Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0206/18.6BEFUN
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO
TARIFA
GESTÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS
MUNICÍPIO
Sumário:I - A obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre o município Utilizador de um sistema multimunicipal de águas e de resíduos da Região Autónoma da Madeira e a empresa concessionária daquele não tem natureza tributária;
II - Na execução fiscal da obrigação pecuniária emergente de um contrato, que não foi liquidada no prazo contratualmente previsto, e relativamente à qual foi extraída, nos termos legais, certidão com valor de título executivo, os seus requisitos de validade são os que constam das regras legais e contratuais para a validade do título, bem como aqueles que resultam do disposto no artigo 163.º do CPPT, e não os constantes das normas dos artigos 36.º e 39.º, n.º 12, do CPPT;
III - A oposição à execução fiscal não é a via adequada para discutir a legalidade das dívidas emergentes de contratos, mesmo quando essas dívidas sejam, por lei, equiparadas a dívidas ao Estado ou a uma Região Autónoma.
Nº Convencional:JSTA000P25517
Nº do Documento:SA2202002050206/18
Data de Entrada:12/05/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DO FUNCHAL
Recorrido 1:ARM-ÁGUAS E RESÍDUOS DA MADEIRA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. O MUNICÍPIO DO FUNCHAL, pessoa coletiva de direito público n.º 511 217 315, com sede ao Largo do Município, 9004-512 Funchal, recorreu da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2810201801053795 que no Serviço de Finanças do Funchal corre termos para cobrança coerciva de dívida proveniente da fatura FTB1700715, emitida em 06/12/2017, dívida esta titulada pela certidão n.º 20180403/11, emitida por ARM – ÁGUAS E RESÍDUOS DA MADEIRA, S.A., titular do número de identificação fiscal n.º 509 574 513, com sede na Rua dos Ferreiros, n.º 148-150, 9000-082 Funchal, no montante de € 325.582,90.
Recurso este que foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Notificado da sua admissão, o RECORRENTE apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões [que renumeramos]: «(...):
1. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, fez uma incorreta aplicação do direito aos factos que se encontram documentalmente provados ao considerar a oposição em causa nos autos improcedente, e ao determinar que a ARM, SA. não procedeu à cobrança coerciva de um tributo, mas de um preço contratualmente assumido.
2. Ora os supostos créditos da recorrida relativos à prestação destes serviços em “alta” apesar de serem titulados por faturas não deixam de possuir a natureza coactiva, característica de todos os tributos públicos.
3. Dado que a ARM é a sociedade concessionária do sistema multimunicipal de águas e de resíduos da Região Autónoma e não se encontra no mercado prestações sucedâneas daquelas e a fixação destas contraprestações pela utilização desses serviços está subtraída à lógica ou às regras do mercado uma vez que é fixada autoritariamente, através de Resoluções, da Presidência do Governo Regional e posteriormente através do contrato de concessão celebrado entre a Região Autónoma da Madeira e a ARM.
4. A contraprestação em causa nos autos é uma taxa uma vez que estamos perante uma prestação coativa, com vista à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos.
5. Apesar da natureza sui generis deste processo de execução fiscal e dos créditos que procura cobrar também se aplicam aqui as regras e formalismos próprios das notificações estabelecidas nos artigos 35.º e seguintes do CPPT e os fundamentos de oposição que se encontram consagrados no artº. 204, nº.1, do C.P.P.T..
6. A sentença recorrida considerou que se aplicava no caso dos autos as situações previstas no art.º 44.º do CPPT, pelo que, na sucessão de atos dirigida à declaração destes créditos incluem-se as regras estabelecidas nos artigos 36.º e 39°, n.º 12 do CPPT.
7. A sentença recorrida concluiu que os formalismos e critérios na fixação/determinação do preço constam do clausulado a que as partes se vincularam, bem como do regime legal, em especial do documento “Bases da Concessão da Exploração e Gestão do Sistema Multimunicipal de Águas e de Resíduos da Região Autónoma da Madeira” anexo ao Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M.
8. Como tal diploma é omisso sobre qual é a sucessão de atos dirigidos à declaração deste crédito, mesmo através desse raciocínio teria de se concluir que se aplicam os artigos 36.º e 39°, n.º 12 do CPPT.
9. Por outro lado, ao aplicar-se a esta execução fiscal as normas referentes à cobrança coerciva de dívidas exigíveis em processo de execução fiscal, sempre se terão de aplicar os fundamentos de oposição previstos no artº. 204, nº.1, do C.P.P.Tributário.
10. A sentença recorrida violou os valores constitucionais, ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, ao fazer uma interpretação da alínea g), do n.º 1 do art.º. 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto, manifestamente violadora do princípio da tutela judicial efetiva
11. Dado que os regimes adjetivos devem conformar-se com o princípio da proporcionalidade e não criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
12. A interpretação que a decisão recorrida fez da alínea g), do n.º 1 do art.º. 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto desprotege gravemente os direitos do recorrente, assim ofendendo os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
13. O recorrente na sua oposição invocou a inexigibilidade da dívida, nos termos do art.º 204, nº.1, al.) i), do C.P.P.T., uma vez que a suposta dívida em causa nos autos apesar de não ser exigível está a ser cobrada em processo de execução fiscal.
14. Uma vez que a factura que está na base da presente execução fiscal, não contém os elementos previstos no artigo 36.º do CPPT pelo que é ineficaz, em relação ao recorrente conforme resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 36.º do CPPT.
15. Este acto de notificação/fatura é ainda nulo, nos termos do artigo 161. °, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo e do artigo 39°, n.º 12 do CPPT, por não permitir descortinar quem é o órgão autor do ato, dado que apenas tem aposto no topo superior esquerdo o timbre da ARM, sem qualquer assinatura.
16. Se assim se não entender, sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a Lei que permite à ARM cobrar as taxas e tarifas e demais importâncias devidas pela utilização do sistema de águas e de resíduos através do processo de execução fiscal não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação que emite.
17. Motivo pelo qual neste caso, sempre será fundamento de oposição à execução fiscal a discussão da ilegalidade do acto tributário (liquidação) e da ilegalidade da dívida exequenda, ao abrigo da al) h), do n.º 1, do artº. 204, do C.P.P.Tributário.
18. O ato de liquidação desta taxa não teve por base quaisquer elementos fornecidos para o efeito pelo Município do Funchal, pelo que deve entender-se que este deveria ter sido chamado a exercer o seu direito à audição prévia.
19. Não o tendo feito, a ARM incorreu num vício de procedimento na liquidação desta taxa, pelo que é anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 286.º, n.º 3 da CRP e no artigo 77.º da LGT.
20. Por outro lado, verifica-se também, que este ato de liquidação é anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 286.º, n.º 3 da CRP e no artigo 77.º da LGT.
21. A sentença recorrida violou os artigos n.ºs 36.º, 39°, n.º 12, 44º, 204, nº.1, do C.P.P.T., artigo 163.º, n.º 1 do CPA, artigos, 45º, n.º 1, 60.º, n.º 1, alínea a) e 77.º da LGT e ainda os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, ao fazer uma interpretação da alínea g) do n.º 1 do art.º 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16º-A do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto, manifestamente violadora do princípio da tutela judicial efetiva.».
Pediu fosse dado provimento ao presente recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse elaborada nova decisão que declarasse extinto o processo de execução fiscal.
A RECORRIDA apresentou contra-alegações e também formulou as suas conclusões, que a seguir se transcrevem: «(...)
A. As decisões contidas na sentença que foram impugnadas pelo Recorrente cingem-se na redação do próprio Recorrente, à:
i) Inexigibilidade da dívida exequenda – falta de notificação dos elementos essenciais previstos nos artigos 36.º e seguintes do CPPT e nulidade “da notificação do ato tributário (liquidação),” por não identificação do autor do ato, nos termos do n.º 1 do artigo 161.º do CPA e n.º 12 do artigo 39.º do CPPT;
ii) Ilegalidade do ato tributário – liquidação – por preterição do direito de audiência prévia e por violação do dever de fundamentação;

B. Sem razão, porém, uma vez que a sentença recorrida fez uma correta aplicação do Direito aos factos, devendo julgar-se o recurso improcedente, como passamos a demonstrar.
C. No que toca à inexigibilidade, verifica-se que o Recorrente lança mão de um concreto argumento que, anteriormente, jamais havia invocado, a saber a pretensa violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva por suposta impossibilidade de reação, administrativa ou judicial, contra a factura que titula as suas dívidas perante a ARM em execução nos autos.
D. Ora, tais apontadas violações dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP nunca antes haviam sido invocadas, o que levou a que o Tribunal a quo não se tenha, sobre as mesmas pronunciado.
E. Assim, os vícios de inconstitucionalidades apenas suscitados pelo Recorrente em sede de recurso não podem ser apreciados, devendo dar-se como não escritos, sob pena de violação do disposto nos artigos 268.º do CPC e 108.º, n.º 1, do CPPT.
F. Sem prejuízo, certo é que, conforme resulta dos factos dados como provados, o Recorrente instaurou uma acção administrativa especial de impugnação, que ainda corre termos, através da qual peticionou a desaplicação das resoluções que fixaram os valores das tarifas a aplicar aos serviços de tratamento de resíduos em alta a prestar pela ARM.
