Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01414/17
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22763
Nº do Documento:SA12018011101414
Data de Entrada:12/13/2017
Recorrente:A........ EM AGRUPAMENTO E OUTRAS
Recorrido 1:A........ - ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I - RELATÓRIO

A…… CONSULTORIA (………-………, ………, ……… e………., L.da), em agrupamento com …………, L.da, ………….., L.da, ……-………., L.da e ……….…., L.da interpuseram, no TAF de Mirandela, acção especial de contencioso pré-contratual contra B……. - ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL impugnando o procedimento do concurso público internacional para “Aquisição de Serviços no âmbito do projecto B………………” e o acto de adjudicação nele proferido.
Indicou como contra interessadas ……… & ……… L.da, ……., ………., ………, Lda. e ……… -…………., S.A.
Com êxito já que, muito embora o TAF não validasse toda alegação contra a legalidade do acto impugnado, julgou a acção procedente e anulou o acto de adjudicação bem como o contrato eventualmente celebrado.

Inconformada, a Ré apelou para o TCA Norte e este concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, julgou a acção improcedente.
É deste Acórdão que a Autora vem interpor a presente revista (art.º 150.º do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora pretende não só a anulação da deliberação que aprovou o relatório final e recomendou a adjudicação do concurso à contra-interessada ………. e a consequente anulação do contrato celebrado, como a condenação da Ré a elaborar nova lista que exclua a proposta daquela contra-interessada e adjudique o objecto concurso à Autora. Subsidiariamente, pediu o pagamento de uma indemnização, no montante de € 35.000,00, que a ressarcisse dos prejuízos sofridos no caso da Ré invocar a existência de uma situação de impossibilidade absoluta.
Para tanto alegou a ilegalidade do acto impugnado não só por o mesmo estar ferido por vícios de forma como de violação de lei.

O TAF começou por rejeitar a invocação do caso julgado no tocante ao pedido de exclusão da proposta a apresentada pela ……… - por os pedidos formulados nesta e na acção 244/16.3BEMDL e a respectiva fundamentação serem diferentes - ao pedido indemnizatório - uma vez que este não foi formulado e apreciado na identificada acção - e aos pedidos anulatórios - na medida em que os actos impugnados nesta e naquela acção não eram os mesmos.
Todavia, entendeu verificar-se o caso julgado no tocante ao pedido formulado na al.ª E) no respeitante ao factor «modelo de execução» visto bastar “ler a decisão judicial proferida no processo 244/16.3BEMDL para perceber que esta matéria já foi apreciada pelo Tribunal, tendo-se concluído que não assistia razão à autora. Nesta parte a autora ficou vencida, tendo tido a oportunidade de recorrer da decisão judicial proferida, o que não fez, pelo que não pode agora vir invocar os mesmos fundamentos já invocados e apreciados pelo Tribunal.”

Entendeu, depois, que não havia razão para excluir a proposta da ……… uma vez que a Autora não tinha alegado factos suficientes para se concluir que aquela dispunha de informação privilegiada sobre o Programa do Concurso. E considerou, também, que o Júri fundamentara suficientemente a sua decisão pelo que, nesta parte, inexistia qualquer ilegalidade.
Todavia, entendeu que a proposta da Autora fora avaliada erradamente e isto porque, de acordo com o Caderno de Encargos, o Júri devia apreciá-la de acordo com a sua qualificação empresarial, o profissionalismo e conhecimento e do seu logotipo ser apelativo e adequado às actividades e componentes do projecto.Ora, não tendo o concurso definido, nessa matéria, “normas que permitam delinear determinados aspetos que seriam valorados, não pode agora o júri utilizar esses aspetos para atribuir menor pontuação à proposta do autor. Repare-se que o que o Caderno de Encargos exige é que o logotipo represente a temática da qualificação empresarial aliada ao profissionalismo e conhecimento, que seja apelativo e adequado às atividades e componentes do projeto, demonstrando ambição em chegar a todo o tecido empresarial. É em função destes aspetos que o júri deve avaliar a proposta do autor e não em função de outras considerações. Ora, face à concreta justificação apresentada pelo júri e em função dos critérios definidos pelo Caderno de Encargos, facilmente se constata estarmos perante erro grosseiro na avaliação da proposta do autor …. não existindo qualquer fundamento para que não lhe seja atribuída, neste factor, a pontuação de 100.” Ademais, “o Júri justifica a atribuição de menos pontuação à proposta do Autor com aspectos não definidos no Caderno de Encargos, … .” Sendo certo, por outro lado, que se o Júri tivesse pontuado, neste item, a proposta da Autora com a classificação máxima ela ficaria classificada em 1.º lugar.
Finalmente, inexistia fundamento para se condenar a Autora como litigante de má fé.
Daí que tivesse:
a) Julgado procedente a excepção de caso julgado no tocante aos pedidos formulados na alínea E) e absolvido da instância a Ré e as contra interessadas dos mesmos;
b) Julgado procedente a acção, anulando o ato de adjudicação impugnado bem como o contrato eventualmente celebrado;
c) Condenado a entidade demandada a elaborar nova lista final atribuindo à proposta da Autora a pontuação de 100 no factor “Imagem do Projecto” e a adjudicar-lhe o contrato;
d) Julgado improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.

A Ré apelou para o TCA Norte e este concedeu provimento ao recurso e julgou a acção improcedente.
Para tanto considerou que inexistia qualquer ilegalidade na recusa da inquirição da prova testemunhal uma vez que, como o Tribunal a quo entendeu, a prova documental era suficiente para se proceder a um correcto julgamento da causa.
E também não havia que censurar a decisão do TAF no tocante à apreciação do caso julgado.
Todavia, não se podia acompanhar o decidido no tocante à apreciação do factor «Imagem do Projecto». E isto porque, sendo a avaliação das propostas um múnus integrado no âmbito da actividade discricionária da Administração, os limites da sua sindicabilidade contenciosa restringiam-se às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto ou à violação dos princípios gerais do direito administrativo. Ora, não se podia considerar que a Ré tinha apreciado a proposta da Autora com erro grosseiro tanto mais quanto era certo que, na avaliação daquele item se estava numa área altamente subjectiva (a avaliação do design), e, por outro lado, a decisão do júri tinha sido clara e transparente.
No entanto esta discricionariedade é decorrente do objectivo pretendido por este factor. Na verdade quando no Caderno de Encargos se refere que o logotipo deve representar a temática da qualificação empresarial aliada ao profissionalismo e conhecimento, e deve ser apelativo e adequado a todas as actividades e componentes do projecto, demonstrando a sua ambição em chegar a todo o tecido empresarial, estamos perante uma finalidade a atingir que tem de resultar de uma apreciação discricionária de quem tem por objectivo fazer tal apreciação.” De resto, se tivesse havido erro na avaliação ele “não seria apenas na avaliação da proposta da Recorrida mas em ambas as propostas … até porque há coincidências em alguns itens.”
Deste modo, “o Tribunal ao decidir como decidiu, mais não faz que intrometer-se numa área de apreciação que compete à Administração, uma vez que não é ao Tribunal que compete decidir se a proposta apresentada pela Autora representa a temática da qualificação empresarial aliada ao profissionalismo e conhecimento e é apelativa e adequada. …. Assim sendo a decisão recorrida ao concluir que a proposta da Autora «tem características totalmente adequadas às exigências definidas no Caderno de Encargos», extravasou a sua área de actuação, tendo emitido conclusão que se encontra inserida no âmbito da actividade discricionária da Administração.” Ou seja, na apreciação deste factor não foi cometido erro grosseiro determinante da invalidade do concurso.
Finalmente, o TAF decidira correctamente quando afirmou que a Recorrente não estava dispensada do pagamento de custas uma vez que essa dispensa só se verificava quando ela actuava no âmbito das suas atribuições ou na defesa dos interesses decorrentes dos seus estatutos e, in casu, tal não tinha acontecido.
E com os transcritos fundamentos decidiu “revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a presente acção de contencioso pré contratual.”

