Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0371/17
Data do Acordão:10/25/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:COIMA
GRADUAÇÃO DA COIMA
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário:I – Não contendo o RGIT qualquer norma sobre os termos da atenuação especial da coima, será em princípio aplicável aos termos da atenuação o disposto no n.º 3 do artigo 18.º do RGCO, subsidiariamente aplicável no que respeita às contra-ordenações tributárias ex vi do disposto na alínea b) do artigo 3.º do RGIT.
II – Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, como no caso dos autos, o Tribunal pode decidir proferir uma admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO (subsidiariamente aplicável às contra-ordenações tributárias por força da alínea b) do artigo 3.º do RGIT).
Nº Convencional:JSTA000P22422
Nº do Documento:SA2201710250371
Data de Entrada:03/24/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga) datada de 25 de Outubro de 2016, que, julgou procedente o recurso interposto por A………………, SUCURSAL EM PORTUGAL, contra o acto do Director de Finanças de Viana do Castelo, que lhe aplicou uma coima no valor de € 8.204,38 acrescida de custas no valor de € 76,50, relativa a IVA do terceiro trimestre de 2014.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I - O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que concedeu provimento ao recurso interposto pela arguida, aí recorrente e, em consequência, determinou “a dispensa de coima pela prática da infração imputada à Recorrente, com as consequências legais.”.
II - Sentença essa que, a nosso ver, e salvo o devido respeito por melhor opinião, ao entender encontrarem-se cumulativamente reunidos os requisitos legais para a dispensa da coima, enunciados nas alíneas a), b) e c), do n.° 1, do artigo 32° do RGIT, padece de erro de julgamento em matéria de Direito, no que toca à correta interpretação e aplicação ao caso concreto da antes referida norma legal.
III - Foi entendido na douta sentença ora posta em crise o seguinte: “No caso sujeito, conforme resulta da decisão recorrida, embora além do respetivo prazo legal, a Recorrente procedeu à entrega da prestação tributária em falta, acrescida dos respetivos juros [cfr. alínea c) do probatório] termos em que se impõe concluir encontrar-se regularizada a falta cometida, e não ter a infração praticada ocasionado prejuízo efetivo à receita tributária.”.
IV - Ora, ao invés do que foi entendido na douta sentença aqui posta em crise, afigura-se-nos, à luz do entendimento da Doutrina e da Jurisprudência sobre esta matéria, que o requisito legal enunciado na alínea a), do n° 1, do artigo 32° do RGIT (“A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária”) não se verifica no caso concreto.
V - Na verdade, tal como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, na página 317 do seu Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3ª edição, 2008, Áreas Editora, em anotação ao artigo 32° do RGIT, “(...) a exigência cumulativa de que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária não terá em vista referenciar os casos em que a regularização veio a ocorrer, com pagamento integral da quantia em dívida; mas sim, reportar-se às situações em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização. Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação. (...)”.
VI - Sendo ainda de destacar, a este propósito e no mesmo sentido, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: acórdão de 2008.04.16, proc. n° 044/08; acórdão de 2010.07.07, proc. 0356/10; acórdão de 2013.04.03, proc. 05/13, e acórdão de 2014.10.01, proc. n° 01665/13, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
VII - Pelo exposto, e salvo o devido respeito por melhor opinião, ao contrário do que foi decidido na douta sentença ora posta em crise, afigura-se-nos não se encontrarem reunidos os requisitos legais para a dispensa da coima, em virtude de não se mostrar preenchido o requisito legal enunciado na alínea a), do n° 1, do artigo 32° do RGIT.
VIII - Razão pela qual, e salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá a douta sentença ora posta em crise ser revogada, e substituída por outra que mantenha a condenação da arguida, ora recorrida, o que se requer.

