento da matéria de facto, isto é, não contestam que os processos de execução fiscal nºs 1759200501035851, 1759200501037510 e 1759200701020455 dizem respeitam a créditos vencidos após a declaração de insolvência da sociedade devedora originária, aos quais não se aplica, por isso, o artigo 180º, nºs 1 a 5, do CPPT, não havendo, por conseguinte, fundamento legal para que fossem sustados e remetidos para o processo de insolvência, nem contestam que só os restantes processos de execução dizem respeitam a créditos vencidos antes da declaração de insolvência e que eles foram efectivamente sustados e remetidos ao processo de insolvência em 15/09/2005, sendo devolvidos ao Serviço de Finanças em 02/12/2010 face ao encerramento do processo de insolvência em 03/02/2006 por insuficiência de bens para satisfazer as dívidas da massa insolvente.
Tal como esta Secção do STA já por diversas vezes afirmou, assumindo uma posição jurisprudencial que se encontra atualmente consolidada, é legalmente viável a instauração de processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a declaração judicial da sua insolvência, pese embora as execuções fiscais instauradas para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência devam ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência, e as instauradas para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvências devam prosseguir com a penhora de bens não apreendidos no processo de insolvência – (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 27/05/2015, no proc. nº 424/14).
Por conseguinte, não oferece dúvidas, no caso dos autos, que encerrado o processo de insolvência no ano de 2006 (face à insuficiência de bens para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente), as execuções fiscais que haviam estado sustadas e apensadas a esse processo de insolvência podiam prosseguir em conformidade com o regime contido no nº 5 do artigo 180º do CPPT.
O que nos leva à análise da terceira questão e última colocada pelos recorrentes e que consiste em saber se a execução fiscal pode prosseguir para cobrança de dívidas vencidas antes da declaração de insolvência por via da reversão contra responsáveis subsidiários operada após a cessação do processo de insolvência.

3.3. Do erro de julgamento em matéria de direito por interpretação do artigo 180º, nº 5 do CPPT.
No que a tal matéria diz respeito, a sentença contém a seguinte motivação:
«O art. 180º, nº 5, do CPPT prevê a continuação do PEF depois da averiguação da aquisição de bens nos casos em que o PEF foi suspenso por declaração de insolvência e deva prosseguir sobre o responsável pelo pagamento declarado insolvente. Mas se o PEF dever prosseguir sobre outro responsável pelo pagamento da dívida que não tenha sido objeto de processo de insolvência nada obsta a que o PEF prossiga sem que se tenha de verificar a aquisição de bens. Isto é, o PEF só deveria prosseguir depois da averiguação da aquisição de bens se o PEF tivesse de prosseguir contra a executada originária já declarada insolvente. Mas para prosseguir contra os oponentes nada obriga que o órgão de execução fiscal tenha de ir verificar se os oponentes adquiriram bens. O prosseguimento da execução com a reversão contra os oponentes não padece de qualquer ilegalidade por violação do art. 180º, nº 5, do CPPT.
A oposição também tem de improceder nesta parte porque o despacho de reversão também não padece de qualquer ilegalidade por vício de violação de lei.».

