Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0863/16
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22595
Nº do Documento:SAP201711220863
Data de Entrada:07/06/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS



Decisão recorridadecisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no proc. n.º 06039/12, em 5 de Novembro de 2015.
Acórdão fundamentodecisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo no proc. n.º 0886/09, em 02 de Dezembro de 2009.

1.
Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo de oposição nº 06039/12, em 5 de Novembro de 2015, em que é oponente A………………, veio deduzir recurso com fundamento na oposição de acórdãos, nos termos do art.º 284.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, invocando oposição do ali decidido com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no proc. n.º 0886/09, em 02 de Dezembro de 2009, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões:

a) Tendo, o acórdão recorrido (de 2015N0V05, proferido no processo n.° 06039/12) e o acórdão fundamento (de 12/02/2009, proferido pelo STA no processo n.° 0886/09), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento,

i. porquanto,

b) se verifica a identidade de situações de facto, nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), está em causa.

c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito, uma vez que, em ambos os acórdãos, foi, em concreto, decidida a mesma questão de direito e analisadas as mesmas disposições legais [artigo 13° n.° 1 do CPT].

d) No acórdão recorrido, foi entendido que de acordo com o regime previsto no CPT, no art. 13° n.° 1, o gerente deve ser responsabilizado apenas por parte da dívida exequenda respeitante ao ano de 1996, na proporção correspondente ao período desse ano em que foi gerente, ou seja, in casu, de 2 a 31 de Dezembro.

e) Sendo que, para o acórdão fundamento, entende-se que, nos termos do art. 13° n.° 1 do CPT, na sociedade de responsabilidade limitada, os seus administradores ou gerentes devem ser responsáveis por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo.

f) De conformidade, aliás, com a unidade sistémico e valorativa do ordenamento jurídico, deve entender-se pelo «exercício» dito neste artigo 13°, n.° 1, “o exercício económico que coincide com o ano civil”, em cujo último dia, de resto, se considera verificado o facto gerador do imposto, nas termos do artigo 8.° do Código do IRC.

g) Acrescentando-se neste acórdão fundamento: “sendo certo que a lei [neste caso a lei tributária] constitui uma das ‘fontes da solidariedade das obrigações (cf. o artigo 513. do Código Civil), o artigo 13.°. n.° 1, do Código de Processo Tributário estabelece de modo muito claro uma solidariedade passivo entre os gerentes ou administradores da sociedade executada «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo».”

h) Sendo que, havendo solidariedade passiva, qualquer devedor responde por inteiro pelo cumprimento da obrigação, cf. art. 518° do Código Civil. (Isto sem prejuízo de: «O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete», nos termos do artigo 524.° do Código Civil, que consagra o “Direito de regresso”, o realizar no campo das relações internos entre os condevedores solidárias.)

i) Concluindo-se: “sendo a responsabilidade solidária imposta pelo n.° 1 do artigo 13. °do CPT a título de culpa, a consideração de que o oponente será responsável subsidiário pelo pagamento parcial da dívida, por apenas ter exercido a gerência apenas até 15/11/1996, poderá ter pertinência nas relações internas, para efeitos de efectivação da responsabilidade relativa entre os gerentes da sociedade executada originária, em especial os gerentes que o tenham sido pelo período do exercício do ano de 1996 em causa.

j) Porém, nas relações externas do gerente responsável perante terceiros, julgamos que tal consideração já se afigura deslocada e impertinente, visto que, em face dos termos do n.° 1 do artigo 13.° do CPT o que releva é o «período do exercício» em causa (o do ano de 1996) - e a circunstância, meramente interna da sociedade, do tempo por que cada um dos gerentes esteve de frente dos negócios da executada originária, nesse exercício de 1996, constitui do ponto de vista legal, res inter alios acta a que a Administração fiscal credora é inteiramente alheia.

k) E, assim sendo, o oponente, ora recorrente, é responsável, solidariamente, pelo imposto em dívida (IRC do exercício de 1996), nos termos do n.° 1 do artigo 13.° CPT .”

l) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a oposição de acórdãos aqui invocada.

m) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha - perante igual entendimento fáctico e jurídico - entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer.

n) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n.° 0886/09.

o) Desta forma, deve ser proferido Acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pelo FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.

