Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:095/21.3BCLSB
Data do Acordão:01/27/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
DIREITO DE AUDIÊNCIA
PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que confirmou o juízo firmado pelo TAD - que havia julgado procedente a impugnação dirigida ao ato de sancionamento disciplinar de um treinador de futebol - se o juízo firmado se mostra assente em fundamentação jurídica credível e que não aparenta erros lógicos ou jurídicos manifestos e se a quaestio juris objeto de discussão se mostra desprovida de relevância jurídica e social.
Nº Convencional:JSTA000P28873
Nº do Documento:SA120220127095/21
Data de Entrada:01/18/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A………………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 18.11.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 117/140 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso e manteve o acórdão do TAD, de 19.07.2021, que havia concedido «provimento ao recurso» de A………….. e revogou o acórdão do Conselho de Disciplina que havida condenado este pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 136.º ex vi do art. 168.º, n.ºs 1 e 2, Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], na sanção de suspensão por 15 dias e na multa de 6.375,00 €.

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 150/188] na relevância social e jurídica objeto de litígio [respeitantes segundo alega à «responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus dirigentes por ocasião de jogos de futebol»] e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, mormente dos arts. 13.º, al. f), 112.º, n.º 1, 136.º, n.º 1, 168.º, todos do RD/LPFP.

3. O recorrido produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 200/223], tendo nas mesmas pugnado, desde logo, pela não admissão do mesmo.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAD havia julgado procedente a impugnação que o recorrido havia dirigido ao acórdão do Conselho de Disciplina da FPF, tendo revogado tal acórdão [cfr. fls. 04/26].

7. O TCA/S manteve tal juízo, fundando-o no entendimento de que «o valor probatório reforçado do relatório da equipa de arbitragem que, nos termos da mencionada alínea f) do artigo 13.º do RD da LPFP, goza da presunção de veracidade do seu conteúdo, passa a evidenciar que tal presunção é ilidível, mediante prova em contrário oferecida/requerida por quem aproveita», sendo que, no caso, «o Recorrido que, visando provar que o que consta do relatório da arbitragem não corresponde à verdade quer nas palavras que proferiu quer quanto aos seus destinatários, requereu diligências de prova que ou foram indeferidas [como o referido acesso às gravações resultantes do sistema de comunicação da equipa de arbitragem] ou não admitidas nos seus exatos termos», pelo que «ao não permitir ao Recorrido provar a sua versão, a presunção de veracidade do conteúdo do relatório da arbitragem tornou-se inilidível, o que redunda numa interpretação materialmente inconstitucional da referida alínea f) do artigo 13.º do RD da LPFP, por violação do direito de audiência do arguido, previsto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP».

8. A FPF, aqui ora recorrente, fundando-se na relevância social e jurídica do litígio e na necessidade de melhor aplicação do direito, insurge-se contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra enunciado.

9. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

10. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela que apresente especial complexidade [que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo], seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

11. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

12. No caso refira-se que não se mostra convincente, nem persuasiva, a motivação/argumentação expendida pela aqui recorrente, não se descortinando ocorrer a invocada relevância jurídica e social fundamental.

13. Desde logo, note-se, a questão não diz respeito, ao invés de invocado, a responsabilidade de clube por comportamento incorreto de um seu dirigente por ocasião de jogo de futebol visto em causa estar efetivação de responsabilidade pessoal de um treinador.

14. Para além disso temos que não se vislumbra que a concreta questão jurídica reclame labor interpretativo superior, ou que se mostre de elevada complexidade em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise suscite dúvidas sérias, tanto mais que a mesma apresenta um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a temática, não tendo sido minimamente sinalizada qualquer divergência jurisprudencial sobre a questão, presente que não se descortina uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites e singularidade do caso concreto e dos termos e pressupostos.

15. E quanto à necessidade de melhor aplicação do direito também aqui a alegação da recorrente não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie e daquilo que são os fundamentos em que a pretensão impugnatória se estribou, no sentido de que o tribunal de recurso, confirmando o julgamento do TAD, decidiu com acerto, não aparentando padecer primo conspectu de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, fundamentado numa interpretação coerente e razoável das regras e direito aplicáveis e invocados, e sem evidência de desconformidade com jurisprudência produzida sobre a temática.

16. Em suma, no presente recurso não se colocam questões de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação pelo tribunal a quo que claramente reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que não se justifica admitir a revista, impondo-se concluir no sentido da sua inviabilidade, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da recorrente.
D.N..

Lisboa, 27 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.