Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01492/17
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:I - Num e noutro dos casos em confronto espelhados no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, ditam, objectivamente, a não observância do requisito da situação de facto substancialmente idêntica, que condiciona, naturalmente, o modo como os Tribunais aplicaram o direito.
II - Assim, e porque a oposição de acórdãos depende de contradição quanto a idêntica fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de idênticas situações de facto, e ainda da decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada, requisitos que na presente situação não se verificam, na totalidade, deve ser julgado findo o presente recurso.
Nº Convencional:JSTA000P23330
Nº do Documento:SAP2018052301492
Data de Entrada:01/04/2018
Recorrente:ASSOCIAÇÃO A..................
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A Associação A…………………, melhor identificada nos autos, vem ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, nº2 e 284.º do C.P.P.T, apresentar recurso para o este Supremo Tribunal, com o fundamento em oposição de acórdãos, por entender que o acórdão do Tribunal Central Administrativo proferido em 27 de Abril de 2017, no processo nº 08228/14 está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, datado de 22 de Janeiro 2014, proferido no processo nº 01490/13.
A recorrente apresentou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«23. Em 28 de Outubro de 2013 apresentou a ora recorrente p. i. de impugnação judicial mediante a qual pretende discutir os actos de liquidação de juros compensatórios do ano de 2006.

24. Apesar do Parecer favorável do Ministério Público, foi a impugnação judicial julgada improcedente, interpondo por isso recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.

25. O acórdão do TCA Sul mantém a decisão recorrida, sustentado no entendimento de que “ (...) não resultam dúvidas da censurabilidade da conduta do substituto bem sabendo ou devendo saber que ao efectuar pagamentos de rendimentos de trabalho e prediais, deveria proceder à retenção na fonte do imposto a que estava obrigado (...)“.

26. Não se conformando a recorrente com a decisão interpõe recurso por oposição de acórdãos, na medida em que mesmo a ter existido alguma falha na sua actuação, visto o seu objecto social, as prioridades têm de ser as que se prendem com o ser humano de forma a conferir-lhe a dignidade que a nenhum deve faltar mas que muitos já perderam.

27. A recorrente é uma Associação sem fins lucrativos, cuja preocupação maior é a reabilitação diária de homens, mulheres e famílias, que por uma razão ou outra foram marginalizados e excluídos pela sociedade, recolhendo-os, alimentando-os, dando abrigo e ensinamentos, tarefa em que o próprio Estado se demite.

28. Sendo certo que, quem gere os recursos de tratamentos médicos, alimentares, de abrigo e ensinamentos são os mesmos que gerem as obrigações fiscais, sejam ela declarativas ou de pagamentos de impostos.

29. A recorrente como associação que é sem fins lucrativos e visto o seu objecto social, não dispõe, nem pouco mais ou menos, de mão de obra qualificada, de modo a que possa delegar esta ou outra tarefa naqueles que recolhe, desde logo, para além de outros, pelos problemas graves de saúde que via de regra apresentam, alguns a nível psíquico e mental constituindo impedimento a longo prazo, a que sejam encarregues de alguma tarefa.

30. Donde, vista a multiplicidade tarefas a que é necessário dar atenção em cada dia, admite-se que possam existir efectivamente algumas falhas, contudo, nunca a imputação de um juízo de censura, ou seja, que tenha agido culposamente, o que de resto também não foi objectivamente imputado pela ATA, que se limitou a emitir notas de liquidação, sustentadas estas na abstração de um preceito legal.

31. A respeito da imputação da culpa já tinha o MP em 1.ª Instância emitido parecer no sentido de, (...) independentemente do facto de ter existido alguma falha na actuação da impugnante, a verdade é que não se pode dizer que actuou culposamente, de forma a ter que ser penalizada com o pagamento de juros compensatórios, sendo certo que estes pressupõem uma actuação culposa do contribuinte,

32. Prosseguindo ainda o douto Parecer, que “(...) tem entendido a jurisprudência que a imputabilidade do atraso ao contribuinte não se basta com um elemento objectivo, ou seja a ilicitude, comportando ainda um juízo subjectivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta um juízo de censura, numa palavra, a culpa (...).

