Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0298/12
Data do Acordão:04/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
RENDIMENTO PADRÃO
AVALIAÇÃO INDIRECTA
Sumário:I - Tem lugar avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna previstas na tabela que consta do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT.
II - Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos aí previstos, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
IV - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, sem prejuízo desta justificação relevar para efeitos da fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Nº Convencional:JSTA00067522
Nº do Documento:SA2201204120298
Data de Entrada:03/20/2012
Recorrente:DIRECTOR DE FINANÇAS DO PORTO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART8 ART73 ART87 N1 F ART89-A N3 ART91
L 55-B/2004 DE 2004/12/30
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC403/09 DE 2009/05/27; AC STAPLENO PROC734/09 DE 2010/05/19; AC TCANORTE PROC212/10 DE 2010/10/28; AC STA PROC50/12 DE 2012/02/15
Aditamento:
Texto Integral: O Sr. Director de Finanças do Porto não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal que julgou parcialmente procedente o recurso judicial interposto ao abrigo do disposto nos artigos 89°-A, n.° 7 da Lei Geral Tributária (LGT) e 146°-B, n.° 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por A……, da decisão de avaliação da matéria colectável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2008, nos termos do disposto no artigo 87°, alínea f) da LGT, por métodos indirectos, interpôs recurso da mesma sentença para este Supremo Tribunal
No recurso, conclui as suas alegações da seguinte forma:
A. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, julgou procedente o recurso à margem referenciado com as consequências aí sufragadas, e consequentemente, determinou a anulação da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, escorando a sua decisão na jurisprudência vertida no Acórdão do STA, proferido no âmbito do Processo 0734/09, de 19.05.2010.
B. Todavia, somos da opinião que o douto Tribunal a quo, esteou a sua decisão na errónea interpretação do artigo 89.°-A e artigo 8° ambos a LGT, e, concomitantemente, em clara e manifesta violação dos princípios constitucionais da separação de poderes, da legalidade fiscal, da administração da justiça e da sujeição à lei - cfr. artigo 2.°, 103.° n.º 2, 202.° e 203 ° todos da CRP.
C. Com efeito, e de harmonia com o citado artigo 89.°-A da LGT, sempre que o contribuinte "declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão" resultante da tabela prevista no n.° 4 do artigo 89°-A, e não efectue a prova prevista no n.° 3 daquele normativo legal, encontram-se preenchidos os requisitos legais para se proceder à avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRS (Veja-se a este propósito o entendimento vertido no Parecer n° 75/2005 do Centro de Estudos Fiscais, proferido por João Menezes Leitão).
D. Ora, defende quer o douto tribunal a quo, quer o Acórdão do STA de 19.05.2010 proferido no Processo 0734/09, que na quantificação do rendimento tributável, ao valor padrão - 20% do valor de aquisição do imóvel -, deverá abater-se o valor justificado, ou seja, propugnam as referidas decisões judiciais que, quando o sujeito passivo não faça - como se lhe impõe -, a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados, o valor padrão de rendimento tributável - 20% do valor de manifestações de fortuna evidenciadas - se/a diminuído até ao montante da prova justificativa que ele faça, dessas manifestações de fortuna
E. A sindicar-se tal entendimento, implicaria prima face, estar-se por hipótese a permitir, que em caso de o sujeito passivo fazer prova justificativa de 20% do valor das manifestações de fortuna evidenciadas, então não haveria lugar a rendimento tributável, entendimento esse, que se encontra manifestamente fora da voluntas legis consagrada no artigo 89.°-A da LGT (sublinhado nosso)
F. Concomitantemente, o entendimento perfilhado improcede desde logo, face à redacção do artigo 89.°-A da LGT, porquanto, não encontra assento ou guarida nem no espírito da lei nem na letra da norma, (como se exige no disposto no artigo 9° do Código Civil) e por esse facto tal interpretação não goza de validade jurídica.
G. Não encontra assento no espírito da lei, atendendo a que as manifestações de fortuna constituem um instrumento jurídico de luta contra a fraude e evasão fiscais, que se materializa num método substitutivo, em que não sendo possível apurar os rendimentos efectivamente auferidos pelo sujeito passivo este é tributado de forma indirecta, através de um rendimento padrão, que resulta da valoração dos bens adquiridos, designados como manifestações de fortuna.
H. Não encontra guarida na letra da lei, ou seja, não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, porque na letra da lei - artigo 89.°-A da L.GT não se prevê nem se consagra, que se subtraia ao valor de aquisição o valor justificado por quaisquer outras fontes para efeitos de cálculo do rendimento padrão.
I. Donde colhemos, que em observância ao elemento literal, em nenhuma situação a lei permite subtrair ao valor de aquisição o valor justificado por outras fontes para calcular o rendimento padrão.
J. Convém referir que, no artigo 89.°-A da LGT, o rendimento padrão se apura determinando 20% do valor de aquisição e serve, numa primeira fase para verificar se o rendimento declarado é desproporcionado em pelo menos 50% desse valor, pelo que, a ocorrer tal apuramento, estão verificados os pressupostos legais para recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.
K. Retira-se com manifesta clareza que a lei faz incidir o ónus de comprovar a totalidade da proveniência do capital dispendido, não sendo aceitável a possibilidade de comprovação parcial do valor de aquisição, por quaisquer outras fontes, a fim de ser tomado como referência para o rendimento padrão (veja-se neste seguimento, o entendimento sindicado por Xavier de Basto in Revista Fiscalidade n.° 5 - o Princípio da Tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária).
L. Refira-se que, nos termos da lei uma realidade é o valor de aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, e outra realidade é o rendimento padrão, que a lei presume e fixa em 20% apenas daquele valor de aquisição.
M. Note-se que, para efeitos de combate à evasão fiscal - augúrio do artigo 89.°-A da LGT- a única solução é a exigência da prova de meios ou rendimento igual, no mínimo, ao valor de aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, sendo manifestamente inaceitável que se tenha de provar, não o valor das manifestações de fortuna evidenciadas, mas o rendimento padrão, o qual já é legalmente presumido.
N. Deste modo, a lei estaria precisamente a consentir a evasão fiscal que justamente pretende travar por meio do mecanismo legal em foco, porquanto, este rendimento padrão é um rendimento presumido na suposição, conforme ao senso comum (id Quod plerumque accidit), da existência de evasão fiscal fortemente indiciada por manifestações de fortuna em franca discrepância com os rendimentos declarados.
