Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02264/20.4BEPRT
Data do Acordão:05/03/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30943
Nº do Documento:SA22023050302264/20
Data de Entrada:03/24/2023
Recorrente:BANCO 1... S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

Banco 1... S.A., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 16 de dezembro de 2022, que julgou improcedente impugnação judicial, sequente a indeferimento de reclamação graciosa, versando autoliquidação, de Contribuição sobre o Setor Bancário (CsSB), referente ao ano de 2019, no valor de € 15.283.716,18.
O recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «


A) O Requerimento de interposição de recurso, acompanhado das presentes Alegações e Conclusões, apresentado na presente data, deve ter-se por tempestivo.
B) O objeto do presente Recurso é constituído pela Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 6 de dezembro de 2022, na parte este negou provimento à Impugnação judicial, por entender não se encontrarem violados os princípios da ilegalidade, da não consignação orçamental e da discriminação e especificação orçamentais.
C) O RECORRENTE entende que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, quer na apreciação da violação do princípio orçamental da não consignação quer na apreciação do desvalor jurídico decorrente de tal violação.
D) Pois de facto, o RECORRENTE entende (e mantém) que o ato de auto-liquidação padece ainda de outro vício que não foi ainda apreciado pelo Tribunal Constitucional: a violação do princípio orçamental da não consignação previsto no artigo 16.º da LEO (lei de valor reforçado),
E) Uma vez que a receita proveniente da CSB se encontra desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, até à presente data consignada ao Fundo de Resolução, sem carácter excecional nem temporário.
F) O princípio orçamental da não consignação encontra-se previsto no artigo 16.º da LEO, que é muito claro ao estabelecer a norma de que a afetação de receitas, por razão especial, a determinadas despesas por expressa estatuição legal, só é possível com carácter excecional e temporário (artigo 16.º, n.º 2, al. f) e n.º 3, da LEO).
G) Note-se que, por isso mesmo, que a violação do princípio incide sobre a norma que consigna a receita (com as inerentes consequências de ilegalidade abstracta do ato de autoliquidação).
H) Sendo igualmente de assinalar que a LEO se refere genericamente a “receitas”, não estando por isso de forma alguma a estatuição da presente norma limitada a receitas tributárias, e muito menos receitas obtidas somente através de impostos, de modo que se deverá entender que tal princípio orçamental é igualmente aplicável a receitas provenientes de outro tipo de tributos, incluindo contribuições financeiras.
I) Ora, a consignação consagrada no artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF não é nem excepcional nem temporária, contrariando o exigido pelo artigo 16.º, n.º 1, al. f) e n.º 3 da LEO
J) Porquanto o que se verifica é que desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, que o artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF consigna a receita resultante da Contribuição para o Setor Bancário ao Fundo de Resolução,
K) Note-se que o artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF é uma norma não destinada a ter vigência temporária, pelo que vigorará até que seja revogada por outra lei (cfr. artigo 7.º, n.º 1, do Código Civil).
L) Sendo tal consignação de tal forma estrutural que se encontra prevista num regime estável e duradouro como é o RGICSF, pelo que tem uma natureza estrutural e definitiva.
M) E não só a consignação consagrada no artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF é estrutural e definitiva, como também é estrutural e definitivo o regime legal da CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011.
N) De facto, ao regime da CSB, constante do artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, foi desde logo aprovado com carácter definitivo, dado que não foi, nessa Lei ou em qualquer outra, sujeito a qualquer limitação temporal da sua vigência, nem corresponde a uma disposição de carácter estritamente orçamental ou financeiro da Lei do Orçamento do Estado para 2011, não ficando, assim, sujeito à vigência meramente anual deste tipo de Leis.
O) Assim, fica também patente que as sucessivas prorrogações do regime da CSB foram meras tentativas do legislador para i) de forma desnecessária, matar à nascença qualquer tentação da parte dos contribuintes de litigar com base numa (inexistente) vigência meramente anual do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011; ii) mais relevante, para induzir uma aparência de conformidade da consignação operada pelo artigo 153.º-F, n.º 1, al. a), do RGICSF com a LEO, aparência essa que não pode senão soçobrar perante o acima afirmado.
