Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0903/06
Data do Acordão:09/26/2007
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - O contribuinte que foi ouvido em fase anterior do procedimento de liquidação não tem, em regra, de voltar a sê-lo antes do acto de liquidação.
II - Esta a interpretação a dar ao artigo 60º da Lei Geral Tributária, mesmo antes de o nº 2 do artigo 3º da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio, ter dado nova redacção ao seu nº 3, com carácter interpretativo.
Nº Convencional:JSTA0008290
Nº do Documento:SAP200709260903
Recorrente:A ...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A…, LDA., com sede em Esmoriz, Ovar, recorre para a Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, funcionando em Pleno, do acórdão de 30 de Março de 2006 do Tribunal Central Administrativo Norte que, confirmando sentença da 1ª instância, manteve a decisão de improcedência da impugnação judicial do acto de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRC) do exercício de 1999.
Fá-lo com fundamento em oposição com o aresto de 3 de Junho de 2003 do Tribunal Central Administrativo, proferido no processo nº 330/03.
Formula as seguintes conclusões:
«a)
O Douto Acórdão recorrido encontra-se, tal como foi confirmado por douto despacho de folhas 136, de 29-06-2006, em patente oposição com o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido pela Secção de Contencioso Tributário, no recurso n° 330/03, de 3 de Junho de 2003, publicado em Antologia de Acórdãos do S.T.A. e T.C.A., ano VI, n° 3, páginas 306 a 310, Edição Almedina, Coimbra.
b)
O Acórdão recorrido assenta numa interpretação errónea e indevida do disposto no artigo 60° da L.G.T. e artigo 100° e seguintes do C.P.A., em que a recorrente tendo sido notificada para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Conclusões do Relatório da Inspecção, não tinha que ser ouvida nas demais fases tomadas ao longo do procedimento tributário até ao acto da liquidação.
c)
Mas não tem razão o Acórdão recorrido, pois, como entendeu e bem o Acórdão fundamento, o artigo 60°, nº 1, alínea a) da L.G.T., quando fala em “liquidação” tem um sentido amplo que abrange todas as fases do acto tributário.
d)
Assim sendo, como resulta claro da Lei e do Acórdão fundamento, quanto à formalidade de audiência prévia prevista na alínea a) do n° 1 do artigo 60° da L.G.T. e artigo 100º do C.P.A., ainda que o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção, em caso algum pode ser dispensada nova audiência antes da decisão final, a liquidação, bem como nas demais fases do procedimento tributário previstas nas alíneas d) e b) do nº 1 do artigo 60° da L.G.T.
e)
No Douto Acórdão recorrido, ao dar-se por provado que a impugnante, ora recorrente, foi notificada da decisão da Administração Tributária de lhe alterar os rendimentos, considerando-se o oficio n° 8405534, de 10-05-2001, da Direcção de Finanças de Aveiro, como meio idóneo formal e substancialmente para o efeito, interpretou-se e decidiu-se mal, em clara violação dos normativos legais insertos nas disposições conjugadas dos artigos 36°, n°s 1 e 2, do C.P.P.T., artigo 60°, n° 1, alíneas a), b) e d), nº 5 (ex n° 4), 77° nºs 1 e 6 e 80° da L.G.T.
f)
Pelos motivos supra alegados, e por existir a clara oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, deverá tal contradição ser resolvida pelo Pleno, com a revogação do Acórdão recorrido por outro que siga a interpretação correcta do Acórdão fundamento com as legais consequências»
1.2. Contra-alega a Fazenda Pública concluindo nestes termos:
«A)
A Recorrente foi notificada da decisão de fixação do lucro tributável por métodos indirectos, sendo que essa notificação não se confunde com a que lhe foi feita para efeito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção;
B)
Por força das alterações introduzidas ao art. 60.° da LGT pelas Leis 16-A/02, de 3l de Maio e 55-B/04, de 30.12., o contribuinte, notificado para efeito de exercício do direito de audição sobre projecto de relatório de inspecção, não tem que ser notificado antes da decisão de fixação, nem antes da liquidação, salvo se ocorrerem factos novos sobre os quais eles não se tenha pronunciado.
