Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01491/14
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:GARANTIA BANCÁRIA
SANÇÃO CONTRATUAL
EXECUÇÃO
GARANTIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista em sede de processo cautelar se não vêm colocadas questões importantes respeitantes a normas específicas das próprias providências cautelares e o mais que vem suscitado ou está excluído do âmbito da revista ou surge sem uma determinada crítica ao acórdão recorrido de modo a poder detectar-se plausível erro de direito em que tenha incorrido.
Nº Convencional:JSTA000P18470
Nº do Documento:SA12015011501491
Data de Entrada:12/11/2014
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DA A..... E REN, SA
Recorrido 1:BANCO POPULAR DE PORTUGAL, SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.1. A Massa Insolvente da A………………, S.A. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência cautelar contra REN – Rede Eléctrica Nacional, Banco Espírito Santo, S.A., Banco Popular Portugal, S.A., e Banco Comercial Português, S.A., pedindo que:
« ‒ A 1ª Requerida impedida de accionar as garantias bancárias que lhe foram prestadas pela Requerente até trânsito em julgado da decisão que ponha termo a acção principal que será oportunamente interposta pela Requerente;
‒ A 2ª Requerida impedida de proceder ao pagamento da garantia bancária n.º N00368565 antes do trânsito em julgado da decisão que ponha termo a acção principal;
‒ A 3ª Requerida impedida de proceder ao pagamento da garantia bancária n.º 0046 0392 504 0000725 antes do trânsito em julgado da decisão que ponha termo a acção principal;
‒ A 4ª Requerida impedida de proceder ao pagamento da garantia bancária n.º 125-02-1731413 antes do trânsito em julgado da decisão que ponha termo a acção principal.»

1.2. O TAC de Lisboa, por sentença de 05/02/2014, (fls. 924/942), julgou:
a) Procedente a verificação da inutilidade superveniente quanto aos pedidos de decretamento de providência cautelar com referência à 1ª, 2ª e 4ª requeridas, em face do cancelamento das garantias bancárias, com fundamento no que se decreta a extinção da instância (cfr. art.º 287º/e) / CPC – aplicável por força da norma transitória contida no art.º 7º/2/ Lei n.º 41/2013, de 26.6 que aprovou o novo CPC – aplicável “ex vi” art.º 1º/ CPTA).
b) Procedente, por fundamentado e provado, o pedido de decretamento de providência cautelar de abstenção de conduta, ficando a 1ª e 3ª requeridas, respectivamente, impedidas, a 1ª de executar a garantia bancária prestada pela 3ª requerida Banco Popular Portugal, SA, e a 3ª requerida Banco Popular Portugal SA de prestar a garantia perante a 1ª requerida.»

1.3. A requerida REN recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, no que respeita ao segmento b) da decisão, que, por acórdão de 10/07/2014 (fls. 1197/1247), lhe concedeu provimento.

1.4. É desse acórdão que a Massa Insolvente da A………….. e a REN – Rede Eléctrica Nacional interpuseram, ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, recursos de revista.
Todavia, o recurso da REN reportava-se, unicamente, à condenação em custas, condenação que foi, entretanto, eliminada, por rectificação, através dos acórdãos de 25.9.2014 (fls. 1477) e de 6.11.2014 (fls. 1498), pelo que perdeu o objecto.

1.5. O Banco Popular deduziu incidente de prestação de caução.

1.6. A REN, S.A. contra alegou.

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. No caso em apreço, encontra-se apenas em discussão o que concerne ao «pedido de decretamento de providência cautelar respeitante pagamento da garantia bancária n.º 0046 0392 504 0000725, de abstenção de conduta, ficando a 1ª e 3ª requeridas, respectivamente, impedidas, a 1ª de executar a garantia bancária prestada pela 3ª requerida Banco Popular Portugal, SA, e a 3ª requerida Banco Popular Portugal SA de prestar a garantia perante a 1ª requerida».

Como vimos, o TAC concedeu a providência, dando por preenchido o disposto no artigo 120.º, n.º 1, a), do CPTA.
O TCA, pelo contrário, considerou não preenchida a previsão do artigo 120.º, n.º 1, a), e, conhecendo em substituição, julgou não verificado periculum in mora.