G. O que demonstra que existem meios judiciais ao seu alcance – de que o mesmo fez uso – para reagir contra os preços/tarifas definidos e que não está o mesmo limitado no seu direito de acesso aos Tribunais e à Justiça.
H. Se aquilo de que o Recorrente discorda são as tarifas, então reagiu em sede própria e a Justiça não deixará de analisar a sua pretensão.
I. Já sendo a discordância do Recorrente contra a concreta medição e pesagem dos resíduos tratados em alta pela ARM, que depois legitima a realização dos cálculos aritméticos por aplicação das tarifas em vigor, então cumpre frisar que o Recorrente tem acesso, prévio à emissão das facturas, aos documentos onde se contempla a pesagem/contagem das toneladas de resíduos tratados pois o contrato celebrado prevê a forma da sua contabilização.
J. Ora, ao longo de todos estes anos de prestação de serviços pela ARM, jamais o Recorrente pôs em causa, em algum momento, a concreta quantidade de toneladas de resíduos tratadas, a efectiva prestação dos serviços ou a correção do mesmo. Na verdade, sempre optou por nada contestar quanto a tal.
K. Estando-se perante preços de serviços contratualizados, assistiam ao Recorrente os meios judiciais ou outros que entendesse para reagir contra a exigência de pagamento dos mesmos, fosse devolvendo as facturas, fosse impugnando a sua validade, comunicando o não reconhecimento do crédito, ou o não conhecimento da entidade emissora, tudo aquando da respetiva notificação, o que mesmo nunca fez.
L. Mais, defendendo estarmos perante tributos, o Recorrente não poderia ignorar que teria meios próprios de reacção contra os mesmos, fosse por via de reclamação fosse por via de impugnação, meios que optou por nunca utilizar.
M. Acresce que, é inegável que o Tribunal a quo conheceu dos argumentos invocados pelo Recorrente no seu recurso, o que consubstancia a prova de que o mesmo teve ao seu alcance meios de reação contra as faturas, apenas não tendo merecido provimento os seus argumentos.
N. É, assim, forçoso concluir que o Recorrente não foi cerceado nos seus direitos de defesa perante a cobrança das dívidas que contraiu, sendo este processo, também, prova da falsidade desse argumento.
O. Chegados ao âmago da argumentação do Recorrente – que se centra na natureza da dívida exequenda – diremos que o recurso não pode proceder, uma vez que a tese da Recorrente assenta em conclusões que pressupõem factos que não foram dados como provados na sentença recorrida (em rigor, nunca foram alegados pelo Recorrente).
P. De facto, o Recorrente alega que “não se encontram no mercado prestações sucedâneas daquelas que a ARM realiza, pelo que o recorrente se vê por isso verdadeiramente coagido a recorrer aos seus serviços, uma vez que não existe concorrência para que possa optar por outro fornecedor” e que “a fixação destas contraprestações pela utilização desses serviços está subtraída à lógica ou às regras do mercado uma vez que é fixada autoritariamente”.
Q. Salvo melhor opinião, parece-nos que é impossível a este Supremo Tribunal ajuizar e decidir se as conclusões do Recorrente são procedentes, dado que a sentença não deu como provados factos capazes de sustentar essas conclusões, nem o Recorrente impugnou a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que diz respeito à matéria de facto.
R. Sem prejuízo, sempre se dirá que à luz do disposto no artigo 4.º, n.º 2, da LGT, o pagamento da taxa corresponde ao cumprimento da obrigação pecuniária de um dos sujeitos (o devedor) desta relação bilateral ou sinalagmática, recaindo em contrapartida sobre o credor da taxa uma obrigação que pode revestir uma das seguintes formas: i) prestação concreta de um serviço público, ii) utilização de um bem do domínio público ou iii) remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
S. Sucede que no caso dos presentes autos, não estamos perante uma relação jurídica entre um particular e um Município, que nasce de uma imposição legal dirigida à prestação de um serviço público mediante uma contrapartida unilateralmente fixada pela Administração.
T. Trata-se, antes, de uma relação jurídica constituída através de um contrato negociado e celebrado (a 03/10/2005) entre um Município e uma empresa de capitais públicos criada pela Região Autónoma da Madeira e vários Municípios, por via do qual se convencionou que, em contrapartida do serviço prestado, o Município pagará à Exequente ARM um preço fixado de acordo com a trajetória tarifária prevista no contrato de concessão, previamente conhecida de todos os Municípios, incluindo o Recorrente.