C)
As alterações introduzidas têm carácter interpretativo porque os seus efeitos retroagem à data da entrada em vigor do art. 60º da LGT, na sua primitiva redacção.
D)
A actual solução legislativa é a que melhor compatibiliza o direito do contribuinte de participar na formação das decisões que lhes digam respeito com o objectivo de eficácia e rapidez que deve presidir às decisões administrativas.
Termos em que deve ser recusado provimento ao presente recurso com as legais consequências».
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que deve julgar-se findo o recurso, por falta de oposição, «porque, desde logo, não existe identidade factual mínima nos dois arestos». «No acórdão fundamento está em causa alteração da matéria tributável feita (…) por métodos indirectos e, no acórdão recorrido (…), por correcção dos valores declarados pelo contribuinte».
1.4. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2.1. Esta a matéria de facto estabelecida pelo acórdão recorrido:
«A)
A impugnante dedica-se ao comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado, malhas, artigos de viagem e outras obras de couro e representações, a que corresponde o CAE 51160;
B)
Entre 2001.04.22 e 2001.05.07, a escrita dos anos de 1997, 1998 e 1999, foi inspeccionada;
C)
Do relatório elaborado extracta-se (a fls. 1 a 118 do processo administrativo apenso aos autos por linha):
i. II.3.2 Enquadramento Fiscal e Organização Contabilística:...em 2001.01.24 o sujeito passivo foi notificado... para no prazo de 15 dias proceder à regularização da contabilidade e livros de escrituração que se encontravam em atraso; durante o período concedido o contribuinte procedeu à regularização da sua contabilidade e à entrega de todo o IRS retido que se encontrava em falta; no entanto, verifica-se que não possui os livros obrigatórios definidos no artigo 98.º do CIRC e no artigo 31.º do Cód. Comercial, nem os registos dos bens de investimento a que se encontrava obrigado pelo artigo 51/1 do CIVA (fichas imobilizado)...;
ii. II.3.3 Comportamento Declarativo: encontram-se em falta os anexos J e L da declaração anual de informação contabilística e Fiscal do exercício de 1999 (...);
iii. II.3.5 Análise de Balanços e Demonstrações de Resultados:...importa realçar desde logo a principal incoerência que detectámos: apesar da empresa se dedicar efectivamente à actividade produtiva, verifica-se que no exercício de 1997 declarou unicamente vendas de mercadorias, enquanto que nos exercícios de 1998 e 1999 declarou unicamente vendas de produtos acabados. O facto mais grave surge no exercício de 1998, no qual foi contabilizada uma existência inicial de mercadorias no valor de PTE 55.200.000$00 (correspondente à existência no final de 1997), e, não obstante não estar registada nenhuma venda de mercadorias durante este exercício, a existência final de mercadorias em 1998 é nula (...) os resultados declarados apresentam um comportamento irregular ao destes exercícios, pois, ao mesmo tempo que o volume de negócios aumentou o resultado líquido diminuiu: (valores em contos)
199719981999
Volume de Negócios 169.084 195.282 216.073
Resultado líquido Do Exercício 595 356 6
Lucro Tributável 953 1.439 1.605
iv. III. Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável: III. 1. Em sede de IRC: III.1. Em sede de IRC: 3 Exercício de 1999: A) Mais-Valia Não Tributada: … consta deste exercício, a viatura ligeira de passageiros de marca Rover 414 SI com a matrícula … ; verifica-se, no entanto que esta viatura, que era utilizada pelo sócio-gerente …, já não se encontra actualmente na empresa, motivo pelo qual não nos foi exibido o respectivo título de registo de propriedade; solicitados esclarecimentos aos responsáveis da empresa, apurou-se que a viatura foi adquirida em 1995, em regime de leasing, tendo sido exercida a respectiva opção de compra no final do contrato - em 1998.12.25 - ...; em 1999.01.28 foi vendida à …, Lda., pela quantia de PTE 2.500.000$00; o documento comprovativo de tal transacção é um recibo emitido a favor do Sr. …, no qual este declara ter recebido o respectivo preço (...); esta importância não entrou nos cofres da empresa, nem tão pouco a sua transmissão onerosa foi registada na contabilidade; uma vez que à data da respectiva alienação a viatura já se encontrava totalmente amortizada, a empresa obteve nesta operação uma mais-valia igual ao respectivo valor de realização, ou seja, de PTE 2.500.000$00; (...);
