Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01486/15
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23145
Nº do Documento:SA22018041101486
Data de Entrada:11/16/2015
Recorrente:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A folhas 527 dos autos vem o recorrente - Secretário dos Assuntos Fiscais requerer pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do disposto no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais alegando ser a causa de valor € 349247,50 dada a questão decidenda não ter revestido excepcional complexidade e a conduta das partes se ter pautado de acordo com a normal tramitação do processado pelo que o pagamento do remanescente da taxa de justiça se deveria ter por desproporcionado face ao serviço prestado.
Notificada a parte contrária nada disse.
Ouvido o Mº Pº veio este magistrado pronunciar-se pelo indeferimento do pedido porquanto reconhecendo embora terem as partes tido um comportamento normal no decorrer de todo o processo e não ser a questão decidenda de grande complexidade o montante do remanescente da taxa de justiça a pagar não revela desproporcionalidade que justifique a isenção pedida.

Cumpre decidir.
Sabemos que caso o Regulamento das Custas Processuais não previsse a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça se colocaria a questão inconstitucionalidade da norma que impusesse tal pagamento como corolário duma eventual desproporcionalidade do montante da taxa de justiça.
Em princípio todos os processos, salvo os que beneficiam de isenção, estão sujeitos ao pagamento de custas que são a fonte do financiamento do sistema judicial. Por isso o legislador optou pelo estabelecimento de uma taxa fixada previamente tendo em consideração não só o valor da causa mas também a sua complexidade.
Partindo embora do valor da acção que fixa em princípio o valor económico da pretensão e o proveito o legislador mitigou nas acções de montante superior a € 275000 o montante da taxa de justiça permitindo a isenção do pagamento da taxa do remanescente ou a sua redução desde que preenchidos os requisitos para tal.
A taxa de justiça refere o número 2 do artigo 529 do CPC corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa.
E o artigo 530 do CPC estabelece no nº 1 que a taxa de justiça é apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido recorrente e recorrido nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
No mesmo sentido também o artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais que assim prescreve:
«1 — Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.
2 — Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria
Por sua vez o nº 7 do mesmo preceito e diploma legal considera para efeitos da condenação no pagamento da taxa de justiça de especial complexidade as causas que contenham articulados ou alegações prolixas e as que digam respeito a questões de elevada especialização jurídica especificidade técnica ou importe a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e bem assim as causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
O artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que reafirma que a taxa de justiça deve ser fixada nos termos anteriormente referidos estipula que nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Decorre deste preceito que o legislador previu e fixou a taxa de justiça que deve sempre ser paga pelo impulso processual relativamente a todas as causas de valor inferior ou igual a €275.000 mas o montante da taxa correspondente ao valor superior aos €275.000 ficou dependente da verificação de determinados pressupostos legais.
Podendo as partes pedir a sua isenção e o juiz podendo fazê-lo até oficiosamente.
O artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e dele decorre que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.
A Constituição não consagra contudo a gratuitidade do serviço de justiça mas o principio constitucional que vimos referindo implica que o Estado não pode estabelecer um regime de custas de tal modo gravoso que se torne obstáculo ao proclamado acesso impondo-lhe ainda o dever de criar os meios instrumentais que assegurem a todos a efectivação desse direito
Nestes sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 182. E entre outros o acórdão: do Tribunal Constitucional nº 467/91 in DR II Série de 2 de Abril de 1992.
A imposição assim da taxa de justiça surgindo como contrapartida da prestação de um serviço ao particular, face ao principio do utilizador pagador, terá de ter presente face à natureza da taxa o sentido de correspondência e de equivalência e ainda o princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita bem como todo o sistema fiscal cf. artigos 103 e 266/2 da CRP.
Com o Dec-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que aprovou o Regulamento das Custas Processuais o legislador mitigou o valor das custas processuais decorrente do valor da causa,
Como decorre da motivação desse diploma legal ínsita no seu preâmbulo:
“De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.
E ainda, “(…) quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo.”
Por sua vez o artigo 2º da Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro manteve o mesmo propósito no nº 7 que foi inserido ao artº 6 do RCP.
De acordo com este artigo nas causas de valor superior a 275 000,00 euros o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efectivo e superior valor da causa para efeito de determinação da deste artigo aquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.
A referida decisão judicial de dispensa, excepcional, depende segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.
Veja-se também neste sentido o acórdão do STA de 23 07 2014 in Processo 885/14 e Salvador Costa in RCP 4 edição pp 84 onde se diz que “o referido circunstancialismo … é cumulativo.
Face aos considerandos supra enunciados, importa avaliar a situação concreta que é veiculada neste recurso.
A causa sob recurso não pode considerar-se complexa, para efeitos do disposto na norma do artº 6/7 do RCP já que as questões de direito suscitadas não revestem especial complexidade porquanto este Supremo Tribunal se limitou a confirmar a decisão do TCA Sul aderindo no fundo à fundamentação exarada no acórdão recorrido.
Por outro lado o comportamento processual das partes foi irrepreensível.
Todavia, no caso em apreço, como salienta aliás o Mº Pº o montante do remanescente da taxa de justiça a pagar, de apenas € 459,00, não revela face ao serviço prestado desproporção que justifique a dispensa do seu pagamento.
Por tal razão acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em indeferir o pedido de reforma.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Abril de 2018. – Fonseca Carvalho (relator) – António Pimpão – Pedro Delgado.