Contra-alegou a ora recorrida tendo concluído:
I. Compulsadas as motivações de recurso apresentadas pela então Recorrente, verifica a ora Recorrida que a mesma pugna pela não verificação cumulativa, em concreto dos requisitos do Artigo 32º nº 1 do RGIT, alegando, em abstrato, que a ora Recorrida com a sua atuação causou prejuízo efetivo à Fazenda Pública e, em consequência não cumpre os pressupostos legais para a dispensa de coima.
II. Porém, andou bem o Tribunal a quo ao considerar como preenchidos os requisitos para aplicação do artigo 32º do RGIT, uma vez que a obrigação fiscal foi devidamente paga pela ora Recorrida, o seu grau de culpa é diminuto, a aqui Recorrida não obteve qualquer benefício económico com a sua conduta e não existiram atos de ocultação.
III. Acresce que, como resulta dos factos dados como provados na douta sentença em crise, os quais a Recorrente não impugna, a situação em crise nos presentes autos não se trata de um mero atraso no cumprimento da obrigação fiscal em crise.
IV. Na verdade, a Recorrida sempre procedeu ao pagamento atempado da obrigação em crise, tal como resulta dos factos dados como provados na douta sentença na alínea L).
V. A Recorrida entregou, em 14 de novembro de 2014, declaração periódica de IVA - 2014/09T em cumprimento do prazo legal estipulado para o efeito, nos termos do artigo 41º nº 1 alínea b) do CIVA.
VI. Porém, em virtude de averiguação da contabilidade da Recorrida, considerando o facto de esta ser sujeito fiscal passível de beneficiar do Regime de isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias, apurou-se que tal declaração entregue em 14/11/2014 não refletia a real situação tributária da mesma.
VII. Com efeito, em 5 de dezembro de 2014, a Recorrida entregou declaração de substituição de IVA, retificando assim e por sua iniciativa a sua situação tributária no que respeita ao exercício de IVA no trimestre de 2014-T9, apurando-se um imposto a pagar no valor de € 28.637,68, que foi pago na integralidade, regularizando a sua situação tributária.
VIII. Conforme resulta do descrito com reflexo total nos factos dados como provados na sentença em crise, à data do levantamento do auto de notícia que originou os presentes autos a aqui Recorrida nada devia à Autoridade Tributária.
IX. Não obstante da imputabilidade dos factos à Recorrida que motivaram a substituição da declaração periódica do IVA de 2014-09T, certo é que, como resulta provado na douta sentença em crise, a Recorrida não retirou qualquer benefício económico do mesmo.
X. Destarte, a Recorrida pagou todas as quantias inerentes às suas obrigações fiscais em crise no momento em que foram apuradas, ainda que, posteriormente liquidasse os montantes respeitantes a juros, não causando qualquer prejuízo efetivo à Autoridade Tributária.
XI. Do acervo factual dado como provado na Douta Sentença do Tribunal a quo resulta que não foi ocasionado prejuízo efetivo à receita tributária, uma vez que a prestação tributária foi paga na íntegra, liquidando-se a totalidade do valor do imposto devido no momento em que este foi apurado.
XII. Por outro lado, a alegada falta cometida foi regularizada, ou seja, a prestação em falta do imposto foi paga à Autoridade Tributária, não restando qualquer valor por liquidar a este título.
XIII. Regularização essa que, à data do levantamento do auto de notícia em crise, já tinha sido efetivada, não demonstrando, a Autoridade Tributária, o prejuízo efetivamente causado pela aqui Recorrida com a sua conduta.
XIV. Ou, prejuízo que afaste, pela sua gravidade, a aplicação do artigo 32º do RGIT.
XV. Pelo exposto, encontram-se preenchidos os pressupostos do artigo 32º nº 1 do RGIT pelo que deverá considerar o Recurso da Autoridade Tributária improcedente.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, entendendo que, sendo reduzido o grau de culpa e o prejuízo efectivo de valor diminuto (€77,57), é de aplicar em alternativa à coima, uma mera admoestação.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 18.06.2015, foi levantado contra a Recorrente o “auto de notícia” n.º 20150000195;
