Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0364/08
Data do Acordão:12/17/2008
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
FALTA DE REQUISITOS
Sumário:A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artº 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artº 204º.
Nº Convencional:JSTA00065419
Nº do Documento:SAP200812170364
Data de Entrada:05/07/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA SUL DE 2007/06/12.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART152.
CPPTRIB99 ART151 N1 ART165 N1 B ART203 N1 ART204 N1 I ART278 N5.
CPCI63 ART176 C.
LGT98 ART97 N2.
CPC96 ART2 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC1065/05 DE 2006/03/29.; AC STAPLENO PROC616/07 DE 2008/07/14.; AC STAPLENO PROC430/08 DE 2008/11/19.; AC STJ DE 2003/01/28 IN CJ-STJ N166 PAG61.; AC STAPLENO PROC574/04 DE 2005/02/23.; AC STAPLENO PROC26762 DE 2007/10/23.; AC STAPLENO PROC950/06 DE 2007/03/14.; AC STAPLENO PROC1178/06 DE 2007/02/28.; AC STAPLENO PROC1701/02 DE 2002/11/20.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO 2V NOTA16 AO ART165.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, oposição à execução fiscal para cobrança de dívida de IVA, relativo ao ano de 2000, no valor de € 1.496,40.
Aquele Tribunal, por decisão datada de 25/6/06, decidiu rejeitar liminarmente a oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no artº 209º, nº 1, al. b) do CPPT (fls. 32 e 33).
Inconformado, o oponente interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão datado de 12/6/07, negando provimento ao recurso, confirmou a decisão recorrida (fls. 100 e segs.).
Deste acórdão, aquele interpôs recurso para o Pleno desta Secção do Contencioso Tributário, invocando como fundamento do mesmo oposição entre esse acórdão e o acórdão datado de 22/1/92, prolatado por esta Secção do STA, in rec. nº 13.528 (fls. 110).
Admitido o recurso, a recorrente apresentou, nos termos do disposto no artº 284º, nº 3 do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de acórdãos (fls. 119 e segs.).
Por despacho do Exmº Relator do Tribunal Central Administrativo Sul considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e ordenada a notificação das partes para deduzir alegações, nos termos do disposto no artº 284º, nº 5 daquele diploma legal (fls. 134).
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
I. A sanação das deficiências dos títulos executivos, através de prova documental, prevista no art° 165°, n° 1, al. b) do CPPT, tem de ser feita até ao momento em que se procede à citação, quando estas deficiências afectam o conhecimento do executado sobre os elementos relevantes para decidir sobre o uso das faculdades processuais que a lei lhe proporciona.
II. Caso a falta de requisitos do título executivo não seja colmatada até ao momento da citação, não poderá mais essa falta ser suprida, nem mesmo por prova documental.
III. Resulta do disposto no art° 165°, n° 1, al. b) do CPPT, que a falta de requisitos do título executivo, que não possa ser suprida por prova documental, implica a sua inexequibilidade.
IV. Está em causa a falta de indicação dos factos tributários que são subjacentes à dívida exequenda.
V. A falta de menção da proveniência da dívida não permite ao executado saber com segurança a que dívida se refere o título executivo, pelo que não estão eficazmente assegurados os seus direitos de defesa.
VI. Não tendo o executado tomado conhecimento deste requisito essencial do título executivo até ao momento em que foi citado, não ficou regularizada a falta do requisito de proveniência da dívida, não podendo, naturalmente, a execução prosseguir como resultado da inexequibilidade do título.
VII. Estando em causa a inexequibilidade do título executivo, a execução fiscal terá que ser extinta.
VIII. A falta de requisitos do título executivo harmoniza-se, in totum, com a finalidade do processo de execução fiscal.
IX. A inexequibilidade do título executivo é um dos fundamentos típicos do processo de oposição à execução regulado no CPC, nos termos do disposto no seu art° 814°.
X. Apesar de não estar expressamente indicado no art° 204° do CPPT, a falta de requisitos do título executivo cabe na fórmula genérica da alínea i) daquela artigo, uma vez que se trata de um fundamento susceptível de prova documental, não envolve apreciação da legalidade da liquidação da quantia exequenda, nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que extraiu o título.
