Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:027/10
Data do Acordão:10/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:I - A existência de oposição de acórdãos a que se refere o artº 284º do CPPT, depende, nomeadamente, da verificação de factos substancialmente idênticos, de oposição de soluções jurídicas estando em causa as mesmas regras de direito e de apreciação expressa dessas questões em ambos os arestos.
II - Assim sendo, não ocorre tal oposição se no acórdão recorrido foram apreciados factos conducentes à sujeição da impugnante a IMI, ao abrigo do artº 8º, nº 1 do respectivo Código e no acórdão fundamento se apreciaram factos conducentes à aplicação do nº 1 do artº 39º do Código do IMI.
Nº Convencional:JSTA000P13326
Nº do Documento:SA220111012027
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. “A…”, melhor identificada nos autos, veio reclamar para a conferência do despacho do relator de fls. 400/404, dos autos que não admitiu o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão proferido neste tribunal a 02.06.2011 (fls. 281/291) com o fundamento em oposição com o acórdão de 02.12.09, proferido no processo nº 720/09.
A fls. 408/419, veio a recorrente fundamentar a reclamação, procurando demonstrar que, ao contrário do julgado no referido despacho, existe entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento uma identidade, quer substancial de situações fácticas, quer de regime jurídico aplicável, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:
I - No Acórdão recorrido: há uma subconcessão do domínio público hídrico, que foi “equiparada” à existência de um direito de superfície e, portanto, sujeito passivo do IMI, sendo que no recurso para o STA foi “transmudado” em PROPRIETÁRIO, logo também sujeito à aplicação do factor calculatório, para determinação do valor de base de incidência do imposto, ainda que sem necessidade de o invocar (!), e, por sua vez,
II - No Acórdão fundamento: há uma subconcessão do domínio público hídrico, que foi “equiparada” à existência de um direito de superfície e, portanto, sujeito passivo do IMI, sendo que no recurso para o STA foi “mantido” como SUPERFICIÁRIO, mas ainda assim sujeito também à aplicação do mesmo factor calculatório, para determinação do valor de base de incidência do imposto.
III - Em face do descrito, a oposição entre os Acórdãos parece ser manifesta, na medida em que não pode aceitar-se, nem é admissível, que uma situação fáctica substancialmente idêntica, uma subconcessão de uma parcela de terreno, no âmbito de um domínio publico hídrico, onde foram implantadas instalações, correspondentes fiscalmente a prédios urbanos,
IV - Sujeitos ao mesmo normativo de incidência, o art.º 8.° do CIMI, possa ser objecto de tributação,
V - Ora, porque preenche os pressupostos da existência de um direito de superfície (Acórdão fundamento)?!
VI - Ora, porque, afinal, preenche os pressupostos da existência de um direito de propriedade (Acórdão recorrido)?!
VII - E, em ambas as situações, sujeitos, é certo, à aplicação de um factor calculatório meramente para efeitos de cálculo do valor de base para cálculo do imposto eventualmente devido!
VIII - Ou seja, o que está verdadeiramente em causa não é senão outra coisa que não seja a de saber a QUALIDADE A ATRIBUIR AOS SUJEITOS: SUPERFICIÁRIO ou PROPRIETÁRIO, e, em qualquer dos casos, digamos, em segunda derivada, sempre sujeitos à aplicação de um factor calculatório, apenas para efeitos da determinação do valor de base do imposto, mas não para definir a sua sujeição ao tributo!
IX - A conclusão parece não poder ser outra senão que outra coisa não resulta do recurso subjacente ao Acórdão fundamento que o que estava, sempre esteve, em questão era a QUALIDADE DO SUJEITO (Superficiário ou Proprietário?), pois, defendendo o ali recorrente que o factor calculatório não podendo ser aplicável à sua situação (como SUPERFICIÁRIO), não poderia, logicamente, ser sujeito passivo do IMI, porquanto lhe faltaria então uma regra para cálculo do eventual imposto, pois, sempre a regra da lei se deveria aplicar apenas a quem fosse PROPRIETÁRIO,
X - Tese que o Acórdão fundamento não acolhendo acabou afinal por “equiparar” o “Superficiário existente” a um “Proprietário inexistente”!
