Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0401/18.8BECTB
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24310
Nº do Documento:SA2201903130401/18
Data de Entrada:12/20/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:IFAP-INST DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……….., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, proferida em 8/11/2018, que julgou improcedente a reclamação judicial que deduziu contra o acto do órgão de execução fiscal de indeferimento de pedido de extinção do processo de execução fiscal nº 0655200601003402 com fundamento em prescrição da dívida ao Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP).

1.1. Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

I. O tribunal a quo entendeu que: “A questão essencial que cumpre apreciar é a de saber se apesar da prescrição da dívida exequenda ter sido apreciada no âmbito do processo de oposição nº 922/07.8BEALM, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, intentado pela Reclamante, pode ser novamente objecto de apreciação no processo de execução fiscal’’; “Resulta do probatório que no âmbito do processo de oposição a prescrição da dívida exequenda foi julgada improcedente. Aí se considerou, além do mais, que o prazo de prescrição aplicável é de 20 anos...”.

II. Entendeu o tribunal a quo possível a prescrição ser objecto de nova apreciação, contudo teria de prestar obediência ao prazo de prescrição que foi considerado na sentença de oposição à execução (de 20 anos) e não a qualquer outro.

III. A recorrente aceita e não põe em causa os factos dados como provados na douta sentença recorrida, sendo certo que se deverá atender a que no ponto 4. dos factos provados devemos ter em mente o pedido formulado na oposição à execução que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada com o nº 922/07.8BEALM, cuja petição inicial aqui se dá por reproduzida e cujo pedido é o infra transcrito:

“Nestes termos e nos demais de direito, que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve a presente oposição ser julgada procedente e, em consequência: Ser declarada verificada a nulidade da citação, com as legais consequências; Serem declaradas verificadas as excepções de erro na forma de processo e incompetência do Tribunal, absolvendo-se a executada da instância executiva; Ser declarada a ilegitimidade do serviço de Finanças para promover os termos do processo executivo; Ser declarada a litispendência, com consequente absolvição da executada da instância; e, mesmo, que assim não se entendesse, Ser a executada absolvida do título executivo por inexistência de acto válido que o fundamente”.

IV. A recorrente entende existir contradição entre os fundamentos e a decisão, padecendo da nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. c) do CPC, uma vez que a decisão recorrida entende inexistir excepção de caso julgado, porquanto inexiste identidade quanto à causa de pedir, mas ao invés de decidir qual o prazo de prescrição aplicável aos factos dados como provados, decide que o prazo de prescrição é o prazo de 20 anos definido na sentença de oposição à execução, ao qual o tribunal a quo deve obediência, ainda que entenda ser outro o prazo de prescrição aplicável.

V. Ora, inexistindo caso julgado, o julgador deveria ter determinado o prazo de prescrição aplicável, não estando vinculado ao prazo considerado naquela sentença (oposição à execução).

VI. Mas sim, vinculado, ao que foi decidido no douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 1/2015, de 7 de Maio, publicado no Diário da Republica nº 88/2015, Serie I de 2015-05-07, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos “Na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo que o previsto no artigo 3º, nº 1 do Reg. (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável”, o qual fixou jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição é de 4 anos.

VII. Ainda que assim não fosse, determina o nº 1 do artigo 580º do CPC que a excepção de litispendência e do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, e a causa “repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, vide nº 1 do artigo 581º.

VIII. O caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor e é a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado, cobrindo apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta.

IX. A eficácia do caso julgado apenas cobre a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor, concretizada no pedido e limitada através da respectiva causa de pedir.

X. Apesar de o juiz dever resolver na sentença todas as questões que as partes tenham suscitado (artigo 608º nº 2 do CPC) só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e moldada pela causa de pedir.

XI. Resultando que, podendo haver nas sentenças, muitos julgamentos, quer sobre matéria de facto, quer sobre questões de direito que, por não estarem compreendidas na decisão final, embora integrem os seus fundamentos, não são abrangidos pela eficácia do caso julgado.

XII. Solução apontada ainda pelo nº 1 e 2 do artigo 91º do CPC, que afasta da força do caso julgado, as excepções e as qualificações jurídicas aceites na sentença, ao determinar que “a decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude”;

XIII. Inexistindo, por conseguinte, autoridade de caso julgado, tendo a sentença recorrida violado o artigo 580º nº 2, o artigo 621º do CPC e o artigo 175º do CPPT, pelo que, dando provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, farão V. Excelências a costumada JUSTIÇA.