No presente recurso, a recorrente, embora insista em que a pretensão da recorrida de accionar a garantia bancária constitui um claro exercício de abuso de direito e é de patente má-fé, não apresenta destacadamente crítica à posição do acórdão, contrário à sentença, no sentido de não se estar perante caso de aplicação do artigo 120.º, 1, a), do CPTA.
Na verdade, o acórdão recorrido disse, a propósito:
«A fundamentação jurídica para a decisão recorrida consta de um simples parágrafo, em que a Mm. Juiza a quo considerou haver ilegalidade simples e manifesta (cf. artigo 120º/1-a) do CPTA: fumus boni iuris muito forte) no accionamento da garantia prestada pela Co-Requerida banco Popular de Portugal, SA, uma vez que a REN já tinha resolvido o contrato.
É claro que, aqui, o tribunal decidiu mal.
Com efeito, a REN resolveu o contrato ao abrigo do artigo 333º/1/h) do CCP. Dos fundamentos desta resolução a ora Requerente discorda aqui e na acção principal.
O artigo 333º/3 do CCP permite o accionamento da garantia e a Requerente pode obter a invalidação jurisdicional da resolução-sanção prevista no artigo 333º/1 cit., o que efectivamente ela está a prosseguir aqui.
Mas, contra a tese recorrida, é claro que a cit. resolução-sanção não impede o accionamento das garantias, antes pelo contrário.
Donde resulta que o raciocínio do tribunal a quo, em sede de al. a) do artigo 120º/1 do CPTA, não está correcto.
Procede, portanto, esta questão do recurso: não está preenchida a previsão do artigo 120º/1/a) do CPTA».

A recorrente não destaca o que nessa apreciação seja elemento de controvérsia jurídica de importância fundamental. A recorrente não imputa directamente ao acórdão recorrido erro na não integração do caso na previsão do 120.º, 1, a), do CPTA. Manifesta discordância, mas não ressalta, concretamente, o eventual erro; nem sequer, aliás, apresenta qualquer conclusão intentando demonstrar a incorrecção da interpretação jurídica quanto aos dispositivos do CCP em que o acórdão se sustentou.

Depois, parte significativa da alegação é dedicada à discordância quanto à apreciação do periculum in mora.
Ora, aí, o acórdão, conhecendo em substituição, considerou:
«Por outro lado, quando à al. b) do artigo 120º/1 do CPTA, consideramos que a factualidade apurada e atrás descrita não demonstra qualquer periculum in mora.
O accionamento desta garantia não vai causar a insolvência da requerente, já insolvida (cf. ainda os artigos 95º, 50º e 181º do CIRE); por outro lado, não se descortina nos factos provados qualquer prejuízo de difícil reparação no sentido de que, sem a providência cautelar, a reintegração da legalidade no plano dos factos se perspectiva difícil ou que os prejuízos que sempre se produzirão ao longo do tempo não serão integralmente reparáveis com tal reintegração, no caso de o processo principal proceder».

Em geral, o que respeita à apreciação dos prejuízos é matéria de facto, excluída de apreciação pelo tribunal de revista – art. 150, 4, do CPTA.
Ora, não vêm indicados elementos de ordem jurídica que pudessem ultrapassar essa exclusão. A recorrente enuncia por que entende que sofrerá prejuízos de difícil reparação, o que naturalmente a recorrida contesta, mas não adianta onde se poderá ter localizado erro de direito na apreciação realizada.

Assim, neste recurso não só não vêm colocadas questões importantes respeitantes a normas específicas das próprias providências cautelares, como o mais que vem suscitado ou está excluído do âmbito da revista ou surge sem uma determinada crítica ao acórdão recorrido de modo a poder detectar-se plausível erro de direito em que tenha incorrido.
E também não se descortina e, aliás, a recorrente também não identificou o preenchimento de outros requisitos da admissão de revista: importância fundamental pelo relevo social e clara necessidade de melhor aplicação do direito.

2.4. Nada a dizer sobre o requerimento do Banco Popular, atenta a sequente decisão de não admissão do recurso.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Sem custas, por isenção – art. 4º, 1, u), do RCP.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2015. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.