XI. É indubitável que a nulidade do título executivo constitui fundamento de oposição à execução fiscal.
XII. Existe jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que entende que a nulidade do título executivo é fundamento de oposição à execução fiscal.
XIII. Esta jurisprudência está em clara oposição ao douto acórdão recorrido.
XIV. O douto aresto está em oposição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, datado de 22/01/1992, proferido no recurso n° 13528, onde se expôs que:
“II – A oposição em execução fiscal tanto pode visar a absolvição do pedido, total ou parcial, como apenas a absolvição da instância. Ponto é que os seus fundamentos caibam na previsão do artº. 176º do CPCI, substituído desde 1/7/91 pelo artº. 286º do CPT.
III – Tanto num como noutro de tais artigos se consagra o direito de o executado se opor à execução fiscal com determinados fundamentos, sem limitação quanto aos meios de prova e ainda com qualquer outro fundamento, desde que:
a) Não demande produção de prova diferente da documental;
b) Não envolva apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda; e
c) Não represente interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
Ora, no caso, estão preenchidos estes três requisitos: a apreciação do invocado fundamento de nulidade do título executivo não envolve a produção de prova não documental nem a discussão de legalidade da liquidação da dívida exequenda nem a interferência em matéria de exclusiva competência da entidade subscritora do título. Por outro lado a sua procedência implicará que se absolva o executado da instância, com o consequente arquivamento da execução, pelo que sob esse prisma também não se vê porque é que não possa constituir fundamento idóneo de oposição.
IV - O requisito, imposto pelo art. 156/d) do CPCI, da indicação da proveniência da dívida exequenda no título executivo, fica satisfeito com a menção da sua origem e do período de tempo a que ela respeita”. (Sublinhado nosso)
XV. Não obstante o douto aresto supra citado ter sido proferido com base em diferente diploma legal do acórdão recorrido, a disposição contida no antigo art° 176°, al. g) do CPCI, foi transposta para o art° 204°, n° 1, al. i) do CPPT.
XVI. Ambos os acórdãos foram proferidos num quadro normativo substancialmente idêntico.
XVII. O acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento versam, também, sobre situações fácticas substancialmente idênticas, conforme resulta da análise do n° 4 do acórdão fundamento e do n° 4 do acórdão recorrido.
XVIII. Está em causa uma divergente interpretação destas situações jurídica e factual, que resultaram na prolação de duas decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito.
XIX. O acórdão invocado como fundamento, trata-se de uma decisão transitada em julgado.
XX. A finalidade dos recursos por oposição de julgados é a de assegurar o valor de igualdade na aplicação do direito.
XXI. Nestes termos e nos melhores de direito, terá a decisão proferida pelo Tribunal a quo que ser revogada, e substituída por outra que admita o recurso contencioso interposto em 02/02/2007 e o que nele foi exposto.
A Fazenda Pública contra-alegou nos termos que constam de fls.159 e seguintes, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir pela improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado o acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que a reconhece, importa reapreciar se se verifica a alegada oposição de acórdãos, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste STA, não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 687º, nº 4 do CPC).
O presente processo iniciou-se no ano de 2004, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artºs 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, “…a admissibilidade dos recursos de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto no art. 152.º do CPTA, depende da satisfação dos seguintes requisitos: – existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05.), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas” (Acórdão do Pleno desta Secção do STA de 14/7/08, in rec. nº 616/07).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
3 – No acórdão recorrido decidiu-se que a nulidade do título executivo, por falta de requisitos essenciais - falta de menção da proveniência da dívida -, não constitui fundamento de oposição.
Por sua vez, no acórdão tido por fundamento decidiu-se em sentido oposto.
Em ambos os arestos a situação de facto é a mesma, pois é arguida a nulidade do título executivo.