O. Atente-se ainda que, segundo a lei, o valor padrão não pode ser "descontado" ou baixado, pelo contrário: tal «valor padrão» poderá ser aumentado, se a Administração Tributária estiver na posse de elementos que lhe permitam fixar um rendimento superior (este propósito aderimos ao entendimento vertido no voto de vencido do Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lino R Alves de Sousa, no âmbito do citado Acórdão Processo. n.° 0734/09 de 19.05.2005).
P. Realce-se ainda, em abono desta posição o entendimento sufragado pela jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo, mormente o Acórdão do STA do Pleno Contencioso Tributário, no âmbito do Processo n.° 0761/08 datado de 28.01.2009, em que é Relator o Ilustre Juiz Conselheiro Pimenta do Vale, o Acórdão do STA referente ao Processo n° 390/07 datado de 06.06.2007, cujo Relator é o Juiz Conselheiro António Calhau, e ainda entre outros, os seguintes acórdãos: o Acórdão do STA, Processo n.° 0234/08, de 16.04.2008; Acórdão TCAS, Processo 01678/07, de 20.03.2007; Acórdão TCAS, Processo 03083/09 de 21.04.2009; e Acórdão TCAS, Processo 01090/06, de 20.04.2006 (todos disponíveis in WWW.dgsi.pt)
Q. Atendendo ao exposto, o entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo e o Acórdão do STA de 19.05.2010 proferido no Processo 0734/09, é desprovido de qualquer suporte legal, por desconformidade com o elemento literal e com o espírito do artigo 89-A da LGT, não colhendo, concomitantemente, apoio à luz da doutrina e jurisprudência citada.
R. Ao pugnar pela incorporação dos valores parcialmente justificados no cálculo do rendimento padrão - calculando-o apenas sobre o remanescente não justificado do valor da manifestação de fortuna - o Acórdão do STA, que serviu de referência fundamentadora à sentença recorrida, colide com a letra do n.° 4 do artigo 89.°-A e, igualmente, com o seu espírito
S. Isso mesmo parece reconhecer o Acórdão datado de 19.05.2010 proferido no Processo 0734/09 quando anuncia que se apoia no "espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa", o que, só por si, constituiria apoio escasso, considerando a natureza das normas em causa que são normas de incidência tributária e/ou normas de determinação substantiva da matéria tributável com repercussão directa na quantificação do imposto devido.
T. A interpretação jurídica da citada norma do artigo 89.° -A da LGT, vertida no entendimento do douto Tribunal a quo e no Acórdão do STA de 19.05.2010, Processo 0734/09, além de extravasar o sentido literal da norma, porquanto, não encontra nem no espírito nem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, viola os princípios constitucionais da separação dos poderes, da legalidade tributaria, da administração da justiça e da obediência à lei a que aludem os artigo 2.°, 103º, nº 2, 202.° e 203º todos da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e no artigo 8º da LGT
U. O princípio da separação e interdependência dos poderes, enquanto princípio fundamental constitutivo do Estado de Direito democrático, tem subjacente a ideia clássica de que é através da divisão e separação de poderes que se asseguram as dimensões democrática e de juridicidade estatal e assenta na premissa de que os titulares constitucionais do poder legislativo têm o monopólio em matéria de aprovação de actos legislativos, pelo que, numa sociedade democrática, aberta, plural e fraccionada, a invocação da injustiça da lei não pode abrir a porta ao despotismo judicial.
V. No que ao caso contende, as considerações tecidas pelo douto Tribunal a quo, ancorando-se no Acórdão do STA de 19.05.2010 proferido no Processo 0734/09, decidindo como decidiu não está, assim, a atender ao elemento literal do citado artigo 890°-A da LGT nem à mens legislatoris que lhe está subjacente, mas sim, a arquitectar e a trilhar um entendimento desconforme ao espírito e à letra do citado normativo, por via jurisprudencial.
W. Ao sustentar a justificação parcial, está-se a perpetrar que o valor padrão, possa ser descontado ou baixado, o que conflitua manifestamente com o teor da norma do artigo 89.°-A da LGT (Na mesma esteira veja-se o entendimento plasmado por João Sérgio Ribeiro in Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de determinação da Matéria Tributável, Almedina, pag.304).
X. Ademais, tal interpretação, manifestamente desconforme com o princípio da separação de poderes como desígnio do Estado de Direito Democrático (cfr. Art.° 2° da Constituição), viola, ainda, o princípio da segurança e da confiança jurídica como emanações do principio do Estado de Direito Democrático e do principio da legalidade tributária (art.° 103.° n.° 2 doa CRP), bem como a obrigação constitucional de os Tribunais se manterem vinculados à lei (vd. art. 203 da CRP).
Y. Primeiramente, o princípio da legalidade tributária protege, especialmente, certas categorias de normas, sinalizando as balizas da sua interpretação em termos significativamente mais apertados do que as que se aplicam às demais normas, excluindo, designadamente, o recurso à analogia, ou seja, neste tipo de normas tributárias a letra adquire um peso particular porque recorta tipos, relativamente aos quais não é admissível interpretação fora dos limites estritos da interpretação extensiva que seja visivelmente acomodável na letra da lei.
Z. Ora, não é este o caso da interpretação sob recurso que desafia a letra da lei visando redesenhar a base de cálculo do acto de avaliação indirecta, substituindo o valor da manifestação de fortuna pelo remanescente não justificado desse valor, sendo um salto muito grande para caber nos limites da interpretação extensiva. E isso mesmo parece reconhecido quando se convoca em abono desta interpretação apenas "o espírito do sistema".
AA. Efectivamente, nem mesmo o espírito do sistema aceita a convocatória para defender esta tese, porquanto, prima fade, a natureza indirecta da avaliação da matéria colectável prevista no art.° 89°-A pressupõe a incapacidade de aceder às fontes da capacidade contributiva indiciadas pelas manifestações de fortuna, seja para classificar o rendimento que lhe está subjacente, seja para quantificar e tributar directamente. Essa é a essência dos métodos de tributação indirecta e não uma anomalia.
BB. É por a capacidade contributiva estar escondida sob um manto que lhe confere opacidade face às normas de tributação directa que a tributação indirecta prescinde de factos geradores concretos e de uma qualificação típica, bastando o artigo 89 °-A da LGT para encaminhar essa capacidade contributiva meramente indiciada para a categoria residual do IRS que é a G.
CC. Por isso, não é alheia à configuração do mecanismo previsto no artigo 89.°-A uma certa vocação sancionatória sobre comportamentos que constituem ilícitos fiscais e que vedam o acesso à tributação directa que é aquela que é a preferida pelo ordenamento tributário.