1.2. O Recorrido Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP – IFAP, IP, veio apresentar contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

1. No presente recurso, a Executada/Recorrente pretende impugnar a sentença do Tribunal a quo que, com os fundamentos de facto e de direito dela constantes, julgou improcedente a Reclamação deduzida pela Executada/Recorrente contra o Despacho do Senhor Chefe de Finanças, de 29/08/2018, que lhe indeferiu, com os fundamentos de facto e de direito dele constantes, o pedido de extinção da execução fiscal subjacente nº 0655200601003402, com fundamento na prescrição da dívida exequenda, para o efeito havendo invocado o disposto no art.º 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro (adiante R 2988/95);

2. Como o IFAP alegou na Resposta à Reclamação da Executada/Recorrente, a questão da prescrição da dívida exequenda na execução fiscal subjacente nº0655200601003402 já se acha jurisdicionalmente conhecida, apreciada e decidida nos termos da Sentença de 30/04/2010, proferida nos autos nº 922/07.8 BEALM, que julgou improcedente a Oposição deduzida pela Executada/Requerente contra tal execução fiscal, cuja cópia se junta aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos, entretanto transitada em julgado, designadamente no que tal trânsito respeite à invocada prescrição da dívida exequenda, com o consequente prosseguimento da Execução fiscal subjacente (nº 06552006 01003402);

3. Não obstante, a Executada/Recorrente terá suscitado novamente a questão da prescrição da dívida exequenda no âmbito da tramitação da execução fiscal nº 0655200601003402, tendo requerido ao Chefe de Finanças a extinção da execução com tal fundamento, confundindo, patentemente, tanto no Requerimento indeferido (reclamado) como na Reclamação a que respeitam os presentes autos, prescrição do procedimento previsto no art.º 3º do R 2988/95 com prescrição da dívida (exequenda!), e que são realidades substantivamente diversas e distintas;

4. Todavia, resultando dos autos que a execução fiscal subjacente foi instaurada contra a Executada/Recorrente em conformidade com o disposto, conjugadamente, nos artºs 149º e 155º ambos do Código do Procedimento Administrativo (ao tempo, o CPA/91), e no art.º 148º nº 2 do CPPT, em ordem à execução de acto administrativo praticado pelo IFAP no quadro da tramitação do respectivo procedimento administrativo regulado no CPA, sempre o Tribunal a quo careceria de competência em razão a matéria para conhecer, apreciar e decidir do mérito da pretensão da Executada/Recorrente relativamente à invocada prescrição prevista no art.º 3º do R 2988/95, relativa à prescrição do procedimento administrativo (e não à prescrição da dívida — a qual, no caso de prescrição do procedimento administrativo, nem sequer se teria constituído na esfera jurídica da devedora — a Executada/Recorrente);

5. Acresce que a declaração da prescrição da dívida exequenda nos termos pretendidos pela Executada/Recorrente com fundamento no disposto art.º 3º do Reg. 2988/95, que rege explicitamente em matéria de prescrição o procedimento administrativo, sempre acabaria por redundar em erro na determinação da norma legal aplicável in casu (à prescrição da dívida exequenda);

6. Nessa medida, tendo a Executada/Recorrente invocado expressamente na sua Reclamação a prescrição da “dívida exequenda” não se vislumbra em que medida se mostraria pertinente a aplicação, no concreto caso, de norma legal (o nº 1 do art.º 3º do R 2988/95) que rege, explicita e exclusivamente, em matéria de prescrição do procedimento administrativo;

7. Considerando,

· por um lado, que a Executada/Reclamante invocou a prescrição da dívida exequenda em Oposição por si deduzida contra a execução fiscal subjacente (nº 0655200601003402);

· por outro lado, que o TAF de Almada, conhecendo de tal Oposição, também conheceu, apreciou e decidiu a questão da prescrição da dívida exequenda nela invocada pela Executada/Reclamante, nos termos da Sentença de 30/04/2010, proferida nos autos nº 922/07.8 BEALM — tendo-a julgado improcedente;

· e finalmente, que a sentença de 30/04/2010, proferida nos autos nº 922/07.8 BEALM, que julgou improcedente a Oposição, transitou em julgado;

Também não se vê, sob pena de clara violação do caso julgado, como poderia (de novo) ser conhecida, apreciada e decidida a questão da prescrição da dívida exequenda no âmbito da execução fiscal subjacente (e, muito menos, ainda, pelo Senhor Chefe de Finanças, em oposição à decisão jurisdicional que já conheceu, apreciou e decidiu tal questão – tendo-a julgado improcedente – nos termos da sentença de 30/04/2010, proferida nos autos nº 922/07.8 BEALM, que julgou improcedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal subjacente (como se disse, transitada em julgado),

8. Como tal, deveria ser indeferida a Reclamação a que respeitam os presentes autos quanto mais não fosse por a invocada prescrição da dívida exequenda já haver sido conhecida, apreciada e decidida nos termos da sentença de 30/04/2010, proferida nos autos nº 922/07.8 BEALM, que jugou improcedente a Oposição deduzida pela Executada/Reclamante contra a execução fiscal subjacente nº 0655200601003402;

9. Por tais ordens de razões, afigura-se ao IFAP, na qualidade de Exequente na execução fiscal subjacente, que a Mª Juiz a quo bem decidiu na Sentença recorrida indeferindo a Reclamação por a questão nela suscitada já ter sido objecto de decisão jurisdicional nos termos da Sentença de 30/04/2010, proferida nos autos nº 922/07.8 BEALM — que julgou improcedente a Oposição, designadamente, no que tal improcedência decorresse da improcedência da invocada prescrição da dívida exequenda e, como se disse, entretanto, transitada em julgado.