XI - Ora, a tese do Acórdão recorrido mais não faz do que negando, em absoluto, ao R. a qualidade de “Superficiário existente” (tese da primeira instancia judicial) “transmuta-o” em Proprietário (in)existente” e, por consequência, atribui-lhe uma QUALIDADE DE SUJEITO que o consagra como sujeito passivo do imposto!
XII - Aliás, salvo o devido respeito, qualquer dos acórdãos aqui em discussão “sai airosamente” do problema de fundo, ou seja, afinal o de saber se um concreto subconcessionário de uma parcela de terreno do domínio público hídrico onde implantaram instalações (mal classificados como “prédios urbanos” e ainda que apenas na matriz!), cuja propriedade só pode ser do Estado (porque sempre revertíveis para este no fim da concessão), poderia, ainda assim, ser sujeito passivo do IMI, por força dos n.°s 1 e 2 do art.º 8º do Código do IMI, ou seja, como Proprietário ou como Superficiário?
XIII - É certo que responderam os doutos Acórdãos de forma diferenciada, ora sendo superficiário (Acórdão fundamento), ora sendo proprietário (Acórdão recorrido), mas sempre com o mesmo e único objectivo: atribuir uma QUALIDADE DE SUJEITO que, por consequência, lhe pudesse ser imposta a sujeição ao IMI, não importando bem a que título ou em que qualidade, mas tão só que haviam que pagar imposto, quando é certo que as situações fácticas substanciais são idênticas!
XIV - Não há que invocar, salvo o devido respeito, uma decisão expressa substancialmente idêntica quanto ao direito aplicável, quando do conteúdo das decisões se consegue extrair a natureza do que, efectivamente, possa estar em questão: ser ou não sujeito passivo do imposto e sendo-o como se deve calcular o eventual imposto devido.
XV - Não parece à R., salvo o devido respeito, que os acórdãos invocados peso douto despacho, neste âmbito de “expressão” das decisões, se possam subsumir à situação fáctica substancialmente idêntica que se configura no Acórdão aqui recorrido (?!).
XVI - Em face disto, reitera-se, entende a R. que, salvo o devido respeito, há uma inequívoca e demonstrada OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS, emanados por esse douto tribunal, pelo que importará admitir a sua existência e dar prosseguimento aos autos, nos termos legais.
2. Cumpre decidir.
Tal como já ficou escrito no despacho do Relator de fls. 400 e segs., tendo os autos dado entrada em 17.07.2008 (v. fls. 2), são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).
Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
- a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
De acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05;
- de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05;
- de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06.
No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
Vejamos então se no caso dos autos se verificam tais requisitos.
2.1. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
a) No dia 11 de Janeiro de 2002, através de escritura pública foi celebrado um acordo de “subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico” entre o Município de Viana do Castelo e a Impugnante.
b) De acordo com essa escritura, cujo teor consta de fls. 32 a 36 dos presentes autos e aqui se dá por reproduzido, o Município de Viana do Castelo declarou subconcessionar à Impugnante, pelo prazo de 30 anos, contado do início de vigência do Contrato de Concessão de Uso Privativo do Domínio Público Hídrico outorgado entre a Câmara Municipal de Viana do Castelo e o Instituto Portuário do Norte, o lote do Parque Empresarial da Praia Norte, com a área de sete mil e oitocentos metros quadrados e área coberta de mil e seiscentos metros quadrados (...).
c) A Impugnante, através da referida escritura declarou obrigar-se a efectuar os pagamentos das taxas iniciais de ocupação do lote, no mês seguinte ao da emissão da licença de utilização, pela Câmara Municipal, e nos anos subsequentes até ao fim de idêntico mês, da forma a seguir discriminada (...).
d) Mais declarou a Impugnante aceitar a subconcessão nos precisos termos que consta da referida escritura.
e) Em 15 de Março de 2006, através da internet, a Impugnante enviou ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a Declaração Modelo 1 para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz.
f) Essa declaração reporta-se a um prédio urbano omisso na matriz e a que foi atribuído o artigo 2553, situado na freguesia de …, …, …, Lote … com afectação a “Serviços”, 4 pisos e 60 divisões.
g) A data da licença de utilização do referido prédio é a de 27 de Maio de 2005.
h) O prédio referido na alínea f) foi edificado no lote de terreno que se menciona supra na alínea b).
i) Em 13 de Março de 2008, a administração tributária procedeu à liquidação de IMI relativa ao ano de 2007 e respeitante ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 2553 supra referido, conforme consta da demonstração de fls. 26 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
j) O prazo para pagamento voluntário da primeira prestação das quantias liquidadas terminou em 30 de Abril de Janeiro de 2008.
k) A presente impugnação judicial foi apresentada em 17 de Julho de 2008.