P) Deste modo, também não seria por a cada ano a Lei de Orçamento de Estado prorrogar formalmente um regime que materialmente se prolonga no tempo que tal natureza estrutural e definitiva se alteraria, sob pena de facilmente se desvirtuar de forma abusiva a norma excecional contida no artigo 16.º, n.º 2, al. f) e n.º 3 da LEO, norma essa que, atenta a sua natureza, deve ser interpretada de forma estrita.
Q) Ora, se é estrutural e definitiva a norma que opera a consignação e é estrutural e definitivo o próprio regime legal da CSB, então também não pode ser um (inexistente) carácter excepional e temporário deste último a colocar em causa a natureza (estrutural e definitiva) da primeira.
R) Ainda quanto ao carácter excepcional e temporário necessário à conformidade do artigo 153.º-F, n.º 1, al. a), do RGICSF com a LEO, note-se que o artigo 16.º, n.º 3 da LEO contêm duas exigências distintas: a de que a consignação assuma carácter excecional, por um lado, e temporário por outro.
S) Basta, pois, que a norma que opera a consignação não reúna uma dessas duas características para que a consignação deixe de respeitar a LEO.
T) Ora, caráter excecional implica um desvio à regra comum, a uma extraordinariedade, enquanto que caráter temporário implica que dure um certo tempo, que seja provisório ou transitório.
U) Quanto à exigência de que a consignação se revista de carácter excepcional, é certo que a epígrafe do Secção IV do Capítulo XVI da Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) tem por epígrafe “Contribuição Extraordinária”.
V) Contudo, mais do que com as qualificações feitas pelo legislador, a aplicação das normas deve ser feita sim tendo presentes considerações materiais.
W) E dificilmente se pode qualificar como excecional a consignação de um regime que já vigora há mais de 10 anos fiscais (de 2011 a 2023, à data em que são apresentadas as presentes alegações)!
X) Mas se em relação à excepcionalidade ainda algo (por pouco que seja…) se pode invocar em abono da defesa da conformidade do artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF com a LEO,
Y) O mesmo já não se passa quanto à exigência do carácter temporário da consignação.
Z) Pois quer o artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF, quer o regime aprovado pelo aprovado pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011 são normas absolutamente definitivas desde o momento em que entraram em vigor no ordenamento jurídico português!
AA) De notar ainda que a exigência do artigo 16.º, n.º 2, al. f) da LEO é aplicável a todos os tipos de tributos, independentemente da respectiva qualificação (e não apenas aos impostos), pois a LEO refere-se a “receitas”, sem especificar a sua fonte, pelo que será irrelevante qual o tipo de tributo a que se subsume a Contribuição sobre o Setor Bancário.
BB) Consequentemente, a norma que estabelece essa consignação (atualmente constante no artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF) leva a cabo uma clara violação do artigo 16.º, n.º 1, n.º 2, al. f) e n.º 3, da LEO, por não estarem preenchidos os requisitos excecionais para que tal receita pudesse legalmente ser consignada.
CC) Assim, o ato de (auto)liquidação da CSB aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade (abstrata), porquanto a sua consignação é desconforme com o artigo 16.º da LEO, lei de valor reforçado
DD) Assinale-se igualmente que nos termos do artigo 161.º, n.º 2, al. k), do CPA, são nulos “k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;”, pelo que a violação de um princípio da LEO implica, portanto, nulidade dos atos de liquidação que apliquem as normas violadoras da mencionada lei.
EE) Assim, o vício do referido ato está bem para além da mera inexigibilidade da dívida, sendo mesmo equiparável ao vício de inexistência, ou pelo menos, de nulidade do tributo.
FF) Pois, “Daqui se conclui consequentemente que não podem a esta luz ser praticados quaisquer atos de liquidação ou cobrança relativamente a essas contribuições. Caso tenham sido ou venham a ser praticados atos dessa natureza, eles são nulos, por força do artigo 161. °, alínea k), que estatui a nulidade para "os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei". Com efeito, implicando as inconstitucionalidades e as ilegalidades detetadas na sua orçamentação a invalidade e a total improdutividade (nulidade absoluta) dos créditos orçamentais relativos à Contribuição sobre o Setor Bancário e às Contribuições periódicas para o Fundo de Resolução, isso não pode deixar de ter como consequência que os atos de liquidação e cobrança fiquem sem base legal de apoio, por não ter havido previsão orçamental das mesmas. Sem previsão orçamental, a Autoridade Tributária e o Fundo de Resolução deixam de ter autorização para cobrança destas receitas.” (cf. Parecer Jurídico junto à Impugnação judicial como DOCUMENTO N.º ..., pp. 74).
GG) Donde é forçoso concluir-se que a consignação da CSB, desde a sua criação até à presente data, com desrespeito pela LEO, leve a que se considere a mesma como não orçamentada, com a consequente nulidade das respetivas (auto)liquidações, ao abrigo da alínea k) do artigo 161.º do CPA, do que deriva a nulidade do ato controvertido.