1.3. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso com a seguinte argumentação:

Na sentença recorrida considerou-se não existir identidade de causa de pedir e, ainda assim, entendeu-se aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, conforme definido na sentença de oposição que se considerou ter transitado em julgado.

E foi com tal fundamento que se decidiu serem de reconhecer efeitos positivos ao caso julgado formado por essa sentença proferida em 30-04-2010.

Ou seja, não se reconheceu que a dita sentença pudesse produzir efeitos negativos, em termos de existir exceção que impedisse o pedido apresentado, mas entendeu-se que a autoridade do caso julgado conduzia a tal aplicação.

Nessa ótica, não existe a invocada oposição entre os fundamentos e a decisão.

No entanto, não é de afastar que o dito acórdão n.º 1/2015 seja aplicável ainda que tal dependa do apuramento de matéria de facto que não consta, conforme adiante se refere.

E são de afastar os ditos efeitos produzidos pela anterior sentença, considerando a sua fundamentação.

Com efeito, de acordo com os artigos 620.º n.º 1 e 621.º do C.P.C., “as sentenças (...) que recaiam sobre a relação processual apenas tem força obrigatória dentro do próprio processo” e a “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que se julga (…)”.

A doutrina e a jurisprudência entendem ser de efetuar uma aplicação restritiva do caso julgado em termos de não serem de considerar abrangidos pelo mesmo os motivos (fundamentos) utilizados — nesse sentido, referem Antunes Vareta, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora em Manual de Processo Civil, ed. Coimbra Editora de 2004, pág. 718.

Aliás no caso é possível renovar-se o pedido de apreciação da prescrição.

Por outro lado, veio entretanto a ser decidido no acórdão n.º 1/2015, do S.T.A., de uniformização de jurisprudência, ser de adotar o entendimento de ser de aplicar o prazo de prescrição de 4 anos, previsto no Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95, aliás, após decisões proferidas pelo TJUE tidas com caráter vinculativo para o Estado Português.

E, tendo ficado a constar um conjunto de factos com relevo quanto à prescrição, entre os quais, que a execução tinha sido instaurada em 2006 devido à não reposição de quantia concedida pelo IFAP, e tendo sido esta decidida por não estarem reunidas as condições previstas na legislação aplicável ao “Contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85 do Conselho e legislação complementar”, celebrado em 17.04.1991 e respetivo adiamento, celebrado em 28.04.92, não resulta apurado nos presentes autos, nem na decisão proferida em oposição, em que data se decidiu ter sido praticada infração ou não estarem reunidas as ditas condições.

Assim, e a entender como se defende, importa ainda que se proceda ao apuramento de pertinente matéria de facto, nomeadamente, em que data se decidiu que tinha sido praticada a infração ou não estarem reunidas as ditas condições, à semelhança do decidido no acórdão do S.T.A. de 8-10-2014, proferido no recurso nº 0398/12.

Concluindo:

O recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido, por não se aplicável o fundamento do caso julgado proferida pela decisão proferida na anterior oposição quanto ao prazo legal aplicável ser de 20 anos. É de mandar baixar os autos para que se apure ainda matéria de facto pertinente à decisão, nomeadamente, quando foi proferida a decisão a determinar a dita reposição e seja proferida nova decisão que conheça da aplicação ao caso nos autos do previsto no art. 3.º n.º 1 do dito Regulamento n.º 2988/95.».


1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.



2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 18.12.2006 foi autuado, no Serviço de Finanças de Penamacor, em nome da Reclamante, o processo de execução fiscal nº 0655200601003402 (doravante, PEF), com vista a cobrança da quantia exequenda no valor de 86.210,86 EUR, proveniente da não reposição da quantia indevidamente recebida no valor de 38.670,49 EUR e juros vencidos contados desde a data em que o referido montante foi colocado à disposição da beneficiária até 20.09.2006, no valor de 47.540,37 EUR — cfr. autuação e certidão de dívida de fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal.

2. A reposição da quantia exequenda foi determinada pelo IFAP em virtude da Reclamante não reunir as condições previstas na legislação aplicável ao “Contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do regulamento (CEE) 797/85, do Conselho, e legislação complementar” celebrado entre a mesma e o então IFADAP, em 17.04.1991, e respectivo aditamento, celebrado em 28.04.1992, no âmbito do projecto nº 90.41.6892.9 — fls. 4 a 11 do processo de execução fiscal.

3. Em 11.07.2007 a Reclamante foi citada no âmbito do PEF, por funcionário do Serviço de Finanças de Almada - 3 Costa da Caparica, em cumprimento da carta precatória emitida pelo Serviço de Finanças de Penamacor — cfr. fls. carta precatória de fls. 15 a 20 do processo de execução fiscal.

