Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01871/17.7BEPRT
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23986
Nº do Documento:SA12018121801871/17
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A………….. intentou, no TAF do Porto, contra o Município de V. N. de Gaia (doravante MVNG) e o Vice-Presidente da respectiva Câmara, providência cautelar, pedindo:
a suspensão de eficácia do acto administrativo com data de 2017/05/31, sob proc.º 622/FU/2016, de impedir a finalização das obras consideradas legalizáveis e a utilização da casa para a habitação do autor, casa essa que já era habitada muito antes do surgimento da necessidade legal de licença e de autorização camarária para habitar uma casa.”
Indicou como contra interessado B……………….

Por sentença de 26.06.2018, o TAF julgou o pedido improcedente.

O Requerente apelou para o TCA Norte e este, por Acórdão de 28.09.2018, negou provimento ao recurso.
É desse Aresto que aquele recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Colhe-se na M.F. que o Requerente iniciou a execução de obras de ampliação, com cerca 35m2, de uma casa sem que mesmas tivessem sido licenciadas. O que determinou o embargo das mesmas e, mais tarde, em 31/05/2017, o envio de um ofício, referente a “Obras de demolição – possibilidade de legalização”, onde lhe era comunicado que deveria apresentar “no prazo de 60 dias, projeto de arquitectura com vista à legalização das obras de alteração e ampliação do edifício e muros de vedação, executados ilegalmente”.

O Requerente requereu a suspensão de eficácia daquele acto mas o TAF indeferiu esse pedido. Para tanto ponderou:
“…
Na sua petição, e em ordem a fundamentar o referido periculum in mora, o Requerente alega que a suspensão das obras é completamente injustificada, já que falta “o fecho dos vãos com janelas e portas para que não se infiltrem as águas da chuva no seu interior com prejuízos irreparáveis para o autor”; que “a suspensão dos trabalhos dará azo a que vadios e criminosos se refugiem no seu interior o que bastante contribuirá para a degradação da casa do autor”; e que “se as obras não forem terminadas e se a casa não for habitada, os marginais vendo-a abandonada irão roubar toda a fiação de cobre para a vender na sucata.”
……
… nesta lide foram alegados prejuízos decorrentes de infiltrações, sem que contudo ficasse demonstrada a sua gravidade, ficando os depoimentos pela referência à sua eventual existência – o que, como vimos, não é o bastante.
O Requerente refere ainda que o imóvel em causa se verá degradado por vadios e criminosos que ali encontrem refúgio, e bem assim que a obra será objecto de furtos [designadamente de cobre].
No entanto, o risco invocado mostra-se meramente eventual, não havendo sido alegados factos concretos de onde se possa retirar que, mantendo-se o status quo, se produzam os referidos prejuízos à obra. Veja-se que, passado mais de um ano desde a suspensão dos trabalhos, não existem relatos de entradas ilegais na obra, nem de furtos de cobre, nem estão elencados os prejuízos que tais condutas causariam.
Por outro lado, não se demonstrou que a suspensão da obra tenha potenciado a existência de criminalidade na área – que pudesse aumentar a probabilidade de tais ilícitos ocorrerem – já que, segundo as testemunhas inquiridas, a zona se encontra mais segura que em 2016 e sem denúncias de tráfico de droga.
Ou seja, compulsados os autos, verifica-se que soçobram os vários fundamentos em que o Requerente estriba o periculum in mora.
……
Face ao exposto, julga-se por não verificado o requisito de periculum in mora, o que, atento o carácter cumulativo da previsão do artigo 120.º do CPTA, impede o decretamento da providência cautelar requerida, ficando precludida a análise dos demais requisitos.”

Decisão que o TCA confirmou pelas razões que se transcrevem:
“….
Analisando a nossa situação concreta verificamos que os prejuízos provados não resultam, ao contrário do alegado, da imediata execução do acto suspendendo.
Podemos até admitir, por facilidade de raciocínio, que a suspensão das obras em causa provoca ou potencia directamente os prejuízos para os direitos que invoca, em especial, a impossibilidade de usufruir plenamente, como proprietário, do prédio em causa e a degradação irreversível do prédio.
Simplesmente o Recorrente parte do pressuposto essencial que é errado: o de que o acto suspendendo se traduz, pura e simplesmente, numa ordem de embargo das obras.
Ora o acto impugnado, devidamente integrado com o teor do ofício de 31.05.2017, significa que o embargo permanecerá apenas enquanto as obras não forem legalizadas, possibilidade que foi reconhecida ao Requerente, ora Recorrente, devendo para o efeito apresentar “no prazo de 60 dias, projeto de arquitectura com vista à legalização das obras de alteração e ampliação do edifício e muros de vedação, executados ilegalmente”.
Os prejuízos invocados resultam, pois, no caso concreto, da própria inércia do Requerente, ora Recorrente, em não requerer o licenciamento das obras e não, directamente, da ordem de embargo.
Apenas se poderiam imputar ao acto impugnado as consequências lesivas que o Requerente invoca se tivesse alegado - e provado - que a própria apresentação do pedido de licenciamento poderia causar-lhe esses prejuízos.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.”

3. A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, a presente providência foi indeferida por as instâncias terem concluído que se não verificava o periculum in mora, conclusão que resultou da factualidade apurada e que tudo indica não merecer censura.
Por outro lado, no caso concreto, a avaliação da verificação daquele requisito não envolve uma análise de problemas jurídicos complexos pelo que a mesma não pode ser qualificada como uma questão de grande relevância jurídica.
Acresce que as instâncias decidiram convergentemente e fizeram-no com uma fundamentação jurídica convincente, razão pela qual também se não justiça a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.