Tal decisão não merece censura, já que está de acordo com a posição que obteve acolhimento no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 17/02/2016, no processo nº 0122/15, segundo o qual é legalmente viável a prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada antes ou depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, com a penhora de bens do revertido independentemente da data da sua aquisição, na medida em que só relativamente à entidade insolvente fica a possibilidade de penhora limitada a bens ulteriormente adquiridos, não fazendo sentido invocar a restrição do nº 5 do artigo 180º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si.
Termos em que nos limitaremos a reproduzir o essencial da fundamentação desse acórdão.
«[o] artigo 180º do CPPT, sob a epígrafe “Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal”, dispõe no nº 1 que “Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração”, clarificando no nº 4 que os processos de execução fiscal que tenham sido avocados ao processo de recuperação de empresa ou de falência serão devolvidos aos respectivos serviços de finanças quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência, e acrescentando no nº 5 que «Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição».
A norma contida no nº 5 está, pois, intimamente ligada à norma contida no n.º 4, visando esclarecer o que podem e devem os serviços de finanças fazer com as execuções que lhe são devolvidas quando cessa o processo de recuperação ou finda a falência/insolvência, tendo em conta os efeitos que tal processo tem na execução fiscal perante o regime contido no n.º 1 do art. 180.º do CPPT conjugado com o regime contido no art. 88.º do CIRE.
No nosso entendimento, a norma não pretende determinar que as execuções fiscais apenas podem prosseguir contra a sociedade devedora insolvente e respectivos devedores subsidiários no caso de algum deles vir a adquirir bens em momento ulterior ao processo de recuperação ou de insolvência, mas, tão só, determinar a sorte ou destino processual dessas execuções após a sua devolução ao serviço de finanças, tendo em conta a anterior imposição legal de suspensão do processo executivo imposta pelo n.º 1 e a inevitável inexistência de bens pela sociedade insolvente no momento em que ocorre a devolução. O que a norma estabelece é que, pese embora a inexistência de quaisquer bens no momento em que a devolução ocorre – seja pela sociedade devedora originária, seja pelos responsáveis subsidiários –, os processos de execução devem manter-se pendentes para que possam prosseguir caso os devedores (originário ou subsidiários) venham a adquirir bens.
Com efeito, não se tendo extinguido as dívidas tributárias em cobrança na sequência do processo de insolvência, nada obsta ao chamamento do responsável subsidiário à execução fiscal para o seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 153º, nº 2, do CPPT, pois a declaração de insolvência não se projecta sobre o responsável subsidiário nem o património deste se confunde com aquele que integra a massa insolvente (art. 46.º do CIRE).
Por isso, como se deixou salientado no aludido acórdão prolatado por esta Secção do STA no proc. nº 01020/12, não faz sentido convocar relativamente ao responsável subsidiário o disposto no nº 5 do artigo 180º do CPPT, já que a restrição aí estabelecida só tem razão de ser «se a empresa, o falido ou responsável subsidiário mencionados na norma legal (nº 5 do art. 180º do CPPT) forem o executado ao tempo e em relação ao qual a declaração de insolvência determina a sustação da execução e remessa ao tribunal judicial competente para apensação ao processo de recuperação ou de falência, nos termos do art. 180º, nºs 1 e 2, do CPPT. Só em relação a esses se compreende que a cobrança coerciva do que ainda se mostre em dívida à Fazenda Pública fique restrita a bens ulteriormente por eles adquiridos, em respeito à intangibilidade do acervo de bens e de direitos da massa falida/insolvente e ao princípio da universalidade da instância falimentar».
E só esta interpretação se integra e harmoniza, de forma lógica e coerente, com o regime geral contido na Lei Geral Tributária para a responsabilidade tributária subsidiária, e particularmente com a norma contida no seu artigo 23º, segundo o qual o dever de reversão da execução contra os gerentes e administradores da sociedade devedora «é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no nº 2 do artigo 181º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis» (nº 7). Não faria qualquer sentido que o legislador exigisse, como exige através deste preceito legal, a reversão da execução contra o responsável subsidiário antes do envio para apensação ao processo de insolvência, viabilizando até a adopção de medidas cautelares contra o revertido (e que podem passar pelo imediato arresto de todos os bens que na altura possui [(Porque os revertidos podem desencadear a dissipação de bens do seu património, frustrando dessa forma a realização dos créditos da Fazenda Pública, a lei permite ao órgão da execução fiscal o imediato arresto dos seus bens nos termos previstos no artigo 214º do CPPT; e caso se mostre depois necessário, o arresto será convertido em penhora dos mesmos bens (nº 3 do artigo 214.º)], se depois não pudessem ser penhorados todos os seus bens, particularmente aqueles que existiam e permaneciam no seu património à data da devolução do processo ao serviço de finanças, designadamente pela conversão em penhora dos bens que lhe foram arrestados.
Além de que estaria aberta a porta para uma incompreensível, infundada e injusta evasão à responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24º da LGT, bastando ao gerente ou administrador conduzir a sociedade à insolvência e obter a declaração dessa situação para impedir que todo o seu património (ainda que vasto e valioso) respondesse pelo pagamento de dívidas tributárias da sociedade por si gerida, pois só lhe podiam ser penhorados bens que viesse a adquirir no futuro, ficando salvos e intocáveis todos os bens que adquirira até ao momento da declaração de insolvência da sociedade (porventura adquiridos à custa da forma como exerceu a gerência da sociedade).
Ora, é sabido que, para além do teor verbal da lei, o intérprete tem de socorrer-se de outros meios disponíveis na panóplia hermenêutica, como o elemento lógico e racional ou teleológico, que parte do pressuposto de que uma norma tem uma função a cumprir, impondo-se surpreender o seu sentido em correlação com o escopo visado pela lei e impondo-se a conjugação da norma com outras normas que regulam a mesma matéria, de modo a formar um todo tendente a um sentido, ou até a sua conjugação com a totalidade da ordem jurídica, visto que esta constitui um sistema coerente e lógico (interpretação que sendo contextual e intertextual, se designa de sistemática). Razão por que o artigo 9º do Código Civil estabelece que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ainda que não possa ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Neste contexto, não podemos deixar de sufragar a interpretação restritiva do nº 5 do art. 180º do CPPT contida no aludido acórdão do STA, no sentido de que só em relação às pessoas (singulares ou colectivas) que tenham sido declaradas falidas ou insolventes se compreende que a cobrança coerciva do que ainda se mostre em dívida à Fazenda Pública fique restrita a bens ulteriormente adquiridos, em respeito à intangibilidade do acervo de bens e de direitos da massa falida/insolvente e ao princípio da universalidade da instância falimentar. Tal interpretação é a que melhor se ajusta ao teor verbal da lei em termos lógicos, racionais ou teleológicos».
Razão por que, também quanto a esta questão, o recurso não pode obter provimento.


