Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0681/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
REVERSÃO DE EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – O meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em falta de fundamentação deste (por alegadamente dele não constarem os actos em concreto praticados pela contribuinte para operar a reversão), ou por ilegitimidade (por não exercício da gerência da executada originária, por parte do revertido), é a oposição à execução, e não o processo de impugnação judicial, dado que se trata de fundamentos que se reconduzem a fundamentos de oposição à execução (art. 204º do CPPT).
II – Sendo intempestiva a utilização do meio processual para o qual se pretenda convolar, não deve ser ordenada a convolação.
Nº Convencional:JSTA000P13465
Nº do Documento:SA2201111160681
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A………., com os demais sinais dos autos, recorre da decisão que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, indeferiu liminarmente a impugnação que deduziu do despacho que ordenou contra si a reversão da execução fiscal nº 3301200501059521 e apensos, inicialmente instaurada contra a executada B………., Lda.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. A impugnante alegou a ilegalidade do acto de reversão da execução uma vez que não está provado no processo de execução que a recorrente era gerente de facto, ao contrário do que consta do despacho de reversão e, por conseguinte, do acto de liquidação;
II. Por outro lado, não constam do despacho de reversão os actos em concreto praticados pela contribuinte para operar a reversão - pelo que há ausência e vício da fundamentação legalmente exigida pelo art. 99° al. c) CPPT;
III. O art. 99° do CPPT, ao contrário do 204°, é exemplificativo e não taxativo, podendo servir de fundamento à impugnação qualquer ilegalidade;
IV. A situação invocada pela contribuinte não se enquadra na al. b) do n° 1 do 204°, uma vez que a contribuinte figura no título, por ser sócia da executada principal, e porque não ser a gerente de facto não respeita à posse dos bens que originaram a liquidação;
V. Não se enquadrando nos fundamentos legais de oposição à execução, só restou à recorrente a impugnação por «qualquer ilegalidade», caso contrário, ser-lhe-ia negado o acesso ao direito por falta de mecanismo processual adequado ao seu direito;
VI. Ainda que o tribunal a quo tivesse razão quanto à forma de processo, sempre se diria que a convolação não deveria ser impedida, pois a exigência de respeitar os trâmites processuais de forma correcta seria esvaziar por completo as normas que permitem a convolação da forma de processo - art. 97° n° 3 LGT e 98° n° 4 CPPT, impedindo a parte de ver reconhecido o seu direito ao acesso a este.
Termina pedindo a procedência do recurso e que a impugnação judicial seja considerada a forma de processo mais adequada à sua pretensão.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«Nos termos do art. 24° n° 1 da LGT, a reversão depende do efectivo exercício de funções.
Contudo, tal foi posto em causa em impugnação, em que mais se refere que a recorrente não figurava no título.
Ora, o meio processual próprio para reagir era o de oposição, previsto no art. 204° n° 1 al. b) do CPPT.
Não importa, pois, que a recorrente qualifique o fundamento que utilizou como de ilegalidade quando se trata de caso que é de considerar na mesma sede da ilegitimidade.
A sujeição a um prazo mais curto - 30 dias, conforme previsto no art. 203° do CPPT, e não o de 90 dias, conforme previsto no art. 102° do CPPT - não repugna que seja considerada, para efeitos de convolação em oposição por se tratarem de meios processuais com diferentes fundamentos, e não se mostrando postas em causa razões para que não seja de admitir essa diferenciação.
Assim, a solução do indeferimento liminar da forma parece ser a adequada, razão pela qual parece que o recurso é de improceder, conforme é jurisprudência dominante neste STA - cfr. ainda o recente ac. de 13-7-11, proferido no proc. 0358/11.»
1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. O despacho recorrido é, no que aqui interessa, do teor seguinte:
«(…) Alega o impugnante, em síntese, como causa de pedir a ilegalidade do despacho de reversão, não ser a gerente de facto.
Conclui com o pedido de procedência da impugnação.
Cumpre neste momento proferir despacho liminar.