33. Acabando o MP a concluir, no seu douto parecer, pela procedência da impugnação judicial com a consequente anulação do acto tributário.

34. Assim não entendeu o Tribunal a quo acompanhando o douto acórdão recorrido do TCA Sul o entendimento da 1ª Instância.

35. Em sentido diverso do acórdão recorrido decide o acórdão fundamento Proc. N.º 1490/13 do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, deixando expresso que, se torna inadmissível imputar um juízo de censura à actuação da impugnante em relação ao retardamento da liquidação (...) há que considerar como excluída a culpa e consequentemente afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios por falta de verificação de um dos pressupostos consagrados no artigo 35.º da LGT, ou seja, a culpa.

36. Com todo o respeito pela decisão recorrida, é à luz do entendimento perfilhado no acórdão fundamento, que se torna inadmissível imputar um juízo de censura à actuação da ora recorrente, devendo sim, considerar-se excluída a culpa e consequentemente afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios, determinando a douta decisão do Tribunal ad quem a anulação das liquidações impugnadas, por falta de verificação de um dos pressupostos consagrados no artigo 35.º da LGT, designadamente, a culpa, por não provada.

Termos em que se requer a V. Ex. sejam as presentes alegações admitidas por estarem em tempo, concedendo a douta decisão dos Colendos Conselheiros do STA provimento ao recurso por provado, determinando-se assim a anulação das liquidações impugnadas, na medida em que a imputabilidade do atraso ao contribuinte não se basta com um elemento objectivo, ou seja a ilicitude, comportando ainda um juízo subjectivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, ou seja a verificação de todos os pressupostos constantes do artigo 35º da LGT, i.e., a culpa, que in casu, não fica provada.»

A Fazenda Pública não contra alegou.

O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer no qual, após elencar os requisitos gerais para o conhecimento do recurso por oposição de acórdãos, pugna pelo não conhecimento do objecto do recurso dada a não identidade de situações fácticas.

O Parecer do Mº Pº foi notificado às partes.

Os Juízes Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário do STA tiveram vista dos autos.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:

A) A Associação “A……………….”, é uma pessoa colectiva de direito privado que prossegue fins não lucrativos, exercendo actividades associativas de âmbito social, como actividade principal, tendo como actividade secundária o comércio a retalho de mobiliário e de vestuário. – cfr Relatório da I. T. de fls 18 a 156, do P. A. Apenso.

B) A impte foi sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 2006, iniciada em 22.01.2010 e concluída com a notificação do relatório final em 21.06.2010. – cfr Ordem de Serviço de fls 17 , Oficio de fls 188, e correspondência postal de fls 189 e 190, do P.A. apenso.

C) No âmbito da acção inspectiva foi constatado que a impte procedeu ao pagamento de rendimentos prediais no ano de 2006, que colocou à disposição dos respectivos titulares, sem que tenha procedido à retenção na fonte do imposto devido nos prazos definidos na lei, sendo devidos juros compensatórios calculados sobre os montantes de imposto não entregues nos cofres do Estado, conforme quadro 1 e quadro 2, que aqui se dá por reproduzido, os quais se referem: a data de pagamento do rendimento sujeito a retenção, o montante do rendimento, a taxa e as importâncias de imposto não retido, e a data limite de pagamento. – cfr Relatório de fls. 18 a 156, do P. A apenso.

D) No decurso da acção inspectiva a impte entregou em 30.04.2010, guias de pagamento das importâncias devidas por retenção na fonte de imposto de rendimentos de trabalho dependente e independente e prediais igualmente não retidos nos prazos legais durante aquele ano de 2006. – cfr mapa resumo das regularizações voluntárias, de fls 19 e ponto VI do Relatório, de fls 44, do P.A. apenso.

E) Em 27.05.2010, foram emitidas oficiosamente as liquidações de juros compensatórios por atraso na entrega de imposto retido referidos a rendimentos de trabalho dependente e independente e rendimentos prediais, efectuadas com base nas guias de pagamento referidas em D), supra. – cfr “Prints Informáticos” de fls 198 a 210, do P.A. apenso e Demonstração de liquidação de juros de fls. não numeradas do proc. recl. apenso.

F) Em 21.10.2010, foi interposta reclamação graciosa dos actos de liquidação supra mencionados, a qual mereceu projecto de decisão, sob a qual foi exercido o direito de audição, tendo-se elaborado a decisão final de indeferimento do pedido, conforme despacho proferido pelo Chefe de Divisão da J.A.C. da D.F. do Porto, notificada ao interessado. -cfr petição de fls 4 e segs. Projecto de decisão de fls 116 e segs, requerimento de fls 121 e segs e despacho de fls 125 e segs, do Proc. Recl. Apenso.

G) Da decisão da reclamação referida supra, foi deduzido recurso hierárquico, o qual mereceu despacho do subdirector geral proferida em 19.07.13, no sentido do indeferimento do pedido. – cfr. requerimento de fls 145 e segs e despacho aposto sobre parecer e informação de fls não numeradas, do proc. recl. Apenso.

Matéria de facto dada como provada no acórdão fundamento, datado de 22/01/2014, proferido pelo Pleno da Secção do CT do STA no processo nº 01490/13:

a) Na sequência de notificação da administração tributária para regularizar o IVA de todas as facturas emitidas com a taxa de 5% a Águas de Gaia, Empresa Municipal (AGEM), a ora Impugnante apresentou em 10, 11 e 14 de Março de 2005 declarações periódicas de substituição (IVA) – Cfr. documentos constantes do processo administrativo junto aos autos;

b) Em 22/03/2005, efectuou o pagamento do IVA devido – Cfr. documento constante do processo administrativo junto aos autos;

c) Em 12/04/2005 foram enviadas à Impugnante notificações dos actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios com os números 05125189, 05125535, 05125542, 05125548, 05125556, 05125558, 05125566, 05125774, dos quais resultou o valor total a pagar de € 89.281,54, relativos, respectivamente, aos períodos 0112, 0206, 0208, 0209, 0210, 0211, 0212, 0310 – Cfr. documentos 1 a 8 juntos com a p.i., os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos;

d) Em 12/07/2005 a ora impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Oeiras 3, reclamação graciosa relativa aos actos de liquidação de juros compensatórios referidos na alínea antecedente – Cfr. documento 9 junto com a p.i. e constante do processo administrativo junto aos autos;

e) Em 08/08/2005 foi a Impugnante citada no âmbito do processo de execução fiscal nº 352220050185298 – Cfr. documento 10 junto com a p.i.;

f) Em 06/09/2005 a Impugnante prestou garantia bancária pelo montante de €143.847,27, no âmbito do processo de execução fiscal nº 352220050185298 – Cfr. documento 11 junto com a p.i;

g) Em 10/04/2006 deu entrada a presente Impugnação Judicial – Cfr. registo dos CTT aposto na p.i., a fls. 2.

h) Em 12.07.2005, a impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações em causa – fls. 2 do p.a.