Requereu que em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas seja dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no acórdão fundamento.

2.
Admitido liminarmente o recurso não foram presentes alegações pelo recorrido, mas foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público, que considerou que deve dar-se por verificada a oposição de acórdãos e negar-se provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais, impõe-se o conhecimento do recurso.


3. Pressupostos da oposição de acórdãos

3.1 - Thema decidendum
Na decisão recorrida proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul - secção tributária - estava em causa, definir, para o que releva para este recurso se, «relativamente aos impostos anuais, nos casos em que o exercício de funções de gerência ocorreu apenas em parte do ano, a responsabilidade subsidiária existiria, em relação à dívida anual global, apenas na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano, quando não se demonstrar efectivamente que seja de imputar a responsabilidade de forma diferente, designadamente por se comprovar que as actividades geradoras da dívida tributária se repartiram de forma não proporcional durante o mesmo período de tributação


No acórdão fundamento proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo - a questão decidenda era:
- A inconstitucionalidade do artigo 13.º do CPT por violar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da capacidade contributiva, aqui não convocada.
- A limitação da responsabilidade do gerente pelo não pagamento das dívidas tributárias da sociedade que geriu apenas na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano em causa.

O Supremo Tribunal Administrativo assente numa pluralidade de argumentos de que é global e preponderante que:
«A ideia de responsabilização do gerente pelo critério pro rata temporis é seguramente tributária de uma concepção de responsabilidade de cariz objectivo, e não é esse tipo de responsabilidade que tem previsão no n.º 1 do artigo 13.º do Código de Processo Tributário – a estabelecer uma responsabilidade de tipo subjectivo baseada essencialmente numa ideia de culpa.».
Daí que, sendo a responsabilidade solidária imposta pelo n.º 1 do artigo 13.º do CPT, a título de culpa, a consideração de que o oponente será responsável subsidiário pelo pagamento parcial da dívida, por apenas ter exercido a gerência apenas até 15/11/1996, poderá ter pertinência nas relações internas, para efeitos de efectivação da responsabilidade relativa entre os gerentes da sociedade executada originária, em especial os gerentes que o tenham sido pelo período do exercício do ano de 1996 em causa. Porém, nas relações externas do gerente responsável perante terceiros, julgamos que tal consideração já se afigura deslocada e impertinente, visto que, em face dos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPT, o que releva é o «período do exercício» em causa (o do ano de 1996) – e a circunstância, meramente interna da sociedade, do tempo por que cada um dos gerentes esteve à frente dos negócios da executada originária, nesse exercício de 1996, constitui, do ponto de vista legal, res inter alios acta a que a Administração Fiscal credora é inteiramente alheia.
E, assim sendo, o oponente, ora recorrente, é responsável, solidariamente, pelo imposto em dívida (IRC do exercício de 1996), nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPT.»

3. 2 – Normas jurídicas convocadas na decisão recorrida e no acórdão fundamento

As normas convocadas para a solução do litígio presente numa e noutra decisão foram:


Acórdão recorrido
Acórdão fundamento
art.º 8.º, n.º 1 CIRCart.º 8.º, n.º 1 CIRC
art.º 13.º do CPT 513.º, 518.º e 524.º do Código Civil
art.º 13.º do CPT