4. Em 14.08.2007 a Reclamante apresentou oposição no âmbito do PEF, a qual foi distribuída no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada com o nº 922/07.8BEALM, cuja petição inicial aqui se dá por reproduzida - cfr. petição de fls. 1 a 11 do processo de oposição nº 922/07.8BEALM que está apensado aos autos.

5. Em 11.01.2008 foi enviado o ofício elaborado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor, destinado a notificar a Oponente para prestar garantia idónea, no montante de 126.424,99 EUR, com vista à suspensão do PEF — cfr. ofício e registo postal de fls. 98 e 99 do processo de execução fiscal.

6. Em 31.03.2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor exarou o seguinte despacho no âmbito do PEF: “Nos termos do artigo 272.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), declara-se em falhas a dívida exequenda e acrescido referentes ao processo de execução abaixo identificado, uma vez que em face do auto de diligências supra, não constam bens penhoráveis (...) do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários. (...)” — cfr. despacho de fls. 105 do processo de execução fiscal.

7. Em 30.04.2010 foi proferida sentença no âmbito do processo de oposição a que se refere o ponto 4 do probatório, pela qual foi decidido julgar a oposição improcedente nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos e transcrevem parcialmente:

“(…) Por fim alega a oponente que a dívida em causa nos presentes autos de execução fiscal se encontra prescrita.
Em causa nos presentes autos está a devolução de subsídios concedidos aos agricultores portugueses (cfr. pontos 1 do probatório supra).
De facto, o regime prescricional das quantias indevidamente recebidas pelos particulares que haviam sido concedidas pelo IFADAP rege-se pelo disposto no Código Civil Português, mais concretamente pelo disposto no art. 309º daquele diploma legal.
Os subsídios em questão não têm a natureza de impostos ou taxas, nem de quaisquer tributos parafiscais, conforme vêm definidos nos arts. 3º e 4º da Lei Geral Tributária.
Efectivamente, não estamos perante dívidas de natureza fiscal, às quais é aplicável o disposto na Lei Geral Tributária ou, anteriormente o Código de Processo Tributário; estamos perante dívidas civil cujas execuções fiscais correm nos Serviços de Finanças por força do disposto no art.º 148º nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário. Consequentemente e conforme já se afirmou o prazo prescricional é de vinte anos.
Ora, estando nós perante dívidas referentes ao exercício de 1992 e tendo o respectivo processo sido instaurado em 2006 e a oponente citada em 2007, facilmente se conclui que as mesmas não se encontram prescritas.
IV – DECISÃO
Em face de tudo o anteriormente exposto julgo improcedente a presente oposição. (…)” — cfr. sentença de fls. 375 a 387 do processo de oposição n.º 922/07.8BEALM que está apensado aos autos.

8. Em 25.06.2010 foi proferido despacho no âmbito do processo de oposição, pelo qual não foi admitido o recurso da sentença melhor identificado no ponto anterior do probatório — cfr. despacho de fls. 418 do processo de oposição nº 922/07.8BEALM que está apensado aos autos.

9. Em 30.11.2010 foi assinado o aviso de recepção do ofício elaborado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor, destinado a notificar a Reclamante da penhora do veículo com a matrícula …………- cfr. ofício, registo postal e aviso de recepção de fls. 127 (frente e verso) e nota de registo de fls. 117 do processo de execução fiscal.

10. Em 07.04.2011 o técnico do Serviço de Finanças de Penamacor elaborou, no âmbito do PEF, informação na qual conclui que “Dado que o valor comercial de tal veículo, caso exista, é extremamente reduzido, parece-me de se cancelar a referida penhora e, uma vez que não é conhecido qualquer outro bem susceptível de penhora, declarar os presentes autos em falhas.” — cfr. informação de fls. 129 do processo de execução fiscal.

11. Em 07.04.2011 o Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor exarou o seguinte despacho sobre a informação a que se refere o ponto anterior do probatório “Nestes termos, em face da informação que antecede, considero que estão reunidas as condições previstas no Art.º 272º do CPPT, pelo que declaro em falhas as dívidas abaixo discriminadas e acrescido, sem prejuízo do disposto nos artigos 273º e 273º e 274º também do mesmo código e independentemente do despacho, a todo o tempo salvo prescrição, a execução prosseguir os seus termos. (…)” — cfr. despacho de fls. 130 do processo de execução fiscal.

12. Em 18.01.2017 a Reclamante apresentou um requerimento no âmbito do PEF pelo qual invoca a prescrição da quantia exequenda e requer a extinção da execução fiscal, cuja cópia de fls. 166 a 169 aqui se dá por reproduzida — cfr. requerimento de fls. 166 a 169 do processo de execução fiscal.