HH) Subsidiariamente, e somente por cautela de patrocínio, a desconformidade do tributo em questão com o disposto no artigo 16.º da LEO (, designadamente da norma constante do artigo 153.º-F, n.º 1, al. a) do RGICSF, nunca poderá deixar de ser sancionada, por ser inconcebível que uma lei de valor reforçado desta magnitude configure norma imperfeita.
II) Deste modo, se não se admitir a sua nulidade, a ilegalidade por violação de lei de valor reforçado deverá sempre em última ratio inquinar o ato de autoliquidação sub judice com anulabilidade, pelo que devendo ser anulado, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA, com todas as consequências legais.
JJ) Em face de tudo quanto antecede, e sem prescindir, a douta sentença recorrida incorreu, nesta parte, em erro de julgamento devendo, em consequência ser anulada, com todas as consequências legais.
KK) Entende o RECORRENTE que o Tribunal a quo incorre, também, em erro de julgamento no que tange à apreciação da questão violação dos princípio e regra da discriminação e da especificação orçamentais.
LL) Neste particular decidiu o Tribunal a quo por remissão para a fundamentação do Acórdão do STA, tirado no processo n.º 01006/08, de 18 de novembro de 2020.
MM) O RECORRENTE defendeu, e defende, que o ato de liquidação e, depois, as normas contidas nos artigos 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), 311.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019), 1.º, 2.º, 3.º e 4.º, estas últimas todas disposições do Regime Jurídico da CSB, se encontram inquinados de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, e de inconstitucionalidade, por violação de norma constitucional, pois que a receita da CSB não se encontra devida e suficientemente especificada, como se impunha, quer na Lei do Orçamento do Estado para 2011, quer na Lei do Orçamento do Estado para 2019.
NN) Se a CRP exige a discriminação das receitas, nos moldes que antecedem, a clarificação quanto à sua “operacionalidade”, decorria, já ao tempo da criação deste tributo, do artigo 8.º, n.º 1, da Lei de Enquadramento Orçamental de 2001 (LEO de 2001) (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto – aplicável no ano de criação da CSB), o qual previa que, “as receitas previstas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica”, podendo, ainda, ler-se no n.º 6 do mesmo artigo 8.º que, “são nulos os créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos”. Nos dias de hoje, tal regra da especificação orçamental surge refletida no artigo 17.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 (LEO 2015) (Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro – aplicável no ano do ato controvertido nos presentes autos), no qual se prevê que “as receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento”.
OO) Do que antecede de corre que a regra da especificação integra o conteúdo essencial do princípio da discriminação orçamental, constitucionalmente previsto.
PP) Assim, não pode o RECORRENTE concordar com o STA – e, portanto, com o Tribunal a quo –, quando este refere que as exigências da discriminação e da especificação orçamentais não decorrem da CRP, desde logo porque, com o devido respeito, tal afirmação não é precedida, nem seguida, de qualquer fundamentação, apresentando-se – pelo menos até onde o RECORRENTE logra alcançar – como uma afirmação sem qualquer justificação.
QQ) A CSB – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada de acordo com a regra da especificação enunciada, quer na Lei do Orçamento do Estado para 2011, quer na Lei do Orçamento do Estado para 2019, já que, na primeira, não surge qualquer alusão à CSB, e, na segunda, a mesma apenas se poderá presumir integrada no Mapa I, na rubrica de “outros impostos diretos” e no Mapa V, no bolo da receita própria prevista arrecadar para o Fundo de Resolução, não surgindo individualizada e especificada em qualquer segmento.
RR) Ora, só com o cumprimento efetivo dessa necessidade, legal e constitucional, de adequada individualização da receita do tributo em causa, decorrente do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamentais, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido quer pela CRP, quer pela LEO, razão pela qual existe este princípio.
SS) Acresce, ainda, referir que, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, o facto de a recente jurisprudência dos Tribunais Superiores ter qualificado a CSB como uma “contribuição financeira” - e não como uma taxa ou como imposto - também não pode, legal e constitucionalmente, justificar qualquer aligeiramento da regra da especificação orçamental quanto a estas receitas.
TT) Acrescenta-se que, ainda que se admita que a receita da CSB é consignada, o facto de tal consignação constituir uma exceção ao subprincípio da não consignação obrigaria a uma maior exigência na sua orçamentação, com vista ao seu controlo parlamentar.