B) O “auto de notícia” a que se alude em A) deu origem à instauração do processo de contraordenação n.º 23302015060000024610 do Serviço de Finanças de Valença;
C) Em 23.04.2015, a Recorrente procedeu ao pagamento do valor de 77,57 euros a título de juros, respeitantes a IVA do período de 01-07-2014 a 30-09-2014;
D) A Autoridade Tributária remeteu à Recorrente ofício datado de 01.05.2015, sob o assunto “Notificação para pagamento de coima com redução”;
E) O ofício a que se alude em D) foi entregue na caixa postal eletrônica da Via CTT em 03.05.2015 e aí acedido pela Recorrente em 25.06.2015;
F) A Autoridade Tributária remeteu à Recorrente ofício datado de 22.06.2015, sob o assunto “Notificação para apresentação de defesa (Art.º 70 nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias - RGIT”;
G) Em 06.07.2015, foi recebido no Serviço de Finanças de Valença requerimento em nome da Recorrente, sob o assunto “Requerimento para anulação do processo n.º 23302015060000024610 — Artigo 70.º n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias - RGIT), do qual consta conforme segue:
«(...)
A……………… Sucursal em Portugal, NIPC …………, com sede na Urbanização ………. — ……….. — ………. - Pontevedra, vem solicitar a anulação do processo n.º 2330202015060000024610, alegando o seguinte:
- Em 14 de Novembro de 2014, efetuou-se entrega da declaração periódica Iva 2014/09T, resultando imposto a pagar no montante de 1.289,72€- pago em 17/11/2014.
- Em 05 de Dezembro de 2014, detetou-se que houve um lapso na entrega da dita declaração, pelo que se entregou declaração de substituição de Iva, resultando assim imposto a pagar no montante de 28.637,68€.
- Ora, como em 17/11, haveria sido pago 1.289,72€, em 05 de Dezembro efetuou-se o pagamento da diferença totalizando 27.347,96, perfazendo no total o montante de 28.637,68€.
- Em 23 de Abril, do corrente ano, foi enviada, via postal, nota de cobrança no montante de 54,17€, acrescida de custas, perfazendo o total de 77,57€, a qual foi imediatamente paga.
- Entretanto foi emitida, notificação para pagamento de coima com redução (RGIT), no montante de 683,69€, a qual foi enviada através da via CTT, coima essa, que por lapso, não foi rececionada e como tal não foi paga.
- Em virtude disso, foi instaurado, o processo supra mencionado, o qual vimos solicitar a sua anulação, e requerer, o pagamento da coima com redução, ou seja, a coima inicialmente aplicada- 683,69€, uma vez que, dada a conjuntura atual, atravessamos sérias dificuldades de tesouraria, o que se torna incomportável, efetuar o pagamento da coima máxima.
Note-se que o imposto que deu origem à aplicação das ditas coimas, se encontra integralmente liquidado (…)»;
H) Em 06.08.2015 foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Viana do Castelo, sob o assunto “Apreciação de petição (Art. 70.º n.º 1 do RGIT) Processo 23302015060000024610 (Serviço Finanças Valença)”, da qual consta conforme segue:
«(…)
A) Do Pedido
Em 30 de Julho de 2015 deu entrada nesta Divisão de Justiça Tributária, remetido pelo Serviço de Finanças de Valença, requerimento apresentado pela arguida A…………. Sucursal em Portugal (doravante arguida), no qual solicitada a anulação do processo de contraordenação 23302015060000024610.
Alega a arguida a falta de notificação para pagamento da coima com redução, nos termos do disposto no artigo 70° do RGIT.
B) Da Análise
Em 14 de Novembro de 2014 foi apresentada a declaração periódica (DP) de IVA referente ao terceiro trimestre do ano 2014 (2014/09T), dentro do prazo legal, conforme disposto no artigo 41.° do CIVA tendo sido apurado imposto a entregar ao Estado no montante de € 1.289,72.
Em 05 de Dezembro de 2014, a arguida apresentou declaração periódica de substituição e referente ao terceiro trimestre do ano de 2014 (2014/09T), fora do prazo legal, da qual resultou imposto adicional a entregar ao Estado no montante de €27.347,96 violando o disposto nos artigos 27.º n° 1 e 41.° n.º 1 alínea b) do CIVA.
