Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01933/17.0BELSB
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23987
Nº do Documento:SA12018121801933/17
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………………. intentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do despacho da Sr.ª Ministra da Administração Interna, de 11/05/2017, que lhe ordenou o despejo da casa de função onde residia e lhe atribuiu uma nova casa noutra localidade.

Aquele Tribunal, por sentença de 09/11/2017, indeferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O TAC indeferiu a requerida suspensão de eficácia do acto da Sr.ª Ministra da Administração Interna, que determinou o despejo da casa onde o Recorrente residia e lhe facultou uma solução de realojamento que ele e o seu agregado familiar poderiam utilizar como alternativa à casa que ocupavam, pela seguinte ordem de razões:
“…..
O despacho de 11 de Maio de 2017 da Ministra da Administração Interna constata que A……………… completa o tempo máximo de permanência no posto de sargento-mor a 13 de Outubro de 2017, transitando para a situação de reserva - momento em que se encontrarão novamente reunidos os pressupostos para a restituição do imóvel que lhe venha a ser atribuído.
Está provado que A……………… passou para a situação de reserva em 13 de Outubro de 2017 e que por isso se verifica o pressuposto para a restituição da casa de função previsto no artigo 75.º n.º1 alínea a) do Decreto-Lei n.º280/2007, de 7 de Agosto.
Não se afigura pois provável que o ora autor obtenha vencimento na acção principal de que a presente providência cautelar é instrumental. A esta conclusão não obsta o decidido no processo n.º1632/16.0BELSB quer porque o despacho de 11 de Maio de 2017 só foi notificado ao requerente em 16 de Agosto de 2017, após ter sido proferida sentença naquele processo, após pois ter cessado a proibição de executar prevista no artigo 128.º, n.º1 do CPTA, e para produzir efeitos quanto à restituição do imóvel após 13 de Outubro de 2017, como após esta data a situação de A…….. se alterou supervenientemente, de facto e de direito, relativamente à situação constatada naquela decisão: encontrava-se no activo, embora de baixa médica e passou à situação de reserva.
Não verificado o requisito fumus boni iuris cabe, assim, julgar a presente providência cautelar improcedente por não provada.”

Decisão que o Acórdão recorrido confirmou com a seguinte fundamentação:
… Insurge-se o Requerente contra a sentença recorrida na parte em que julgou não verificado o requisito do fumus boni iuris, alegando para o efeito a ilegitimidade do Ministério da Administração Interna para agir em nome da ……………, que é a proprietária do imóvel desde 2009, carecendo de legitimidade para requerer a desocupação da habitação pelo Requerente e também para promover a execução do despejo.
….
Igualmente alega que, ao contrário do decidido na sentença sob recurso, o D.L. n.º 280/2007 não se aplica ao caso concreto por se tratar de regime respeitante às casas de função e não às casas de guarnição, que são regimes muito diferentes, assim como que não assume relevância o facto de o Requerente ter passado à situação de reserva prevista na lei.

O acto da Ministra da Administração Interna de 11/05/2017, na parte em que confirma o despejo administrativo, por nada inovar na ordem jurídica, não é contenciosamente impugnável, logo, em consequência, nessa parte, não é susceptível de suspensão de eficácia.
Diferente se verifica em relação ao despacho suspendendo na parte em que determina a atribuição de solução de realojamento até ao dia 13/10/2017, o qual inova em relação ao despacho anterior, datado de 07/06/2016, não sendo meramente confirmativo, nem sequer um ato de estrita execução desse despacho.
Nessa medida, é contenciosamente impugnável e por isso, também contra ele pode ser pedida a suspensão de eficácia.
Nesse sentido, o objeto da presente providência cautelar de suspensão de eficácia do ato suspendendo deve ficar confinada à parte em que se atribui ao Requerente uma solução de realojamento provisória e com termo certo.
Assim delimitado o ato suspendendo, ao concretizar a concreta alternativa habitacional ao Requerente com o efeito de permitir a desocupação e o consequente despejo da Rua ………….., n.º …………., ………….., em Lisboa, o ato suspendendo produz efeitos externos lesivos na esfera jurídica do Requerente, cujo interesse se traduz na sua suspensão de eficácia.
Por isso, os pressupostos de decretamento da providência cautelar têm de ser aferidos em relação ao ato suspendendo, na parte em que inova em relação ao despacho anterior, pois que não integra o objecto da presente providência cautelar o despacho anterior.
Ou seja, é sobre o despacho datado de 07/08/2017, da Ministra da Administração Interna, que se dá como assente na alínea C) do probatório, de concordância com o Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana no sentido de que em execução da sentença proferida no processo cautelar n.º 1632/16.0BELSB e da Informação n.º 382-MC/2017, lhe foi atribuída uma casa que o seu agregado familiar poderá utilizar como alternativa habitacional à que agora ocupa, no que se traduz na atribuição de solução de realojamento até ao dia 13/10/2017, na Rua ……….., n.º ………., ………, Queluz de Baixo, Sintra.
Deste modo, está excluído da presente providência o despacho de 07/06/2016 que determinou ao Requerente o despejo e desocupação da habitação sita Rua ……….., n.º ………, ……., em Lisboa.
…..
Porém, tal como decidido na sentença recorrida, assim não se pode concluir, não sendo possível, com base no conhecimento sumário de facto e de direito que caracterizam a instância cautelar, formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal.

Acresce, com relevo, que se está perante uma situação jurídica de efeitos prolongados ou continuados no tempo, regulada pelo artigo 95.º do Decreto-Lei n.º 33905, de 02/09/1944, segundo o qual os militares da GNR “têm residência obrigatória nos quartéis ou em moradias para tal fim destinadas”, constituindo questão controvertida de direito, a ser resolvida no processo principal, se tem ou não aplicação o regime aprovado pelo D.L. n.º 280/2007, de 07/08, assim como quanto à distinção entre casa de função e casa de guarnição.
Em qualquer caso, atento o facto que se dá como provado na alínea F), relativo à passagem à reserva do Requerente com efeitos reportados em 13/10/2017, não é possível afirmar que seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.

Já no que respeita à questão suscitada da falta de legitimidade do Ministério da Administração Interna para promover o despejo, está em causa questão que não foi inovatoriamente introduzida pelo despacho ora suspendendo, antes sendo questão a apreciar no âmbito dos processos de impugnação e de suspensão de eficácia do despacho anteriormente proferido, datado de 07/06/2016.
Nestes termos, em face de todo o exposto, tal como decidido na sentença recorrida, não se pode dar por verificado o requisito do fumus bonus iuris, por não ser possível formular o juízo de probabilidade da pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.”

3. Como se acaba de ver a questão que se suscita nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, sufragando a decisão do TAF, considerou que não ocorria o fumus boni iuris e, com esse fundamento, confirmou o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia do acto ora em causa.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, a presente providência foi indeferida por as instâncias terem concluído que se não verificava o fumus boni iuris, conclusão que tudo indica não merecer censura uma vez que a mesma decorreu de uma fundamentação jurídica convincente, razão pela qual se não justiça a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, no caso concreto, a avaliação da verificação daquele requisito não envolve uma análise de problemas jurídicos complexos pelo que a mesma não pode ser qualificada como uma questão de grande relevância jurídica.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.