3. A Autora não se conforma com aquela decisão sustentando que o Júri valorizou o factor «Imagem do Projecto» com base em critérios não definidos no Caderno de Encargos – servindo-se, designadamente, de regras de proporcionalidade, de avaliação de cor e de formas geométricas que aquele silenciara – e com fundamentos díspares e contraditórios entre si. Com efeito
23 - Mesmo considerando o “gosto individual” na avaliação deste fator - o que seria completamente arbitrário e consequentemente contrário ao disposto no CCP - o júri nunca poderia avaliar devidamente a adequação do logotipo apresentado pela ………… aos objetivos do projeto sem uma proposta de imagem (estacionário, cartaz, manual de normas, etc.) mesmo porque a não apresentação de algum dos atributos exigidos no PC é motivo de exclusão de proposta.
24 - Contrariamente ao decidido pelo tribunal ”a quo”, o júri não apresentou qualquer grelha de valorização do critério, nem os subcritérios utilizados na avaliação das várias propostas, e a decisão proferida carece de uma justificação científica.
26 - Contrariamente ao fundamento invocado pelo tribunal “a quo”, o design, a publicidade e o marketing são ciências, e como tal que têm princípios, métodos, padrões, sistema de experimentação, etc.
27 - O Tribunal “a quo” deveria ter dado oportunidade à aqui recorrente de produzir prova quanto a esses aspetos, que na opinião da recorrente são científicos, e passaram o crivo da experimentação social.
28 - A recorrida, contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo” não invocou questões de gosto pessoal, mas concertas questões científicas, como a cor, a proporcionalidade, a aplicação em suportes, etc.”

4. Conforme se acaba de ver a divergência essencial entre as decisões do TAF e do TAC respeita à forma como apreciaram a análise do Júri no factor «Imagem do Projecto», com o primeiro a considerar que essa análise estava inquinada por erro grosseiro - uma vez que nessa avaliação foram utilizados critérios não estabelecidos no Caderno de Encargos e foi em função deles e em função do gosto pessoal do Júri que este decidiu não atribuir à proposta da Autor a pontuação máxima que a mesma merecia - e o TCA a entender que não só não tinham sido utilizados critérios inovadores como a avaliação que tinha sido feita não incorria em erro grosseiro ou manifesto.
Como facilmente se percebe o que está em causa neste recurso é a utilização pelo Júri de certos itens, como as cores e as formas geométricas na avaliação da imagem de um projecto. A Recorrente sustenta que é possível fazer uma análise daqueles itens servindo-nos de critérios objectivos e científicos e daí criticar o Acórdão recorrido por ele entender que os mesmos, atenta a sua subjectividade, estão compreendidos na discricionariedade técnica da Administração. E que, por ser assim, a decisão recorrida não era ilegal tanto mais quanto é certo que a mesma não se fundara num erro manifesto e grosseiro.
Todavia, o Acórdão sob censura justificou com clareza e com criteriosos fundamentos a sua decisão.
Por outro lado, nesta controvérsia parece ser mais seguro considerar que os apontados itens são eminentemente subjectivos por dependerem do gosto pessoal e da formação cultural do avaliador pelo que não é possível estabelecer um critério objectivo e científico para a avaliação das propostas nesta matéria.
Daí que não faça sentido admitir-se esta revista para ser produzida prova que demonstre uma objectividade e cientificidade inexistente.
Acresce que não só não é provável a replicação desta matéria em casos futuros como as questões aqui suscitadas não são de relevante importância jurídica.
Finalmente, e no tocante à questão de fundo, tudo indica que o Acórdão sob censura fez correcto julgamento uma vez que o mesmo foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada nos autos.

Nesta conformidade, não estão preenchidos os requisitos de admissão do recurso de revista.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.