DD. Corrigir a letra do n.° 4 do artigo 89°-A por forma a incorporar na fórmula de cálculo legalmente tipificada, como um abatimento, a parcela do valor da manifestação de fortuna que o contribuinte logrou justificar, para além de ser isso mesmo, uma correcção, não é consistente com a ideia matricial da tributação indirecta, aproximando-a de uma tributação directa sem que estejam disponíveis mecanismos equivalentes para realizar uma quantificação igualmente directa da capacidade contributiva global. Para que isso fosse possível no seio do espírito do sistema, seria necessário que a capacidade contributiva fosse colhida a partir de muitos mais factos indiciadores que permitissem retratar a capacidade contributiva global e não apenas a partir dos factos tipificados como manifestação de fortuna, os quais permitirão, quanto muito, abrir uma pequeníssima perspectiva sobre a efectiva capacidade contributiva.
EE. O que não pode vingar na interpretação sob recurso, é o facto de se tratar de interpretação correctiva de normas de incidência tributária incorporando elementos atípicos em normas especialmente protegidas pelo princípio constitucional da Iegalidade plasmado no artigo 103º nº 2 da Constituição e desenvolvido pelo artigo 8º da LGT.
FF. Consagrando a CRP, o princípio da separação de poderes (artigo 2.° da CRP), da legalidade fiscal (artigo 103.° n.° 2), da administração da justiça (artigo 202.° da CRP) e da sujeição à lei, o entendimento propugnado na douta sentença a quo bem como o acórdão do STA em que se alicerça, viola o disposto artigo 2°, 103.° n °2, 202° e 203º todos da CRP.
GG. Refira-se ainda, em desabono do entendimento perfilhado nas citadas decisões, que a lei distingue a realidade contundente com o valor de aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, doutra realidade respeitante ao rendimento padrão a que a lei presume e fixa em 20% daquele valor de aquisição.
HH. As manifestações de fortuna tipificadas no n° 4 do artº art° 89°-A, não constituem, em si mesmas, factos tributários e, portanto, não são o objecto da tributação indirecta. Caso o fossem, a tributação seria directa.
II. Não constitui objecto do artigo 89.°-A tributar manifestações de fortuna, o objecto da norma é tributar ingressos de rendimento anteriores ao facto que faz detonar a avaliação indirecta, sendo o facto típico designado como manifestação de fortuna apenas o detonador do procedimento tributário que poderá ou não desaguar num acto de fixação indirecta de rendimentos tributáveis.
JJ. Isto é uma decorrência natural da admissão pela lei da tributação indirecta, a qual, por definição, pressupõe a relevância tributária de rendimentos que se desconhecem quanto à fonte ou fontes e quanto ao volume, mas cuja existência é fortemente indiciada a partir da ocorrência dos factos legalmente tipificados como manifestações de fortuna.
KK. Ora, o artigo 89.°-A da LGT não pretende mais do que identificar factos que revelam disponibilidade de meios financeiros inconsistentes com os rendimentos declarados para, a partir daí, perseguir indícios de rendimentos não declarados aos quais não é possível aceder de forma directa. As manifestações de fortuna tipificadas no n.° 4 do artigo 89.°-A da LGT não relevam em si mesmas como factos tributários, mas apenas como detonadores de um procedimento tributário de avaliação indirecta e, já no âmbito deste, como indícios de capacidade contributiva imputáveis a factos que resistem a deixar-se conhecer e, portanto, a serem apreendidos por normas de tributação directa.
LL. É a impossibilidade de acesso directo aos factos geradores da capacidade contributiva revelada pela manifestação de fortuna que leva a lei a tributar indirectamente a capacidade contributiva subjacente à manifestação de fortuna sempre que os sujeitos passivos não facultem a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou de que é outra a fonte da manifestação de fortuna (v.g. rendimentos não sujeitos ou isentos).
MM. Ora, os critérios de quantificação do rendimento padrão não constituem tipos abertos, o que vale por dizer que não há lugar à aplicação de qualquer outro valor inferior em sede de determinação do rendimento por manifestações de fortuna, sendo a lei taxativa nesse sentido (Veja-se JOSÉ XAVIER DE BASTO, in O principio da tributação do rendimento real e a Lei Gerai Tributaria)
NN. A lei apenas possibilita que, em certas circunstâncias, a administração fixe rendimento superior ao rendimento padrão apurado segundo a tabela, mas nunca rendimento inferior (Atente-se ao ideário argumentativo de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª edição, páginas 453 e 454, Vislis Editores).
OO. Neste desiderato, nunca poderia o acto recorrido fixar matéria tributável diferente daquela que fixou por ser a que corresponde ao rendimento padrão definido no n.° 4 do artigo 89.°-A da LGT.
PP. Acresce ainda que, em face deste ideário argumentativo, e a relevar-se a solução propugnada pela sentença recorrida e pelo Acórdão do STA, ou seja, a permitir-se a justificação parcial e por essa via a discussão da quantificação da matéria tributável em sede de manifestações de fortuna, então, necessariamente se teria de despoletar o mecanismo estatuído no artigo 91.° da LGT, e permitir a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos.
QQ. Existindo a possibilidade de o sujeito passivo em sede de manifestações de fortuna, proceder à justificação parcial dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, então concomitantemente ter-se-ia de permitir, a abertura de um procedimento de 2° grau com vista a permitir a revisão da matéria tributável, em sede de comissão de revisão a que alude o disposto no artigo 91.° da LGT.
RR. Pelo que, também aqui, a solução encontrada pela sentença recorrida e pelo douto Acórdão do STA, enfermam de errada apreciação de direito, designadamente do artigo 89.°-A e artigo 91.° ambos da LGT
SS. Por último, refira-se que a douta sentença a quo, não obstante perfilhar o entendimento vertido pelo Acórdão do STA n.° 0734/09 de 19.05.2010, não abarca integralmente todo o seu segmento decisório.
TT. Consagrando o referido Acórdão que, não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fica ou presume, então a douta sentença recorrida no caso sub judice, teria de decidir pela admissão da justificação parcial ao montante da manifestação de fortuna, e aplicar, em consonância com o entendimento no citado Acórdão, 20% sobre o valor não justificado.
UU. Ou seja, a douta decisão a quo, teria de firmar o entendimento plasmado no citado Acórdão, e ao caso aplicar 20% sobre o valor de € 157.500,00 não justificados, pelo que assim não decidindo, fica a douta sentença eivada de manifesta desconformidade com o entendimento perfilhado no Acórdão, em que se firmou.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada, mantendo-se o acto tributário decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto com todas as legais consequências,