i) Em 05.07.2006, a DGCI elaborou informação sobre a reclamação graciosa em referência, da qual consta, designadamente, que: «1. A reclamante estava, indevidamente, a liquidar IVA a 5%, quando a taxa correcta seria a de 19% e, virtude da alteração dos SMAS para a AGEM, como acima referido. // 2. A AF convidou-a a regularizar a situação apresentando declarações de substituição e entregando nos cofres do Estado a diferença de taxa, o que veio a acontecer. // 3. Tendo havido retardamento do imposto, sendo a reclamante a responsável pela sua liquidação e pagamento, ficando a Fazenda Pública privada desse montante durante um certo período de tempo, são devidos juros compensatórios nos termos da lei. // 4. Através das declarações de substituição verifica-se que, em todas elas houve apuramento de imposto a favor do Estado, então o Estado esteve privado desse montante por um certo período de tempo. // 5. Sendo a reclamante a entidade que emitia as facturas e liquidava o imposto, competindo-lhe de seguida, nas declarações periódicas, a sua entrega nos cofres do Estado, é ela a responsável pelo retardamento, não obstante os argumentos invocados na petição, o que é certo é que em termos fiscais, ela é a responsável pela liquidação e entrega do IVA que se mostrar devido. // 6. Havendo retardamento, como ficou apurado, facto que a reclamante não contesta, tendo o ficado privado do imposto, como se comprova das declarações periódicas de substituição, é a reclamante responsável pelo pagamento de juros compensatórios, por estarem reunidos os requisitos de que depende a sua aplicação. // 7. Tendo sido apresentadas declarações periódicas de substituição, em que foi apurado um imposto a favor do Estado, e tendo esse imposto entrado nos cofres do Estado para além do prazo legal, são devidos juros compensatórios. // 8. Na sequência da apresentação dessas declarações periódicas fora do prazo, com imposto a pagar, os juros são liquidados automaticamente, sem necessidade de audição prévia, nos termos do n.º 2 do art.º 60.º da LGT. A liquidação dos juros efectuou-se na sequência da apresentação da declaração de substituição fora do prazo legal. // 9. Nestes casos, a audição prévia é dispensada, uma vez que a liquidação é efectuada na sequência de valores declarados pelo sujeito passivo, e tendo e conta a data da sua apresentação, liquidando-se juros sempre que a sua apresentação ocorra para além do prazo legal. // Conclusão // Nestes termos, face aos elemento probatórios existentes nos autos e que suportam o pedido, proponho o indeferimento do mesmo, de harmonia com os fundamentos invocados na presente informação».

DECIDINDO NESTE STA

3- DO DIREITO

Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul nº 08228/14 de 27 de Abril de 2017, por alegada oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, (Pleno) datado de 22/01/2014 tirado no recurso nº 01490/13.

O acórdão recorrido concluiu que a impugnação de juros compensatórios era de improceder na consideração de que a impugnante A………… ora recorrente incorreu em culpa, com o que esta não se conforma e determinou a apresentação do presente recurso.

Não obstante ter sido proferido despacho admitindo o recurso, com fundamento em oposição de acórdãos, importa verificar se tal oposição se verifica, já que tal decisão de admissão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – cfr. também neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284.º do CPPT).

O presente processo iniciou-se no ano de 2013, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.

Os acórdãos em causa decidiram em sentido oposto quanto à responsabilidade dos sujeitos passivos pelos juros compensatórios liquidados.

No caso do acórdão recorrido fora omitida pela ora recorrente a retenção na fonte para efeitos de IRS e IRC devida pelo pagamento de rendimentos prediais no ano de 2006 que pôs à disposição de outros, a qual deveria ter efectuado na qualidade de substituto tributário.

E no caso do acórdão fundamento a empreiteira de obras, liquidara IVA à taxa reduzida de 5% quando deveria ter liquidado à taxa de 19% em, virtude da alteração do dono das obras que eram os SMAS e passaram para a AGEM entidade próxima, mas com diversa personalidade e estatuto jurídico.

Identificação da questão a decidir:

É exacto que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento coincidiram na pronúncia sobre a interpretação da norma constante do art.35° n°1 LGT (requisitos da liquidação de juros compensatórios) no sentido da exigência de imputação de um comportamento censurável ao sujeito passivo a título de culpa (acórdão recorrido) ou a título de dolo ou negligencia (acórdão fundamento), não bastando uma imputação objectiva de prática de acto ilícito.