Saliente-se desde já que deve haver uma adequação entre o meio processual utilizado e o fim pretendido, sob pena de ocorrer a nulidade de erro na forma do processo. (…)
No caso dos autos, a impugnante invoca como causa de pedir a ilegalidade do despacho de reversão, não ser a gerente de facto, fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea b) do n° 1 do art. 204° do CPPT.
Ora, os fundamentos invocados na p.i. apresentada pela impugnante não podem ser conhecidas no processo de impugnação, cujos fundamentos se encontram previstos no art. 99° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e se referem exclusivamente a vícios do acto de liquidação.
Ora, o fim concretamente visado pelo autor e o fim abstractamente figurado pela lei tem de ser coincidentes, e se assim acontecer, terá sido bem empregue o processo se, pelo contrário, o pedido não se ajustar à finalidade para que a lei concebeu o processo, há erro na forma de processo. O erro na forma de processo utilizada afere-se pelo desajustamento à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo.
E, no caso em apreço, o fim último pretendido pela impugnante é a extinção da execução (pedido que se deduz implicitamente da p.i.), sendo que este fim só pode ser obtido através de outra forma processual que é a oposição à execução, alínea b) do n° 1 do art. 204° do CPPT, e que se ajusta, quer à causa de pedir, quer ao pedido da impugnante.
Assim, entendemos que em face dos fundamentos invocados pela impugnante na p.i. verifica-se o erro na forma de processo, não sendo a impugnação o meio processual adequado para a satisfação da sua pretensão, mas antes a oposição à execução fiscal.
Não obstante o erro na forma do processo a que já fizemos alusão, cumpre ainda determinar se, em face dos elementos constantes dos autos é possível a convolação do presente processo na forma processual adequada - oposição à execução fiscal. (…)
Não obstante entendermos que, quer a causa de pedir, quer o pedido formulado pela impugnante serem adequados à forma processual de oposição à execução fiscal prevista na alínea b) do n°1 do art. 204° do CPPT, a convolação dos presentes autos na forma adequada não se mostra possível, uma vez que a oposição seria intempestiva, facto impeditivo da convolação, de acordo com o princípio da proibição da prática de actos inúteis.
Com efeito, nos termos do disposto no art. 203° n° 1 alínea a) do CPPT o prazo para deduzir oposição é de 30 dias a contar da citação pessoal.
Considerando que a impugnante foi citado pessoalmente para a execução fiscal em 10/12/2008 (cfr. assinatura constante do aviso de recepção a fls. 37 verso do processo de execução fiscal em apenso) e que apresentou a p.i. em 23/02/2009 (cfr. fls. 2 dos autos), é manifesta a intempestividade da acção.
Verificado o erro na forma de processo, e não sendo possível a convolação nos termos supra descritos, a petição inicial deve ser indeferida, nos termos do disposto no n° 1 do art. 234º-A do CPC, aplicável ex vi art. 2° alínea e) do CPPT.
DISPOSITIVO
Em face do exposto, e com fundamento nas disposições supra mencionadas, indefiro liminarmente a Petição Inicial.
Registe e notifique. Custas pelo Impugnante.»
3.1. O presente recurso é interposto do despacho que liminarmente indeferiu a impugnação judicial que tem por objecto o despacho que determinou a reversão, contra a recorrente, da execução fiscal nº 3301200501059521 e apensos, imputando-lhe a responsabilidade subsidiária pelo pagamento de dívidas provenientes de IVA, IRC e coimas fiscais, conforme consta das respectivas certidões executivas.
Desse despacho de indeferimento liminar (supra transcrito) resulta que a petição inicial foi indeferida liminarmente com fundamento em que existe erro na forma de processo, por, face aos fundamentos (causa de pedir) invocados e ao pedido formulado, não ser a impugnação a forma de processo adequada à satisfação da pretensão da impugnante, além de que também não é legalmente viável a convolação para a forma de processo adequada (a oposição à execução fiscal) uma vez que esta seria intempestiva.
