Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:060/22.3BCLSB
Data do Acordão:06/30/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio de revista, já que sobre elas pode ser interposto recurso directamente para o Tribunal Constitucional, não se justificando a admissão da revista quanto a elas, por não ser definitiva a decisão que viesse a ser proferida pelo STA nessa matéria, face àquela possibilidade de recurso.
Nº Convencional:JSTA000P29682
Nº do Documento:SA120220630060/22
Data de Entrada:06/14/2022
Recorrente:SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL, SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (Benfica, SAD) recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em sede de arbitragem necessária, tendo o TAD proferido acórdão, em 24.01.2022, julgando procedente o recurso da decisão proferida pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de 28.01.2020, que, no âmbito do processo disciplinar nº 41-19/20 e Apenso 44-19/20, decidiu condenar a Demandante pela prática, em concurso efectivo, de duas infracções disciplinares previstas e punidas pelo nº 1, do art. 86º-A do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal 19/20, aplicando-lhe uma pena de multa no valor de €8.930,00.

Interposto recurso jurisdicional pela Federação Portuguesa de Futebol [FPF], em 21.04.2022 o TCA Sul proferiu acórdão que concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, mantendo na ordem jurídica o acórdão proferido em 28.01.2020 pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do processo disciplina nº 41-19/20 e Apenso 44-19/20.

A Benfica, SAD não se conforma com esta decisão, interpondo a presente revista, alegando que esta visa a apreciação de questão com relevância jurídica fundamental.

Em contra-alegações a Recorrida FPF defende a inadmissibilidade do recurso, ou a sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Recorrente alega que a interpretação consagrada no acórdão recorrido desconsidera a letra do art. 18º, nº 2 e 6 da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, nomeadamente as importantes restrições ao uso dos sistemas de CCTV no mesmo contidas.
Pede que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação efectuada do disposto no nº 1 do art. 86-A do RD LPFP e no nº 6 do art. 18 da Lei nº 39/2009 (na redacção em vigor à data dos factos), quando interpretada no sentido de que o arguido em Processo Disciplinar Desportivo é obrigado a remeter à Entidade Acusatória as imagens e som registados pelo sistema de videovigilância instalado no recinto desportivo por si utilizados para os jogos disputados na qualidade de visitado, por violação do disposto no nº 2 do art. 18º e no nº 10 do art. 32º da CRP.

O TAD julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida.

O TCA Sul para o qual a FPF apelou, revogou aquela decisão, concedendo provimento à apelação, referindo em conclusão o seguinte: “Regressando ao caso vertente, já se viu que o n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 32/2009, de 30 de julho, permite a utilização dos registos de imagem e som para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, sendo que o n.º 6, permite a utilização dos registos de imagem para efeitos exclusivamente disciplinares pelo organizador da competição desportiva.
O referido conjuga-se adequadamente com a norma prevista no artigo 86.º-A, n.º 1 do RDLPFP, e 18.º, n.º 6, da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, no sentido de, em processo disciplinar desportivo, o visado ser obrigado a remeter à entidade acusatória as imagens registadas pelo sistema de videovigilância instalado no recinto desportivo.
Trata-se, pois, de restrição ao direito à autoincriminação que respeita os parâmetros constitucionais, como decorre da jurisprudência e doutrina citadas.
Carece assim de sentido o entendimento, de acordo com o qual, sempre haveria necessidade de existir previamente um processo criminal e/ou contraordenacional, o que carece do mínimo apoio legal, e equivaleria ao esvaziamento do conteúdo do citado artigo 18.º, n.º 6.
Em conclusão, mostra-se conforme à Constituição a interpretação dos artigos 86-A, n.º 1, do RDLPFP, e 18.º, n.º 6 da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, no sentido do arguido em processo disciplinar desportivo ser obrigado a remeter à entidade acusatória as imagens registadas pelo sistema de videovigilância instalado no recinto desportivo, por não contender com o plasmado nos artigos 19.º, n.º 2 e 32.º, n.º 10, da CRP.

Como acima se disse a Recorrente na presente revista, defende, em síntese, que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na interpretação do art. 18º, nº 6 da Lei nº 39/2009, a qual viola o princípio da não autoincriminação, e do art. 86-A do RDLPFFP, sendo tal interpretação inconstitucional por violação do disposto no nº 2 do art. 18º da referida Lei e do nº 10, do art. 32º da CRP.

Como se vê a revista tem como exclusivo objecto a alegada inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 86º-A, nº 1 do RDLPFP e do art. 18º, nº 6 da Lei nº 39/2009, de 30/7, por ser alegadamente violadora do art. 32º, nº 10 da CRP.
Ora, esta Formação tem reiteradamente entendido que as questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio de revista. Com efeito, sobre elas pode ser interposto recurso directamente para o Tribunal Constitucional, não se justificando a admissão da revista quanto a elas, por não ser definitiva a decisão que viesse a ser proferida pelo STA nessa matéria, face àquela possibilidade de recurso [cfr. neste sentido, v.g., o ac. desta Formação de 18.11.2021, Proc. nº 0434/20.4BEPRT-S1 e a jurisprudência nele indicada].
Assim sendo, não se justifica a admissão da revista, não sendo de postergar a regra da sua excepcionalidade.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de Junho de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.