Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0487/19.8BELLE
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30504
Nº do Documento:SA2202301250487/19
Data de Entrada:11/08/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – AA, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de setembro de 2022, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgara improcedente a reclamação judicial por si deduzida do despacho do órgão de execução fiscal proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Faro, que determinou a entrega efetiva do prédio misto sito em ..., descrito na Conservatória do Registo predial de Faro sob o n.º ...26, referente à casa de morada de família, transmitido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1058-2004/0101370 (e apensos).

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) A necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso tipo.

B) Em primeiro lugar é entendimento sufragado no acórdão em que estando em causa, apenas a legalidade do despacho que determinou a entrega do bem, não se mostra necessário dar como provado qual o regime de bens que vigora entre os conjugues, sendo suficiente a prova de que a recorrente detinha qualidade de cônjuge.

C) Contudo tendo em conta o fato de que o imóvel sub iudice, foi adquirido pelo executado BB, após a constância do matrimónio, importa aferir qual o regime de bens do casamento. Pois,

D) A recorrente é casada com o executado BB, no regime da comunhão de adquiridos, como bem se alcança do assento de casamento, junto como Doc. nº 1 à reclamação.

E) Efetivamente, resulta do dito assento de casamento, que a ora recorrente contraiu matrimónio civil com o executado, no dia 15 de Julho de 1977, sem convenção antenupcial.

F) Significa isto, que o regime de bens do matrimónio é o regime da comunhão de adquiridos.

G) Dado que, é este regime, o regime supletivo aplicável à data da união matrimonial.

H) O prédio em causa, casa de morada de família, conforme se pode verificar dos autos e da certidão da conservatória, foi adquirido pelo executado BB e do alegado no ponto 3 das alegações da reclamação, adquirido na constância do casamento a título oneroso.

I) Isto é, está mais que, demonstrado nos autos que o prédio é bem comum do casal.

J) A reclamante é portadora de deficiência, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 25 %, veja-se Doc. nº 2 junto com a reclamação, facto provado T.

M) In casu, em face do supra alegado o presente recurso é absolutamente necessário, para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão aqui em crise, incorre em erro de interpretação sendo certo que, o erro de julgamento é gerador da violação da lei substantiva.

N) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso tipo.

O) Se o regime de bens fosse o da separação de bens, poderia o douto acórdão recorrido não merecer qualquer reparo, pelo menos, no que à condição de titular do prédio em causa, objeto da venda (bem comum), respeita.

P) Se os cônjuges fossem casados no regime da separação de bens, e o bem em causa fosse bem próprio, não teria a reclamante ora recorrente de ter sido notificada do despacho da AT, como executada.

Q) Mas, enquanto detentora do bem, casa de morada de família, e residindo no mesmo, já tal notificação teria que ter ocorrido efetivamente com a entrada em vigor da Lei nº 13/2016 de 23 de Maio, que veio introduzir alterações ao CPPT e à LGT.

R) E por maioria de razão, sendo o bem comum, tal Lei nº 13/2016 de 23 de Maio, também tem aplicação no caso, que é o real, de o bem ser um bem comum.

S) A dita lei introduziu alterações nos números 2º a 6º do artigo 244º do CPPT .

T) Pelo que, no caso em apreço, por se tratar de um imóvel destinado a habitação própria e permanente da reclamante/recorrente, não podia a mesma deixar de ser citada/notificada do despacho ora posto em crise.

Pois,

U) Se outras razões não houverem, que há, (nulidade inicial da venda dado que também a ora recorrente não foi citada para a mesma), a partir da entrada em vigor da falada Lei nº 13/2016, que ocorreu no dia 24 de Maio de 2016, e porque o processo de execução fiscal, ainda se encontra pendente, tinha a AT obrigação legal de ter notificado a reclamante, o que não o fez.

V) Dado que, esta nova Lei nº 13/2016, aplica-se a todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor, ou seja em 24 de Maio de 2016. Pois,

X) Só assim se alcançará a “ ratio legis” desta lei.

Z) A de proteger a casa de morada de família no âmbito do processo de execução fiscal.

A1) Significa esta ratio que o legislador em representação do estado, quis proteger, “certamente por lhe atribuir maior interesse e valor social e publico “a casa de morada de família em detrimento da cobrança coerciva de tributos, ou de desocupação desta. Pois,

A2) Dizemos nós, entendeu o legislador, que o valor de coesão social sufragado por esta medida legislativa, se sobrepõe ao interesse e obrigação do estado de cobrar impostos ou de despejar pessoas da casa de morada de família, para assegurar as suas funções públicas.

A3) Digamos que, esta dita Lei nº 13/2016, consubstancia uma filosofia e práticas preventivas.

A4) Isto é, incumbe ao estado promover e desenvolver políticas sociais. E,

A5) É sobretudo, com os proventos dos tributos que o estado pode desenvolver tais políticas.

A6) Ao abdicar destes proventos, fá-lo por obediência à execução de tais políticas sociais “de que o direito a viver numa habitação condigna é um dos expoentes máximos”, por antecipação.

A8) É que, nos termos dos comandos constitucionais (artigo 65º da CRP) incube ao estado promover e executar uma política de habitação.

A9) No caso sub iudice, caso o estado (através da AT), promova e efetive a desocupação/ entrega da casa de morada de família, que tem como consequência a perda de habitação própria permanente da recorrente e seu agregado familiar.

A10) O que, implica para além da violação do direito consagrado constitucional e legalmente (direito à habitação), que o estado esteja materialmente, a tirar com uma mão o que está obrigado a dar com as duas. Isto por um lado.

A11) Por outro, está a praticar actos e procedimentos jurídicos desnecessários.

A12) Na medida em que, ordena a entrega da habitação própria e permanente em processo executivo de cobrança de impostos, para depois no cumprimento dos ditos ditames constitucionais e legais…., com os proveitos da cobrança, investi-los no cumprimentos do seu dever /obrigação de assegurar o direito à habitação.

A13) Investimento este, que não pode ser imediato. O que,

A14) Acarreta elevados danos morais e socais do agregado familiar em causa.

A15) Os quais, a dita Lei nº 13/2016 estipula que se evite.

A16) Por outro lado, está profusamente demonstrado nos autos que a reclamante/recorrente é pessoa doente, sofre de doença osteoarticular crónica, não podendo desocupar a casa de habitação sob pena de por em risco a própria vida. Veja-se Doc. nº 2 junto à reclamação. E,

A17) Sofre de incapacidade permanente global de 25% susceptível de variação futura. Veja-se atestado médico de incapacidade multiuso junto como Doc. nº3 à reclamação.

A18) Ora, também por esta banda a questão em apreço, assume uma relevância social e jurídica que justifica a pronúncia deste douto tribunal, para melhor aplicação do direito.

A19) Entende, a recorrente, que o Acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito – em clara violação de lei substantiva –, o que afecta e vicia a decisão proferida, tanto mais que assentou e foi fruto de um desacerto ou de um equívoco.

A20) In casu, o presente recurso é absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso tipo, não só porque contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.

A21) Desta forma, mostra-se fundamental a intervenção do STA, na qualidade de órgão de regulação do sistema vocacionado para a correção de erros na apreciação do direito por parte das instâncias inferiores, como condição para dissipar dúvidas.

A22) Quanto ao mérito do presente recurso entende, a recorrente que estamos perante uma “situação limite” que, pela sua gravidade e complexidade justifica a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para uma melhor aplicação do direito.

A23) Resulta, pois, do exposto, que o Acórdão recorrido incorreu, salvo o devido respeito, em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito, em clara violação de lei substantiva.

A24) Por outro lado, primo conspectu, descortina-se a necessidade de admissão da revista excepcional, para uma melhor aplicação do direito, pois, presentes os contornos do caso sub specie apresenta-se como persuasiva, convincente, a alegação veiculada pela recorrente.

A25) Tudo apontando que o juízo feito no acórdão sob censura pelo TCA/S padece de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, não fundamentado numa interpretação coerente e razoável do quadro normativo invocado.

A26) Pois, não se compreende como o acórdão do TCA, apenas e só considera ser suficiente a prova de que a aqui recorrente detinha a qualidade de cônjuge e não dá relevância ao regime de casamento.

A27) Assim como, não dá relevância ao estado de saúde da ora recorrida apresentado na reclamação e devidamente comprovado.

A28) Não dando igualmente relevância ao facto de a ora recorrente não ter sido citada/notificada, para defesa dos seus legítimos interesses, violando assim o artigo 36º do CPPTE,

A29) Violando também o artigo 65º da CRP e os artigos 863 nº3 a 5 e 864º do CPC.

A30) Assim como violou os artigos 239º do CPPT, artigo 13º, 266º, 268 nº 4 e artigo 20º da CRP e artigo 9 nº 1da LGT.

A31) Ora para além, do CPPT que prevê que as notificações às pessoas singulares dos atos que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes e que se produzem efeitos em relação a estes quando devidamente notificados.

A32) O artigo 861º nº 3 do CPC, refere que quaisquer detentores devem ser notificados da entrega do bem.

A33) Assim, dúvidas não restam que a ora recorrente deveria ter sido notificada do despacho da AT de que ora se reclama.

A34) Andou mal o douto tribunal ad quo, quando menciona que não estamos perante uma nulidade.

A35) Ao contrário e do supra exposto entende a ora recorrente que ao não ser notificada do despacho em causa estamos perante uma nulidade, esta insanável nos termos do artigo 165º alínea a) do CPPT.

A36) Sendo que, a falta de citação/notificação em matéria tributária tem como consequência a ineficácia dos actos, nos termos do artigo 77 nº 6 da LGT.

A37) Não estamos apenas perante uma omissão de formalidade processual como o douto TCA quer fazer crer.

A38) Violou assim o tribunal de primeira instância e o TCA também os artigos 77 nº 6 da LGT e o 165 al a) do CPPT.

A39) E que sendo embora verdade, que a ora recorrente teve conhecimento de que o seu marido tinha sido notificado do despacho da AT, para proceder à entrega efetiva do bem imóvel, não teve efetivamente conhecimento do conteúdo de tal despacho.

A40) Uma coisa é ter conhecimento de que existe um despacho, coisa diferente é ter conhecimento do conteúdo integral de tal despacho e seus comandos e ser notificada para dele poder reclamar ou de qualquer forma exercer todos os seus direitos reconhecidos por lei. Pois só,

A41) Com conhecimento do conteúdo de tal despacho é que se poderá tomar uma posição adequada à defesa integral dos seus direitos.

A42) Decidiu assim mal e bem mal com devido respeito o douto tribunal ad quo, e o TCA/S ao considerar que estamos apenas perante uma omissão de formalidade e que ora recorrente teve conhecimento do despacho, através do seu marido.

A43) Sendo assim necessário à ora recorrente interpor o respectivo recurso, para melhor aplicação do direito e relevância jurídica ou social, pois não pode, num estado de direito democrático, conceber-se que a administração deixe de cumprir as suas obrigações legais, sobretudo, quando se trate (como é o caso) de casos que afectam direitos constitucionalmente protegidos e caem no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

A44) Só há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de se obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.

A45) Tal implica que a resolução da questão referida aqui em causa, (entrega da casa de morada de família , doença crónica da ora recorrente, assim como o regime de casamento) seja susceptível de causar, em geral, fortes dúvidas e probabilidade de decisões jurisprudenciais divergentes em diversos processos de natureza administrativa presentes nos tribunais ou ainda que suscite forte controvérsia, seja por ser objecto de debates doutrinários ou jurisprudenciais, seja por ser inédita por nunca ter antes sido apreciada.

A46) Dado que, o recurso de revista excepcional não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, mas antes a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito, as razões da clara necessidade de apreciação da questão devem ser referidas à aplicação do direito em geral e não à consideração de algum caso concreto isolado.

A47) Exige-se assim, que a questão possa entrar em colisão com valores sociais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que diminuem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas, situações em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou as normas jurídicas em apreço visem regular.

A48) Ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto, como sejam acções cujo objeto, tem a qualidade de vida, a saúde, quando associados a questões inseridas na competência dos tribunais judiciais ou ainda os envolvidos em litígios em que se discutam interesses importantes da comunidade, neste caso da vida das pessoas.

A49) As questões suscitadas no presente recurso, revestem particular relevância social, a sua solução ultrapassa os limites do caso concreto por forma a gerar sentimentos de intranquilidade ou alarme e colocar em causa a credibilidade do direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Colendos Juízes Conselheiros, melhor suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogado o douto acórdão recorrido, por outro que julgue procedente a Reclamação apresentada pela ora recorrente à Autoridade Tributária, com vista a uma melhor aplicação do direito dada a relevância jurídico social do caso em apreço.

Só assim se fará a HABITUAL JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Junto do TCA-Sul o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público entendeu emitir pronúncia no sentido da não admissão do recurso, porquanto Conforme descreve minuciosamente o acórdão recorrido, o processo executivo cumpriu as formalidades legais, aliás, o despacho para entrega efetiva transitou em julgado, após acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (cf consta do processo n.º 48/19.1BELLE), não sendo possível, nesta fase, reanalisar a legalidade de atos que já foram anteriormente sindicados, até pelo STA.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 26 a 35, na numeração aposta no acórdão sindicado).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Haverá, pois, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º CPPT (correspondente ao artigo 150.º n.º 5 do CPTA).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Sul sob escrutínio negou provimento ao recurso interposto pela recorrente de sentença do TAF de Loulé que julgara improcedente a reclamação judicial que deduzira do despacho do órgão de execução fiscal proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Faro, que determinou a entrega efetiva do prédio misto referente a casa de morada de família, transmitido no âmbito de processo de execução fiscal.

O acórdão julgou inverificadas as nulidades arguidas à sentença e bem assim o erro de julgamento invocado, referente à validade substancial do despacho reclamado, que julgou não padecer dos vícios que lhe são imputados.

Do decidido requer a recorrente revista, alegando estar em causa questões que se revestem de particular relevância social, cuja solução ultrapassa os limites do caso concreto por forma a gerar sentimentos de intranquilidade ou alarme e colocar em causa a credibilidade do direito.

Estamos, é certo, perante matéria particularmente sensível do ponto de vista social, pois em causa está a entrega de casa de morada de família vendida em execução fiscal., anos antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio (cfr. as alíneas G, H e I) do probatório fixado).

Não se descortina, contudo, que a decisão do TCA justifique a admissão do recurso, pois que se revela abundantemente fundamentada e plenamente plausível e as “questões” concretamente suscitadas pela recorrente - regime de bens, falta de notificação e incapacidade – não têm o relevo ou a complexidade que justifique a admissão do recurso de revista que a recorrente pretende atribuir-lhes, pois que todas elas foram já adequadamente ponderadas.

Está em causa nos autos um mero acto de execução de um pedido de entrega de bem vendido em execução há vários anos e cuja entrega ao adquirente tem conhecido dificuldades várias, sem que possa imputar-se ao despacho reclamado vício que ponha em causa a sua execução.

Assim, contrariamente ao alegado, não se justifica a admissão da revista, que não será admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2023. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.