13. Em 01.08.2018 o Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor exarou, no âmbito do PEF, o despacho que aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:

“(…)
Analisando os elementos do processo de execução fiscal em causa, verificamos que em 14/08/2007 foi apresentada oposição ao mesmo, à qual coube o nº 922/07.8BEALM do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
Na referida oposição foi apreciada e decidida a questão da prescrição que foi julgada improcedente por sentença proferida em 30/04/2010, já transitada em julgado.
Foi também solicitado ao IFAP, entidade exequente no processo executivo, parecer sobre o requerido, o qual se pronunciou no sentido da questão da prescrição estar completamente esclarecida com a sentença já proferida e transitada em julgado, não podendo novamente ser questionada sob pena de clara violação de caso julgado.
Assim, e tendo em consideração o parecer da entidade exequente e a douta sentença proferida no processo de oposição, se conclui não haver lugar à prescrição nos mesmos termos e fundamentos nela referidos, razão pela qual se indefere o pedido. (…)” — cfr. despacho de fls. 306 do processo de execução fiscal.

14. Em 06.08.2018 foi enviado, em correio postal registado, o ofício elaborado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor, destinado a notificar a Oponente do despacho melhor identificado no ponto anterior do probatório para se pronunciar em sede de audiência prévia — cfr. ofício e registo postal de fls. 308 (frente e verso) do processo de execução fiscal.

15. Em 24.08.2018 a Reclamante apresentou requerimento pelo qual se pronunciou em sede de audiência prévia — cfr. requerimento de fls. 310 do processo de execução fiscal.

16. Em 29.08.2018 o Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor exarou, no âmbito do PEF, o despacho cuja cópia de fls. 314 e 315 do processo de execução fiscal aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(…)

Compulsado o ofício circular ADCOESAO/S/774/2018 de 05/04/2018 da Agência para o Desenvolvimento e Coesão o artigo 3º nº 1 do citado Regulamento 2988/95, refere que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, que é o tempo, segundo a mesma circular, que as autoridades competentes dispõem para a aplicação de sanções ou medidas administrativas no âmbito dos fundos da política de coesão, para iniciar ou instaurar o procedimento de verificação das irregularidades cometidas.

Acerca desta matéria, corre seus termos no Tribunal Administrativo de Lisboa uma Acção Administrativa Especial onde é discutida a legalidade do acto de restituição, que está na origem da presente execução fiscal.

Execução fiscal esta, em que a executada apresentou oposição na qual já foi apreciada a questão da prescrição tendo sido julgada improcedente por sentença proferida pela Meritíssima Juiz em 30/04/2010 constituindo assim caso julgado.

Ainda e segunda as instruções do referido ofício circular, promovido o processo de execução fiscal, o prazo de prescrição da dívida objecto da acção executiva, à falta de disposição específica, quer no direito da União Europeia quer no direito nacional, é o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil (CC).

Na verdade, a partir do momento em que é instaurado pelo Serviço de Finanças o processo de execução fiscal para a cobrança coerciva do montante indevidamente recebido pela entidade beneficiária dos fundos da política de coesão, não são aplicáveis os prazos de prescrição previstos no Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, do Conselho de 18 de Dezembro de 1995 (prazos administrativos para a instrução do procedimento de detecção de irregularidade e promoção da acção executiva de cobrança), mas sim o prazo de 20 anos previsto no C. C., o qual devera ser contado a partir da promoção para cobrança coerciva.

Verificamos assim que o processo de execução fiscal foi instaurado em 18/12/2006, e tendo em conta que a executada foi citada pessoalmente em 11/07/2007, o prazo de prescrição interrompeu naquela data, nos termos do nº 1 do artigo 49º da Lei Geral Tributária, pelo que prescreverá em 12/07/2027 se não ocorrerem entretanto factos suspensivos, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, razão pela qual mantenho o sentido da decisão do meu anterior despacho, prosseguindo a execução para a sua normal tramitação.” — cfr. despacho de fls. 314 e 315 do processo de execução fiscal.

17. Em 31.08.2018 foi assinado o aviso de recepção do ofício elaborado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Penamacor, destinado a notificar a Oponente do despacho melhor identificado no ponto anterior do probatório — cfr. ofício, registo, postal e aviso de recepção de fls. 316 (frente e verso) do processo de execução fiscal.

18. Em 10.09.2018 foi enviado, em correio postal registado, para o Serviço de Finanças de Penamacor, a petição de reclamação — cfr. envelope com selo postal de fls. 318 do processo de execução fiscal.



3. A Executada/Reclamante recorre da sentença que julgou improcedente a reclamação judicial que apresentou perante o acto de indeferimento do pedido de extinção, por prescrição, da dívida em cobrança na execução fiscal nº 0655200601003402 – dívida que emerge de acto administrativo que determinou a reposição de subsídio concedido pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP).
Segundo a Executada, ora Recorrente, a sentença padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, de erro de julgamento ao ter atribuído efeitos positivos ao caso julgado formado pela sentença proferida em 30/04/2010 no processo de oposição que deduziu a esta mesma execução fiscal, mais especificamente, à decisão que dela consta sobre o prazo legal de prescrição da dívida exequenda – que julgou ser de 20 anos – quando se impunha que atendesse ao ora invocado prazo de 4 anos considerado no acórdão nº 1/2015 da Secção de Contencioso Administrativo do STA.
Para a devida análise e decisão das questões colocadas, importa examinar a fundamentação da decisão recorrida.