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes CONCLUSÕES:

1. Não pode ser apontado nenhum vicio à alias, douta sentença recorrida, pois que a mesma fez uma correta interpretação do art° 89-A da LGT.
2. O sistema fiscal tributa realidades, de acordo com o principio da tributação real
subjacente ao sistema constitucional fiscal português.

3. Encontra-se justificado o montante ate à concorrência do empréstimo utilizado para a compra.
4. O art° 89º-A n° 3 e 4 da LGT é claro ao dizer que o contribuinte tem que provar a proveniência dos montantes utilizados na compra.
5. Provados esses montantes ou parte deles não se pode tributar esses montantes como se de matéria tributável se tratasse quando os mesmos se encontram justificados.
6. A interpretação que a AT pretende fazer do art° 89°-A da LGT é absurda e desprovida de qualquer interpretação legal, porquanto levaria a que não se tributasse o acréscimo se se tivesse recorrido ao credito para a totalidade da compra e já se tributasse apenas se
se tivesse recorrido ao credito em parte.

7. Por outro lado, também não tem razão a AT quando, diz que, discordando da
interpretação do art° 89º-A pela sentença recorrida, que em todo o caso deveria ter decidido pela justificação parcial do ato admin.

8. E que é ao órgão admin. fiscal que compete a feitura ou a pratica do ato tributário, a sua qualificação definição, competindo ao tribunal anular ou validar esse ato se conforme ou desconforme com a lei,
9. Não compete ao tribunal a feitura ou a pratica do ato admin. sob pena de violação do principio da separação de poderes, e que a douta sentença recorrida soube separar inteligentemente, ao anular o ato tributário por ilegal.
10. A não ser assim estaríamos perante a violação da garantia constitucional do direito de defesa, porque seria coartada a possibilidade de contestar o ato admin. que legalmente desde a sua formação é da competência da AF.
Termos em que deve a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica.

O MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DESTE STA EMITIU PARECER DO SEGUINTE TEOR:
O recorrente acima identificado vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 161/175, em 26 de Janeiro de 2012.
A sentença recorrida julgou procedente o recurso interposto do despacho do Director de Finanças do Porto que determinou a avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante do artigo 89,°-A, no entendimento de que, não obstante se verificarem os pressupostos para a utilização de tal método de avaliação da matéria tributável, ocorre errada quantificação da matéria colectável, pois que o recorrido justificou parcialmente a manifestação de fortuna, no valor de € 300.000,00, valor esse que não poderá ser tido em conta no rendimento tributável.
O recorrente termina as suas doutas alegações com as conclusões de fls. 199/209, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 6S5.°-A°/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
O recorrido contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls.222, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
De facto, a sentença recorrida segue a mais recente jurisprudência deste STA, plasmada no acórdão do PLENO da SCT, de 19 de Maio de 2010 (Proferido no recurso nº 0734/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pl.), cuja fundamentação se subscreve, ressalvado o devido respeito pelos votos de vencido ali exarados.
Nos termos do estatuído no artigo 89.°-A da LCT haverá lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50% para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela referida no nº 4 do mesmo artigo.
No caso em análise verifica-se esse condicionalismo.
Efectivamente, em 2008 o recorrido adquiriu três imóveis pelo valor de € 457.500,00, a que corresponde o rendimento padrão de € 91.500,00., quando é certo que, apenas, declarou 24.433,33.
Como resulta do probatório o recorrido justificou parcialmente a manifestação de fortuna, no valor de 300.000,00, resultante de mútuo, sendo certo que o despacho sindicado do DDFP não relevou tal facto, tendo considerado como rendimento colectável o rendimento padrão de € 91.500,00,
Ora, como muito bem sustenta a sentença recorrida, ancorando-se no já referido acórdão do PLENO deste STA, esta justificação parcial não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável.
De facto, a essa solução não pode deixar de levar a natureza das normas em causa, relativas à incidência objectiva do imposto, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73.° da LGT e, bem assim, a busca de uma interpretação conforme os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais e do Estado de Direito Democrático.
Ao contrário do que se refere nas conclusões SS, TT e UU das alegações do recorrente, à semelhança da sentença recorrida, o acórdão do STA em que se ancora não aplicou 20% sobre o valor não justificado, tendo, antes, anulado totalmente o acto do DDF que determinou a avaliação indirecta da matéria tributável, o que se compreende, uma vez que a entidade competente para a decisão è o Director de Finanças da respectiva área.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

