Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0621/09
Data do Acordão:02/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
IRC
ROYALTIES
SOFTWARE
Sumário:I - Situando-se o processo tributário de impugnação judicial no domínio do contencioso de mera legalidade, visando apenas a apreciação da legalidade da actuação da Administração tal como ela ocorreu, não pode o tribunal valorar razões de facto e de direito que não foram invocadas pela Administração Tributária para justificar e praticar o acto impugnado, sob pena de violação do princípio da separação de poderes constitucionalmente garantido.
II - Por força do disposto no artigo 8.º da CRP as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas e regularmente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna logo que publicadas, constituindo fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários. Daí a força jurídica da Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento que Portugal e a Bélgica assinaram em 16/07/69 e que entrou em vigor em 19/12/71.
III - Com os tratados bilaterais fiscais não devem confundir-se as convenção-tipo, que se limitam a traçar um modelo que as partes deverão seguir, como é o caso do Modelo de Convenção elaborado pela OCDE para os impostos sobre o rendimento, que serve de minuta às convenções bilaterais celebradas pelos Estados-Membros dessa organização e onde estes podem consignar, nos respectivos Comentários, as suas divergências quer quanto ao texto dos preceitos do Modelo (“reservas”), quer quanto à posição interpretativa da OCDE sobre tais preceitos (“observações”).
IV - A versão originária desse Modelo de Convenção, elaborado em 1963, não continha Comentários sobre a qualificação e tributação dos rendimentos provenientes de software, inexistindo, assim, quaisquer “observações” ou “reservas” no que toca a essa matéria, e a definição de royalties contida no seu artigo 12.º não era susceptível de englobar o software, por este não representar uma obra literária, artística ou científica, nem lhe ser dada, na altura, equiparação legal a essas obras.
V - Pelo que do teor do artigo 12.º da CDT/Portugal-Bélgica, que reproduz o texto do artigo 12º da versão originária do Modelo de Convenção, repetindo a definição de royalties nele contida, não pode retirar-se qualquer elemento indiciador de que englobe ou pretenda englobar os rendimentos provenientes de transacções que envolvam software.
VI - A problemática da tributação do software só veio a ser abordada na revisão do Modelo de Convenção operada em 1992, o que levou à introdução de novos Comentários ao artigo 12.º, segundo os quais a remuneração pela cedência de direitos sobre software reveste a natureza de rendimentos da actividade comercial quando ocorra a transferência total da propriedade do software ou quando, ocorrendo uma transferência parcial, se pretenda permitir ao utilizador servir-se (pessoal ou comercialmente) do programa, só tendo, assim, a natureza de royalties a remuneração pela transferência parcial de direitos com o fim de desenvolvimento ou exploração comercial do programa.
VII - O Estado Português não formulou qualquer “observação” a esse Comentário, conformando-se com essa interpretação veiculada pela OCDE para o artigo 12.º, deixando apenas formulada uma “reserva” no sentido de se reservar “o direito de tratar e tributar como royalties os rendimentos a título de software que não sejam obtidos da transferência total de direitos relativos a software”.
VIII - Tendo esta “reserva” sido formulada em 1992, e visto que, por natureza, as “reservas” só podem produzir efeitos jurídicos se forem efectivamente concretizadas nas Convenções que vierem a ser celebradas, não se podendo sobrepor às concretas condições bilaterais convencionadas entre os Estados se o respectivo conteúdo não constar do seu texto, ela não pode produzir efeitos jurídicos relativamente à CDT/Portugal-Bélgica assinada em 1969.
IX - Mesmo que se considerasse que o direito interno português já permitia, na data da distribuição dos rendimentos em questão, qualificar o software como “obra literária, artística ou científica” face à protecção que o legislador português veio a conceder aos programas de computador através do Decreto Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, atribuindo-lhes “protecção análoga” às obras literárias, o certo é que perante o contrato em questão se conclui que ocorreu uma transferência parcial de direitos pela cedência de utilização de software para uso interno da Recorrente (e não para desenvolvimento ou exploração comercial do programa), cujos rendimentos não se enquadram no conceito de royalties face à interpretação veiculada pela OCDE nos Comentários ao Modelo de Convenção e com a qual Portugal se conformou.
X - E ainda que se pudesse defender que o conteúdo dessa “reserva” equivale ao conteúdo de uma “observação” ou declaração de discordância de Portugal da posição interpretativa oficial da OCDE sobre o artigo 12.º, nem assim se poderia sufragar o entendimento da sua aplicação às Convenções anteriormente celebradas, uma vez que a “observação” só pode ser oposta aos países que a partilharam e subscreveram, pois só eles ficam vinculados a seu conteúdo.
Nº Convencional:JSTA00066795
Nº do Documento:SA2201102020621
Data de Entrada:06/12/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. / DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC01 ART69 N2 ART75.
CONST97 ART8.
Referências Internacionais:CONVENÇÃO PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO CELEBRADA ENTRE PORTUGAL E BÉLGICA APROVADA PELO DL 619/70 DE 1970/12/15 ART7 ART12.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC845/05 DE 2006/03/08.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG140.
AZEVEDO SOARES LIÇÕES DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO PAG99.
ALBERTO XAVIER DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 2ED PAG104.
MANUEL PIRES DA DUPLA TRIBUTAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL SOBRE O RENDIMENTO PAG586 PAG587.
GUSTAVO LOPES COURINHA DA TRIBUTAÇÃO DO SOFTWARE NAS CONVENÇÕES DE DUPLA TRIBUTAÇÃO CELEBRADAS POR PORTUGAL IN FISCALIDADE N37 PAG27 PAG32 PAG34 PAG35 PAG43 PAG46 PAG47.
FRANCISCO SOUSA DA CÂMARA A TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS DO SOFTWARE OBTIDOS POR NÃO RESIDENTES IN HOMENAGEM A JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO PAG197 PAG217.
JOSÉ ALBERTO VIEIRA DIREITO DA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO VI PAG73.
Aditamento: