Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0966/12
Data do Acordão:09/18/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DA QUESTÃO JURÍDICA
IDENTIDADE DAS SITUAÇÕES FÁCTICAS
Sumário:I - O recurso para unificação de jurisprudência interposto em acção administrativa especial depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: (i) que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (art. 152.º do CPT).
II - Só há verdadeira contradição de julgados se os pressupostos fácticos e jurídicos das duas decisões forem os mesmos, pois só assim se tratará da mesma questão fundamental de direito.
III - Não se verifica contradição de julgados no caso de a divergência das soluções jurídicas encontrada nos arestos em confronto não resultar de entendimento inconciliável quanto à mesma questão fundamental de direito, mas antes do enfrentamento de realidades fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas à luz de normas também diferentes.
Nº Convencional:JSTA000P16223
Nº do Documento:SAP201309180966
Data de Entrada:09/26/2012
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso, para uniformização de jurisprudência, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 2937/09, que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na acção administrativa especial n.º 1165/07.6BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……….., S.A.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Embora, primeiro, a Recorrente haja interposto recurso por oposição de acórdãos ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o mesmo não foi admitido por impropriedade do meio, uma vez que aos recursos jurisdicionais interpostos em processos a que se aplicam as normas sobre processo nos tribunais administrativos (cfr. art. 97.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT), como é o caso da acção administrativa especial, não tem aplicação o recurso por oposição de acórdãos previsto no referido art. 284.º.
Sobre a questão, vide,
· na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotações 3 e 43 ao art. 279.º, págs. 321/322 e págs. 399/400, respectivamente, e anotação 4 ao art. 284.º, pág. 466;
· na jurisprudência, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Outubro de 2008, 251/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27 de Janeiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32440.pdf), págs. 128 a 131, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/834c5eb581f13e77802574f30042f55c?OpenDocument;
- de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 1003/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27 de Janeiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32440.pdf), págs. 185 a 189, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7c10e64b4b000737802575390042fdd9?OpenDocument.) (CPTA), interpôr recurso para uniformização de jurisprudência por alegada contradição entre o acórdão proferido nestes autos em 30 de Junho de 2009 pelo Tribunal Central Administrativo Sul e o acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 2369/08, em 24 de Junho de 2008, relativamente à mesma questão fundamental de direito, que se refere à possibilidade de dedução fiscal como custos para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC das despesas suportados pela sociedade entidade patronal com o pagamento de prémios de seguros a favor de terceiros, a título de realizações de utilidade social (Note-se que a Recorrente, pese embora afirme que o acórdão recorrido «colide frontalmente» com o acórdão fundamento e exponha os entendimentos subscritos num e noutro aresto, procurando demonstrar as divergências entre ambos, nunca enunciou expressamente a questão fundamental de direito que cumpre dirimir, pelo que optámos por aludir à questão em termos genéricos.).

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto do Acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 30.06.2009, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da Sentença, datada de 26.06.2008, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no Processo n.º 1165/07.6BESNT, a qual havia julgado improcedente a Acção Administrativa Especial de impugnação do despacho do Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos, de 17 de Maio. Tal despacho havia indeferido o Recurso Hierárquico n.º 2649/06, mantendo a decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento do carácter de realização de utilidade social, para os efeitos do disposto no actual artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRC, dos custos incorridos com o pagamento dos prémios da apólice de seguro de saúde de grupo, de que são beneficiários os trabalhadores da Recorrente, no activo e os já reformados, bem como os respectivos familiares.

2. Com efeito, o Acórdão impugnado colide, frontalmente, com anterior Acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo 2.º Juízo do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, em 24 de Junho de 2008, no âmbito do Processo n.º 02369/08 (Acórdão fundamento), encontrando-se irremediavelmente inquinado do ponto de vista jurídico, por errada interpretação do n.º 1 do actual artigo 43.º do Código do IRC.

3. No Acórdão impugnado, o Tribunal Central Administrativo Sul sufragou, em sede de recurso, de modo totalmente infundado, a interpretação de que o enquadramento genérico no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC passa necessariamente pelas situações que não se encontrem previstas, quer naquele n.º 1, como no n.º 2, i.e., que, só caso a situação não se encontre contemplada nas realizações de utilidade social aí mencionadas, é à Administração Fiscal que cabe a função de as reconhecer como tal, caso seja solicitada para tal.