O acórdão recorrido, além do mais, quanto a esta matéria expressou:

(…) A este respeito regula o disposto nos artºs 91º, nº 1 e 103º, nº 2, ambos do CIRS e artºs 102º, nº 1 e 114º, nº 1, todos do CIRC, conjugado com os artºs 28º, nº 2 e 35º, nº 1, da LGT, que são devidos juros compensatórios quando por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação do imposto retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, os quais acrescem ao montante do imposto devido, que no caso de falta de retenção de imposto fica o substituto sujeito àqueles juros desde o termo do prazo de entrega do imposto até ao termo do prazo de apresentação da declaração pelo substituído, ou até à data de entrega do imposto retido, se anterior. Assim sendo, carece de suporte legal a alegação do Recorrente quanto à não efectivação da retenção na fonte, porquanto sendo obrigatória aquela retenção de imposto na fonte, daquela omissão resultará o apuramento de juros compensatórios, nos termos da lei. Efectivamente, todos os preceitos supra referidos referem a necessidade de tal retardamento de liquidação do imposto retido ou a reter resultar de facto imputável ao sujeito passivo, pelo que pressupõe a culpa do responsável subsidiário por aquela falta. Ora, devendo essa culpa ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e conhecimentos e perícia de um “bonus pater familias”, não tendo actuado com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações tributárias, no presente caso não resultam dúvidas da censurabilidade da conduta do substituto, bem sabendo ou devendo saber que ao efectuar pagamentos de rendimentos de trabalho e prediais, deveria proceder a retenção na fonte do imposto a que estava obrigado nos termos daqueles preceitos do IRS e do IRC, que estabelecem aquela obrigatoriedade de retenção do imposto e de entrega nos prazos consignados na lei, sendo que neste caso o desconhecimento da lei não lhe aproveita para se eximir dessa responsabilidade. Não tendo o contribuinte suscitado nos autos quaisquer factos que permitissem afirmar a existência de fundada dúvida sobre os pressupostos de facto da liquidação de juros compensatórios.(…)

E em consequência o acórdão recorrido julgou verificado o requisito da culpa, pressuposto indispensável para responsabilizar a ora recorrente A……….., pelo pagamento de juros compensatórios.

Já o acórdão fundamento sem dissentir da interpretação da norma constante do art.35°n°1 LGT ponderou, na situação concreta que apreciou, não se poder considerar preenchido o requisito da culpa por parte do sujeito passivo de IVA, atenta a natural e compreensível falta de percepção, por todas as entidades envolvidas, nomeadamente por parte da Administração Fiscal, de que o dono da obra deixara de ser a autarquia para ser outra entidade criada por ela, com o consequente falta de noção por parte da impugnante de que cessara a situação que permitia a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 18º conjugado com a verba 2.17 da Lista I, ambas do Código do IVA.

Ponderou ainda não se poder formular um juízo de censura à actuação da ali impugnante, sociedade que, à data se dedicava à actividade de empreitadas de obras públicas até à altura em que lhe foi comunicado pela AF o erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa reduzida do IVA, pois esse erro era desculpável à luz de todo o circunstancialismo referido.

Ali se expressou:

“(…) Ora, como se diz no acórdão fundamento (com cuja fundamentação se concorda e é aqui totalmente aplicável), «nada indicia que a falta de consideração e ponderação deste aspecto jurídico de relevo para a liquidação do IVA tenha sido propositado ou intencional por parte das empresas envolvidas (empreiteiro e dona da obra) ou, sequer, que tenha havido negligência ou má-fé da sua parte ao abraçarem o pressuposto de que a dona da obra continuava a ser a autarquia local. Pelo contrário, a específica configuração de toda esta situação, que envolve a apreensão de questões estritamente jurídicas, como seja a natureza legal de uma empresa municipal e a compreensão do alcance jurídico e fiscal da transformação de um órgão municipal numa empresa municipal, indica que todas as entidades envolvidas terão agido convencidas da legalidade da sua actuação.