«A Reclamante alega, em suma, que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 1/2015 fixou jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição aplicável às dívidas provenientes da não devolução de subsídios concedidos a agricultores é de 4 anos, prazo esse que já havia decorrido quando a Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal e que também já decorreu após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de oposição. Mais alega que a referida sentença não faz caso julgado no que se refere à aplicação do prazo de prescrição de 20 anos.

O IFAP alega, em síntese, que a questão da prescrição já foi jurisdicionalmente conhecida no âmbito do processo de oposição n.º 922/07.8BEALM, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual transitou em julgado, pelo que a prescrição não pode de novo ser apreciada sob pena de violação de caso julgado. Mais argumenta que a Reclamante confunde a prescrição do procedimento com a prescrição da dívida exequenda.

A questão essencial que cumpre apreciar é a de saber se apesar da prescrição da dívida exequenda ter sido apreciada no âmbito do processo de oposição nº 922/07.8BEALM, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, intentado pela Reclamante, pode ser novamente objecto de apreciação no processo de execução fiscal.

Resulta do probatório que no âmbito do referido processo de oposição a prescrição da dívida exequenda foi julgada improcedente. Aí se considerou, além do mais, que o prazo de prescrição aplicável é de 20 anos e que à data da prolação da sentença — 30.04.2010 — a dívida não estava prescrita (cfr. ponto 7 do probatório).

De acordo com o órgão de execução fiscal e com o Exequente (IFAP) a sentença proferida no âmbito do referido processo de oposição faz caso julgado.

O instituto do caso julgado destina-se a garantir a segurança jurídica e exerce uma função positiva, que se manifesta através da autoridade do caso julgado, e que visa impor os efeitos da sentença já transitada, e uma função negativa, que se manifesta através da excepção de caso julgado e que visa evitar a contradição ou repetição de decisões — neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.12.2017, proferido no âmbito do processo nº 3435/16.3T8VIS-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.

Enquanto na excepção de caso julgado se exige a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (cf. artigo 581.º do CPC), a autoridade de caso julgado dispensa a referida tríplice identidade.

A questão tal como é configurada pelas partes respeita ao efeito positivo que decorre do caso julgado, pois o que o órgão de execução fiscal defendeu no acto reclamado e a Exequente defende nos autos, é que o pedido de extinção do processo de execução fiscal com fundamento em prescrição já foi apreciado por decisão transitada e impede uma reapreciação do caso. Assim, não está em causa nos autos o caso julgado enquanto excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da acção (cfr. alínea i) do artigo 577º do CPC), mas sim enquanto autoridade que impõe os efeitos da sentença já transitada ao órgão de execução fiscal.

O acto sindicado nos autos configura uma decisão de indeferimento do pedido de extinção da execução fiscal dirigido pela Reclamante em 18.01.2017 (cfr. ponto 12 do probatório). Também no processo de oposição a Reclamante pediu a extinção do processo de execução fiscal, invocando a prescrição como um dos fundamentos (cfr. pontos 4 e 7 do probatório). Assim, o efeito jurídico pretendido pela Reclamante na oposição que corrreu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e no requerimento que posteriormente dirigiu ao órgão de execução fiscal é o mesmo — a extinção do processo de execução fiscal — o mesmo se diga para a presente reclamação, pois a anulação do acto de indeferimento daquele pedido de extinção visa precisamente alcançar o mesmo efeito jurídico (neste mesmo sentido, mas a propósito da excepção de litispendência veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2008, proferido no âmbito do processo nº 0876/08, disponível em www.dgsi.pt). É, pois, irrelevante que a forma de processo utilizada seja diferente, pois o que importa é que a Reclamante visa obter o reconhecimento do mesmo direito.

Neste sentido, verifica-se que existe identidade de sujeitos e de pedido entre o processo de oposição que já foi decidido e o requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal cuja decisão de indeferimento originou a presente reclamação. Já a causa de pedir, apesar de se reportar em ambos os casos ao instituto da prescrição da dívida exequenda, não é exactamente igual. O pedido dirigido pela Reclamante ao órgão de execução fiscal assenta na invocação do prazo de prescrição relativamente ao período que decorreu ate à data da citação para o processo de execução fiscal e ao período que decorreu desde a data do trânsito em julgado da sentença até à data.

No que respeita ao período decorrido até à citação, que está consumido no juízo decisório, existe identidade de causa de pedir. Efectivamente, quanto a tal período temporal o caso julgado impõe-se e obsta a que a prescrição da dívida exequenda possa ser reapreciada pelo órgão de execução fiscal (ou sequer por este Tribunal).

No que se refere ao período posterior à sentença, não se pode alcançar semelhante conclusão. De facto, a apreciação da prescrição da dívida exequenda envolve dados objectivos intrinsecamente dependentes do decurso do tempo e dos trâmites do processo de execução fiscal. Ora, esta não é uma realidade estática, mas sim dinâmica, pelo que após a prolação da sentença o prazo de prescrição continua a correr e sobrevêm factos que influem na sua contagem.

Logo, a decisão que conheça da prescrição da dívida exequenda não cristaliza o prazo de prescrição, este continua a correr termos até se completar.

Sendo assim, no que se reporta ao período posterior à sentença, a causa de pedir não é exactamente a mesma. Então, e porque a sentença proferida no processo de oposição só constitui caso julgado nos termos e precisos limites em que julga, nada obsta a apreciação da prescrição da dívida exequenda com referência à factualidade que sobreveio à decisão proferida no processo de oposição (e que, por impossibilidade natural não foi contemplado na apreciação que aí foi feita).

Em sentido semelhante refere a doutrina que “Também não há caso julgado se a segunda acção tiver por fundamento facto jurídico da mesma natureza que o invocado na primeira, mas ocorrido posteriormente à data em que a sentença foi proferida, ou reportado simplesmente a período temporal diferente (v.g. usucapião)” — cfr. GERALDES, António Santos Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 663.

Assente que a prescrição da dívida exequenda pode ser conhecida relativamente ao período posterior à sentença, sem que ocorra violação do caso julgado, importa agora apreciar se, como pretende a Impugnante, pode ser aplicado prazo de prescrição diverso do que foi julgado aplicável no processo de oposição.

Como já referido, o caso julgado impede qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida que tenha sido analisada por decisão anterior já transitada em julgado. Acresce que, como tem entendido a jurisprudência, a eficácia do caso julgado “exclui toda a situação contraditória ou incompatível com a que ficou definida na decisão transitada e incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos ou as questões preliminares, enquanto pressupostos, premissas ou antecedentes lógicos daquela decisão.” (…).

A apreciação da prescrição da dívida exequenda implica uma pronúncia sobre o direito aplicável e a sua subsunção aos factos apurados. Se aos factos supervenientes à sentença pode, como analisado, incidir nova pronúncia quanto à prescrição da dívida exequenda, quanto ao direito aplicável não se pode perder de vista o decidido na sentença transitada (concorde-se ou não com o mesmo).

Com efeito, a dívida exequenda é exactamente a mesma e o contexto normativo em que surge também, pelo que, na ausência de alterações normativas, o direito aplicável à prescrição da dívida exequenda não sofre qualquer modificação. Assim, a prescrição da dívida exequenda relativamente ao período posterior à sentença transitada tem de ser apreciada à luz do regime que foi julgado aplicável naquela decisão.

Se assim não fosse poderia a primeira decisão ficar inutilizada caso viesse a ser adoptado entendimento contrário no julgado posterior. Neste sentido, refere Lebre de Freitas que “o caso julgado há-de poder ser invocado quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja susceptível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado (…)” (…).

O prazo de prescrição da dívida exequenda é só um e foi definido na sentença transitada.

A apreciação da prescrição após a sentença transitada tem de se restringir à contagem daquele prazo por referência a factualidade superveniente à sentença — o decurso do tempo e eventuais causas suspensivas e/ou interruptivas do prazo de prescrição (não podendo ser alterado o regime jurídico aplicável, sob pena de contradição de julgado).

Admitir, no caso em apreço, a aplicação de um prazo de prescrição diferente daquele que foi considerado na sentença de oposição, ainda que apenas para o período posterior àquela, seria, na prática, reabrir o litígio entre as partes e contrariar o julgado anterior.

Não obsta a esta conclusão a existência de uma alteração da jurisprudência sobre a interpretação do regime normativo aplicável à prescrição da dívida exequenda, pois tal circunstância não é, desde logo, fundamento para reabertura do litígio — veja-se que não constitui sequer fundamento de interposição de recurso de revisão (cfr. artigo 696.º do CPC). Se fosse adoptado entendimento diferente o juízo decisório perderia a característica da imutabilidade e poderia variar, sem limitação temporal, em função de alterações de jurisprudência, o que atentaria contra a estabilidade do sistema.

Posto isto, o órgão de execução fiscal podia apreciar a prescrição da dívida exequenda com referência à factualidade ocorrida no período posterior à sentença, porém tinha de o fazer com respeito pelo regime jurídico julgado aplicável no processo de oposição, ou seja, aplicando o prazo de prescrição de 20 anos que aí foi definido como sendo o aplicável — prazo este que, como o probatório evidencia e como se concluiu no acto reclamado, ainda não decorreu.