3.2. A recorrente entende, porém, que tal decisão enferma de erro de julgamento, dado que, tendo ela (recorrente) invocado a ilegalidade do acto de reversão da execução, quer por na execução não estar provado que era gerente de facto (ao contrário do que do dito despacho de reversão consta), quer por tal despacho não conter a fundamentação legalmente exigida pelo art. 99° al. c) do CPPT, então, porque a situação invocada nem se enquadra na al. b) do n° 1 do 204° do CPPT (uma vez que ela – impugnante - figura no título executivo, por ser sócia da executada principal), nem se enquadra, também, nos demais fundamentos legais de oposição à execução, só lhe restou a impugnação por «qualquer ilegalidade», sendo que, em caso contrário, ser-lhe-ia negado o acesso ao direito por falta de mecanismo processual adequado ao seu direito.
Mas, de todo o modo, sempre a convolação não deveria ser impedida, pois a exigência de respeitar os trâmites processuais de forma correcta esvaziaria as normas que permitem a convolação da forma de processo - art. 97° n° 3 da LGT e 98° n° 4 do CPPT.
Assim, considerando o teor das Conclusões do recurso, as questões a decidir no presente recurso são as de saber se ocorreu erro na forma de processo utilizada para a discussão da legalidade desse acto e, em caso afirmativo, se deveria ter-se operado a convolação para a forma de processo adequada. Ou seja, importa saber qual o meio processual adequado para reagir contra o despacho do Chefe dos Serviços de Finanças de Lisboa 4 que ordenou a reversão da execução fiscal contra a ora impugnante, gerente da sociedade originariamente executada, na sua qualidade de responsável subsidiária.
4. Vejamos.
4.1. É sabido que a impugnação judicial (arts. 99º e segts. do CPPT) constitui o meio processual típico que a lei oferece para reacção contra o acto tributário de liquidação dos tributos, com fundamento em qualquer ilegalidade. O que não é o caso, visto que estamos perante reacção contra um despacho de reversão proferido em sede de execução fiscal.
Devendo a existência de erro na forma de processo (cfr. art. 199º do CPC) ser aferida em face do pedido e da causa de pedir, vemos que, no presente caso, o recorrente invocou (na Petição Inicial da impugnação deduzida contra o despacho que contra si determinou a reversão da execução) ilegalidades decorrentes da errada interpretação do regime legal quanto à sua legitimidade em termos de responsabilidade subsidiária (por alegadamente não estar provado no processo de execução que ela, recorrente, era gerente de facto) e por falta de fundamentação daquele mesmo despacho (por dele não constarem os actos em concreto praticados pela contribuinte para operar a reversão).
E, no final, formula os pedidos seguintes:
- que o despacho de reversão da execução por responsabilidade subsidiária seja declarado ilegal e anulado;
- que a contribuinte não seja considerada gerente de facto da sociedade executada a título principal nem devedora de quaisquer dívidas fiscais da sociedade, respeitantes àquele título de gerente de facto;
- que a execução reverta para os contribuintes que exerceram a gerência de facto da sociedade executada a título principal.
Ora, por um lado, estamos perante questões que, claramente, não podem ser objecto de impugnação judicial (art. 97º do CPPT).
Por outro lado, sendo o despacho que ordena a reversão um acto praticado no âmbito de um processo de execução fiscal, é sindicável através dos meios processuais próprios deste processo (no caso, por via da oposição à execução), sendo que também as questões invocadas se enquadram nos fundamentos de oposição: a falta de fundamentação do despacho que decidiu a reversão tem a ver com a legalidade deste despacho, enquadrando-se no fundamento previsto na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT, ali devendo ser apreciada; e as questões relativas à verificação dos requisitos substantivos da responsabilidade do impugnante (não exercício da gerência da executada originária) também são fundamento de oposição à execução fiscal (al. b) do citado nº 1 do art. 204º).
Trata-se, portanto, de questões que devem ser apreciadas em processo de oposição à execução fiscal.
Tem sido esta a jurisprudência reiterada deste STA, como bem se vê, por exemplo, dos acórdãos proferidos em 20/1/2010, rec. nº 814/09 e em 28/10/2009, no rec. nº 0578/09 (e dos arestos neste também referidos), cujo texto passaremos a seguir de perto, tendo em vista uma interpretação a aplicação uniformes do direito (cfr. art. 8º nº 3 do CCivil).