E muito embora o seu enquadramento legal não seja idêntico - no acórdão recorrido foi aplicado o artº 204º, nº 1, al. i) do CPPT, enquanto que no acórdão fundamento estava em causa o artº 176º, al. g) do CPCI -, tal não assume qualquer relevância, uma vez que e como resulta da comparação do texto de ambos preceitos legais é idêntica a sua redacção, pelo que idêntico deverá ser o seu entendimento quanto ao enquadramento jurídico que ambos consagram.
Sendo assim, há, efectivamente, oposição de julgados, não obstante serem diferentes os normativos aplicáveis.
Posto isto, passemos, então, à apreciação da questão que constitui objecto do presente recurso.
4 – Como vimos, consiste esta em saber se a nulidade do título executivo, por falta dos requisitos essenciais, constitui fundamento legal admissível de oposição à execução fiscal.
Esta Secção do STA tem vindo a pronunciar-se uniforme e reiteradamente no sentido propugnado no acórdão recorrido.
Por outro lado e muito recentemente, também o Pleno desta Secção do STA se pronunciou no mesmo sentido no Acórdão de 19/11/08, in rec. nº 430/08, pelo que e com a devida vénia, passamos aqui a transcrever
Assim, escreve-se no citado aresto que “A questão dicidenda é, como já se deixou referido, a de saber se a nulidade do título executivo, por falta dos seus requisitos essenciais, e quando não puder ser suprida por prova documental, é, ou não, fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Ora, há que reconhecer que tal fundamento cabe na literalidade da referida norma pois que patentemente não envolve a apreciação da legalidade da liquidação – desde logo, é-lhe posterior – nem interfere em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título.
Por outro lado, tal nulidade conduz à extinção da execução pelo que, sendo esta o fim primacial da oposição, não haverá, por aí, obstáculo à predita resposta afirmativa.
Cfr. Jorge de Sousa, CPPT anotado, 2.º volume, nota 16 ao artigo 165.º.
Todavia, outros parâmetros há a considerar.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”.
E, em termos semelhantes, preceitua o artigo 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
Assim, a cada direito corresponde uma só acção: unidade, que não pluralidade.
Cfr. o acórdão do STJ, de 28 de Janeiro de 2003, in Colectânea, 166, p. 61.
Ora, o artigo 165.º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão.
A lei elegeu, pois, tipicamente, o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade.
E, como tal, estabelece-se igualmente o seu regime de arguição.
Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título.
Por outro lado, a tutela jurídica concedida à nulidade é, até, mais consistente do que a resultante da oposição, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, que não apenas no prazo de 30 dias contados da citação – cfr. artigo 203.º, n.º 1, do CPPT.
Aliás, a entender-se dever ser conhecida pelo Chefe do Serviço de Finanças (ou, porventura, pelo juiz – cfr. o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT), sempre o respectivo processo seria urgente – artigo 278.º, n.º 5 – o que é mais consentâneo com a celeridade querida para o processo de execução fiscal, atenta essencialmente a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade – em termos de nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma -, aliás proibida nos termos do referido artigo 2.º do Código de Processo Civil.
Conclui-se, assim, que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i).
No sentido exposto, e por mais recentes, cfr. os acórdãos do Pleno do STA de 23 de Fevereiro de 2005 – recurso n.º 0574/04, tirado por unanimidade, e da Secção de 23 de Outubro de 2007 – recurso n.º 026.762, de 14 de Março de 2007 – recurso n.º 0950/06, de 28 de Fevereiro de 2007 – recurso n.º 01178/06 e de 20 de Novembro de 2002 – recurso n.º 01701/02, expressando forte corrente jurisprudencial no sentido ora proposto”.
5 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o aresto recorrido.
Custas pelo oponente, na instância e neste STA, sempre com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2008. – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale (relator) – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa – António Francisco de Almeida Calhau – António José Martins Miranda de Pacheco – Domingos Brandão de Pinho – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa – Jorge Manuel Lopes de Sousa (Vencido conforme declaração junta).