UU) Verifica-se, pois, uma violação gritante do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo e da autorização parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2011 até à presente data, incluindo o de 2019, foi efetuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante e da receita prevista cobrar a título de CSB, o que é passível de permitir, ilegal e inconstitucionalmente, a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei, o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina (quer na redação de 2001, quer na de 2015) a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique).
VV) Razão pela qual a inexistente e insuficiente referência à receita da CSB corresponde a manifesta violação da regra da especificação orçamental da receita, prevista no artigo 8.° da LEO de 2001 e artigo 17°, da LEO de 2015 (e, bem assim, violação do Decreto-Lei n.º 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico).
WW) A violação do princípio da especificação conduz à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (…)”, conforme preveem o artigo 8.º n.º 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.º, n.º 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não inscritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CSB nunca tivesse sido prevista.
XX) Por estes motivos, insiste o RECORRENTE que o ato de (auto)liquidação da CSB controvertido enferma de um vício gerador de ilegalidade (abstrata), porquanto a sua liquidação e cobrança não foram devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO, sendo mesmo equiparável ao vício de inexistência, ou pelo menos, de nulidade do tributo.
YY) A nulidade do ato de liquidação controvertido deriva tanto do disposto no artigo 17.º, n.º 3, da LEO de 2015 e do artigo 8.º, n.º 6, da LEO de 2011, como do disposto no artigo 161.º, alínea k).
ZZ) Os mesmos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade apontados ao ato de liquidação podem – e devem – ser assacados às normas do regime jurídico da CSB, exteriorizadas por via do ato de liquidação que constituiu objeto dos autos de Impugnação judicial, concretamente às normas constantes dos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º desse mesmo regime legal.
AAA) Concluindo, suscita-se, expressamente e desde já, e nos termos que antecedem, a (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CSB, i.e. da norma resultante do artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro; (ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2019, o regime jurídico da CSB, i.e. da norma contida no artigo 311.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro; (iii) da norma que se retira do artigo 1.º do regime jurídico da CSB e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.º do regime jurídico da CSB e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 3.º do regime jurídico da CSB e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 4.º do regime jurídico da CSB e que determina a taxa aplicável.
BBB) Importa, ainda, chamar à colação o teor do recentíssimo Acórdão n.º 411/2022, do Tribunal Constitucional (TC), ), no qual este Tribunal se dedica à análise da eventual violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, pelo disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), no qual, salvo melhor opinião, ao mesmo tempo que se defende que a violação do princípio da discriminação da regra da especificação não poderá ter consequências – nem sequer reflexas – ao nível normativo, se defende que tal violação deverá, porém, inquinar o próprio ato de liquidação do crédito, na medida em que os créditos que lhes subjazem são inválidos.
CCC) Do que antecede decorre que o TC relega a palavra final para os tribunais tributários, uma vez que, de acordo com o Acórdão em escrutínio, o vício decorrente da violação arguida adere ao ato de liquidação e não à norma que prevê a consignação do tributo, i.e., o 11.º, n.º 1, do RCESE (norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela ali Recorrente).
DDD) Em face de tudo quanto antecede, e sem prescindir, a douta sentença recorrida incorreu, nesta parte, em erro de julgamento, devendo, em consequência ser anulada, com todas as consequências legais.
EEE) Por fim, atento o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, o ora RECORRENTE requer a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO ATO DE (AUTO)LIQUIDAÇÃO CONTROVERTIDO E, BEM ASSIM, A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1.º, 2º, 3º E 4º, DO REGIME JURÍDICO DA “CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR BANCÁRIO” (CRIADA PELO ARTIGO 141º DA LEI N.º 55-A/2010, DE 31 DE DEZEMBRO), EM VIGOR EM 2019 ATRAVÉS DO ARTIGO 311.º, DA LEI N.º 71/2018, DE 31 DE DEZEMBRO, E, BEM ASSIM, DOS ARTIGOS 141º DA LEI N.º 55-A/2010, DE 31 DE DEZEMBRO E 311.º.º, DA LEI N.º 71/2018, DE 31 DE DEZEMBRO. »