3. 3 – Matéria de facto provada

Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte matéria de facto:
1. Foram instauradas várias execuções fiscais contra a sociedade comercial «B…………………. L.d.ª», as quais foram apensadas àquela que foi registada sob o nº 1228199801013386, pelas seguintes dívidas:
- IRC relativo a 1996, com cobrança voluntária até 07/12/2001, no valor de 1.625,43 euros, liquidação notificada em 07/11/2001;
- IRC relativo a 2000, com cobrança voluntária até 27/10/2004, no valor de 1.378,38 euros, liquidação notificada em 27/09/2004;
- IVA relativo a 1996, com cobrança voluntária até 07/05/1998, no valor de 374,10 euros, liquidação notificada em 01/01/1998;
- IVA relativo a 1997, com cobrança voluntária até 15/04/1999, no valor de 1.496,39 euros, liquidação notificada em 12/11/1998;
- IVA relativo a 1998, com cobrança voluntária até 26/05/2000, no valor de 1.496,39 euros, liquidação notificada em 11/02/2000;
- IVA relativo a 1999, com cobrança voluntária até 04/07/2001, no valor de 1.496,39 euros, liquidação notificada em 04/03/2001;
- IVA relativo a 2000, com cobrança voluntária até 30/09/2002, no valor de 1.496,39 euros, liquidação notificada em 02/07/2002;
- IVA relativo a 2001, com cobrança voluntária até 28/11/2003, no valor de 1.496,40 euros, liquidação notificada em 25/07/2003;
- Coima relativa ao período 96.12T, com cobrança voluntária até 12/10/1998, no valor de 134,68 euros, notificada em 25/09/1998;
- Coima relativa aos períodos 98.03T, 98.06T, 98.09T e 98.12T, com cobrança voluntária até 04/10/2000, no valor de 433,95 euros, notificada em 13/06/2000.
2. A sociedade comercial «B……………….., L.d.ª» foi constituída em 27/02/1996 por dois primitivos sócios.
3. Em 02/12/1996 teve lugar uma cessão de quotas e alteração do pacto, através de escritura pública, tendo resultado o capital social de 400.000$00 fraccionado do seguinte modo: os sócios C………………… e D…………….., cada um com uma quota de 133.000$00 e o sócio A……………. com uma quota de 134.000$00. No pacto ficou a constar que a gerência pertenceria a todos os sócios, sendo necessária a assinatura de dois deles para obrigar a sociedade.
4. A sociedade tinha como objecto social a exploração de snack-bar cuja actividade económica corresponde a restaurantes com lugares ao balcão, com o CAE 055302. Em data não apurada faleceu o sócio C…………….
5. Não tendo sido satisfeita voluntariamente a dívida constante da execução fiscal por parte da sociedade foram os autos preparados para reversão com citação do aqui autor para exercício de audição prévia em 02/04/2006.
6. O despacho de reversão foi proferido e o oponente citado em 06/05/2006.
7. As citações foram produzidas para o seu domicílio fiscal sito em Rua ………, n.º ………….., na Guarda.
8. Tendo tido lugar igualmente reversão conta o sócio e gerente D……………. apresentou, do mesmo modo, oposição contra a reversão que se encontra registada neste TAF sob o nº 403/06.7. Alegou o mesmo fundamento.
9. Em 27/11/1997 deu entrada no Tribunal Judicial da Guarda petição inicial com vista à instauração de acção de despejo com processo sumário contra a sociedade executada e E………….. e mulher, estes na qualidade de fiadores da contraente do contrato de arrendamento comercial com fundamento na falta de pagamento de rendas de Julho a Novembro de 1997.
10. O oponente foi viver e trabalhar para Lisboa no fim do ano de 1997 após concluir que o snack-bar não facturava o suficiente para compensar os três sócios, sendo que o autor trabalhava a tempo inteiro no local.
11. O autor abandonou, então, a exploração do snack-bar desentendido com os demais sócios, não mais trabalhando para a mesma.


3. 4 – Decisões jurídicas em confronto

· Na decisão recorrida decidiu-se o seguinte:
(…) Relativamente às dívidas de impostos, e quanto à questão do exercício efectivo da gerência pelo Oponente, estão em causa dívidas de impostos respeitantes ao período compreendido entre 1996 a 2001.

O regime da responsabilidade subsidiária aplicável é sempre o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), deste modo no que diz respeito às dívidas de impostos de 1996 a 1998 é aplicável o regime do artigo 13.º do Código de Processo Tributário (CPT) e a relativa às dívidas de 1999 a 2001 é aplicável o regime previsto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT).

Assim sendo, dispunha o artigo 13.º do CPT:

“Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais”.