2- FUNDAMENTAÇÃO:

Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão:
A). Por escritura pública outorgada em 29-02-2008, o recorrente adquiriu, pelo preço de € 400.000, a “B……., Limitada”, uma fracção autónoma, designada pela letra V, correspondente ao quarto andar esquerdo, para habitação do tipo "T-quatro", Bloco Sul, e garagem, na cave, identificada pela letra S, do prédio urbano sito na Avenida ……, nº ……/……, Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n° 2534, da freguesia de Vila do Conde, e inscrito na matriz predial urbana de Vila do Conde sob o n° 8316, com valor patrimonial de € 230.320, cfr. teor do doc. de fls. 12 a 16 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos presentes autos, que aqui se da por integralmente reproduzido;
B). No âmbito da compra referida no número anterior o Recorrente celebrou ainda um contrato de mútuo com hipoteca com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., no valor de € 300.000, cfr. teor do doc. de fls. 12 a 16 dos autos.
C). Por escritura pública outorgada em 19-12-2008, o recorrente adquiriu, juntamente com C……, pelo preço de € 75.000, a nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a uma cave, destinada a café e restaurante, com logradouro, do prédio urbano, sito no lugar ……, freguesia de Vilarinho das Cambas, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 598, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n° 169 - Vilarinho das Cambas, cora o valor patrimonial de € 123.179,53, cfr. teor do doc. de fls. 17 a 21 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
D). Por escritura pública outorgada em 27-06-2008, o recorrente adquiriu, pelo preço de € 20.000, uma parcela de terreno para construção urbana, sita no lugar ……, freguesia de Vilarinho das Cambas, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, sob o n° 62412, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo P982, cfr. teor do doc. de fls. 22 a 24 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
E). A Direcção de Finanças do Porto, enviou, em 23-02-2011, carta registada ao Recorrente, tendo em vista o exercício do direito de audição relativamente à tributação nos termos do art° 89°-A da LGT, que foi devolvida com a indicação "não atendeu" e "objecto não reclamado", cfr. teor do doc. de fls. 8 a 11 do Processo Administrativo (PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F). Em 23-05-2011, foi proferido, pelo Director de Finanças do Porto, despacho de fixação da matéria colectável, em sede de IRS, nos termos dos art°s 87°, alínea d) e 89° -A, n° 4, da LGT, fixando o rendimento tributável em € 91.500, para o ano de 2008, tendo por base o relatório da inspecção tributária, do qual consta o seguinte:
1 - ANÁLISE DE FACTO E DE DIREITO
1.1 De acordo com os elementos disponíveis no sistema informático da Direcção Geral dos Impostos (DGCI), nomeadamente a Declaração Notarial modelo 11, verifica-se que no ano de 2008 o contribuinte acima identificado adquiriu pelo valor global de 457.500,00 € os seguintes bens imóveis;
a. Pelo valor de 400.000.00 € a fracção autónoma de um prédio urbano em propriedade horizontal sito na Avenida ……, freguesia de Vila do Conde do mesmo concelho, inscrito na matriz sob o artigo 8316-V (escritura de compra e venda nº 98-F/11 de 29-02-2006, vendedor: B…… Lda);
b. Pelo valor de 75.000,00 €, em compropriedade com C…… (1/2), a nua propriedade de um prédio urbano em propriedade horizontal sito em Vilarinho das Cambas, Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo 598-A (escritura de compra e venda n° 0132A148. vendedores; D…… e outros, valor atribuído à sua quota parte nesta aquisição (1/2). 37.5000.00 €).
c. Pelo valor de 20.000,00 €, o prédio urbano (terreno para construção) sito em Vilarinho das Cambas Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo 982, escritura de compra e venda n° 81/96 de 27-06-2008. vendedor; E……..
Totaliza assim o valor global dos imóveis adquiridos no ano de 2008 pelo contribuinte em apreço eur 457.500,00 € (400.000,00 € + 37.500,00 € + 20.000,00 € ).
1.2 De harmonia com o disposto no n° 1 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária (LGT), há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no número 4, ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
1.3 Nos termos do citado normativo legal, ao valor da referida aquisição corresponde o rendimento padrão de 91.500,00 € conforme se demonstra no quadro seguinte:

APURAMENTO DO RENDIMENTO PADRÃO
MANIFESTAÇÕS DE FORTUNAVALOR PERCENTAGEM RENDIMENTO PADRÃO
Aquisição imóveis 457.500,00 € 20% 91. 500,00 € -

1.4 Relativamente ao mesmo ano de 2008, o contribuinte apresentou declaração modelo 3 de IRS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares) com o rendimento global de 24.433,33 €. Este rendimento global, consideradas as deduções específicas previstas no Código do IRS, originou o rendimento colectável de 20.752,69 € .
1.5 Verificada assim a divergência enunciada no ponto 1.2, Foi elaborado nesta Divisão o projecto de decisão de avaliação indirecta da matéria colectável em IRS do ano de 2008, e notificado o contribuinte através ofício 12 381 de 22-02-2011 nos termos da alínea d) do número 1 e número 5 do Artigo 60° da LGT (Anexo 1)
Cfr teor do doc de fls. 5 a 7 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G). Por carta registada com aviso de recepção, datada de 23-05-2011 e recepcionada em 30-05-20011, foi o Recorrente notificado do teor do despacho referido em D), cfr. teor do doc. de fls. 3 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
H). A presente acção deu entrada no Tribunal em 13-06-2011, cfr. teor de fls. l dos autos.
I). Por documento datado de 07-02-2008, F…… e G……, declararam ter doado a seu filho A…… o montante de € 80.000, cfr. teor do doc, de fls. 29 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
J). O Recorrente emitiu cheque no valor de € 300.000, a favor de "B……, Lda", em 29-2-2008, cfr. teor do doc. de fls. 71 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
L). O Recorrente, em 29-02-2008, efectuou os movimentos bancários constantes do doc. de fls. 73 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
M). Dá-se aqui por reproduzido o teor dos docs. de fls. 139 a 148 dos autos.
N). Em 08-04-2008, F…… emitiu cheque à ordem de H……, no valor de € 32.500, cfr. teor do doc. de fls. 149 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Não provou o Recorrente:
- Que tenha mobilizado dinheiro doado pelos seus pais ou outros familiares para a compra dos imóveis supra descritos.
Motivação:
Alicerçou o Tribunal a sua convicção, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos junto aos autos supra identificados, os quais não foram impugnados.
Quanto à matéria de facto considerada não provada, apesar dos documentos apresentados e da prova testemunhal produzida, não logrou o Recorrente provar que os montantes em causa tenham sido efectivamente mobilizados para a compra dos imóveis que estão em causa nos presentes autos, tendo apenas junto um cheque passado em nome da empresa vendedora de um dos imóveis no valor de € 300.000, ou seja, o valor do empréstimo obtido junto da Caixa Geral de Depósitos.
3- DO DIREITO:
Para se decidir pela anulação do despacho recorrido na consideração de que ocorreu ilegalidade por excesso na determinação da matéria colectável considerou a decisão recorrida a decisão recorrida o seguinte destacando-se os trechos que são pertinentes para a nossa decisão.
(…) DA LEGALIDADE DA DECISÃO DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS e RESPECTIVA QUANTIFICAÇÃO
O presente recurso tem por objecto a decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos proferida pelo Director de Finanças do Porto.
Estamos, assim, perante um recurso de decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto nos termos do artigo 89.°-A da L.G.T., a qual, como se sabe, constitui acto destacável susceptível de autónoma impugnação contenciosa, a seguir a tramitação prevista no artigo 146.°-B do C.P.P.T.
Pugna o interessado pela anulação da fixação do rendimento em sede de IRS, relativa ao ano de 2008, mediante avaliação indirecta da matéria colectável, por entender não se verificarem reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 87° conjugado com o artigo 89°-A ambos da Lei Geral Tributária.
Dispõe o artigo 87° da L.G.T. que: «A avaliação indirecta só pode efectuar-se etn caso de: (...) d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimentos que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89°-A. (...).
Estabelece o artigo 89°-A da L.G.T, que: «Há lugar a avaliação indirecta quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n°4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
2. Na aplicação da tabela prevista no n°4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;(,..)
3- Verificadas as situações previstas no n°l deste artigo, bem como na alínea J) do artigo 87°, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem ã realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou consumo evidenciados.
4- Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no nºl deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90", que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:
Rendimento padrão
Manifestações de fortuna
1. Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a €250.000 20% do valor de aquisição
Porém, o que efectivamente cumpre apreciar neste recurso não é apenas o apuramento do "quantum" relativo à matéria colectável, mas sim o "modus" como o mesmo foi determinado, ou seja a respectiva fixação (da matéria colectável) pela Administração Fiscal.
No que concerne à verificação dos pressupostos de avaliação indirecta da matéria colectável, encontra-se devidamente provado nos autos que o Recorrente declarou rendimentos em sede de IRS, relativos ao ano de 2008, no valor de € 24,433,33, tendo, no decurso deste ano, adquirido três imóveis pelo preço global de € 457.500, encontrando-se, assim, enquadrado nos valores constantes da tabela do n° 4 do art° 89°-A.
Assim, face aos rendimentos declarados e aos bens imóveis adquiridos pelo Recorrente, cumpria à Administração Fiscal substituir-se-lhe e apurar a matéria colectável nos termos legais - artigos 65°, n° 2 al. b) do CIRS e 89°-A da L.G.T.
Como já referido supra, estabelece o artigo 89°-A da L.G.T. que há lugar a avaliação indirecta quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna e declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50% pelo menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
Ora, como se referiu supra, face à matéria de facto apurada nos presentes autos, numa primeira análise, dúvidas não subsistem, que "in casu" estamos perante uma situação subsumível ao regime supra transcrito pelo que a matéria colectável do interessado sempre deveria ser determinada mediante a avaliação indirecta.
Porém, apesar de o legislador fiscal ter invertido o ónus da prova, consagrou, ainda, no nº 3 do citado preceito, a possibilidade de o contribuinte fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados (ou não declarados por não estarem sujeitos a declaração) e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente herança, doação, ou ainda rendimentos que lhe não cumpra declarar, ou por último a utilização do seu capital ou recurso a crédito.
(…) Com efeito, o normativo em apreço permite que se considere rendimento do sujeito passivo que não declarou rendimentos bastantes, nem justificou a aquisição das "manifestações de fortuna", o rendimento padrão calculado tendo em consideração o valor dos bens adquiridos, no caso "subjudice", do imóvel supra referido.
Ou seja, nos termos do n°2 al. a) do preceito em análise, encontrando-se reunidos os pressupostos legais para a avaliação indirecta da matéria colectável, esta é fixada de acordo com o rendimento padrão, sendo que este é determinado em função do valor das aquisições de bens no ano em causa ou nos três anos anteriores àquele a que o mesmo se reporta, cabendo ao contribuinte provar o excesso de quantificação.
Ultrapassada esta questão, e invertido que se mostra o ónus de prova, importa que nos debrucemos sobre os argumentos esgrimidos pelo Recorrente e a prova carreada para os presentes autos.
Esgrime o Recorrente, em defesa da sua tese, o argumento de que para adquirir o imóvel em causa, e melhor identificado em A) dos factos provados, recorreu a empréstimo bancário no valor de 300.000,00€, facto que de resto se encontra provado nos autos, e que por isso, se considera suficiente para justificar parte do valor de aquisição dos imóveis que deu origem à tributação por manifestações de fortuna.
Alega ainda o Recorrente que o restante capital usado para a compra do imóvel, ou seja, € 157.500, foi pago por valores provenientes de doação dos seus pais, avôs e de outras poupanças pessoais.
Como vem sendo defendido pela jurisprudência dos tribunais superiores,(1 Veja-se o Acórdão do TCA Sul, processo n" 03204/09. de 09-06-2009) "poderia o legislador ter estabelecido que compete aos contribuintes a prova da forma como adquiriram os meios que lhes permitem determinadas manifestações de fortuna, sob pena de avaliação indirecta do rendimento tributável Nessa eventualidade, teria razão a entidade recorrente, Todavia, a lei não foi tão longe, ficando-se pela inversão do ónus da prova da veracidade dos rendimentos declarados no ano em causa, bastando ao contribuinte demonstrar que os meios que lhe permitiram as manifestações de fortuna em causa não estavam sujeitos a declaração nesse ano".
Significa tal asserção, no caso dos autos, que o Recorrente, tendo alegado que pagou o valor de € 157.500 por mobilização de valores obtidos com doações dos seus pais e avôs e outras poupanças pessoais, teria de provar, não só a origem desses valores como ainda a sua mobilização para o pagamento dos imóveis adquiridos.
Considera o Tribunal que tal prova não foi feita.
(…)
Face ao exposto, e considerando-se, assim preenchido o pressuposto da avaliação indirecta da matéria colectável, e não tendo o Recorrente, como lhe cumpria, comprovado integralmente que foram outras, além do empréstimo bancário, as fontes da manifestação de fortuna ou o acréscimo de património ou consumo evidenciado e que correspondeu à realidade o rendimento declarado em sede de IRS, falecem em parte os argumentos aduzidos, mostrando-se o despacho posto em crise parcialmente conforme à lei, no que concerne ã determinação da matéria colectável relativa ao ano de 2008.
Como fixado pelo Acórdão do pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 0734/09, de 19-05-2010, que seguimos, "embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.°-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição, deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrente demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação. Não tendo a administração tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável da recorrente a que procedeu, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto fixou à ora recorrente o rendimento tributável de €75.000,00 com recurso a avaliação indirecta."
E como ficou demonstrado, e a própria Administração Fiscal refere na fundamentação do despacho recorrido, o montante dispendido com a aquisição de um dos imóveis foi parcialmente justificado pelo Recorrente, e sendo assim, e encontrando-se demonstrado o excesso de quantificação, por não ter sido considerado, no cômputo do rendimento colectável, o valor de € 300.000 obtido comprovadamente através de empréstimo bancário, então ter-se-á de concluir pela existência de excesso na quantificação, e consequentemente, pela ilegalidade do despacho que determinou a quantificação da matéria colectável pela aplicação do art° 89°-A da LGT, na parte em que não relevou a referida justificação parcial decorrente de empréstimo bancário.
Face ao exposto, temos que, apesar de se encontrarem preenchidos os pressupostos de aplicação das manifestações de fortuna, nos termos do art° 89°-A da LGT, a determinação da matéria colectável revela-se ilegal, por excessiva, porquanto dever-se-ia ter considerado como rendimento padrão o cálculo da taxa de 20% aplicado ao remanescente não justificado (€ 157.500), o que, perfaria o montante de € 31.500 e não, conforme se apresenta calculado pela Administração Tributária, no montante de € 91.500.
VI. DECISÃO
Atento o exposto, julgo procedente o presente recurso, e, consequentemente, anulo o despacho recorrido”.