4. Em suma, conclui-se no Acórdão impugnado que a Recorrente não pode considerar como custos totalmente dedutíveis os gastos suportados com o pagamento de prémios da apólice de seguro de saúde de que são beneficiários os reformados e os respectivos familiares, bem como os familiares dos trabalhadores no activo, para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC. Considera, assim, que embora o seguro de saúde em causa revista carácter geral, não podendo ser individualizados os respectivos beneficiários, o mesmo não pode ser enquadrado no conceito de “outras realizações de utilidade social”, e como tal aceite como custo totalmente dedutível.

5. Ora, sobre esta mesma questão pronunciou-se o Acórdão fundamento em sentido totalmente oposto, ao concluir, no caso, que o seguro de vida, apesar de expressamente elencado no n.º 2 do, agora, artigo 43.º do Código do IRC, poderá ser enquadrado no conceito de “outras realizações de utilidade social” previsto no n.º 1 do citado normativo legal, e como tal aceite como custo totalmente dedutível, desde que revista carácter geral, isto é, se for extensivo a todos os trabalhadores, no activo ou reformados, e desde que não seja possível quantificar de forma directa o benefício auferido, por cada um deles, em relação a si ou aos seus familiares. Considerando-se, assim, que o enquadramento do seguro de vida no n.º 1 do, agora, artigo 43.º do Código do IRC apenas está dependente de as realizações revestirem, como acima referido, carácter geral.

6. Vislumbra-se, por isso, uma patente contradição entre o Acórdão impugnado e o Acórdão fundamento, quanto à interpretação e aplicação dos pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC, isto é, uma manifesta contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e, consequente, anulação do Acórdão impugnado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida (cfr. n.º 6, do artigo 152.º do CPTA).

7. A infracção a que se refere o segmento final do n.º 2, do artigo 152.º do CPTA aqui relevante consiste num gritante erro julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Central Administrativo Sul adoptado [sic] uma interpretação do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRC em patente desconformidade com o quadro jurídico vigente.

8. Tal interpretação encontra sustentação jurídica, no entender dos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal a quo, no facto de o seguro de saúde de grupo contratado pela Recorrente se encontrar subordinado ao regime instituído pelo n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC, que restringe o carácter de realização de utilidade social aos benefícios concedidos aos trabalhadores das empresas.

9. Todavia, ficou devidamente comprovado que, a linha de raciocínio adoptada pelos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal a quo, é ilegal, por violação expressa do disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código do IRC.

10. Com efeito, o seguro de saúde de grupo contratado pela Recorrente contribui, por um lado, para o bem-estar social dos seus beneficiários, uma vez que lhes permite, através do apoio médico-social que é fundamental, beneficiarem de cuidados de saúde de qualidade, e por outro lado, para não sobrecarregar os actuais níveis de utilização do serviço nacional de saúde, numa conjuntura em que os meios humanos e técnicos são insuficientes para garantir o direito fundamental de todos os cidadãos à saúde.

11. É esta, aliás, a teleologia da norma (n.º 1 do artigo 40.º do Código do IRC).

12. Assim, tendo presente o tipo de seguro de saúde contratado, o enquadramento do respectivo custo no disposto no actual artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRC só a erro de julgamento pode ser imputado.

13. Com efeito, existem diferenças de regime entre as situações enquadráveis no n.º 1 e no n.º 2 do citado artigo 43.º do Código do IRC, sendo que o seguro de saúde em causa, quer pelos beneficiários que abrange, quer pelo tipo de serviços que proporciona, está directamente ligado ao tipo de custos previstos no n.º 1, os quais raramente seriam incorridos pelas empresas, a não ser que a sua dedutibilidade fosse total, como é o caso.

14. Do exposto, resulta que o entendimento vertido no Douto Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRC, pois o seguro de saúde de grupo contratado pela Recorrente enquadra-se no conceito de “outras realizações de utilidade social” devendo os respectivos custos serem totalmente dedutíveis, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRC.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados, revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro consentâneo com o quadro jurídico vigente».

1.4 A Fazenda Pública (adiante Recorrida), contra alegou, sustentando que não existe identidade das questões jurídicas em causa no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, pois, nem há identidade entre as situações factuais subjacentes a ambos os arestos, nem há identidade da legislação aplicada num e noutro.
Assim, concluiu que, por não estarem verificação os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 152.º do CPTA, deve o mesmo ser julgado findo.
Para a eventualidade de assim não se entender, sustentou ainda que o acórdão recorrido fez correcta interpretação da lei, designadamente do art. 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção aplicável.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em que concluiu no sentido de que «deve julgar-se por não verificada a contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, por inexistência de identidade da questão de direito e dos pressupostos de facto, e julgar-se findo o recurso, ou, se assim se não entender, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se o acórdão recorrido na ordem jurídica».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário.

1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se pode considerar-se verificada a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Só depois, se esta questão for respondida afirmativamente, se passará a averiguar das infracções imputadas ao acórdão recorrido (cfr. art. 152.º, n.º 3, do CPTA (Embora este preceito legal se refira à «infracção imputada à sentença», é manifesto o lapso, que aliás perpassa também os n.ºs 3, 5 e 6 do mesmo art. 152.º do CPTA, onde se alude a sentença quando se deveria dizer acórdão, que é a denominação legal das decisões dos tribunais colegiais (cfr. art. 156.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na versão anterior à aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota de rodapé n.º 3 na anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 402.).).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:
«
A) A recorrente contratou com a seguradora “B........, S.A.” uma apólice de seguro de saúde de grupo, na qual consta como tomadora, sendo dela beneficiários os seus trabalhadores no activo, assim como os reformados e respectivos familiares – cfr. doc. de fls. 84 a 87 dos autos.

B) Em 16.07.2002, foi apresentado requerimento ao Director Geral dos Impostos solicitando o reconhecimento do carácter de realização de utilidade social aos gastos suportados a titulo de prémio de seguro contratado referido em a), o qual foi indeferido por despacho exarado em 26.03.04, o qual se dá aqui por reproduzido, com fundamento, designadamente, de que tal seguro não configura uma realização de utilidade social, antes insere-se na excepção prevista no n.º 2, do art. 40.º do CIRC, a qual circunscreve-se aos trabalhadores da empresa – cfr. art. 1.º da p.i. e ofício de 02.08.02 da DGSI, de fls. 51 a 53 dos autos.

C) Em 07.05.04 a recorrente interpôs recurso hierárquico do acto de indeferimento referido em b), o qual mereceu o despacho de indeferimento proferido em 17.01.07, do Subdirector-Geral dos Impostos, por subdelegação do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, com fundamento no Parecer e Informação prestada no processo, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual consta que tais despesas, ainda que integradas no conceito de realizações de utilidade social se encontram submetidas ao regime instituído pelo n.º 2, do art. 40.º do CIRC, o qual se restringe aos encargos suportados em favor dos trabalhadores da empresa – cfr. oficio de fls. 40, e Proc. de Rec. Hierárquico de fls. 41 a 50 e rosto de requerimento de fls. 54, dos autos».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma alegada questão fundamental de direito, que alega ter sido decidida no acórdão recorrido em contradição com o decidido pelo acórdão de 24 de Junho de 2008 da mesma Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 2369/08, que indica como acórdão fundamento.
De acordo com o preceituado no art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização da jurisprudência são os seguintes:

a) que exista contradição entre um acórdão de um tribunal central administrativo e outro acórdão anterior, de um dos tribunais centrais administrativos ou do Supremo Tribunal Administrativo ou entre acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo [n.º 1, alíneas a) e b)], desde que os acórdãos invocados como fundamento «tenham sido proferidos por secções dos tribunais centrais administrativos e do STA e respectivo Pleno da mesma área que proferiu o acórdão recorrido» (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, anotação 44 b) ao art. 279.º, págs. 400/401.);
b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito;
c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento (Isto, porque um acórdão não transitado pode vir a ser revogado e decidido noutro sentido. Sobre a questão, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 401.
Note-se que o recurso para uniformização de jurisprudência, previsto e regulado no artigo 152.º do CPTA, porque constitui um recurso ordinário destinado a resolver a existência de um conflito de jurisprudência, pressupõe, para a sua admissão, o trânsito em julgado quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, contando-se o prazo para a sua interposição do trânsito em julgado do acórdão impugnado (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/ CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais administrativos, 2.ª edição revista, 2007, págs. 879 e 883));
d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3).

Por outro lado, é entendimento pacífico deste Supremo Tribunal Administrativo que o recurso para uniformização de jurisprudência, tal como o recurso por oposição de julgados previsto no art. 284.º do CPPT, deve obedecer aos seguintes princípios: (i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos – recorrido e fundamento – respeitem à mesma questão fundamental de direito, o que supõe a identidade dos pressupostos fácticos e jurídicos ( JORGE LOPES DE SOUSA, ibidem, salienta quanto à identidade da regulamentação jurídica: «Não se exige expressamente que ambos os acórdãos sejam proferidos sem que sobreviesse qualquer alteração substancial da regulamentação jurídica, como sucede com os arts. 22.º, alínea a), 24.º, alínea b), e 30.º, alínea b), do ETAF de 1984. No entanto, deve entender-se que é de fazer tal exigência, pois só há verdadeira contradição de julgados se os pressupostos fácticos e jurídicos das duas decisões forem os mesmos. Só assim se tratará da «mesma questão fundamental de direito»».) das duas decisões; (iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.

2.2.2 Começaremos, naturalmente, por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados, à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que os dois acórdãos em confronto decidiram.

2.2.2.1 O acórdão recorrido negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a acção administrativa especial pela mesma intentada na sequência do indeferimento do recurso hierárquico do pedido de reconhecimento do carácter de realização de utilidade social à despesa incorrida com o pagamento de prémios dos seguros de saúde que contratou em benefício dos seus trabalhadores no activo e reformados, bem como dos respectivos familiares, na parte não respeitante aos trabalhadores no activo. Ou seja, a ora Recorrente, invocando o n.º 1 do art. 40.º do CIRC, na redacção aplicável, requereu o reconhecimento do carácter de realização de utilidade social para os fins previstos nessa norma legal – possibilidade de serem considerados custos ou perdas do exercício – relativamente aos custos com o seguro de saúde de grupo constituído a favor dos familiares dos trabalhadores no activo, dos trabalhadores reformados e respectivos familiares.
Recordemos a redacção dos dois primeiros números daquele preceito:

«1 - São também considerados custos ou perdas do exercício os gastos suportados com a manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal da empresa e seus familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários. [redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, alterada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro]

2 - São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa [redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho]».

No acórdão recorrido apreciou-se a questão de saber se os custos suportados pela Recorrente com o pagamento do prémio do seguro de saúde em causa, na parte respeitante aos trabalhadores reformados e respectivos familiares e aos familiares dos trabalhadores no activo, podem ter-se como uma “realização de utilidade social” subsumível à previsão do n.º 1 do art. 40.º do CIRC (e, por isso, constituir um custo fiscalmente dedutível), tendo concluído negativamente.
Se bem interpretamos o acórdão recorrido, entenderam os Juízes Desembargadores que, relativamente aos seguros de saúde efectuados pela entidade patronal, porque expressamente previstos no n.º 2 do referido art. 40.º do CIRC, os mesmos só podem constituir realização de utilidade social se e na medida em que respeitarem as condições aí estipuladas, designadamente serem efectuados a favor dos seus trabalhadores, o que significa que o legislador não contemplou a possibilidade de os seguros que não obedeçam a essas condições serem subsumidos à previsão do n.º 1 do mesmo artigo.
É o que resulta inequivocamente da fundamentação expendida naquele acórdão, designadamente das passagens que ora nos permitimos destacar:

· «o enquadramento genérico no n.º 1 [do citado art. 40.º do CIRC], ou seja, nas outras realizações de utilidade social que cabe à Direcção Geral dos Impostos reconhecer – ou, ainda, noutras palavras, o enquadramento no “elenco aberto” – a penas ocorrerá quando a situação em causa não esteja expressamente contemplada quer naquele n.º 1, quer no n.º 2.
E prosseguindo esse raciocínio, a sentença recorrida verifica que o seguro de saúde constitui uma realização de utilidade social contemplada expressamente no n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC, ou seja, que é uma situação aí expressamente prevista.
E, em consonância, entende que, restringindo esse preceito aquela realização de utilidade social – a sua aceitação como custo fiscal – às situações em que a mesma seja exclusivamente em benefício dos trabalhadores da empresa, não podem ser dedutíveis os custos incorridos com o seguro de saúde relativos a outros beneficiários» e
· «o legislador, sob a epígrafe “realizações de utilidade social”, exteriorizou dois tipos de realização de utilidade social, os contidos no n.º 1 e os constantes do n.º 2. As duas situações são distintas, já que na 1.ª se está perante um elenco aberto, enquanto na 2.ª se prevê uma enunciação exaustiva das situações que submete àquele regime dos encargos suportados, sendo que na 1.ª o seu preenchimento depende de reconhecimento por parte da Administração, como realização de utilidade social.
Daí que, tal como se refere na sentença recorrida, tal enquadramento genérico no n.º 1 passa, necessariamente, pelas situações que não se encontrem expressamente contempladas, quer naquele n.º 1, como no n.º 2, do referido preceito legal, isto é, se a situação não se encontra contemplada expressamente nas realizações de utilidade social aí mencionadas, caberá à D.G. dos Impostos reconhecer as mesmas».

Assim, concluiu o Tribunal Central Administrativo Sul naquele acórdão que «não podia a Recorrente considerar como custos os gastos suportados com o pagamento do prémio da apólice de seguro de saúde de que são beneficiários os reformados e os respectivos familiares, bem como os familiares dos trabalhadores no activo».

2.2.2.2 Já no acórdão fundamento, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso interposto de uma sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, por considerar que não eram enquadráveis na norma do art. 38.º, n.º 5, do CIRC, na redacção aplicável, os custos suportados pela sociedade aí recorrente com um seguro de saúde e, por isso, que esses custos não podiam ser deduzidos como custos do exercício fiscal do exercício de 1994.
Nesse aresto, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul enunciaram a questão a dirimir como sendo a de «saber se o montante despendido pela recorrente em prémio de seguro facultativo de acidentes pessoais a favor dos seus trabalhadores constitui um custo do exercício».
Comecemos por recordar a redacção do art. 38.º do CIRC na redacção aplicável:

«1 - São também considerados custos ou perdas do exercício os gastos suportados com a manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social, como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal da empresa e seus familiares.
2 - São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com seguros de doença ou seguros que garantam o benefício de reforma, invalidez ou sobrevivência, bem como as contribuições para esquemas complementares de segurança social, previstos na respectiva legislação, a favor dos trabalhadores da empresa, desde que a gestão e disposição das importâncias a eles afecta não pertençam à própria empresa.
[…]
5 - As realizações de utilidade social referidas nos números anteriores devem ter carácter geral e não revestirem a natureza de remunerações ou serem de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários».

No acórdão fundamento decidiu-se que, prevendo o contrato de seguro firmado entre a empresa aí recorrente e a seguradora, previamente e de forma directa e diferenciada para cada um dos trabalhadores, o montante do capital certo a auferir no final ou termo do mesmo e podendo mesmo ser resgatado pelo trabalhador antes desse termo, não obedece o mesmo à estatuição do n.º 5 do art. 38.º do CIRC, na referida redacção, motivo por que o prémio pago pela empresa não podia constituir um custo fiscal.
Na verdade, aí ficou dito que, tendo em conta o teor do contrato de seguro, determinado exclusivamente em função da respectiva apólice, «cada pessoa segura, trabalhador da mesma [empresa], auferiu, caso fosse viva ao fim desse prazo de seis anos, uma importância certa, previamente definida, calculada sobre um certo montante de capital diverso de cada um dos outros trabalhadores e também dependente da sua idade, que também poderia resgatar antes do termo deste prazo ou mesmo alterar a cláusula beneficiária que lhe dizia respeito, o que não pode deixar de contrariar a letra e o espírito da norma do citado art.º 38.º n.º5 do CIRC, que impõe que, previamente, não se permita individualizar e quantificar de forma directa o benefício auferido, em relação a si ou aos seus familiares, antes devendo revestir um carácter geral e extensivo a todos os seus trabalhadores».
Ou seja, a questão que aí se apreciava era a de saber se podia considerar-se como realização de carácter social o seguro contratado pela empresa recorrente a favor dos seus trabalhadores, numa situação em que se encontrava individualizado, relativamente a cada trabalhador, o montante do respectivo benefício.

2.2.2.3 Constata-se, assim, ser diferente a questão de direito nos arestos em confronto, que demandou a aplicação de diferentes normas legais, pelo que inexiste contradição entre os mesmos.
Aliás, também aos pressupostos factuais de cada um dos acórdãos se não verifica a requerida identidade.
Na verdade, enquanto no acórdão recorrido está em causa um seguro de saúde de grupo, em que são beneficiários não apenas os trabalhadores da recorrente (e nessa parte não está em causa a dedutibilidade do custo suportado com o pagamento do prémio), mas também os reformados e respectivos familiares, no acórdão fundamento está em causa um seguro de acidentes pessoais, sendo beneficiários apenas os trabalhadores da empresa.
Por tudo o que ficou dito, o presente recurso para uniformização de jurisprudência não deve ser admitido, por inexistência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, uma vez que a questão de direito e os respectivos pressupostos de facto são distintos.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para unificação de jurisprudência interposto em acção administrativa especial depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: (i) que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (art. 152.º do CPT).

II - Só há verdadeira contradição de julgados se os pressupostos fácticos e jurídicos das duas decisões forem os mesmos, pois só assim se tratará da mesma questão fundamental de direito.

III - Não se verifica contradição de julgados no caso de a divergência das soluções jurídicas encontrada nos arestos em confronto não resultar de entendimento inconciliável quanto à mesma questão fundamental de direito, mas antes do enfrentamento de realidades fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas à luz de normas também diferentes.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, não admitir o recurso.


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Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 18 de Setembro de 2013. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Pedro Manuel Dias Delgado – Dulce Manuel da Conceição Neto – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.