(…) Do regime constante dos preceitos legais supra citados resulta, desde logo, que a responsabilização subsidiária exige a prova da gerência efectiva ou de facto, ou seja, o exercício efectivo de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo de gerente, i.e. a gerência nominal ou de direito.

Por outro lado, resulta da expressão “ainda que somente de facto” que para a responsabilização subsidiária não se exige a gerência nominal ou de direito. Ou seja, a mera gerência efectiva ou de facto é suficiente para a responsabilização subsidiária.

No que diz respeito às regras do ónus da prova importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 1132/06 (reiterado posteriormente pelo o acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência».

Com efeito, entendeu-se que no que respeita ao exercício das funções de gerência, «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efectiva.

Não obstante, nada impede que se recorra ao conteúdo dos suportes documentais da designação como gerente de direito para extrair os factos indiciadores da gerência de facto, e demais elementos que constem do processo de execução fiscal e dos autos.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efectivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame critico da prova.

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Regressando ao caso dos autos, resulta dos factos provados que o Oponente é gerente nominal ou de direito da executada originária desde 02/12/1996, juntamente com dois outros sócios, sendo que para obrigar a sociedade era necessário a assinatura de apenas dois dos três gerentes nomeados.

Por conseguinte, da gerência de direito não se poderá inferir a gerência de facto do Oponente, desde logo porque, a sociedade para se obrigar não necessitava da sua assinatura.

Sucede que, o Oponente confessa que inicialmente participou na “gestão” da sociedade. Ora, em consonância com o alegado, da prova produzida apurou-se, e deu-se como provado, que o Oponente até finais de 2007 trabalhava a tempo inteiro no Snack-Bar.

Por conseguinte, considerando o confessado pelo Oponente, e o que resultou provado, temos então que no período compreendido entre o 02/12/1996 (data em que assumiu a gerência de direito da sociedade executada principal) a 31/12/1996 o Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária.

Não obstante, a sentença recorrida entendeu que o Oponente era parte ilegítima na execução por não lhe poder ser assacada a responsabilidade por todo o período quanto apenas exerceu de facto a gerência entre 2 e 31 de Dezembro de 1996, não se tendo concretizado a proporção da sua responsabilidade.

Quanto a esta questão, o STA já adoptou o entendimento de que o gerente por tempo limitado do respectivo período do exercício ainda assim é responsável pela totalidade da dívida (cfr. Ac. do STA de 28/10/2009, proc. n.º 0742/09).

Sucede que essa jurisprudência não é pacífica, como desde logo nos revela a declaração de voto de vencido do Conselheiro Lúcio Barbosa:

“Entendo que a expressão “período do exercício do seu cargo”, referido no art. 13°, 1, do CPT, se reporta ao tempo de exercício efectivo do cargo de gerente e não ao período legal (de anualidade) dos tributos em dívida.

Afigura-se-me pois que seria de aplicar o princípio “pro rata temporis” à responsabilidade do gerente.

A interpretação que ora fez vencimento viola (ou pode violar), na minha óptica, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça.

Basta pensar, levada ao extremo a tese que fez vencimento, que a gerência de um ou dois dias no final de um exercício mais a gerência um ou dois dias no exercício seguinte, postulavam a responsabilidade do gerente nos dois exercícios (dois anos).

O que me parece intolerável.

É certo que sempre o gerente em causa pode fazer a prova de que “não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais”.

Mas esta asserção legislativa não tira razão de ser às observações anteriores, sendo que o ónus de prova é seu, pelo que também por aqui se me afiguram violados os princípios constitucionais referidos.

Face ao exposto, negaria provimento ao recurso e confirmaria a sentença recorrida. “

De igual modo, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, 2011, p. 469-472, diverge daquela jurisprudência, defende entendimento diverso:

“Os argumentos derivados da natureza unitária e complexiva do rendimento dos impostos em que o facto tributário se prolonga no tempo não podem ser considerados obstáculos decisivos à aplicação de uma regra de proporcionalidade, pois tal natureza não é obstáculo a que o rendimento possa ser fraccionado, como é efectivamente, para efeitos de tributação. (…) os arts. 13.º do CPT e 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT, ao limitarem a responsabilidade ao período de exercício do cargo, apontam mesmo no sentido de que se fraccionem os rendimentos em períodos para este efeito. (…) não é o fraccionamento a única forma de fraccionar a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes.