U. Além disso, ao contrário do que sucede nessa típica relação de serviço público, no caso dos presentes autos são os próprios Municípios que figuram como acionistas da ARM, aos quais são reservados poderes de controlo e fiscalização da atuação da sociedade.
V. Acresce que as tarifas são diferenciadas e variam de Município para Município, tendo por base as necessidades de cada um deles.
W. O que significa que o sistema multimunicipal de águas e resíduos da RAM e o sistema tarifário respetivo, não foi criado à margem dos Municípios e não lhes foi coativamente imposto, como o Recorrente defende e como sucede nos casos tratados pela doutrina e jurisprudência citada nas alegações de recurso.
X. Verifica-se, igualmente, que o Município Recorrente não é o beneficiário direto do serviço público concedido à Exequente ARM (esses são os cidadãos e empresas do Funchal), mas antes a entidade que contratou a concessionária ARM para, em sua substituição, prestar esse serviço aos cidadãos e empresas do Funchal.
Y. Não é, portanto, concebível que o preço cobrado pela Exequente ARM através da fatura subjudice possa qualificar-se como uma taxa, que, segundo a noção do n.º 2 do artigo 4.º da LGT, assenta na prestação concreta de um serviço público (prestado aos cidadãos e empresas e não propriamente ao Município).
Z. A forma como o Recorrente coloca a questão ignora, nomeadamente, o próprio conteúdo do DLR 17/2014/M, no âmbito de cuja elaboração o Recorrente foi ouvido (como decorre do preâmbulo desse diploma), assim como pretende branquear o facto central de que a adesão dos Municípios ao sistema multimunicipal de gestão de águas e resíduos da RAM é feito por adesão voluntária,
AA. Tendo-se obrigado, através desse contrato, ao pagamento, de acordo com os critérios definidos no contrato de concessão celebrado entre a ARM e a RAM (no âmbito de cuja feitura, reitera-se, o Município do Funchal foi ouvido) dos serviços prestados pela ARM no âmbito do tratamento e recolha de resíduos sólidos.
BB. Ademais, é falso que a sentença diga que considera aplicável aos autos o disposto no artigo 44.º do CPPT, como refere o Recorrente para sustentar a sua argumentação de que estamos perante actos tributários, a que seriam aplicáveis as normas do CPPT.
CC. A sentença diz, sempre, precisamente o inverso (que não é de aplicar à situação em análise as regras do procedimento tributário).
DD. Também é falsa a construção do Recorrente segundo a qual o que legitimaria a desnecessidade de recurso às normas do CPPT – segundo a sentença – seria o regime do DLR 17/2014/M, nomeadamente as Bases da Concessão a ele anexas. A tónica da sentença é sempre colocada na existência do contrato celebrado entre Recorrente e Valor Ambiente, S.A./ARM, o que o mesmo pretende manter oculto apesar de saber bem que é o motivo central da improcedência da sua oposição.
EE. Ora, existindo esse contrato, e decorrendo do mesmo os procedimentos a seguir para cobrança dos preços por parte da ARM, nomeadamente mediante a emissão de facturas, não cabe recorrer a outro mecanismo ou procedimento que não esse mesmo, a que as partes se vincularam, não havendo motivo que legitime: a) a aplicação analógica ou directa das regras do CPPT quanto a tributos ou b) os formalismos de notificação próprios dos actos tributários, nomeadamente os previstos nos artigos 35.º e 36.º do CPPT.
FF. Devem, por tudo quanto acima se deixou expresso, improceder os argumentos do Recorrente que pretende atribuir à dívida exequenda a natureza de tributos, não merecendo a sentença qualquer reparo a tal respeito, estando correctamente sustentada, de facto e de Direito e em conformidade com a jurisprudência e doutrina dominantes.
GG. Já quanto à ilegalidade do alegado ato tributário na tese do Recorrente, e aos demais vícios que lhe são assacados neste recurso, a verdade é que o Recorrente se limitou a repetir toda a argumentação anteriormente expendida em sede de oposição, nada de novo acrescentando.
HH. Por esse motivo e com esse fundamento, deve o recurso, também nesta parte, ser julgado improcedente, dado que não são atribuídos erros ou vícios à sentença neste particular.
II. Sem prejuízo, a verdade é que nenhum dos vícios invocados pelo Recorrente neste recurso se verifica.
JJ. Desde logo porque qualquer dos vícios invocados, poderiam quando muito consubstanciar meras irregularidades, não passíveis de afetar a fatura, além de que a assumida postura de recusa de reação ou resposta à fatura sempre seria de considerar contrária ao princípio da colaboração a que alude o artigo 59.º do CPPT (se, como entende o Recorrente, estivermos perante atos tributários) e que impende sobre o mesmo.