v. B) Custos não aceites Fiscalmente: foram contabilizados neste exercício custos relativos ao prémio de seguro do veículo de marca Toyota e matrícula … que pertence ao Sr. …, neto do sócio-gerente (...) nos termos do artigo 23.º do CIRC, estes custos não são aceites para efeitos fiscais, por se considerarem dispensáveis à realização dos proveitos sujeitos a imposto;
vi. IV) MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS: . . .resulta da impossibilidade de comprovação e quantificação directa dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, em resultado da inexistência e insuficiência de elementos de contabilidade, falta de escrituração dos livros e registos, e irregularidades na sua organização execução, de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 87.º e na alínea b) do n° 1 do artigo 88.º ambos da LGT. São os seguintes os motivos que implicam esta avaliação indirecta: (1) não nos foram exibidos os seguintes elementos contabilísticos ...: (a) registos, extractos de contas, balancetes relativos ao exercício de 1997; (b) inventários de existências reportados a 1996.12.31 e 1997.12.31; (c) fichas de imobilizado; (d) livros selados; (2) existem diversos lançamentos contabilísticos, alguns designados mesmo por marteladas, que constituem acertos contabilísticos das contas de disponibilidades e de terceiros, e são efectuados normalmente no final do exercício, como passamos a explicar: (i) encontram-se contabilizados em 1998.12.31 várias notas internas de lançamento relativas a regularizações de saldos de contas de terceiros sem qualquer comprovativo dos respectivos meios de pagamento, e sem os correspondentes documentos de quitação emitidos pêlos respectivos credores... (ii) encontram-se contabilizados em 1999.12.31 documentos que são meras cópias de balancetes e extractos de conta desse exercício que precisavam de ser acertados para encerrar a contabilidade, que foram lançados com a descrição marteladas, porque, afinal, é mesmo disso que se trata! Como é evidente, nestes casos não existe qualquer comprovativo dos respectivos meios de pagamento, nem os correspondentes documentos de quitação emitidos pelos respectivos credores:
Doc. Int. NºDescriçãoContas debitadasContasMontante
417Martelada122-D.O. ...111 - CXA900.000$00
418Martelada2211301 - ….
211341 - … Ldª

2311 - ….
2391 - ….Ldª
2393 - …
25511
111 – CXA
111- CXA
25511
25511 - ...
17.525.000$00
1.186.800$00
2.774.987$00
6.051.000$00
1.000.000$00
Total regularizado em 199929.437.787$00
(3) encontram-se contabilizados nos exercícios de 1998 e 1999, documentos bancários
relativos a operações de descontos de letras sacadas pela …, Lda., todas no valor de PTE 3.000.000$00, que não titulam qualquer transacção comercial, uma vez que, ou se encontram contabilizadas na conta 2391 - Outros Empréstimos Obtidos - …, Lda., ou nas contas de disponibilidades, e nem sequer existe nenhuma conta de terceiros relativa à …, Lda., nos registos contabilísticos da contribuinte; Exercício de 1999:
577Desconto letras no …122 - D.O. …111 - CXA3.000.000$00
830Desconto de Letras no …126 – D. O. …111 - CXA3.000.000$00
Pode portanto concluir-se que estas contas funcionam assim como contas residuais, utilizadas para efectuar todos os lançamentos que, ou não estão correctamente documentados e explicados, ou são alheios à actividade da empresa;