Em 29 de Abril de 2015, foi instaurado o processo de redução de coima (PRC) 23302015160000004019 e notificada a arguida em 28 de Maio de 2015, nos termos do n° 5 do artigo 30.º do RGIT, para, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da notificação, efectuar o pagamento da coima no montante de € 683,69 e que a coima a pagar em montante reduzido nos termos das alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 29.º do RGIT, resultou da apresentação fora do prazo da declaração periódica de IVA referente ao terceiro trimestre de 2014 (2014/09T), infracção punível pelo artigo 114.° n° 2, n° 5 alínea a) e artigo 26.° n.º 4, ambos do RGIT.
Mais foi notificada a arguida que, findo o prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento da coima a pagar, em montante reduzido nos termos das alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 29.° do RGIT, seria levantado o auto de notícia e instaurado processo de contra-ordenação, ficando sem efeito a redução da coima.
No caso em apreço, consultados os elementos informáticos disponíveis verifica-se que:
- em 28 de Maio de 2015 a arguida foi considerada notificada, de acordo com o disposto no n° 10 do artigo 39.° do CPPT, para, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da notificação (art. 30.° do RGIT), efectuar o pagamento da coima reduzida no montante de € 683,89;
- a coima reduzida no montante de € 683,69, não foi paga no prazo previsto no artigo 30.º do RGIT.
Findo o prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento da coima, em 18 de Junho de 2015 foi instaurado o processo de contra ordenação (PCO) 23302015060000024610 no Serviço de Finanças de Valença por violação ao disposto nos artigos 27º n.º 1 e 41.º n° 1 alínea b), ambos do CIVA (falta de entrega da prestação tributária no montante de € 27.347,96, respeitante a IVA do terceiro trimestre de 2014) infracção punível pelos artigos 114 n° 2 e n° 5 alínea a) e artigo 26 ° n° 4, ambos do RGIT.
Em 25 de Junho de 2015, a arguida através do acesso a caixa postal electrónica da Via CTT, foi considerada notificada, nos termos do disposto no artigo 70.º do RGIT, de que contra si corria termos o processo de contra-ordenação 23302015060000024610.
Mais foi notificada a arguida para no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação, querendo, apresentar defesa escrita ou verbal (juntar ao processo os documentos probatórios que entender), a produzir no Serviço de Finanças de Valença.
Consultados os elementos informáticos disponíveis, verifica-se que, findo o prazo de dez dias, cujo término ocorreu em 06 de Julho de 2015 (artigo 138.º do CPC, aplicável por força do artigo 104.° do CPP, em razão da remissão do artigo 41.º do RGCO, aplicável subsidiariamente ex vi artigo 3.° alínea b) do RGIT a arguida A……………. Sucursal em Portugal não apresentou defesa nos termos do disposto no artigo 70.º do RGIT.
Face ao exposto, verifica-se que todo o procedimento decorreu de forma regular, no estrito cumprimento da lei.
Por outro lado, foi dada à arguida a possibilidade de, numa primeira fase no âmbito do PRC, pagar a coima em montante reduzido, nos termos do artigo 29.° do RGIT, e posteriormente, no âmbito do PCO de exercer o direito de defesa (artigo 71.º do RGIT), nada tendo feito.
Assim, deverá o processo de contraordenação 23302015060000024610 prosseguir os seus trâmites normais, ficando prejudicado o requerido pela arguida.
(…)» - conforme documento a folhas 14 a 16 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) Sobre a informação a que se alude em H) foi exarado despacho do diretor da Direção de Finanças de Viana do Castelo, datado de 07.08.2015, com o seguinte teor:
«(…)
Concordo.
Face ao informado, indefiro o presente pedido.
D.N. (...)»;
J) A informação e despacho a que se alude, respetivamente, em H) e I) foram notificados à Recorrente por ofício datado de 07.08.2015;
K) Em 07.08.2015, foi proferida decisão pelo diretor da Direção de Finanças de Viana do Castelo, no âmbito do processo de contraordenação a que se alude em B), da qual resultou a aplicação à Recorrente de uma coima no valor de 8.204,38 euros, acrescida de custas no valor de 76,50 euros.
L) Da decisão a que se alude em K) consta conforme segue:

«(…)


(…)


(...)».
Nada mais se deu como provado.

Com o presente recurso não vem questionada a matéria de facto levada ao probatório, apenas é questionado o julgamento feito na sentença recorrida sobre a aplicação ao caso concreto do regime jurídico da dispensa de coima, do que a recorrente discorda, uma vez que entende que não está verificado o requisito da al. a), do n.º 1, do artigo 32º do RGIT - A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária.
Caso se reconheça razão aos argumentos apresentados pela recorrente há que saber se à concreta infracção dos autos pode ser aplicada a pena de admoestação.

Quanto à questão colocada no recurso.
Na sentença recorrida entendeu-se que a infracção dos autos preenchia todos os requisitos legalmente exigidos para que se pudesse dispensar a aplicação de coima com os seguintes fundamentos:
DA DISPENSA DE COIMA
Vem a Recorrente sustentar, a título subsidiário, encontrarem-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, devendo, por isso, haver lugar à dispensa de coima.
As decisões sobre a dispensa de coima tanto podem ser proferidas pela autoridade administrativa como pelo tribunal, em recurso da decisão daquela.
Ora, estatui o artigo 32.º do RGIT conforme segue:
“1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo."
No caso sujeito, conforme resulta da decisão recorrida, embora além do respetivo prazo legal, a Recorrente procedeu à entrega da prestação tributária em falta, acrescida dos respetivos juros [cfr. alínea C) do probatório], termos em que se impõe concluir encontrar-se regularizada a falta cometida, e não ter a infração praticada ocasionado prejuízo efetivo à receita tributária.
Acresce que, conforme se extrai do teor da decisão recorrida [cfr. alíneas K) e L) do probatório], o grau de culpa da arguida é reduzido porquanto:
- A arguida agiu apenas com negligência (“simples”);
- Inexistiu qualquer benefício económico retirado com a prática da infração e inexistiram atos de ocultação; e
- Considerou-se inexistir a "obrigação de não cometer a infracção".
Destarte, consideram-se reunidos os requisitos legais para a requerida dispensa de coima, o que se determina.

Sobre esta questão já este Supremo Tribunal se pronunciou em sentido contrário ao decidido, em situação fáctica em tudo semelhante à dos autos, não havendo agora razão para decidir de modo diferente.
Efectivamente escreveu-se no acórdão datado de 03.04.2013, rec. n.º 05/13, que aliás vem invocado pela recorrente:
A “…possibilidade de dispensa de coima, ao abrigo do disposto no artº. 32.º, n.º 1, do RGIT é de afastar pois, como se refere na sentença recorrida, ela tem como pressupostos cumulativos que «a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária» e que esteja «regularizada a falta cometida».
A regularização da falta, quando está em causa a falta de cumprimento de uma prestação tributária, implica o seu pagamento, como resulta do n.º 3 do artº. 30.º, em que se refere que a regularização da situação tributária se consubstancia no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção.
Por isso, a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação.
Por isso, no caso em apreço, tendo ocorrido prejuízo para a Fazenda Pública, antes da regularização, está afastada a possibilidade de dispensa de aplicação de coima…
Ora, no caso dos autos, a recorrente não efectuou o pagamento do imposto retido no prazo legal, pelo que não pode afirmar-se que inexistiu prejuízo, pelo simples facto de ter pago também juros pelo atraso no pagamento. Na verdade, o ressarcimento pode não ser suficiente para afastar o prejuízo.
Imagine-se, por exemplo, que um credor está a contar receber determinado valor, para celebrar determinado contrato. O valor vem a ser pago apenas um mês depois, com juros, mas o contrato acabou por não ser realizado. Temos então que, apesar do ressarcimento, o credor acabou por ter prejuízo.
Transposto este exemplo para o caso dos autos, podemos concluir que quando o imposto não é pago atempadamente existe sempre prejuízo, ainda que haja lugar ao pagamento de juros pois a Fazenda Pública ficou privada do seu crédito que poderia ter utilizado - e não utilizou por motivo imputável ao contribuinte - na satisfação dos compromissos que legalmente lhe cabem…”.
Resolvida, assim, a questão colocada no recurso em sentido favorável à pretensão da recorrente, há agora que saber se é possível a aplicação ao caso dos autos do regime da admoestação, tal como preconizado pelo Ministério Público.

