Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01371/19.0BEBRG
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30508
Nº do Documento:SA22023012501371/19
Data de Entrada:01/11/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

AA, Recorrente nos autos supra identificado, notificado do douto acórdão proferido nos autos, e não se conformando com o seu teor, vem interpor, ao abrigo do disposto no artigo 285º do CPPT, recurso de revista para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Alegou, tendo concluído:
1ª Com o presente recurso de revista pretende o Recorrente obter uma melhor aplicação do direito, bem como obter pronúncia sobre uma questão com relevância jurídica de importância fundamental, concretamente se uma sentença totalmente omissa ao nível da fundamentação de facto padece de nulidade.
2ª A questão a apreciar assume relevância jurídica significativa, dado o papel central desempenhado pela sentença em qualquer processo judicial (pois é o culminar de um procedimento e constitui a resposta do sistema judicial a um conflito que duas partes lhe apresentam).
3ª O artigo 123º/nº 2 do CPPT (aplicável ao processo de oposição ex vi artigo 211º do mesmo diploma) e o artigo 607º/nºs. 3 e 4 do CPC são inequívocos quando prescrevem a obrigatoriedade da sentença indicar os factos que considera provados, os factos que considera não provados ou, não os havendo, a menção a tal e, posteriormente, a fundamentação respectiva, pois sem factos as partes não conhecem todo o processo de aplicação do direito e não podem recorrer da matéria de facto (por ser inexistente).
4ª Neste caso o Recorrente viu-se impossibilitado de apresentar um recurso sobre o mérito da sentença, pois esta não contém qualquer fundamentação de facto, não indica factos provados, não indica factos não provados e nem faz menção à inexistência de factos não provados.
5ª A questão assume ainda maior importância porque se invoca que ocorreu uma citação para a execução em pessoa diversa do Recorrente, o que traz mais incerteza ao efectivo cumprimento das formalidades da citação (que é crucial para que o Recorrente se possa defender), razão pela qual se entende que a questão em causa, em concreto e em abstracto, assume relevância jurídica bastante para justificar a revista.
6ª A jurisprudência invocada no acórdão recorrido (dois acórdãos do STA) respeita a insuficiências ao nível da matéria de direito e fundamentação da matéria de facto, mas como o presente processo respeita a uma sentença totalmente omissa a nível factual, o acórdão recorrido não aplicou corretamente a lei e não ponderou que o vício da sentença não é a fundamentação (é a total ausência sobre juízos de facto) e por este motivo entende-se que se verifica o requisito de uma melhor aplicação do Direito.
7ª A revista deve ser admitida ao abrigo do disposto no artigo 285º/nº 1 do CPPT.
8ª A sentença recorrida elenca os fundamentos de direito que sustentam o decidido, mas não emite qualquer pronúncia quanto aos factos (na verdade, não constam da sentença recorrida o elenco de factos provados e de factos não provados).
9ª A exigência da fundamentação ao nível dos factos decorre expressamente dos artigos 123º/nº 2 do CPPT e 607º/nºs. 3 e 4 do CPC, sendo, tal como decorre do nº 3 do artigo 607º, os factos indispensáveis para que o direito lhes seja aplicado.
10ª A ausência de qualquer pronúncia quanto aos factos determina sem mais a nulidade da sentença, tal como decorre dos artigos 125º/nº 1 do CPPT e 615º/nº 1 b) do CPC; no entanto, o acórdão recorrido assim não o considerou e validou a sentença da 1ª instância.
11ª A lesividade da omissão é significativa e tem impacto no direito de defesa do Recorrente (sem factos o seu direito ao recurso da sentença ficou totalmente obstaculizado) e foi por este motivo que o legislador cominou com nulidade a sentença que é omissa ao nível da matéria de facto.
12ª O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de direito, concretamente os artigos 123º/nº 2 do CPPT, 607º/nºs. 3 e 4 do CPC, 125º/nº 1 do CPPT e 615º/nº 1 b) do CPC.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, declarando-se nula a sentença recorrida, com as legais consequências.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Pretende o recorrente que se admita o presente recurso de revista para que o Supremo Tribunal se pronuncie no sentido de saber se no acórdão do TCA Norte se julgou correctamente a invocada nulidade decorrente da omissão na sentença recorrida da indicação da matéria de facto e respectiva fundamentação em segmento próprio e autónomo da sentença.
Lido atentamente o acórdão recorrido não se vislumbra de forma perfunctória que ocorra qualquer erro de julgamento que imponha a admissão da presente revista.
Efectivamente, naquele acórdão, após se ter analisado a sentença recorrida e as questões que aí foram resolvidas chegou-se à conclusão que a sentença não era omissa quanto à matéria de facto pertinente uma vez que apenas foram conhecidas as questões da caducidade do direito de acção e da nulidade da citação, sendo que a matéria de facto que se relevou era suficiente.
Assim, não está o presente recurso em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pelo recorrente, com t.j. máxima.
D.n.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2023. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.