KK. Mais, o Recorrente reconhecimento recebeu as facturas e nada fez, por opção, não tendo recorrido ao mecanismo do artigo 37.º do CPPT quaisquer dos vícios se devem hoje considerar sanados.
LL. Quanto à falta de fundamentação, quer do acto de notificação quer da própria factura, importa realçar que em nenhum caso o mesmo configura fundamento de oposição à execução porquanto a norma do artigo 204.º do CPPT é taxativa e não prevê este vício. Ora, se a Lei não prevê especificamente, não seria nunca por via da alínea residual [i) do n.º 1 de tal preceito] que se poderia abrir a porta ao seu conhecimento, sob pena de desvirtuação completa do preceito.
MM. Mesmo que assim não se entendesse, não nos podemos esquecer que a intervenção prévia do Recorrente – quer quando foi ouvido no âmbito da criação do DLR 17/2014/M, quer quanto aderiu ao sistema multimunicipal por contrato – exclui toda e qualquer necessidade de fundamentação dos actos para lá do mínimo exigível, sendo que as facturas e actos de notificação contém informação mais que suficiente para que o Recorrente possa percepcionar a origem da dívida, a entidade credora e tudo o mais que carece de saber para orientar a sua conduta.
NN. Também a alegação de não indicação do autor do órgão não faz qualquer sentido, porquanto a ARM, S.A., como bem sabe o recorrente não tem órgãos porquanto é uma sociedade comercial de direito privado, pelo que as facturas são emitidas como qualquer outra, com obediência ao disposto no CIVA e nada mais, através de programa de facturação certificado.
OO. Aliás, o Recorrente pagou dezenas de faturas iguais sem nunca as questionar no que toca aos referidos aspectos, tendo inclusivamente pago parte de algumas que depois contestou em sede de oposição à execução fiscal.
PP. Quanto à suposta preterição do direito de participação/audição prévia, os mesmos argumentos já acima expendidos são igualmente válidos a este propósito. Todo o regime legal e contratual vigente e que vincula as partes contém em si a participação do Recorrente que seria exigível, sendo as facturas emitidas apenas por realização de cálculos aritméticos (ou por aplicação de juros a montantes em dívida a partir de certa data previamente acordada como data de pagamento ou por aplicação e uma tarifa fixa que estava definida contratualmente e cujo montante se encontra igualmente definido em tal regime).
QQ. Conforme é jurisprudência dominante, sendo a audiência prévia um direito não absoluto, ela é dispensável sempre que redunde na prática de um acto inútil porque não seria passível de alterar a decisão final, ou quando em causa esteja a prática de actos em massa ou que consistam na mera realização de operações aritméticas, como é manifestamente o caso dos autos. Não ocorre, pois, o vício apontado.».

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer cujo teor a seguir se transcreve parcialmente:

«(…) 2.1.DA INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA. (…)
Como sustentam e sentença e entidade recorridas, cujo discurso fundamentador se subscreve, no essencial, a dívida exequenda diz respeito a um preço e não a um tributo, na modalidade de taxa.
De facto, como sustenta SÉRGIO VASQUES, citado na sentença recorrida (Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 208-210) “ […] os tributos públicos consubstanciam obrigações ex lege ao passo que os preços consubstanciam obrigações ex voluntate. Vale isto dizer que as taxas constituem obrigações que nascem por mero preenchimento de um pressuposto legal, sendo a vontade do sujeito ativo e passivo irrelevante ao respetivo conteúdo e validade, ao passo que os preços constituem obrigações que se geram pelo acordo das partes, através de um mecanismo de tipo negocial”. Ora, a contrapartida a que, contratualmente, se vinculou o recorrente/oponente perante a concessionária/recorrida pela prestação do serviço público de recolha e tratamento de resíduos sólidos decorre, essencialmente de um contrato de fornecimento/prestação, que assenta num contrato de concessão de serviço público, pelo que tem a natureza de um preço, e não de um tributo, na modalidade de taxa.
Assim sendo, ressalvado melhor juízo, não faz sentido convocar as formalidades relativas às notificações previstas nos artigos 35.º e seguintes do CPPT.
Dado que está provado que o recorrente foi devidamente notificado para proceder ao pagamento da fatura exequenda a dívida é exigível.
Mas, mesmo que se sustente a natureza de taxa da dívida exequenda, a verdade é que, também, por essa via, não está demonstrada a inexigibilidade da dívida.
Na verdade, a eventual insuficiência da notificação mostra-se suprida pela não utilização por parte do recorrente do procedimento regulado no artigo 37.º do CPPT.
No que concerne à alegada falta de indicação do autor do ato, como bem sustenta a recorrida, parece não fazer qualquer sentido, pois que, sendo esta uma sociedade anónima de direito privado, embora de capitais públicos, não tem órgãos, pelo que as faturas são emitidas com obediência ao disposto no CIVA, via programa de faturação certificado, sendo indiscutível que a fatura foi emitida pela ARM recorrida.
2.2. DA ILEGALIDADE CONCRETA DA FATURA EXEQUENDA.
A ilegalidade concreta da dívida exequenda só constitui fundamento de execução quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação (artigo 204.º/1/i) do CPPT), o que, em nosso entendimento e ressalvado melhor juízo, não acontece no caso em análise.
Como resulta dos autos o recorrente instaurou AAE, por via da qual peticionou a desaplicação das resoluções da Presidência do Governo Regional da Madeira, que fixaram os valores das tarifas a aplicar aos serviços de tratamento de resíduos em alta a prestar pela ARM.
Se o que o recorrente pretende sindicar é a concreta medição e pesagem dos resíduos tratados em alta pela ARM, que depois legitima a realização de cálculos aritméticos por aplicação das tarifas em vigor, estando-se perante preços contratualizados, como nos parece ser o caso, o recorrente tinha ao seu dispor os meios judiciais ou outros que entendesse adequados para reagir contra a exigência de pagamento, designadamente, como refere a recorrida, a devolução das faturas, a impugnação da sua validade, comunicando o não reconhecimento do crédito ou o não conhecimento da entidade emissora, aquando da notificação da fatura, o que não está demonstrado que tenha feito.
Mas, mesmo entendendo o Município recorrente que se trata de uma taxa, não é aceitável que desconhecesse os meios de reação que tinha para reagir contra tal alegado ato de liquidação, ou seja a reclamação graciosa/impugnação judicial, meios esses que não utilizou, podendo fazê-lo no prazo legal.
Em conclusão a alegada ilegalidade concreta da fatura, no caso em apreciação, não constitui fundamento de oposição judicial.
2.3. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA (ARTIGOS 20.º e 268.º/4 CRP). (…)
O recorrente sustenta que a sentença sindicada violou o estatuído nos artigos 20.º e 268.º/4 da CRP ao fazer uma interpretação manifestamente violadora da tutela jurisdicional efetiva das normas do artigo 13.º/1/ g), 16.º/a) e 16.º/A do DLR 1720/M, na redação dada pelo DLR 6/2015/M, de 13/08.
Mas sem razão, a nosso ver e ressalvada melhor opinião.
O artigo 13.º/1/a) do DLR 17/2014/M, de 16/12, na redação introduzida pelo DLR 6/2015/M, estatui que a recorrida tem o poder de “cobrar as taxas e tarifas e demais importâncias devidas pela utilização do sistema de água e de resíduos, bem como por serviços prestados a entidades públicas ou privadas nos termos do disposto no artigo 16.º-A”.
Constituem receitas da recorrida as tarifas e demais importâncias cobradas pela utilização do sistema de águas e de resíduos e por serviços prestados a entidades públicas e privadas (artigo 16.º/ a) do DLR 17/2014/M).
Os créditos da recorrida atrás referidos estão sujeitos a cobrança coerciva nos termos do processo de execução fiscal, regulado pelo CPPT, sendo equiparados, para todos os feitos legais, a créditos da RAM.
Para o efeito, é emitida certidão com valor de título executivo, nos termos do disposto nos artigos 162.º e 163.º do CPPT (artigo 16.º-A do DLR 17/2014/M, aditado pelo DLR 6/2015/NM.
A fatura em causa foi emitida, na sequência de procedimento convencionado pelas partes e legalmente regulado, tendo por base os concretos serviços prestados pela exequente ARM, tal como aprovado pelo sistema de tarifas resultante da RPGRM 870/2005, de 22/06, e, posteriormente, alterado pelas Resoluções da PGRM 1405/2006, 19/10 e 130/2014, 14/03 e pela deliberação do CA da ARM, de 31/03/2017, que decidiu aprovar a atualização do tarifário dos serviços de águas e resíduos para 2017.
O recorrente sindicou, em tempo, através de AAE, os referidos atos, pedindo a desaplicação de tais Resoluções e a anulação da deliberação do CA da ARM.
Por outro lado, o recorrente não estava impedido de sindicar a fatura exequenda, designadamente, assacando vícios ao procedimento que esteve na sua génese, a preterição da formalidade de audição prévia, a eventual falta de fundamentação da mesma ou questionando a qualificação e quantificação da obrigação pecuniária liquidada, a partir da receção da mesma.