viii. IV) Não existe controlo dos movimentos de armazéns, nem dos stocks de existências: verificou-se existirem situações em que uma determinada encomenda passa por vários subcontratados até estar pronta a entregar ao cliente: a empresa adquire o fio, envia a uma tecelagem para o transformar em tecido, o tecido volta a entrar no armazém da empresa, e sai posteriormente para a estamparia, para estampar, volta à empresa já estampado, sai de novo para ser tingido fora, retorna à empresa, e é remetido ao prestador de serviços de termocolagem, que, findo o seu trabalho, entrega o produto na empresa, podendo ainda eventualmente sofrer alguma transformação nas instalações da empresa antes de ser entregue ao destinatário; acontece que estes serviços são facturados normalmente em metros ou quilogramas de tecido, normalmente sem qualquer menção de que se trata apenas de prestação de serviço de mão-de-obra; de facto, analisando algumas das facturas deste tipo que a empresa possui na sua contabilidade, julgar-se-ia que titulam aquisições de bens; por outro lado, são comuns os casos em que as matérias-primas que a empresa adquire são entregues pelos fornecedores directamente nos prestadores de serviços que sobre elas vão operar, o mesmo ocorrendo relativamente aos produtos intermédios que passam por vários subcontratados até estarem prontos a vender (...) em teste efectuado ao movimento de bens evidenciado nas guias de mercadorias em trânsito (...) verificou-se que nenhuma das guias que nos foi exibida possuía a matrícula da viatura na qual foi realizado o transporte, o que, desde logo, nos leva a concluir de que não estamos perante os documentos efectivamente utilizados para transporte, mas sim de documentos emitidos a posteriori para servirem de suporte à emissão das guias de remessa e facturas informatizadas e registadas na contabilidade; além disso detectaram-se outras situações, relativamente às quais o contribuinte nos prestou os seguintes esclarecimentos: (i) guias nº 2853, de 1999.02.19, 2854, de 1999.02.22 e 2880 de 1999.03.23: tratam-se de entregas de matéria-prima a subcontratados, embora tal não seja indicado; (ii) guias n°s 2860, de 1999.03.02, 2869, de 1999.03.10 e 2873, de 1999.03.12: nos casos das guias 2860 e 2869, o contribuinte tem na sua posse tanto o original como o duplicado que deveria ter sido entregue ao destinatário, e no caso da guia 2873, apenas possui uma fotocópia da mesma; (iii) guia 2861, de 1999.03.02: a origem e o destino dos bens é o mesmo; foi-nos dito que se trata, provavelmente, do transporte de bens entre o armazém de Esmoriz e o armazém de Felgueiras, mas, neste momento, não conseguem saber de onde para onde; (iv) guia 2855, de 1999.02.25: trata-se de mercadoria enviada à consignação, apesar de tal não ser mencionado; (v) guia 2852, de 1999.02.18: trata-se de devolução de mercadoria que pertence ao destinatário, embora não seja feita qualquer referência a esse facto (...);
ix. Fomos informados que o sistema informático de facturação está programado de forma que as guias de remessa e as respectivas facturas por ele emitidas tenham o mesmo n° de série, para facilidade de controlo interno. Para confirmar esse dado, efectuámos um teste onde verificámos existirem falhas neste método (i) a guia de remessa n° 5199, de 1999.01.20, destinada ao cliente …, Lda., refere-se ao produto espuma látex 5 mm (...) e corresponde à factura n° 5229, de 1999.01.21; (ii) existem duas facturas com o mesmo n° 5199, ambas com data de 1999.01.19, e ambas referentes ao produto cebrelle preto singelo c/1,5 largura, uma destinada ao cliente … e outra ao cliente … (..); consultados os respectivos extractos de conta, verificou-se que a factura n° 5199 só foi contabilizada para o cliente …; foi-nos explicado que o cliente …, NIF … passou a ser o cliente …, NIF …, e daí a emissão das duas facturas; ora, tratando-se de contribuintes com NIF’s distintos, esta justificação não nos parece credível;
x. Teste de coerência aos Inventários de Existências: ... metodologia utilizada: a partir das quantidades inscritas no Inventário reportado a 1998.12.31 registado na contabilidade, e das quantidades compradas contabilizadas até 19 de Janeiro de 1999, confirmar as quantidades constantes das facturas emitidas até à mesma data; (...) pudemos apurar, por exemplo, relativamente ao produto entretela autocolante MLP/160 c/ 1,60 largura o seguinte:
Quantidades
Existência inicial em 01.01.1999350
Compras até 19.01.19990
Vendas até 19.01.19991787
Diferença-1437
Resultados obtidos: as quantidades vendidas até 1999.01.19 são, neste caso, superiores às quantidades disponíveis para venda.