Com efeito, não pode esquecer-se a específica configuração desta situação, para a qual contribui o facto de a transformação dos SMAS na AGEM constituir, à primeira vista, uma mera transformação formal, traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico. Ou seja, a modificação verificada na organização do serviço municipal de águas e saneamento de Vila Nova de Gaia não foi particularmente visível, pois que se traduziu na transformação de um serviço até então organizado como um órgão municipal, isto é, como uma empresa pública municipal sem personalidade jurídica, num serviço organizado como entidade dotada de personalidade jurídica, numa empresa pública personalizada. E, neste contexto, não admira que essas entidades não tenham detectado logo o exacto alcance e sentido dessa modificação e que, por essa razão, tenham (ainda que erradamente) continuado a aplicar a taxa reduzida nas empreitadas contratadas após a transformação dos SMAS na AGEM.

Aliás, repare-se que nem a própria Administração Fiscal terá detectado logo o alcance fiscal da transformação verificada, pois como decorre do teor da “Informação nº 80”, dimanada do gabinete do Subdirector-Geral dos Serviços do IVA em 1/08/2002 e que mereceu despacho de concordância do SEAF em 7/08/2002, só nessa altura a Administração equacionou e resolveu a questão de saber se nas empreitadas em que os donos da obra eram empresas municipais se devia ou não continuar a liquidar o IVA à taxa de 5%. Não obstante, dois anos mais tarde os Serviços do IVA prestaram a informação documentada a fls. 61 a 64, a propósito de um pedido de “reactivação de crédito do IVA” que a AGEM apresentara em 17/03/03 em nome dos Serviços Municipalizados da Câmara de Vila Nova de Gaia, informação que foi sancionada por despacho do Director de Serviços do IVA em 8/07/04 e onde se concluía que «Os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a empresa Águas de Gaia, EM, são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art. 31º do CIVA. (...) Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA».

O que manifestamente denota que em meados de 2004 continuava a não haver, por parte da Administração Fiscal, uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação, pois nessa altura ainda afirma que os Serviços Municipalizados e a AGEM são um único e mesmo sujeito passivo, tendo-lhe reconhecido, por essa razão, o direito comunicação de créditos.(…).

Em suma:

A divergência de soluções assentou em matéria factual diversa ao nível da imputação a título culposo das omissões declarativas praticadas, que concretamente foi subsumida ao direito aplicável.

Concordamos pois com o Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA quando expressa que: “O acórdão recorrido e o acórdão fundamento pronunciaram-se sem dissonância sobre a interpretação da norma constante do art.35° n°1 LGT (requisitos da liquidação de juros compensatórios) no sentido da exigência de imputação de um comportamento censurável ao sujeito passivo a título de culpa (acórdão recorrido) ou a título de dolo ou negligencia (acórdão fundamento), não bastando uma imputação objectiva de prática de acto ilícito.

O antagonismo das decisões plasmadas nos arestos em confronto não resultou de entendimentos opostos sobre a interpretação e aplicação da norma jurídica citada, antes de divergentes julgamentos sobre a matéria de facto, como natural corolário do princípio da livre apreciação da prova efectuada por cada tribunal”.

Reitera-se que um e outro dos casos em confronto espelhados no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, ditam, objectivamente, a não observância do requisito da situação de facto substancialmente idêntica.
Ocorre efectiva diferença da matéria de facto relevante, que condiciona, naturalmente, o modo como o Tribunal aplica o direito.

Assim, e porque a oposição de acórdãos depende de contradição quanto a idêntica fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de idênticas situações de facto, e ainda da decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada - arts. 284.º do C.P.P.T., 27°, al. b) do E.T.A.F. vigente, e art. 152.º, nºs 1, al. a) e 3 do C.P.T.A. – o que na presente situação não se verifica - temos que julgar findo o presente recurso, apresentado com o fundamento na oposição de acórdãos.


4- DECISÃO:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em julgar o presente recurso findo.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Maio de 2018. – José da Ascensão Nunes Lopes (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – António José Pimpão – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.