Na verdade, as dívidas tributárias traduzem-se em quantias em dinheiro e estas são, por natureza, divisíveis.

Por isso, não haverá qualquer obstáculo lógico nem legal a que se possam responsabilizar os administradores ou gerentes, quanto aos impostos que têm por base de incidência factos tributários duradouros, na proporção que o seu período de gerência tem no período global a que se refere o imposto, independentemente de ter sido ou não nesse período que ocorreu a actividade que gerou os rendimentos que foram objecto de tributação. Aliás, encontra-se no art. 12.º, n.º 2 da LGT, que estabelece que «se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor», uma regra de aplicação generalizada que constitui um afloramento explícito da divisibilidade dos factos tributários de formação sucessiva.

A ser assim, relativamente aos impostos anuais, nos casos em que o exercício de funções de gerência ocorreu apenas em parte do ano, a responsabilidade subsidiária existiria, em relação à dívida anual global, apenas na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano, quando não se demonstrar efectivamente que seja de imputar a responsabilidade de forma diferente, designadamente por se comprovar que as actividades geradoras da dívida tributária se repartiram de forma não proporcional durante o mesmo período de tributação.

Esta será, decerto, uma solução mais equilibrada do que aquela por que o Supremo optou nos arestos referidos e, por isso, deverá considerar-se a solução mais acertada, que se tem de considerar a que foi legislativamente preferida, por força do preceituado no n.º 3 do art. 9.º do CC. Para além disso, é também a interpretação que se compagina com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça. (…)

Concordamos e subscrevemos este entendimento, e nessa medida, in casu, considerando que relativamente ao ano de 1996 o Oponente apenas exerceu de facto e de direito a gerência no período compreendido 2 e 31 de Dezembro, a responsabilidade subsidiária apenas se verifica na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano.

Deste modo, a sentença recorrida que assim não decidiu não se poderá manter, pois o relativamente ao ano de 1996, o Oponente é parte legítima na execução fiscal relativamente à parte proporcional da dívida relativo ao período compreendido entre 2 e 31 de Dezembro, pois não ilidiu a presunção legal no que respeita à culpa pela insuficiência do património social de que beneficia a Fazenda Pública no regime do CPT. Ou seja, o Oponente é responsável relativamente à parte proporcional da dívida exequenda relativa ao período compreendido entre 2 e 31 de Dezembro de 1996.».

No acórdão fundamento decidiu-se:

(…) - Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPT, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
Ora, como se vê, o que aí se preceitua é que, na sociedade de responsabilidade limitada, os seus administradores ou gerentes sejam responsáveis «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo».
E daí que, como expressamente se consigna no aresto citado, «De conformidade, aliás, com a unidade sistémica e valorativa do ordenamento jurídico, deve entender-se pelo «exercício» dito neste artigo 13.º, n.º 1, “o exercício económico que coincide com o ano civil”, em cujo último dia, de resto, se considera verificado o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 8.º do Código do IRC.
E do n.º 1 do artigo 13.º do Código de Processo Tributário vê-se também que, «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo», os gerentes ou administradores são responsabilizados «solidariamente entre si».
Quer dizer: sendo certo que a lei [neste caso a lei tributária] constitui uma das “fontes da solidariedade” das obrigações (cf. o artigo 513.º do Código Civil), o artigo 13.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário estabelece de modo muito claro uma solidariedade passiva entre os gerentes ou administradores da sociedade executada «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo».
E, sob a epígrafe “Exclusão do benefício da divisão”, o artigo 518.º do Código Civil determina que «Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro».
Na verdade, o “benefício da divisão” é característico ou próprio das obrigações designadas correntemente por conjuntas ou parciárias. Nas obrigações conjuntas, cada devedor é responsável, perante o credor, só pela quota-parte da obrigação que lhe corresponde.
Diferentemente acontece nas obrigações solidárias. Havendo solidariedade passiva, qualquer devedor responde por inteiro pelo cumprimento da obrigação. Mas «O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete», nos termos do artigo 524.º do Código Civil, que consagra o “Direito de regresso”, a realizar no campo das relações internas entre os condevedores solidários.
No entanto, perante a exigência da totalidade da dívida, não é lícito ao devedor solidário «opor o benefício da divisão» ao seu credor. Por lei, o obrigado solidário não tem mais do que pagar a totalidade da dívida a que a lei o obriga.
É que, pela “vontade da lei”, a solidariedade passiva constitui-se em verdadeiro reforço da consistência do crédito, e representa garantia acrescida da cobrança para o credor, que fica assegurado no seu direito pelas forças redobradas dos diferentes patrimónios dos diversos condevedores.
E a solidariedade passiva tem sobremaneira fundamento substancial quanto a obrigações pecuniárias de natureza pública, como são as obrigações tributárias – solidariedade passiva que, por sinal, a lei consagra no supracitado artigo 13.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício» do cargo do administrador ou gerente da sociedade executada de responsabilidade limitada.».
No caso em apreço, entende o recorrente ser, em último caso, em relação à dívida de IRC de 1996 aqui em causa, responsável apenas na proporção do tempo do exercício do seu cargo, uma vez que renunciou ao exercício da gerência em 15 de Novembro de 1996.
Tal consideração parece apresentar-se ancorada no princípio, não condizente com a lei, de que a responsabilidade do gerente da sociedade executada por dívidas de impostos será meramente subsidiária, e apenas conjunta, mas não solidária.
Porém, o que é facto é que a execução fiscal, a que o ora recorrente se opõe, foi instaurada para cobrança de dívida respeitante a IRC do ano de 1996, e ele foi efectivamente gerente da sociedade executada originária nesse ano de 1996, ainda que só até 15 de Novembro, data em que renunciou à sua gerência.
E, como se afirma no acórdão de 28/10/2009 desta Secção, que vimos acompanhando, «a nosso ver, o rateio da responsabilização simplesmente em função do tempo de gerência relativamente ao tempo total do «período do exercício» poderá afrontar, e só por mero acaso cumprirá, o princípio da proporcionalidade ou da adequação – se considerarmos, v.g., que uma responsabilização igual por períodos iguais de tempo de gerência será um prémio imerecido e inadequado para o gerente menos diligente e relapso, do mesmo passo que constituirá um injustificado e injusto castigo precisamente para aquele gerente que tiver sido mais cuidadoso, mais activo e mais empenhado, e provavelmente o que melhores resultados económicos (e fiscais) terá obtido.
A ideia de responsabilização do gerente pelo critério pro rata temporis é seguramente tributária de uma concepção de responsabilidade de cariz objectivo, e não é esse tipo de responsabilidade que tem previsão no n.º 1 do artigo 13.º do Código de Processo Tributário – a estabelecer uma responsabilidade de tipo subjectivo baseada essencialmente numa ideia de culpa.».
Daí que, sendo a responsabilidade solidária imposta pelo n.º 1 do artigo 13.º do CPT, a título de culpa, a consideração de que o oponente será responsável subsidiário pelo pagamento parcial da dívida, por apenas ter exercido a gerência apenas até 15/11/1996, poderá ter pertinência nas relações internas, para efeitos de efectivação da responsabilidade relativa entre os gerentes da sociedade executada originária, em especial os gerentes que o tenham sido pelo período do exercício do ano de 1996 em causa.
Porém, nas relações externas do gerente responsável perante terceiros, julgamos que tal consideração já se afigura deslocada e impertinente, visto que, em face dos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPT, o que releva é o «período do exercício» em causa (o do ano de 1996) – e a circunstância, meramente interna da sociedade, do tempo por que cada um dos gerentes esteve à frente dos negócios da executada originária, nesse exercício de 1996, constitui, do ponto de vista legal, res inter alios acta a que a Administração Fiscal credora é inteiramente alheia.
E, assim sendo, o oponente, ora recorrente, é responsável, solidariamente, pelo imposto em dívida (IRC do exercício de 1996), nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPT.»