xi. Em Resumo: no registo das operações não foi cumprido o estabelecido nos seguintes dispositivos legais do CIRC: artigo 17/3.b): não reflecte todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, dado que nem todas as vendas estão registadas na contabilidade da empresa; artigo 98/3. a): nem todos os lançamentos estão apoiados em documentos justificativos...
xii. ...pelo exposto, a contabilidade não nos merece qualquer credibilidade, levando-nos a concluir que o volume de negócios evidenciado pela contabilidade para os exercícios de 1997, 1998 e 1999, não reflecte de forma credível o movimento efectivamente realizado nem a verdadeira situação patrimonial; dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, por força do artigo 87/a) e artigo 88/1. B), ambos da LGT, propõe-se que o resultado tributável para os exercícios de 1997, 1998 e 1999 seja determinado por métodos indirectos, nos termos previstos no n° 1 do artigo 51º e no artigo 52° do CIRC;
xiii. V. Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indirectos: com o objectivo de determinar a matéria tributável por métodos indirectos através da aplicação de um rácio...:
1. Margem Bruta sobre o Custo (MBs/C) (Vol. Neg. - CEVMQ/CEVMC 2. Rentabilidade Fiscal das Vendas (RFV) = Lucro Fiscal/Volume de Negócios evidenciados na contabilidade do sujeito passivo e constantes dos rácios nacionais de IRC para o CAE 51160 disponíveis no sistema informático..., (ainda não estão disponíveis no sistema rácio para 1999, pelo que utilizamos os rácios de 1998)
Rácio19991998
DeclaradoMédia Nacional
MBs/C%32,21%53%
RFV%0,74%2,16%
Concluiu-se que os rácios declarados pelo sujeito passivo se situam muito abaixo da média dos rácios nacionais do respectivo sector de actividade; uma vez que se trata de uma avaliação indirecta, na qual se pretende sempre apurar uma matéria tributável tão aproximada quanto possível da efectivamente obtida, decidimos utilizar os seguintes rácios de Margem Bruta sobre o Custo:... Exercício de 1999: 40% (...)
Determinação do Volume de Negócios corrigido:
Rubricas1999
Custo das existências Vendidas e Matérias Consumidas163.367.761$
Margem Bruta s/Custo40%
Volume de Negócios Corrigido228.363.761$
Determinação das Vendas Omitidas
Rubricas1999
Volume de Negócios Declarado216.073.140$
Volume de Negócios Corrigido288.709.265$
Vendas Omitidas12.636.125$
D)
Em 2001.05.17, o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção foi notificado à impugnante (notificação a fls. 116 e nota de registo a fls. 117 do processo administrativo apenso aos autos);
E)
E, 17.07.01 a impugnante solicitou a revisão da matéria tributável (a fls. 126 a 135);
F)
E, em 2001.05.25, a impugnante exerceu o direito de audição por escrito (a fls. 119 dos autos);
G)
Neste requerimento não faz qualquer referência à falta de qualquer anexo ao relatório de inspecção;
H)
O relatório de inspecção foi notificado em 2001.06.01 (a fls. 197 a 200 do processo administrativo apenso aos autos);
I)
Em 2001.08.24 e 2001.08.29 reuniu a Comissão de Revisão da Matéria Tributável (relatórios a fls. 138 e seguintes e fls. 146 seguintes do processo administrativo apenso aos autos);
J)
Em 2001.09.14, o Director de Finanças exarou despacho do qual se extracta: E - Conclusão e Resolução: perante tudo o exposto, resolvo (nos termos do disposto no artigo 92/6, da LGT) manter inalterados os valores constantes do Relatório da DPIT:...em sede de IRC... Ano de 1999... 16.800.265$; aplicar (nos termos do artigo 91/10 da LGT), um agravamento à colecta reclamada, a ser exigido adicionalmente ao tributo a título de custas, no valor de 1.130 contos) (a fls. 163 a 174 do processo administrativo apenso aos autos);
K)
Em 2001.01.10, a decisão foi notificada à impugnante (a fls. 180 a 181-v do processo administrativo apenso por linha aos autos);
L)
Em 2001.10.26, foi emitida a liquidação n° 8310018433, de IRC, relativa aos rendimentos de 1999, no montante de 630.363,37, PTE 6.087.309$00 (a fls. 13 dos autos);
M)
Em 2001.02.02, a petição de impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Ovar-2».
2.2. Quanto ao acórdão fundamento, estabeleceu a seguinte matéria de facto:
«1
Com relação ao eis de 1995, o Ite apresentou uma declaração mod. 1 de IRS, onde englobou apenas rendimentos do trabalho dependente categoria A, na importância de 840.000$00, para cada um dos dois sujeitos passivos do casal.
2
A partir da relação de escrituras lavradas no Cartório Notarial de Torres Novas, remetida aos serviços da AF/AT, apuraram estes que, no ano de 1995, o Ite havia auferido rendimentos, enquadráveis na categoria G do IRS, provenientes da alienação das fracções D, E e H do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Fátima e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 3.322.
3
Na medida em que estes rendimentos se mostravam omitidos na declaração identificada em 1, foi decidido, por despacho de 14.11.2000, da autoria do Sr. DF, por delegação, proceder à correcção dos valores declarados pelo Ite.
4
Mediante o ofício n.º 7814 de 20.11.2000, o Ite foi notificado da decisão de proceder a tal correcção, na hipótese de no prazo de 10 dias concedidos para exercício do direito de audição prévia, não fossem apresentados novos elementos.
5
Não tendo o Ite exercido o seu direito de audição prévia, os serviços da AF procederam ao englobamento dos rendimentos sujeitos a IRS, resultantes da alienação indicada em 2, concretamente, tomando o valor de realização de 30.000.000$00, obtido em 23.3.1995 e o de aquisição de 6.018.526$00 suportado a 28.5.1990.
6
No seguimento e consequência desta correcção, em 15.12.2000, foi efectuada a liquidação adicional de IRS, n.º 5323596265, do ano de 1995, no valor total a pagar de 5.119.890$00, incluindo juros compensatórios de 1.993.816$00, tendo como data limite para pagamento o dia 1.2.2001.
7
Em 28.2.2001, a liquidação identificada foi paga, nos termos e com os benefícios decorrentes do regime instituído pelo DL 124/96 de 10.8.».
***
3.1. De entre as várias questões que foram abordadas e decididas pelo acórdão recorrido, uma só é trazida pela recorrente à consideração deste Tribunal de recurso.
Respeita ela ao exercício do direito de audição prévia, e é a única que foi tratada, também, pelo acórdão fundamento. Daí que só quanto a ela possa ocorrer a alegada oposição de julgados.
Oposição que, todavia, é questionada pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto, para tanto se fundando na dissemelhança entre as situações factícias em que assentaram os arestos em confronto.
Mas, a nosso ver, tal diversidade, conquanto incontestável, não é de molde a que se não verifique a invocada oposição.
Independentemente da divergência entre as circunstâncias de facto, o certo é que o acórdão recorrido decidiu que, tendo ao contribuinte sido dada a possibilidade de se fazer ouvir acerca do projecto de relatório da inspecção a que foi sujeito, do qual resultou a tributação por métodos indirectos, não se impunha ouvi-lo novamente antes do acto de liquidação; e o acórdão fundamento ditou que, apesar do exercício do direito de audiência prévia a propósito das correcções à matéria colectável que a Administração se propunha introduzir, havia que proporcionar-lhe nova oportunidade de pronúncia antes da liquidação.
Ambas as decisões resultaram da aplicação do mesmo quadro normativo.
Assim, não é o facto de, num caso, a fixação da matéria tributável ter sido efectuada por métodos indiciários e, noutro, ter sido apurada segundo a declaração do contribuinte, após correcções resultantes de omissão nessa declaração, que torna diferente a questão substancial de direito divergentemente decidida por cada um dos acórdãos.
Verificando-se, pelo exposto, a alegada oposição, há que desfazê-la.