Donde decorre que o Mmº Juiz procedeu, e bem, à distinção entre a excepção dilatória do caso julgado (que pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado) e a autoridade do caso julgado (que implica o acatamento de decisão proferida em ação anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto necessário, no objecto de acção posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida possa ser contemplada, de novo, de forma diversa), assim acolhendo o entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico sobre a matéria, isto é, o entendimento sobre a função positiva e negativa exercida pelo instituto do caso julgado.
Com efeito, tal como a doutrina tem vindo a salientar, enquanto a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado, já a função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado prevista nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º, do CPC. O que implica que, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em distinto processo, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta (Sobre a matéria, ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, vol III, pág. 93, LEBRE DE FREITAS, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 2ª ed., pág. 354, e MIGUEL TEIXEIRA DA SOUSA,“O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, págs. 49 e segs.).
Em suma, o Mmº Juiz julgou que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art.º 581.º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de uma questão que não pode voltar a ser discutida. Após o que concluiu que a questão da prescrição da dívida exequenda apenas pode ser discutida de novo relativamente ao período de tempo que decorreu após a sentença proferida no processo de oposição, e sempre com respeito pelo prazo de prescrição que nela foi julgado como aplicável, sob pena de violação da autoridade do caso julgado.
E foi neste contexto que analisou a questão da prescrição, concluindo que após a aludida sentença ainda não havia decorrido o aludido prazo de 20 anos.
Nessa medida, não se verifica contradição entre os fundamentos e a decisão, não ocorrendo, assim, a arguida nulidade da sentença.

Quanto ao erro de julgamento que a Recorrente imputa à sentença, por não ter atendido ao prazo de prescrição de 4 anos aplicável face ao acórdão nº 1/2015 da Secção de Contencioso Administrativo do STA, importa sublinhar dois aspectos.
Em primeiro lugar, convém referir que a sentença não merece censura quando considera que a decisão proferida no processo de oposição deduzida contra esta mesma execução fiscal – e na qual foi apreciada e decidida a questão da prescrição da obrigação pecuniária que constitui a dívida exequenda – se consolidou na ordem jurídica, razão por que, para suscitar novamente a mesma questão, o executado se encontra limitado à invocação de que já decorreu o prazo que, segundo essa decisão, ainda faltava para se completar o fixado prazo de prescrição.
É o que resulta do disposto no artigo 621º do CPC (a que correspondia o artigo 673º do anterior CPC), segundo o qual a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e, por isso, se a parte decaiu por não ter decorrido um prazo, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando o prazo se preencha. Razão por que está, em princípio, vedado ao juiz voltar a pronunciar-se em termos distintos do que ficou já definido sobre a prescrição desta obrigação tributária.
Todavia, tal não obsta a que seja colocada e decidida uma outra questão, ainda que sob a designação jurídica de “prescrição”, como é a questão da aplicação da prescrição na acepção contida no artigo 3º do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro.
E é, salvo o devido respeito, o que se passa no caso em análise.
Conforme resulta da leitura do requerimento dirigido ao órgão de execução e dos articulados da reclamação judicial que contra esse acto foi apresentada, o que a Executada/Reclamante pretende é a análise e decisão de diversa questão, traduzida na prescrição do procedimento administrativo onde foi aplicada a medida administrativa de reposição da quantia que se encontra em cobrança, e na prescrição do direito de executar essa medida administrativa, ambas face ao prazo previsto no nº 1 e no nº 2 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95, e que deu origem ao acórdão nº 1/2015, de 7/05/2015, prolatado pela Secção de CA do STA.
Isto é, traduz-se na questão de saber qual o prazo que a Administração de cada Estado dispõe para exigir a reposição de verbas indevidamente recebidas, ou, mais concretamente, qual o prazo (de prescrição) para executar a medida de reembolso de quantia indevidamente recebida pela Executada – quer à luz da duração do procedimento administrativo onde foi praticado o acto que determinou esse reembolso, quer à luz do período que decorreu até à instauração da acção para cobrança dessa quantia.
Questão que, a nosso ver, é diversa da questão da prescrição da própria obrigação pecuniária que constitui a dívida exequenda, e que deve ser analisada à luz não só do invocado acórdão nº 1/2015 da Secção Administrativa do STA, como do acórdão do TJUE de 17/09/2014, no Proc. nº C-341/13, prolatado no âmbito do reenvio prejudicial formulado pela Secção do Contencioso Tributário do STA em 17/04/2013, no Proc. nº 0398/12, e do subsequente acórdão que esta Secção prolatou em 8/04/2014 em comprimento da pronúncia do TJUE.
Razão por que entendemos que o motivo invocado para a improcedência da reclamação (autoridade de caso julgado) não se verifica.
Neste contexto, e considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir a enunciada questão – uma vez que ela pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em matéria de facto – torna-se essencial que o tribunal “a quo” proceda ao julgamento da causa após a fixação do quadro factual necessário.


4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que decida a questão colocada, após a fixação da base factual necessária, de acordo com o que se acima se apontou.
Custas pela Recorrida, que contra-alegou.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.