Declaração de voto
A jurisprudência do STA, depois de, inicialmente, ter afirmado a possibilidade generalizada de arguição desta nulidade e seu conhecimento em processo de oposição à execução fiscal ( ( ) Neste sentido, aliás, tem vindo a decidir o STA, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 22-1-92, recurso n.º 13528, AP-DR de 30-12-93, página 50;
– de 20-4-94, recurso n.º 16152, AP-DR de 23-12-96, página 1178;
– de 26-10-94, recurso n.º 14382, AP-DR de 20-1-97, página 2370, e
– de 18-2-98, recurso n.º 21699, AP-DR de 8-11-2001, página 502. ), acabou por inverter essa posição, passando a entender que tal nulidade só pode conhecer-se no processo de execução fiscal. ( ( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 14-4-1999, recurso n.º 22906;
– de 20-11-2002, recurso n.º 1701/02;
– do Pleno de 23-2-2005, recurso n.º 574/04;
– de 28-2-2007, recurso n.º 1178/06;
– de 14-3-2008, recurso n.º 950/06;
– de 23-10-2007, recurso n.º 26762. )
Trata-se de questão sem alcance prático apreciável dos interesses substanciais do executado, uma vez que a falta de requisitos do título executivo, quando constitui nulidade (por não poder ser suprida por prova documental), pode ser arguida a todo o tempo no processo de execução fiscal, pelo que, se for invocada como único fundamento de oposição, será viável a convolação da petição de oposição em requerimento de arguição de nulidade, e, quando não for o único fundamento, pode sempre fazer-se a arguição da nulidade no processo de execução fiscal, na sequência da decisão que não admita esse fundamento de oposição.
No entanto, sem prejuízo de ser aconselhável o acatamento da última jurisprudência uniformizada, para evitar mais tergiversações jurisprudenciais sobre esta matéria (sempre mais lamentáveis quando ocorrem a nível do Supremo, depois de uma prática reiterada e relativamente a questões processuais sem reflexos nas posições substantivas das partes), por a estabilidade jurisprudencial (( ) Como decorre do n.º 3 do art. 8.º do CC, deve-se procurar «obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».) e a confiança que ela gera nos cidadãos serem valores a prosseguir pelos Tribunais que, quando não estão em causa reflexos substantivos, se devem sobrepor à adequação dos meios processuais ( ( ) Que são de importância manifestamente secundária a partir do momento em que foi introduzido no art. 265.º-A do CPC o princípio da adequação formal que impõe ao juiz quando entender que a tramitação processual prevista na lei não se adequa às especificidades da causa, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações. ), parece que a não admissibilidade de invocação da falta de requisitos do título executivo no processo de oposição só tem fundamentação aceitável nos casos em que puder ser suprida por prova documental, isto é, quando essa falta não constitui nulidade, pois, só nesses casos, essa falta de requisitos, não conduz à extinção da execução. O que se reconduz a que, nos casos em que tal falta é nulidade (por não poder ser suprida por prova documental, como sucede no caso da falta de assinatura da entidade que emite o título) não há qualquer obstáculo à sua invocação em oposição à execução fiscal.
Na verdade, a questão de saber se uma causa de extinção da execução fiscal é fundamento de oposição à execução fiscal é simples, à face do critério que emana do art. 204.º do CPPT: se ela se enquadra em qualquer das situações aí previstas, a resposta é afirmativa; no caso contrário, a resposta é negativa. A nulidade por falta de requisitos do título executivo é causa de extinção da execução fiscal e enquadra-se na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º.
De resto, não se vislumbra como um legislador que, em matéria processual, tem como preocupação de primeira linha a economia processual, a ponto de a erigir em fundamento para um intimidatório anúncio explícito de responsabilização disciplinar dos funcionários que pratiquem actos inúteis (art. 137.º do CPC), poderia consagrar um regime legal idolatradamente formalista, em que uma causa de extinção da execução fiscal, invocada num processo próprio para conhecer de causas de extinção da execução fiscal, não pudesse ser nele conhecida, o que permitiria pôr imediatamente fim ao processo, obrigando, antes, o interessado, a parte contrária e o Tribunal a desenvolverem actividade complementar, na sequência da arguição autónoma da nulidade no processo de execução fiscal, para atingir precisamente o mesmo objectivo, sem qualquer benefício para ninguém.