2.2. No acórdão fundamento, por sua vez, foram dados como provados os seguinte factos:
1. A Administração Fiscal procedeu à avaliação do artº. P 2516 atribuindo-lhe o valor patrimonial de 483 940 € (fls. 21 dos autos);
2. A Impugnante requereu a 2ª Avaliação, tendo sido mantido o referido valor (fls. 22 dos autos).
3. Em 11.03.2002, a Câmara Municipal de Viana do Castelo, subconcessionou à sociedade B…, o uso privativo de duas parcelas de terreno do domínio hídrico, lote 48 e 49, pelo período de 30 anos, sito Parque Empresarial da Praia do Norte, documento constante de fls. 6 a 11 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzidas;
4. No âmbito do referido contrato a B…, e por cedência da posição contratual, a Impugnante ficou obrigada ao pagamento de taxas as quais são fixadas em função áreas de implantação das instalações industriais existentes;
5. Em, 08.10.2004, por escritura pública, a B… cedeu a sua posição contratual à Impugnante;
6. Na fixação do valor patrimonial tributário os peritos tiveram em consideração o valor 490 €, valor fixado pela portaria n° 99/2005 de 17.01, ao qual acresceu o valor de 25%, estabelecendo o valor de 612.50 €, para o valor base dos prédios edificado (VC).
7. A Impugnante, nos lotes de terreno construiu um armazém comercial;
2.3. A questão a decidir no acórdão recorrido foi “ a de saber se a Impugnante é sujeito passivo do imposto liquidado”, enquanto no acórdão fundamento se definiu a questão a conhecer como sendo a “de saber se na determinação do valor base dos prédios edificados para efeito de IMI, no caso do sujeito passivo não ser o proprietário do terreno mas sim um seu concessionário, ao custo médio de construção por metro quadrado deve ser adicionado o valor médio do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele custo, como se fez no acto que fixou o valor patrimonial do prédio em causa nos autos invocando o disposto no artigo 1.º do artigo 39º do CIMI”.
Quer dizer então que, enquanto no acórdão recorrido se afrontou expressamente a questão de saber se a recorrente podia ser sujeito passivo do IMI, nos termos do artº 8º do Código do IMI, tendo-se respondido afirmativamente, no acórdão fundamento essa questão não chegou a ser apreciada expressamente, limitando-se a apreciar critérios de avaliação do imóvel e concluindo-se que “não se apresentando como legítimo o apelo feito na sentença à regra interpretativa constante do n.º 3 do artigo 11.º da LGT, não pode acolher-se a interpretação que aí foi feita no sentido de não ser aplicável na fixação do valor base dos prédios edificados a adição do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% do custo médio de construção por metro quadrado, consoante o previsto no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI”. E, assim entendeu-se neste aresto que: “A norma do n.º 1 do artigo 39.º do CIMI, prevendo que o valor base dos prédios edificados (VC) corresponde ao custo médio da construção por metro quadrado adicionado do valor do metro quadrado de terreno de implantação fixado em 25% daquele custo, aplica-se indistintamente aos sujeitos passivos do imposto indicados no n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do mesmo Código”.
Temos então que em ambos os acórdãos as questões jurídicas apreciadas e os respectivos factos são distintos, pelo que não ocorre a invocada oposição de acórdãos ao abrigo do artº. 284º do CPPT.
3. Nestes termos e nos do disposto no artº 284º, nº 5 do CPPT, considera-se inexistir oposição entre os acórdãos acima identificados, julgando-se findo o recurso, assim se confirmando e mantendo o despacho reclamado.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011. - Valente Torrão (relator) - Dulce Neto – Lino Ribeiro.