Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0587/10 |
Data do Acordão: | 12/16/2010 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | JUROS COMPENSATÓRIOS CULPA |
Sumário: | I – A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). II – Nesse contexto, e em face do preceituado nos artigos 35.° da LGT e 89.° do CIVA, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte. III – Consistindo a culpa na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão e conhecimento de um bónus pater famílias, não se pode formular um juízo de censura à actuação do impugnante/empreiteiro, de continuar a liquidar o IVA à taxa reduzida de 5% após a transformação dos serviços municipalizados de água numa empresa municipal, face a uma compreensível falta de imediata percepção, por todas as entidades envolvidas, inclusive pela própria administração fiscal, do exacto alcance jurídico e fiscal da transformação de um órgão municipal numa empresa pública e das respectivas implicações na taxa do IVA a liquidar no contrato de empreitada outorgado com essa entidade. |
Nº Convencional: | JSTA00066743 |
Nº do Documento: | SA2201012160587 |
Data de Entrada: | 07/05/2010 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR FISC - JUROS. |
Legislação Nacional: | LGT98 ART35. CIVA84 ART18 N1 A ART31 ART89 VERBA 2.17. L 58/98 DE 1998/08/18 ART2 ART36. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC12147 DE 1992/07/08.; AC STA PROC19014 DE 1995/06/28.; AC STA PROC20042 DE 1996/03/20.; AC STA PROC20605 DE 1996/10/02.; AC STA PROC325/08 DE 2008/11/19.; AC STA PROC12649 DE 2005/07/12. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA JUROS NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG145. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A…, deduziu com vista à anulação dos actos de liquidação adicional de Juros Compensatórios de IVA dos períodos de 0106T, 0112T, 0203T, 0206T, 0209T, 0303T, 0306T, 0312T, 0403T, 0406T, no montante global de € 13.161,56. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões: I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A… contra as liquidações de Juros Compensatórios de IVA dos períodos de 0106T, 0112T, 0203T, 0206T, 0209T, 0303T, 0306T, 0312T, 0403T, 0406T, no montante total de € 13.161,56. II. A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento segundo o qual “nas circunstâncias concretas do caso se verifica erro desculpável (no incorrecto enquadramento do dono da obra na verba 2.17 do CIVA ex vi do seu art. 18°), causa de exclusão de culpabilidade que afasta a imputabilidade do fado (retardamento da liquidação) ao contribuinte”. III. Sendo que, no entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, o erro em que incorreu a impugnante advém da circunstância da alteração estatutária do dono da obra em Abril de 1999, de Serviços Municipalizados de Gaia para Águas de Gaia - Empresa Municipal, só veio a ficar definida com a orientação administrativa sancionada por despacho do SEAF, de 07.08.2002, no sentido de ser de aplicar a taxa normal de imposto às referidas operações e não a taxa reduzida de 5%, o que “indica que a situação não era até então, mesmo para a AF, clara liquida e fácil de ver”. IV. A alteração estatutária do dono da obra efectivou-se em Abril de 1999, logo em data anterior à celebração do contrato de empreitada, que ocorreu em Maio de 1999, sendo essa a data relevante para efeitos de enquadramento em sede de IVA. V. Ora a impugnante praticou operações tributáveis, aplicando a taxa de IVA reduzida, num lapso de tempo que decorreu desde o ano 2001 ao ano de 2004. VI. A liquidação dos juros compensatórios foi efectuada nos termos dos artigos 89.° do CIVA e 35.° da LGT, por ter sido retardada a liquidação do imposto por facto imputável ao sujeito passivo. VII. A sentença recorrida considera verificada "in casu" uma causa de exclusão de culpabilidade, qualificando como desculpável o erro no incorrecto enquadramento das operações pelo facto de só em 07.08.2002 ter sido definida orientação administrativa no sentido de ser de aplicar a taxa normal de imposto às referidas operações, e não a taxa reduzida de 5%, o que “indica que a situação não era até então/ mesmo para a AF, clara liquida e fácil de ver”. VIII. A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência que se afere em abstracto, segundo o critério do bom pai de família; IX. A culpa traduz-se na omissão da diligência exigível no caso concreto, sendo que ao julgador cabe aferir se a conduta do agente foi a que seria esperar segundo as regras de experiência, ou se, pelo contrário devia e podia ter agido de outro modo. X. Ora, “in casu”, e em face das circunstâncias concretas, não se pode afirmar que a impugnante tenha agido de forma diligente. XI. Com efeito, não demonstra diligência de um bom pai de família desconhecer a situação jurídica da contraparte num contrato que foi executado durante vários anos. XII. Por outro lado, aduz a sentença recorrida como fundamentação o facto da situação estatutária do dono da obra só ficar definida pela Administração Fiscal em 07-08-2002, não obstante, anula todas as liquidações, inclusivamente as referentes aos vários períodos dos anos de 2003 e 2004. XIII. Conclui-se, pois, que não existe fundamento para afastar a imputabilidade do retardamento da liquidação à impugnante, pelo que, deviam ter sido considerados como verificados os pressupostos de aplicação de juros compensatórios consagrados no artigo 35° da LGT. XIV. Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida, por padecer a mesma de um erro de julgamento de direito e por violação dos artigos 35.º da LGT e 89.º do CIVA. 1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para pugnar pela manutenção do julgado. 1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer, deixando esgotar o prazo que a lei concede para o efeito. 1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência. 2. A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto: 1. A impugnante dedica-se à actividade de empreitadas de obras públicas. 2. No desenvolvimento dessa actividade, celebrou contratos de empreitada com a “Águas de Gaia, Empresa Municipal”, em que liquidou pelos trabalhos facturados IVA à taxa reduzida de 5% (informação de fls. 100 do apenso administrativo). 3. Na sequência de notificação para o efeito, apresentou em 6 e 7 de Abril de 2005 declarações de substituição, alterando de 5% para 19% a taxa do IVA liquidado nas facturas emitidas à “Águas de Gaia. Empresa Municipal” (informação de fls. 100 do apenso administrativo). 4. Em 12/04/2005 procedeu ao pagamento do adicional de imposto liquidado à taxa normal de 19% (informação de fls. 100 do apenso administrativo). 5. Por virtude da regularização do imposto em falta fora do prazo legal de entrega foram efectuadas liquidações autónomas de Juros Compensatórios com os números 05129941, 05137269, 05136866, 05136867, 05129950, 05137276, 05137281, 05129948, 05137287, 05129949, 05137291, relativas aos períodos de tributação 0106T, 0112T, 0203T, 0206T, 0209T, 0303T, 0306T, 0309T, 0312T, 0403T, 0406T, no montante total de € 13.161.56 (documentos de cobrança, fls. 25 a 35). 6. As liquidações de Juros Compensatórios não se encontram pagas (informação de fls. 70 do apenso). 7. A impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações de Juros Compensatórios (informação de fls. 70 do apenso). 8. A reclamação foi indeferida por despacho de 21/06/2006 do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, exarado sobre informação dos serviços a fls. 47, para que expressamente remete quanto à fundamentação e de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte: «13 - A Reclamante entregou declarações de substituição de IVA dos períodos atrás referenciados, para voluntariamente regularizar o IVA liquidado a menos nas facturas dos serviços prestados a Águas de Gaia. Empresa Municipal; 14 - Se aceitou pacificamente as correcções propostas, é estranho requerer de seguida a anulação dos juros compensatórios originados por tais correcções; 15 Compete à Direcção dos Serviços de Cobrança do IVA liquidar juros compensatórios nos termos dos arts. 89° do CIVA e 35° da LGT devidos na apresentação de declaração periódica, com meio de pagamento suficiente, em substituição de uma outra anteriormente apresentada, nos casos em que a diferença entre a de substituição e a substituída seja devedora (imposto a entregar maior ou crédito menor do que o revelado na substituição). E, ainda, sobre os valores dos créditos disponíveis nas sub-contas de "Regularizações a Crédito" - RC ou de "Pagamentos Disponíveis" - DP, quando utilizados automaticamente nas operações de "pré-fecho de período "; 16 - Os juros calculados sobre as referidas diferenças, pelo período que medeia o prazo limite previsto no nº 2 do art. 40º do CIVA para entrega da DP e a entrega da DP de substituição para regularizar a situação descrita, à taxa legal em vigor no período; 17 - A culpa que se encontra subjacente ao retardamento da prestação tributária no que concerne às correcções aceites e voluntariamente regularizadas, não é consubstanciada no facto de haver qualquer divergência de critérios ou entendimento díspar de cariz contabilístico/tributária entre a Reclamante e os Serviços da Administração Tributária: 18 - A Reclamante alega que a transformação do seu cliente, de uma empresa pública municipal sem personalidade jurídica, para uma empresa pública personalizada, não era particularmente visível, pelo que actuou segundo as regas de experiência, liquidando IVA a 5% em vez de 19% enquadrando as empreitadas por si executadas na verba 2, 17 da Lista anexa ao CIVA; 19 - No entanto, segundo a escritura de contrato de empreitada, celebrada em Maio de 1999, é evidente a alteração jurídica dos ex-S.M.G. para Águas de Gaia. E.M, nomeadamente a fls. 72 do referido contrato (...) onde se refere ao enquadramento fiscal da nova empresa, ainda que em sede de IRC; 20 - Não obstante a Informação nº 80 de 7/08/2002 do SIVA, o alegado desconhecimento do enquadramento em sede de IVA no presente processo de reclamação graciosa não procede, porquanto, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, segundo o artigo 6º do Código Civil. 21 - Quanto à alegada violação do direito de audição, também não procede, pois a obrigação da participação dos contribuintes está prevista quando existe decisão desfavorável na esfera contributiva do sujeito passivo resultante de procedimento administrativo. Os juros compensatórios ora reclamados, liquidados autonomamente, decorreram da apresentação de declarações de substituição fora de prazo, com base tributável superior às anteriores, voluntariamente apresentadas – art. 60º n °2 da LGT. (…)». 9. A impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por ofício de 28/06/2006, a fls. 46 do apenso; |