3.2. Não é difícil a tarefa, face ao que por este Tribunal vem sendo costumeiramente entendido.
É verdade que também o acórdão fundamento segue a doutrina de um outro, deste Supremo Tribunal Administrativo. Mas essa orientação não foi secundada em posteriores arestos do Tribunal.
A razão essencial para esta falta de acompanhamento está na publicação, em 31 de Maio de 2002 – o acórdão referido é de 27 de Fevereiro anterior – da Lei nº 16-A/2002, que acrescentou ao artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) um nº 3, ao qual o seu artigo 13º nº 2, atribuiu eficácia interpretativa.
3.3. Mas nem por isso se pense que a edição da Lei nº 16-A/2002 fez com que saísse alterado o quadro normativo em que foi proferido o acórdão recorrido. Se assim fosse, não haveria oposição de acórdãos. Na verdade o quadro normativo é o mesmo, atendendo ao carácter interpretativo do nº 3 do artigo 60º da LGT, pois disso resulta que tudo se passa como se a lei nunca tivesse tido outra redacção que não a dada pela norma interpretadora, como decorre do disposto no artigo 13º nº 1 do Código Civil. E a verdade é que já antes da alteração de 2002 a norma vigente comportava a interpretação feita no posterior acórdão fundamento.
3.4. Ora, como já se apontou, a jurisprudência largamente maioritária deste Tribunal é a que foi seguida pelo acórdão recorrido.
Isto à luz do nº 3 do artigo 60º da LGT, cuja redacção, após a Lei nº 16-A/2002, não parece permitir outra interpretação, já que ali se afirma claramente que «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do nº 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».
Mas também já face à inicial redacção do preceito, cujo nº 1, inalterado, dispunha que
«1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária».
Como assim, quando ao recorrente haja sido notificado o projecto de conclusões do relatório da inspecção, sejam quais forem as propostas nele contidas (de introdução de correcções técnicas ou de recurso a métodos indiciários), para sobre ele se pronunciar, e efectivamente se pronuncie, ou se dispense de o fazer, não há lugar a nova audição antes da liquidação, a não ser que sejam invocados «factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».
A audiência prévia tem por escopo a participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito, permitindo-lhes que se manifestem, incidindo essa pronúncia sobre todas as matérias de facto e de direito que no procedimento estejam em causa. Por isso, mesmo que o contribuinte tenha já sido ouvido no procedimento, se justifica uma segunda audiência sempre que haja factos novos, sobre os quais ainda não tenha tido oportunidade de se expressar.
Porém, quando a audiência efectuada tenha possibilitado pronúncia sobre todas as matérias do procedimento, por a ele, entretanto, não ter chegado novidade, não se legitima a sua repetição, que redundaria num acto inútil, proibido, aliás, pelo artigo 57º nº 3 da LGT.
Sempre assim se devia entender, mesmo na vigência da inicial redacção do artigo 60º da LGT, cujo nº 1 enumera as várias formas alternativas através das quais se pode concretizar a participação dos contribuintes, nada na letra da lei inculcando que essas formas de participação são cumulativas. Ao invés, o que está estabelecido é que a participação dos contribuintes se pode efectuar «por qualquer» uma das formas que se apontam, sendo uma delas a audição antes da liquidação (alínea a)) e outra, distinta, utilizável quando for caso disso, em alternativa, a audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
Nem outra interpretação é imposta ou, sequer, aconselhada pela norma constitucional do artigo 267º nº 5, nem pelas dos artigos 8º e 100º a 103º do Código de Procedimento Administrativo.
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4. Termos em que acordam, em Pleno, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar o aresto recorrido.
Custas a cargo da recorrente, com € 400 (quatrocentos EUR) de taxa de justiça e 50% (cinquenta por cento) de procuradoria.
Lisboa, 26 de Setembro de 2007. José Norberto de Melo Baeta de Queiroz (relator) – Francisco António Vasconcelos Pimenta do ValeJorge Lino Ribeiro Alves de SousaAntónio Francisco de Almeida CalhauDomingos Brandão de PinhoLúcio Alberto de Assunção Barbosa.