DECIDINDO NESTE STA
Tendo por base uma divergência não justificada, de mais de um terço, entre os rendimentos declarados pelo recorrentes e o acréscimo de património e consumo por eles evidenciado, no ano de 2008, a Administração Tributária (AT) decidiu proceder à avaliação indirecta da sua matéria colectável, ao abrigo do disposto no art.° 87° n.° 1 alínea f) da LGT, na redacção da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Neste recurso ninguém discute a verificação ou não dos requisitos para a realização da avaliação indirecta ao abrigo desta norma, que no caso a decisão recorrida afirmou existirem.
Está em causa apenas a quantificação dos rendimentos do sujeito passivo que a decisão de 1ª instância considerou estar errada determinando por isso a anulação do acto de fixação da matéria tributável, através de métodos indirectos.
Vejamos:
De acordo com o disposto no art.° 89°-A n.° 3 da LGT, na redacção da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro, verificada a mencionada divergência cabe ao sujeito passivo, por forma a afastar a avaliação indirecta, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou consumo evidenciados (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).
Se o sujeito passivo não conseguir efectuar essa prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (cfr. art.° 89°A n.° 5 da LGT, na redacção da Lei n.° 55- B/2004, de 30 de Dezembro).
Patenteia-se que o sistema criado de controlo das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados exige ao sujeito passivo que comprove a realidade dos rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo do património ou do consumo efectuado - cfr. art.° 89°-A n.° 3 da LGT. não lhe bastando fazer a demonstração de factos que permitam duvidar da existência do facto tributário ou da sua quantificação, antes se lhe impondo, que para além disso demonstre quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração que foram afectos ao consumo evidenciado.

A demonstração de que se fala é, pois, a da afectação concreta dos recursos brotados da referida fonte (rendimentos não sujeitos a tributação) ao concreto consumo ou acréscimo patrimonial.