4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 16 de Março de 2016. - Dulce Neto (relatora por vencimento) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo (Vencida conforme voto que anexo).


Voto de vencida

Não acompanho a decisão proferida porque em meu entender deveria a sentença ser anulada, pelos fundamentos que se seguem:
Alegaram os recorrentes, na petição de impugnação, e, neste recurso que o despacho de reversão enferma de ilegalidade por a empresa originária devedora ser titular de bens penhoráveis.
Depois, enunciam a necessidade de que a «verificação da existência/suficiência, ou não, de bens ter de ser contemporânea ao período do exercício do cargo de gerente, pois é por isso (porque foi gerente) que a reversão está a ser determinada, assim como a culpa».
O art. 23.º da Lei Geral Tributária estabelece que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão, dependendo esta da fundada insuficiência de bens penhoráveis.
Os recorrentes foram gerentes da sociedade originária devedora, tendo exercido o seu cargo pelo que neste recurso não está em causa tal pressupostos da responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas da sociedade por si gerida, afirmado no art. 22.º e 23.º da Lei Geral Tributária.
O despacho de reversão, recebido na alínea b) da matéria de facto, por remissão para o doc. de fls. 48 - Em 17/03/2011, pelo despacho de reversão que consta de fls. 48 e verso e das notas de citação de fls. 49 e 53, cujo teor aqui se dá por reproduzido – indica que depois de averiguações a Administração Tributária concluiu pela inexistência de bens penhoráveis de que fosse titular a sociedade originária devedora, tendo procedido à reversão da execução contra os responsáveis subsidiários.
No confronto do que consta do despacho de reversão com aquilo que os recorrentes dizem existir, se suscita o primeiro fundamento de recurso que impõe que se decida se a sociedade originária devedora, no momento em que foi determinada a reversão da execução era ou não titular de bens penhoráveis.
Não podemos perder de vista que a reversão da execução significa uma responsabilização, neste caso, dos gerentes pelo pagamento da dívida de outrém – a sociedade originária devedora – e, tal responsabilização por dívidas de terceiros ocorre por se tratar das pessoas singulares, os revertidos, que, dentro da sociedade construíram e exteriorizaram a vontade daquela, num somatório de actos e omissões que determinaram o desempenho da actividade societária onde se inscreve, também, esta falta de pagamento do montante exequendo. Por isso a insuficiência/inexistência de bens penhoráveis terá que ser aferida à data em que se procede à reversão da execução. Se existissem bens suficientes para pagamento do montante exequendo na esfera patrimonial da devedora originária, nesta última data (reversão), a Administração Tributária teria que os penhorar e vender para cobrar o montante exequendo, não podia sequer ir perturbar a vida de qualquer outra pessoa tentando responsabilizá-la por uma dívida que não era sua.
Bem certo que o não pagamento do montante exequendo se pode referir a dívidas que deveriam ter sido pagas durante o exercício do cargo de gerentes dos revertidos, ou depois de ter cessado essa gerência. Na primeira situação a que se refere o art.º 24.º, n.º 1, a) da Lei Geral Tributária poderão os gerentes exonerar-se de tal obrigação se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa originária devedora se tornou insuficiente para solver as dívidas. Na segunda, a que se refere o art.º 24.º, n.º 1, b) da Lei Geral Tributária poderão os gerentes exonerar-se de tal obrigação se provarem que não lhes é imputável a falta de pagamento. Mas, numa e noutra situação só poderá reverter a execução face à infundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.
Importa, pois, analisar se se verifica o pressuposto legal da reversão da execução relativo à infundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.
A matéria de facto provada, sobre esta questão contém o seguinte:

À data da sua declaração de insolvência a executada originária tinha os seguintes créditos (confissão dos oponentes na petição inicial):
«J.1 – Sobre a “D……………, SA”, um crédito no valor de €2.400,00;
J.2 – Sobre a “E……………., SA”, um crédito no valor de €3.780,00; e
J.3 – Sobre F…………………, um crédito no valor de €2.500,00.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
(…)
3 – Em 25/10/2010 e posteriormente a executada originária tinha os seguintes créditos (fls. 25 e seguintes):
3.1 – Sobre a “D……….., SA”, um crédito no valor de €2.400,00;
3.2 – Sobre a “E……………, SA”, um crédito no valor de €3.780,00; e
3.3 – Sobre F………………, um crédito no valor de €2.500,00»

Poderíamos ser levados a admitir que a empresa num dado momento era titular dos créditos indicados como provados e que, mais tarde, por haverem sido pagos, quem sabe, no processo de insolvência, os mesmos haviam sido utilizados para pagamento das dívidas da insolvência que não o montante exequendo.
Mas a motivação da decisão da matéria de facto não deixa qualquer dúvida de que assim não ocorreu. Nela se diz:
«A matéria de facto julgada provada na alínea J) e parte da K) resulta da confissão dos próprios oponentes, na petição inicial, em que admitem que a executada originária à data da sua insolvência tinha os créditos e o débito aí referidos (art. 352.º do Código Civil (CC)). Temos ainda de explicar que este facto não está em contradição com a matéria de facto julgada não provada no ponto 3, porquanto referem-se a momentos diferentes. A matéria de facto julgada provada refere-se ao período de insolvência da executada originária e a matéria de facto julgada não provada ao período da reversão.
O tribunal apreciou e julgou os dos momentos porquanto os oponentes alegam que a executada originária “tem” esses créditos o que significa que tem desde o momento aí invocado, isto é, do período em que a executada originária foi declarada insolvente, até este momento. Como são períodos temporais distintos e relevantes para a decisão da causa, o tribunal julgou-os distintamente perante a ausência de prova. À data da insolvência o facto relevou como confissão e foi julgado provado; e à data da reversão o facto não relevou e foi julgado não provado, por ausência de prova, conforme resulta da motivação da matéria de facto não provada».
Desde logo a interpretação de que quando na petição de oposição os aqui recorrentes alegam que a empresa originária devedora tem os créditos que indicaram e constam da matéria provada e não provada significa que tem antes da insolvência – o que imporia o uso do tempo verbal do passado, «tinha» - mas perdeu-os entre a insolvência e a data da reversão, sem se indicar como e porquê, parece-nos do ponto de vista do discurso escrito, sem suporte real. O tempo verbal empregue não permite nem qualquer dúvida, nem qualquer cisão em momentos temporais diversos. Por outro lado, acontece que em muitas insolvências existem créditos que ou se apresentam como incobráveis, ou de difícil cobrança e o administrador de insolvência entende que não é economicamente rentável cobrá-los coercivamente, posto que não são pagos voluntariamente, o que é diverso de não terem existência jurídica. Pode mesmo acontecer que o devedor da empresa originária devedora tenha entrado em fase de maior fortuna que torne cobrável o que antes não parecia sê-lo.
Mas, para além da análise da coerência lógica do discurso de motivação, incorre ele em erro de direito probatório material ao aceitar factos em que diz verificar a confissão judicial escrita da prova de existência dos créditos, num sistema jurídico em que a confissão tem força probatória plena, art.º 358.º, n.º 1 do Código Civil, pleníssima, nas palavras do Prof. José Lebre de Freitas, in A confissão no direito probatório, Coimbra Editora, 1991, pag. 249, contra a qual não é admitida nunca prova em contrário» e, simultaneamente admitir a Administração Tributária com as diligências que diz ter efectuado, no procedimento administrativo, para fundamentar o despacho de reversão a apresentar prova em contrário dos factos tidos por confessados.
Mas a confissão é também indivisível, art.º 360.º Código Civil e só existe quando haja reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece quem confessa e favorece a parte contrária, art.º 352 do Código Civil, tudo elementos que apontam para a violação das regras de direito probatório material, cuja apreciação consubstancia uma questão de direito, ao abrigo do disposto no art.º 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto nos artigos 281º e 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Assim, consideraria que a matéria de facto provada, no que à existência de bens na titularidade da empresa originária devedora diz respeito, apresenta contradições que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, o que impõe a anulação da decisão recorrida para que elimine a referida contradição, nos termos do disposto no art.º 682.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto nos artigos 281º e 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.

Lisboa, 16 de Março de 2016.

Ana Paula Lobo.