Portanto, não tendo o recorrente sindicado a fatura exequenda, aquando da sua receção, nos prazos legais, não podendo vir agora, depois de ultrapassada a oportunidade legal para o efeito, discutir a legalidade da dívida em sede de oposição judicial, meio processual inidóneo para o efeito.
Os referidos normativos, na interpretação que dos mesmos fez o tribunal recorrido, em nossa opinião e ressalvado melhor juízo, não violam o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
3.CONCLUSÃO.
Deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.».
Houve vista simultânea do projeto de acórdão, por meios eletrónicos. Foi dispensada a extração de cópias de peças processuais relevantes, visto que o processo se encontra disponível no sistema informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Cumpre decidir.

2. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:
«Com relevância para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos:
1. Em 23 de dezembro de 2004, foi celebrado entre a Região Autónoma da Madeira e a Valor Ambiente – Gestão e Administração de Resíduos da Madeira, S.A. “Contrato de Concessão da Exploração e Gestão do Sistema de Transferência, Tratamento, Triagem e Valorização de Resíduos Sólidos da Região Autónoma da Madeira em Regime de Serviço Público e de Exclusividade” – cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. No dia 03 de outubro de 2005, foi celebrado entre a Valor Ambiente – Gestão e Administração de Resíduos da Madeira, S.A. e o Município do Funchal “Contrato de Entrega e Recepção de Resíduos Sólidos para Valorização, Tratamento e Destino Final”, pelo prazo de vinte anos, tendo ficado clausulado no respetivo artigo 7.º (“Facturação dos RSU”) que “a Valor Ambiente, relativamente aos Resíduos Sólidos processados, emitirá facturas com periodicidade mensal, até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que respeitarem as entregas de RSU e equiparados” (n.º 1), sendo que “as facturas serão pagas nos 60 (sessenta) dias de calendário seguintes à data referida no n.º 1, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor” (n.º 2) – cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. A 30 de dezembro de 2014, foi celebrado “Contrato de Concessão da Exploração e Gestão do Sistema Multimunicipal de Águas e de Resíduos da Região Autónoma da Madeira em Regime de Serviço Público e de Exclusividade entre a Região Autónoma da Madeira e a ARM - Águas e Resíduos da Madeira, S.A.” – cfr. doc. n.º 8 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 11 de fevereiro de 2015, o Oponente Município do Funchal e outros apresentaram ação administrativa contra a Região Autónoma da Madeira e a ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A. (na qualidade de contrainteressada), a qual se encontra a correr termos neste Tribunal sob o n.º 63/15.4BEFUN, no qual é pedido, para além do mais, que “sejam desaplicadas aos AA., as Resoluções n.ºs 870/2005, de 22 de Junho, 1405/2006, de 19 de Outubro, e 130/2014, todas da Presidência do Governo da Madeira”, que aprovaram um novo sistema de tarifas, como uma componente fixa e uma componente variável em função do tipo e quantidade de resíduos entregues – cfr. consulta SITAF.
5. No dia 06 de dezembro de 2017, foi emitida pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., em nome do Município do Funchal, a fatura n.º FTB1700715, que apresenta a seguinte forma:

- cfr. doc.n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. A fatura mencionada no ponto antecedente foi rececionada pelo Oponente Município do Funchal em 12 de dezembro de 2017, a que correspondeu a entrada n.º E2017000065316 – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial.
7. Em 06 de outubro de 2017, o Oponente Município do Funchal apresentou ação administrativa contra a ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., a qual se encontra a correr termos neste Tribunal sob o n.º 303/17.5BEFUN, com vista “à anulação do ato administrativo em matéria tributária, contido na deliberação do Conselho de Administração da ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A. de 31 de Março de 2017, que decidiu aprovar a atualização do Tarifário dos Serviços de Águas e Resíduos – 2017 – Serviços em Alta a praticar pela ARM – *…+ para o exercício económico de 2017 e que determinou que o mesmo entraria em vigor no dia 1 de abril de 2017” – cfr. consulta SITAF.
8. No dia 16 de abril de 2018, foi emitida pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., em nome do Município do Funchal, a certidão de dívida n.º 20180403/11, “proveniente da fatura FTB1700715”, no valor de € 325.582,90, acrescidos de juros de mora, “sendo o valor total em dívida de 331.889,40 €” – cfr. fls. 02 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 17 de abril de 2018, foi instaurado no Serviço de Finanças do Funchal - 1, o processo de execução fiscal n.º 2810201801053795 contra o Oponente, com base na certidão de dívida mencionada no ponto antecedente, com vista à cobrança coerciva de dívida proveniente da ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., no montante global de € 331.889,40 – cfr. fls. 01 e 02 do PEF apenso.
10. O Oponente foi citado para a execução fiscal n.º 2810201801053795, por ofício datado de 17 de abril de 2018 – cfr. fls. 03 e 04 do PEF apenso.
11. A presente oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1, no dia 15 de maio de 2018 – cfr. fls. 03 dos autos (suporte digital).
12. Por requerimento datado de 16 de maio de 2018, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1, o Oponente apresentou pedido de “dispensa da prestação de garantia” no processo de execução fiscal n.º 2810201801053795 – cfr. fls. 05 a 16 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1, datado de 22 de maio de 2018, em concordância com informação anterior da mesma data, foi o processo execução fiscal n.º 2810201801053795 suspenso “nos termos do n.º 1 do artigo 216.º do CPPT” – cfr. fls. 27 a 29 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Em 09 de julho de 2018, o Oponente procedeu ao pagamento de € 104.107,33, respeitante a parte da dívida titulada pela fatura n.º FTB1700715 – cfr. fls. 351 dos autos (suporte digital).

3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2810201801053795, instaurada no Serviço de Finanças do Funchal para cobrança coerciva de dívida proveniente de quantias relativas a serviços de receção, tratamento e encaminhamento de resíduos em alta.
Com o assim decidido não se conforma a RECORRENTE por entender, desde logo, que o tribunal recorrido fez errado enquadramento do regime jurídico aplicável na resolução da questão da inexigibilidade da dívida que tinha suscitado nos artigos 38.º a 81.º da petição inicial.
Na verdade, o tribunal recorrido tinha entendido que a Exequente ARM, SA, não procedeu à cobrança coerciva de um tributo, mas de um preço contratualmente assumido, motivo porque não seriam aplicáveis à situação em análise as regras das notificações inseridas nos artigos 36.º, n.º 2 e 39.º, n.º 12, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
E a RECORRENTE não se conforma com o assim decidido porque, no seu entendimento, os supostos créditos da RECORRIDA relativos à prestação de serviços de receção, tratamento e encaminhamento de resíduos em alta são verdadeiros tributos públicos.
Pelo que a primeira questão a decidir aqui é a de saber se estamos perante um tributo ou outro tipo de obrigação pecuniária.
Por outro lado, a RECORRENTE também não se conforma com o decidido em primeira instância na parte em que improcedeu a apreciação da legalidade da dívida exequenda em sede de oposição. Por entender que a lei não assegura (outro) meio judicial de impugnação ou recurso contra o que designa de «ato de liquidação» e que deu origem à dívida exequenda.
Por isso, veio agora insistir que esse ato é anulável por falta de audição prévia e por falta de fundamentação. E que a interpretação adotada em primeira instância é manifestamente violadora do princípio da tutela judicial efetiva.
O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou quanto a todas estas questões em acórdão de 22 de janeiro último, tirado num recurso que correu termos entre as mesmas partes e onde as mesmas eram também suscitadas (no Processo n.º 218/18.0BEFUN). Sendo que o entendimento ali firmado foi, entretanto, reiterado nos acórdãos de 29 de Janeiro último, tirados nos processos números 203/18.1BEFUN, 239/18.2BEFUN e 241/18.4BEFUN, com fundamentação que merece a nossa inteira adesão e, que, por essa razão, aqui reiteramos agora, por integral adesão à douta fundamentação deles constante, para a qual expressamente se remete (anexando cópia), a coberto do artigo 663.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 679.º do mesmo Código.
Pelo que o recurso não merece provimento.

4. Conclusões

4.1. A obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre o município Utilizador de um sistema multimunicipal de águas e de resíduos da Região Autónoma da Madeira e a empresa concessionária daquele não tem natureza tributária;
4.2. Na execução fiscal da obrigação pecuniária emergente de um contrato, que não foi liquidada no prazo contratualmente previsto, e relativamente à qual foi extraída, nos termos legais, certidão com valor de título executivo, os seus requisitos de validade são os que constam das regras legais e contratuais para a validade do título, bem como aqueles que resultam do disposto no artigo 163.º do CPPT, e não os constantes das normas dos artigos 36.º e 39.º, n.º 12, do CPPT;
4.3. A oposição à execução fiscal não é a via adequada para discutir a legalidade das dívidas emergentes de contratos, mesmo quando essas dívidas sejam, por lei, equiparadas a dívidas ao Estado ou a uma Região Autónoma.
5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo RECORRENTE, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dado o carácter remissivo da presente decisão.
D.n.

Lisboa, 5 de fevereiro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes Courinha – José Gomes Correia.

O acórdão de 22.01.2020 proferido no Processo nº 218/18.0BEFUN já se encontra disponível nesta Base de Dados.