Quid Júris?
Este Supremo Tribunal já se pronunciou sobre a matéria do presente recurso que apesar de se espraiar por quase dois abecedários de conclusões se resume à questão da melhor interpretação a efectuar do disposto nos artºs 89°A e 8º da LGT, na redacção da Lei n.° 55- B/2004, de 30 de Dezembro).

Breve Resenha Jurisprudencial:
No acórdão de 27/05/2009 rec. 0403/09 sustentou-se:
I - Tem lugar avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna previstas na tabela que consta do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT.
II - Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos aí previstos, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS.
III - Demonstrando-se que os rendimentos declarados em sede de IRS acrescidos de empréstimos contraídos pelo sujeito passivo totalizam valor superior ao das manifestações de fortuna, deve entender-se que foi feita a prova exigida pelos n.ºs 3 e 4 do art. 89.º-A da LGT e que, por isso, não pode efectuar-se a avaliação indirecta da matéria tributável nos termos aí indicados.

E no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 19/05/2010 tirado no recurso nº 0734/09, azedamente questionado pela recorrente, sumariou-se na parte que nos interessa:

I (…)
II - Evidenciada a aquisição, pela recorrente, de um imóvel com valor de aquisição superior a 250.000,00 €, quando ela declarara rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto -, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária - que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» -, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático, que a solução adoptada no acórdão recorrido não permite alcançar.
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição, deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrente demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
VI - Não tendo a administração tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável da recorrente a que procedeu, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto fixou à ora recorrente o rendimento tributável de €75.000,00 com recurso a avaliação indirecta.

Na mesma linha de interpretação surpreende-se também o Ac. do TCA- Norte de 28/10/2010 tirado no recurso 212/10.9BEPNF, assim sumariado:
I - Evidenciada a realização pelo contribuinte, num determinado ano, de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto –, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no art. 73.º da LGT – que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» –, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático (cf. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 734/09).
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método (cf. o mesmo acórdão), entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 50% do valor dos suprimentos, deduzindo-se a este valor que se considerou justificado para a realização dos suprimentos, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação

Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no referido art. 89.º-A e a sua teleologia, parece-nos claro que a lei exige uma relação causal entre os meios financeiros não sujeitos a declaração e à sua afectação à manifestação de fortuna evidenciada. Faz todo o sentido que só os meios financeiros que possam ser causa da manifestação de fortuna devam ser considerados para afastar a possibilidade de avaliação indirecta da matéria colectável prevista na alínea f) do artigo 87º da LGT e também no nº 1 do artº 89º da mesma lei.

A melhor interpretação do mencionado art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
Afirmada a necessidade de demonstração dos concretos meios financeiros não sujeitos a tributação que foram causa do consumo evidenciado vejamos no caso concreto se o sujeito passivo logrou efectuar tal comprovação.

No nosso caso, face ao probatório fixado cremos que deve ser seguido o bem fundamentado citado parecer do Mº Pº, quanto se refere à parcial demonstração da afectação de meios financeiros não sujeitos a declaração no ano de 2008.
Com efeito, muito embora o sujeito passivo afirme outras fontes de rendimento não sujeitas a declaração a verdade é que apenas conseguiu provar a obtenção do empréstimo de 300.000 Euros e sua afectação às compras de imóveis que efectuou.
Tendo justificado em parte a sua fonte de rendimentos há que aplicar a doutrina do supra citado acórdão do STA, proferido no âmbito do Processo 0734/09, de 19.05.2010, o qual é de considerar por ser mais actual que a jurisprudência citada pela recorrente, e de cuja fundamentação se apropriou a sentença recorrida, na qual nos revemos e para a qual remetemos, sendo despiciendo aqui reproduzi-la de novo. Ainda na mesma linha jurisprudencial podem ver-se os acórdãos Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: 179/12, de 07.03.2012, 188/12, de 07.03.2012, e 50/12 de 15.02.2012 todos disponíveis no site da DGSI.
Destacamos ainda que a consideração, para efeitos de quantificação (para menos) do imposto a liquidar por métodos indirectos, do montante justificado pelo sujeito passivo tem em consideração a natureza das normas em causa, relativas à incidência objectiva do imposto, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73.° da LGT e, bem assim, a busca de uma interpretação conforme os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais e do Estado de Direito Democrático, como naquele aresto se refere, tirado no exercício das competências próprias de interpretação da lei que ao mais alto Tribunal da Jurisdição Administrativa e Fiscal são cometidas. Não se compreende, pois, nem se aceita, a referência da recorrente, (que, embora, sendo parte processual integra a organização do Estado Português, devendo por isso ter-se como pessoa de bem e isenta na efectivação das liquidações tributárias), ao por si invocado “despotismo judicial” e à lembrança, despicienda, porque a temos sempre presente, de que os Tribunais têm a obrigação constitucional de se manterem vinculados à lei, em manifesto excesso de verbo, concerteza motivado por não ter sido efectuada a interpretação legal que propugna. Mas, a recorrente, convirá na clarividência do evangelho/adágio popular consubstanciado na expressão “A César o que é de César”.
Mostra-se acertado o julgamento contestado no presente recurso e a decisão é de confirmar ainda que tenha anulado o acto tributário na totalidade, o que está certo, uma vez que é manifesto o excesso na quantificação, que o fere de ilegalidade, competindo à Administração Fiscal repeti-lo, expurgado do excesso de tributação cometido, verificados que sejam os condicionalismos legais para o fazer não se aceitando que deva ser imputado ao contribuinte o ónus de fazer despoletar o mecanismo estatuído no artigo 91.° da LGT, quando o erro do excesso de quantificação é imputável à Administração Tributária o que reitera-se gera a nulidade do acto.
Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:
I - Tem lugar avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna previstas na tabela que consta do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT.
II - Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos aí previstos, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
IV - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, sem prejuízo desta justificação relevar para efeitos da fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.


3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 12 de Abril de 2012. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.