Segundo se dispõe no nº 4 do art. 22° da LGT, “as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais”.
Mas os responsáveis subsidiários podem deduzir oposição à execução fiscal, nos termos dos arts. 203° e 204º do CPPT e podem impugnar judicialmente a liquidação, nos termos gerais, a partir da data da sua citação (art. 102º, nº 1, al. c) do CPPT) no processo de execução, sendo que estes meios de defesa têm campos de aplicação distintos.
E, no que se refere ao despacho de reversão, tratando-se de despacho proferido na própria execução e no qual se decide a reversão no âmbito daquela, o meio processual para o sindicar terá de ser encontrado entre aqueles que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses nessa execução: a reclamação prevista no art. 276° do CPPT ou a oposição à execução fiscal com os fundamentos constantes do nº 1 do art. 204° do mesmo Código, sendo «este último meio de oposição que se perfila como o meio adequado para os revertidos impugnarem o despacho de reversão, como acontece no caso em apreço, desde logo porque é o único que lhes “assegura, em todos os casos, a defesa dos direitos do revertido, designadamente por não ter o regime-regra de subida diferida que está previsto para a reclamação no artigo 278º do CPPT e possibilitar a suspensão do processo de execução fiscal após a penhora ou prestação de garantia (artigos 212º e 169º, nºs. 1, 2, 3 e 5 do mesmo Código)” – rec. 504/07.
Como assim, todas as questões que os recorrentes suscitam na impugnação judicial deduzida, que se traduzem na falta de fundamentação do despacho, preterição do direito de audição, inexistência de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda e falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes encontram o meio processual adequado para serem conhecidas na oposição à execução fiscal e não em sede de impugnação judicial (artigo 204º nº 1, alínea b) e i) do CPPT).» (cfr. citado acórdão, de 28/10/2009, no rec. nº 0578/09).
Aliás, destinando-se o instituto da reversão a chamar à execução fiscal outro executado, e representando-se aí uma alteração subjectiva daquela instância executiva, faz sentido que, no que respeita aos fundamentos que impliquem a invocação de ilegalidades quanto a esse chamamento, o meio processual adequado a utilizar seja um dos que estão previstos para esse regime e no qual se asseguram ao visado todas as garantias de defesa, e não a impugnação, que tem outro campo de aplicação. Em suma, portanto, o despacho recorrido não enferma do erro de julgamento que, nesta parte, a recorrente lhe imputa.
4.2. A recorrente sustenta, ainda (na Conclusão VI), que sempre a convolação não deveria ser impedida, pois a exigência de respeitar os trâmites processuais de forma correcta seria esvaziar por completo as normas que permitem a convolação da forma de processo - art. 97° n° 3 LGT e 98° n° 4 CPPT, impedindo a parte de ver reconhecido o seu direito ao acesso a este.
Mas carece de razão legal.
Com efeito, a caducidade do direito de acção deve aferir-se em função do prazo para a introdução em juízo do meio processual para o qual o processo há-se ser convolado. E como aponta o MP, a sujeição a um prazo mais curto no que diz respeito à apresentação da oposição à execução fiscal (30 dias - art. 203° do CPPT e não o de 90 dias, previsto para a impugnação judicial - art. 102° do CPPT) decorre do facto de se tratar de meios processuais com diferentes fundamentos, não tendo a recorrente alegado razões para que não seja de admitir essa diferenciação.
Ora, no caso, e como consta do despacho recorrido, tendo a recorrente sido citada pessoalmente para a execução fiscal em 10/12/2008 e tendo a Petição Inicial sido apresentada em 23/2/2009, é manifesto que, para efeitos da pretendida convolação para processo de oposição à execução fiscal, tal oposição sempre estaria fora de prazo, pelo que inútil se tornaria, também, e, por isso, proibida (art. 137º do CPC) a convolação para essa forma de processo.
O despacho recorrido, que assim decidiu, deve, pois, ser confirmado também nesta parte, improcedendo, assim, igualmente, a Conclusão VI das alegações de recurso.
DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.