*

Não aconteceu a formalização de contra-alegações.

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Além do mais, expendeu: «

(…).

Não nos merece censura a douta sentença recorrida porquanto aplicou correctamente os preceitos legais aplicáveis à factualidade dada como provada tendo-se apoiado em jurisprudência uniforme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional.

Aos doutos Acórdãos indicados na sentença recorrida acrescentamos, nomeadamente, o recente douto Acórdão proferido pelo STA proferido em 25-01-2023, no processo 01622/20.9BELRS que se pronunciou, concretamente, sobre a CSB referente ao exercício de 2019 bem como sobre vícios idênticos aos invocados pela Recorrente, cujo discurso fundamentador, com a devida vénia, se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, (…). »


*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em 27/06/2019, a impugnante autoliquidou a Contribuição Sobre o Setor Bancário (CSB) relativa ao ano de 2019, no valor de € 15.283.716,18 - Cf. fls. 88 e 89 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Em 22/06/2020, a Impugnante reclamou graciosamente da autoliquidação da CSB - Cf. fls. 466 e ss do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Por despacho da Sra. Diretora Adjunta da Justiça Tributária, Unidade dos Grandes Contribuintes de 21/08/2020 foi indeferida a reclamação graciosa – Cf. fls. 466 e ss do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Por ofício datado de 21/08/2020 foi a impugnante notificada do despacho a que se alude na alínea antecedente - Cf. fls. 77 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) A presente Impugnação deu entrada em 27/11/2020 - Cf. fls. 1 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. »


***

A jurisprudência do STA, há muito, se mantém constante e unânime, nas afirmações de que a CsSB tem natureza de contribuição financeira, não ocorrendo inconstitucionalidade orgânica e (ou) material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência.

As questões suscitadas neste apelo, concretizadas na síntese das conclusões inicialmente reproduzidas (Com realce para as alíneas C) e KK).), foram versadas e em relação a elas, especificamente, acolhemos, sem mais, o julgado/decidido na sentença recorrida, cujos termos, aqui, deixamos (re)transcritos: «

(…).

Violação da regra da discriminação orçamental

Alega a impugnante que ocorre violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CSB não se encontra devidamente individualizada e orçamentada, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, da Lei de Enquadramento Orçamental.

Sobre esta temática já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 01006/08, de 18 de novembro de 2020, segundo o qual “Relembramos que o âmbito da presente questão respeita apenas à dita inconstitucionalidade e no que se refere ao indeferimento de reclamação graciosa relativa a autoliquidação da C.S.B. de 2015. No mapa V anexo ao O.G.E. de 2015, aprovado pela Lei 82-B/2014, consta no Diário da República a pág. 88, a discriminação das receitas do Ministério das Finanças e seus Fundos autónomos, sendo indicada, no que se refere ao Fundo de Resolução, a quantia global de € 300 000 000.

Por outro lado, nos termos previstos no art. 153.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a C.S.B. constitui receita do Fundo de Resolução.

Ora, dispõe o art. 105.º da C.R.P. o seguinte:

(Orçamento)

- 1 - O Orçamento do Estado contém:

a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos;

b) O orçamento da segurança social.

2 - O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.

3 - O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.

4 - O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.»

Da afetação que resulta efetuada quanto à C.S.B. entre as receitas do Fundo de Resolução e da discriminação efetuada quanto às receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E. de 2015, não resulta a violação do art. 105.º, n.º 1, a), da C.R.P.

Conforme se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2011, proferido a 28-9-2011, no processo nº 211/2011, publicado em www.tribunalconstitucional.pt, - o quadro primário de conteúdo, elaboração, aprovação e execução do Orçamento constante deste preceito é completado pelo artigo 106.º da Constituição, conjunto normativo relativamente parco que é desenvolvido pela Lei de Enquadramento Orçamental‖.

É nesse contexto que foi aprovada a Lei de Enquadramento Orçamental (L.E.O.) n.º 91/01, de 20/8, bem como a actual L.E.O. pela Lei n.º 151/2017, de 11/9, bem como ainda outros diplomas (em que se prevê ainda a discriminação das receitas e despesas do Estado e dos Fundos, de acordo com várias regras, como as relativas aos classificadores a utilizar).

Tais exigências não decorrem do previsto na C.R.P., pelo menos, com o conteúdo indicado pela recorrente.

Aliás, tratando-se a C.S.B. de uma contribuição financeira a favor do Fundo de Resolução, conforme referido na jurisprudência do S.T.A. para que se remeteu, foi já considerado que goza de maior liberdade no que toca ao seu lançamento, liquidação e cobrança, sendo de desaplicar o regime garantístico dos impostos, conforme se pode ler ainda no acórdão do T.C. n.º 539/2015, de 20-10-2015 proferido no proc. 27/15, do Tribunal Constitucional, publicado em www.tribunalconstitucional.pt e no Diário da República, 2.ª série, de 19-11-2015.