4. – Conhecimento do recurso

Existe, desde logo alguma divergência das situações de facto em confronto porque enquanto no acórdão fundamento estava em causa um gerente que renunciou ao cargo e que invocava a sua irresponsabilidade pelas dívidas tributárias relativas a período posterior a essa renúncia, relativamente a dívida de IRC do ano de 1996, na decisão recorrida está em causa a responsabilização de um gerente por dívidas referentes ao período em que ele ainda não era gerente da empresa originária devedora, por dívidas de IRC dos anos de 1996 e 2000, IVA dos anos de 1996 a 2001 e coimas fiscais dos anos de 1998 e 2000, originada no não cumprimento de obrigações declarativas da sociedade, isto é, pelo não envio de qualquer declaração periódica de IVA nem de qualquer declaração modelo 22 de IRC pela originária devedora.

Enquanto o IRC é «um imposto incindível, sendo nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do CIRC "devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das excepções previstas neste artigo", já o imposto sobre o valor acrescentado é um imposto de diversa natureza devido por cada operação económica realizada e, neste caso, com obrigação de entrega trimestral da declaração periódica.

Quanto à questão de direito em apreço, no acórdão recorrido considerou-se que, face à matéria de facto provada se impunha a responsabilização do gerente apenas a partir do momento em que passou a exercer a gerência, seguindo o critério pro rata temporis, suportando-se, no que diz respeito às dívidas de impostos de 1996 a 1998 no artigo 13.º do Código de Processo Tributário (CPT) e quanto às dívidas de 1999 a 2001 no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT), enquanto tal critério foi abordado e recusado, a título meramente incidental, no acórdão fundamento.

No acórdão fundamento a questão jurídica dirimida foi a do alcance da responsabilidade solidária imposta pelo n.º 1 do artigo 13.º do CPT, em face de terceiros, neste caso, da Administração Tributária.

A responsabilidade solidária dos gerentes, questão principal do acórdão fundamento, na vertente das relações externas com terceiros e das relações internas dos gerentes entre si, não esteve em causa no acórdão recorrido.

Para a decisão recorrida foi decisivo que, existindo três gerentes a para obrigar a sociedade era necessário a assinatura de apenas dois dos três gerentes nomeados, circunstância que, por não abordada, se ignora se ocorria no acórdão fundamento. Assim, naquela primeira decisão disse-se que:

«Regressando ao caso dos autos, resulta dos factos provados que o Oponente é gerente nominal ou de direito da executada originária desde 02/12/1996, juntamente com dois outros sócios, sendo que para obrigar a sociedade era necessário a assinatura de apenas dois dos três gerentes nomeados.

Por conseguinte, da gerência de direito não se poderá inferir a gerência de facto do Oponente, desde logo porque, a sociedade para se obrigar não necessitava da sua assinatura. (…) no período compreendido entre o 02/12/1996 (data em que assumiu a gerência de direito da sociedade executada principal) a 31/12/1996 o Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária

Nela se acolheu o entendimento de que: «relativamente aos impostos anuais, nos casos em que o exercício de funções de gerência ocorreu apenas em parte do ano, a responsabilidade subsidiária existiria, em relação à dívida anual global, apenas na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano, quando não se demonstrar efectivamente que seja de imputar a responsabilidade de forma diferente, designadamente por se comprovar que as actividades geradoras da dívida tributária se repartiram de forma não proporcional durante o mesmo período de tributação.

Deste modo, havendo alguns pontos de contacto entre o acórdão recorrido e fundamento, não se verifica que hajam adoptado soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que se mostram inverificados os pressupostos necessários à apreciação do recurso por oposição de acórdãos acima mencionados.

Deliberação:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Novembro de 2017. - Ana Paula da Fonseca Lobo (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – António José Pimpão.