Também esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal.
Efectivamente o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer lembra que “Ainda que seja de reconhecer razão quanto ao erro imputado à sentença recorrida, não será de aplicar tal coima.
Com efeito, a expressão acima transcrita, em que o "prejuízo” é adjetivado de "efectivo" refere-se ao resultado danoso ter ocorrido, com expressão numa quantificação monetária.
Ora, o dito prejuízo foi afinal apenas de 77,57€, que tiveram de ser liquidados adicionalmente, a título de juros de mora, pela A.T., conforme ficou expresso na al. B) da matéria de facto.
Sendo assim, e apesar de "prejuízo efetivo" ter ocorrido, é de considerar ter a infração "reduzida gravidade" e não ser caso de aplicar coima, mas mera admoestação.
A admoestação em alternativa à coima obtém sustentação no previsto no art. 51.º do R.G.C.O., disposição que foi já aplicada subsidiariamente, nos termos do art. 2.º al. b) do R.G.I.T., no acórdão do S.T.A. de 3-4-2013, proferido no proc. 5/13…
Aliás, na falta de uma específica definição legal quanto à quantificação de prejuízo que possa integrar a referida “reduzida gravidade", observa-se encontrar-se estabelecido no art. 202.º al. e) do Cód. Penal ser "valor diminuto" o inferior a 1 U.c..
Tal, embora se encontre previsto como pressuposto para que se dê lugar a procedimento por crimes contra o património, não repugna que seja considerado também na apreciação que importa efetuar sobre a gravidade concreta da contraordenação.
E reduzido é o grau de culpa da recorrida que logo que se apercebeu do erro cometido procedeu a retificação, apresentando declaração de substituição.”.

E efectivamente assim é.
Do registo da linha temporal dos acontecimentos relevantes para o caso dos autos, levada ao probatório, resulta que o período em que o pagamento do imposto devido esteve em falta ocorreu entre 17.11 e 05.12 de 2014, tendo sido a própria recorrida a aperceber-se de que não havia efectuado correctamente o pagamento do imposto em 17.11. Sendo que tal falta originou o pagamento de juros “prejuízo” em valor inferior a 80€, não se tendo provado que o atraso do pagamento da quantia correctamente calculada tenha de algum modo beneficiado a recorrida durante aquele período de cerca de 20 dias.
Não descortinamos justificação convincente para que em face de uma culpa reconhecidamente diminuta, um atraso na entrega da prestação … pouco expressivo … e um prejuízo à receita tributária tão pouco relevante, se possa entender como adequada ao grau de ilicitude e culpa do agente uma coima…de mais de 8.000€… razão pela qual, atendendo às circunstâncias do caso e ponderando que a aplicação dos termos da atenuação especial da coima previstos no artigo 18.º n.º 3 do RGIT implicam uma punição da arguida desproporcional e desadequada, se decide punir o agente com uma pena de admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO, punição esta legalmente possível atendendo a que a infracção, na medida em que foi prontamente reparada, se revelou efectivamente de reduzida gravidade e a culpa do agente é manifestamente diminuta, desta forma se satisfazendo as exigências de prevenção.”, cfr. acórdão datado de 13.10.2010, rec. n.º 0670/10.
Temos, assim, que concluir que a sanção adequada à infracção cometida pela recorrida é a da admoestação.

Pelo exposto, haverá que revogar a decisão recorrida no segmento em que vinha impugnada, proferindo uma admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável em matéria de contra-ordenações tributárias (artigo 3.º alínea b) do RGIT).

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que determinou a dispensa de coima;
b) aplicar à arguida como sanção da contra-ordenação que lhe foi imputada, a admoestação seguinte: O Tribunal lembra que o dever de pontual entrega das prestações tributárias constitui não apenas uma obrigação dos sujeitos passivos objecto de tutela sancionatória, mas dever de cidadania, devendo estes organizarem-se de forma a que factores imprevistos, como erros burocráticos, desatenções e atrasos, não impeçam o cumprimento pontual desse dever. O atraso, mesmo ligeiro, mesmo prontamente reparado, constituiu infracção, que não se apagou pelo facto de o Tribunal entender que esta admoestação se revela, no caso, suficiente para punir a infracção cometida.
Condenar a arguida nas custas, que são devidas na fase administrativa do processo de contra-ordenação e em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
D.n.

Lisboa, 25 de Outubro de 2017. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.