Este hipotético entendimento legislativo, para além de estar ao arrepio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica, seria, decerto, uma solução desacertada que, por o ser, tem de se presumir não ter sido adoptada (art. 9.º, n.º 3, do CC).
Assim, parece-me que o entendimento mais curial será admitir a falta de requisitos do título executivo como fundamento de oposição à execução fiscal, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 2904.º do CPPT, ao menos nos casos em que conduz à extinção da execução, sem prejuízo de, como nulidade que é, poder ser também arguida no próprio processo de execução fiscal até ao trânsito em julgado da decisão final.
Por outro lado, ao contrário do que se refere no acórdão, a possibilidade de serem utilizáveis dois e mesmo mais meios processuais para obter o mesmo efeito jurídico é frequente no contencioso tributário, particularmente no âmbito da execução fiscal, como se pode ver por alguns exemplos:
– a possibilidade de ver apreciada na oposição a ilegalidade abstracta da liquidação [que é fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT mas também fundamento de impugnação judicial, como ilegalidade da liquidação que é, nos termos do art. 99.º do mesmo Código];
– a possibilidade de invocar a falta de posse (fruição ou propriedade) dos bens que originaram a dívida exequenda [art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT] concomitantemente com a possibilidade de o não possuidor invocar esse facto como ilegalidade da liquidação do tributo em causa (art. 99.º, n.º 1, do CPPT), através de processo de impugnação judicial, na sequência da respectiva notificação;
– a possibilidade de invocar a duplicação de colecta como fundamento de oposição à execução fiscal [art. 204.º, n.º 1, alínea g), do CPPT], concomitantemente com a possibilidade de a mesma ser invocada em impugnação judicial, como ilegalidade da liquidação (art. 99.º do CPPT) e a possibilidade de ser invocada, mesmo depois de decorrido o prazo de oposição, através de requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal ou ao tribunal, por ser questão de conhecimento oficioso (art. 175.º do CPPT);
– as possibilidades de invocar a prescrição, o pagamento e a anulação da dívida exequenda como fundamentos de oposição à execução fiscal [art. 204.º, n.º 1, alíneas d) e f), do CPPT] ou requerendo a apreciação dessas causas de extinção da execução directamente ao órgão da execução fiscal, mesmo depois de esgotado o prazo de oposição, por serem questões de conhecimento oficioso (arts. 175.º, 264.º, n.º 1, 265.º, n.º 1, 269.º e 270.º do CPPT).
De resto, parece-me que a perspectiva global adequada à apreciação da globalidade das questões processuais, num mundo jurídico enformado pelo princípio pro actione (erigido pelo art. 7.º do CPTA em critério de interpretação de normas), e pelo princípio da adequação formal (enunciado no art. 265.º-A do CPC, que reflecte exuberantemente o desprezo legislativo pelo rigor processual, quando há forma mais eficiente de assegurar a resolução do litígio que é o objectivo do processo), impõe que as questões deste tipo sejam apreciadas sob a perspectiva de que os Tribunais são um serviço público que, como tal, deve ter por preocupação primacial proporcionar aos cidadãos a justiça a que têm direito e abster-se de criar entraves injustificados a que eles a obtenham.
No caso em apreço, não vejo que interesses ficam protegidos com a decisão de não apreciação da falta de requisitos do título executivo no processo de oposição, para além de um hipotético interesse do Estado em cobrar custas ao executado, que, se existisse, seria inconfessável, decerto, pois constituiria uma perversão do serviço público de justiça orientá-lo pela finalidade de cobrança de custas.
Mas, vejo bem os que são afectados com essa decisão: são o da economia processual, o da tutela judicial efectiva (que comporta a vertente da celeridade, como decorre dos arts. 20.º, n.º 1, e 4, da CRP e 96.º n.ºs 1 e 2, do CPPT), o interesse patrimonial do executado (que, no caso, em apreço, terá de pagar custas avultadíssimas, mesmo que tenha razão) e o da justiça (afectado por uma condenação em custas vultuosas, numa situação em que o executado seguiu uma das correntes jurisprudenciais adoptadas pelo Supremo).
Jorge Manuel Lopes de Sousa