O previsto no O.G.E. para 2015 não é diferente do ocorrido em anos anteriores, o que permitiu a fiscalização da execução orçamental do Fundo de Resolução, nos termos previstos no art. 107.º da C.R.P., quer pelo Tribunal de Contas, conforme resulta dos relatórios anuais tornados públicos pelo mesmo quanto a esses anos, de que se dá notícia no parecer junto aos autos, elaborado pela sr.ª prof.ª Maria d´ Oliveira Martins, bem como pela Assembleia da República que também a tem exercido, como é do conhecimento público.

Acresce que a aplicação da nulidade quanto a essa inconstitucionalidade, em termos de invalidar os efeitos produzidos anteriormente, sempre dependeria de uma ponderação a efectuar pelo Tribunal Constitucional, nos termos do art. 282.º n.º 4 da C.R.P., conforme assinalado no acórdão do S.T.A. de 20-11-2014, proferido no processo 0438/14, publicado em www.dgsi.pt. - neste sentido, o recente Ac. deste Tribunal de 28-10-2020, Proc. nº 2015/18.3BEPRT (em que a Recorrente é a mesma), www.dgsi.pt.”

Ora, do mapa V, anexo à Lei de Orçamento de Estado para 2019, aprovada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, resulta discriminado, nas receitas do Ministério das Finanças e seus Fundos autónomos, a quantia global de € 1 227 000 000, quantia esta afeta ao Fundo de Resolução, pelo que aderindo-se àquela fundamentação que passa a fazer parte integrante da presente sentença, improcede a alegação da impugnante.

Violação do princípio orçamental da não consignação

Alega a impugnante que ocorre violação do princípio orçamental da não consignação, na medida em que a receita da CSB encontra-se desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, até à presente data consignada ao Fundo de Resolução, sem caráter excecional, nem temporário, resultando, antes do artigo 153.º-F, n.º 1, aliena a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que a consignação da CSB tem uma natureza estrutural e definitiva.

O art.º 16.º, n.º 1 da Lei de Enquadramento Orçamental consagra o princípio da não consignação estabelecendo que não se pode afetar o produto de quaisquer receitas, à cobertura de determinadas despesas. Assim, as receitas devem servir para cobrir todas as despesas previstas, sem prejuízo das exceções contidas no n.º 2, do referido artigo 16.º. Ora, uma dessas exceções é o caso das receitas que sejam, por razão especial, afetas a determinadas despesas por expressa estatuição legal, caso em que tais despesas têm de assumir um caráter excecional e temporário, nos termos do n.º 2, alínea f), e n.º 3, do artigo 16.º.

A CSB tem sido prevista, anualmente, em todos os Orçamentos de Estado, pelo que assume um caráter excecional e temporário, na medida em que só poderá haver lugar à sua cobrança, enquanto tal renovação ocorrer, a cada Orçamento de Estado.

Ademais, resulta do enquadramento já exposto que, a CSB é de ser qualificada como uma contribuição financeira, sendo que “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições - bilaterais decorra, na ponderação de Gomes Canotilho e Vital Moreira, de aqueles visarem - financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços e despesas‖ (Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. 1, 4ª ed. Revista) – cf. Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0683/17, de 19 de junho de 2019.

Deste modo, mostra-se legal a previsão, em sede do RGICSF, da imputação da Contribuição para o Sector Bancário ao Fundo de Resolução, concretamente no seu artigo 153.º-F, n.º 1, alínea a) e não é pelo facto de a CSB se encontrar prevista como receita para o Fundo de Resolução, que a mesma passa a ter “uma natureza estrutural e definitiva”, pois que ela só poderá ser cobrada se o seu regime for, efetivamente, mantido em vigor, em cada Orçamento de Estado.

Ante o exposto, improcede a alegação da Impugnante.

(…). »

Um breve apontamento final, para registar que avaliámos o conteúdo, integral (Com particular insistência e atenção para o seu ponto 9.), do acórdão, do Tribunal Constitucional (TC), datado de 26 de maio de 2022, referenciado na conclusão BBB), sendo que, dessa consideração não logramos retirar qualquer apoio, jurídico-doutrinário, capaz de alicerçar um julgamento, das questões em apreço, de sentido oposto.


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# III.

Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos não prover este recurso.


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Custas a cargo do recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que o valor da causa excede o montante de € 275 000,00, posto, destacadamente, o cariz remissivo e linear do presente aresto.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 3 de maio de 2023. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.