Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0258/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
HIPOTECA
Sumário:* I - O imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens (artº. 1º, nº 1 do CIS).
II - Nos actos e contratos a obrigação tributária considera-se constituída no momento da assinatura pelos outorgantes (artº. 5º, a) CIS).
III - O imposto de selo incide sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente a garantia bancária autónoma e a hipoteca, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados por aquela Tabela e constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (TGIS nº 10).
IV - A hipoteca não registada, não produz efeitos, mesmo em relação às partes (artº. 687º do C. Civil e artº. 4º, nº 2 do R. Predial).
V - Assim, não pode haver tributação face ao disposto no artº. 38º, nº1 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067869
Nº do Documento:SA2201210240258
Data de Entrada:03/08/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CIS03 ART1 N1 ART5 H.
CCIV66 ART687.
CRP84 ART4 N2.
LGT98 ART50 N3 ART38 N1.
TGIS03 N10.
Referência a Doutrina:BRUNO SANTIAGO AS GARANTIAS DAS OBRIGAÇÕES E O IMPOSTO DO SELO PAG130.
LUIS FRAGOSO GARANTIAS BANCÁRIAS AUTONOMAS E IMPOSTO DO SELO (TRIBUTAR OU NÃO TRIBUTAR? ESSA É A QUESTÃO) 2010.
CAMPOS LAIRES E JORGE LAIRES CÓDIGO DO IMPOSTO DE SELO ANOTADO E COMENTADO 2000 PAG131.
FERNANDES PIRES LIÇÕES DE IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO E DO SELO PAG379.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO


A…… e B……., ambos com os demais sinais nos autos, deduziram IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra o despacho de indeferimento do seu pedido de reembolso do pagamento que efectuaram relativo a liquidação de imposto de selo no valor de € 7.888,29.
Por sentença de 11 de Maio de 2011, o TAF de Almada julgou procedente a impugnação. Reagiu a Fazenda Pública, ora recorrente, interpondo o presente recurso, para o Tribunal Central Administrativo Sul, que, por decisão de 30 de Dezembro de 2011, se declarou incompetente em razão da hierarquia, entendendo ser competente para conhecimento do recurso este Supremo Tribunal Administrativo, para onde foram remetidos os autos. As alegações do recurso integram as seguintes conclusões:

1. Nos termos do disposto no n.° 1, do art.° 1°, do CIS, conjugado com as verbas 10 e 10.3 da Tabela Geral daquele imposto, a hipoteca, ainda que unilateral, está sujeita a Imposto do Selo;
2. Por seu lado, determina a alínea a), do art.° 5°, do CIS, que nos actos e contratos, a obrigação tributária se considera constituída, no momento da assinatura pelos outorgantes;
3. Na situação em apreço a obrigação tributária constituiu-se na data da assinatura da respectiva escritura pública;
4. Apesar de não ter sido registada, a hipoteca não deixou de ser válida;
5. Foi respeitado o disposto no n.° 1, do art.° 38°, da LGT, pois a tributação ocorreu precisamente no momento em que legalmente deveria ocorrer;
6. A douta sentença ora recorrida incorreu em erro de direito na aplicação das normas constantes nos art° 5º, n.° 1 e 5.°, alínea a), do CIS, conjugados com as verbas 10 e 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo e art.° 38°, n.° 1, da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a presente impugnação improcedente, tudo com as devidas e legais consequências.

O recorrido formulou contra-alegações que integram as conclusões seguintes:
DAS QUESTÕES PRÉVIAS

I. Vem o presente Recurso apresentado para o Tribunal Central Administrativo do Sul que é incompetente em razão da matéria e nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT.(…)

DA MATÉRIA DE FACTO

IV. Quanto à matéria de facto, e para a decisão do presente Recurso, é de considerar tudo quanto o Recorrido articulou na p.i. dos autos recorridos e, bem assim, os factos que constam dos documentos e, maxime, a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida e que constitui a respectiva base instrutória.

DO DIREITO
V. O thema decidendum nestes autos resume-se a saber se é legal e, portanto, válido, o imposto de selo indevidamente liquidado pelo Recorrido em consequência da preparação de uma garantia, através de hipoteca, que nunca chegou a ser constituída.
VI. O que se verificou neste autos foi que (i) o Recorrido assinou uma escritura de hipoteca que se destinou a emitir uma garantia pela Caixa Económica Montepio Geral sendo que (ii) a hipoteca nunca chegou a ser registada e (iii) a garantia nunca chegou a ser emitida pela instituição financeira, (iv) por desistência do Recorrido.
VII. Muito bem decidiu a sentença recorrida ao considerar não ser devido imposto do selo por se tratar de uma operação que não chegou a concretizar-se e porque, se o tivesse sido, a liquidação de imposto deveria ter sido efectuada no momento da cobrança da comissão, debitada da conta do Recorrido (Verba 10.3 da TGIS e artigo 5º, alínea h) do CIS).
VIII. O pretenso fundamento da Recorrente — que nos autos recorridos nem sequer contestou a impugnação e se limitou a juntar o processo administrativo tributário (que se resume, na prática, ao acto de indeferimento do pedido de reembolso do imposto indevidamente pago)
— é o de que a obrigação se considera constituída no momento da assinatura do contrato. Nesta medida, o que a Recorrente está a fazer é confundir uma norma relativa ao momento em que o imposto é devido (que nem sequer é a aplicável à situação sub judice por estarmos perante operações com intervenção de instituições financeiras, a que é aplicável a alínea h) do mesmo dispositivo) com a norma de incidência que, no caso da garantia por hipoteca, é a que consta da verba 10.3 da TGIS!
IX. A lei não manda tributar a escritura pública — ou não está em causa nestes autos o imposto da escritura — o que a lei manda tributar são as garantias das obrigações (....) designadamente a hipoteca.
X. Estando provado que a garantia nunca foi constituída e que a hipoteca foi ineficaz por natureza, ou seja, por não ter sido registada não produziu — nem foi susceptível de produzir - efeitos, o dar razão à pretensão da Recorrente seria simplesmente permitir a arrecadação de imposto que não é devido, ou seja, com violação do princípio da legalidade tributária previsto superiormente no artigo 103 da Constituição, entre outros.
XI. A lei — na verba 10.3 da TGIS já aqui referida - não manda tributar o “acto” de hipoteca, mas sim a realidade económica que são as Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma (...) incluindo a hipoteca (sublinhado nosso).
XII. Ou seja: a tributação que é feita por via da verba 10.3 da TGIS, em conjugação com o artigo 1º do CIS, é a da realidade económica da garantia das obrigações e não a forma (escritura ou outra) que essa garantia assuma em cada caso concreto, estando isso explícito de forma cristalina na previsão do normativo citado.
XIII. Está provado que, no caso, a hipoteca foi constituída em 30.07.2003 e se destinava a garantir a emissão de garantia bancária que nunca foi emitida. Ou seja: não se verificou a previsão normativa para efeitos de liquidação de imposto do selo, a saber: a garantia da obrigação.
XIV. E nem sequer se diga que o imposto era devido com a assinatura da escritura de hipoteca porque, em tal situação, e nos termos do artigo 5º, alínea h) do CIS o imposto só seria devido — se a operação fosse concretizada (que não foi) - no momento da cobrança da comissão, pela instituição bancária e através de débito na conta do Recorrido! Isto porque, como bem refere o Tribunal Recorrido, a hipoteca foi (...) no caso em apreço uma garantia materialmente acessória do contrato relativo à concessão de garantia bancária a celebrar nessa ocasião, e que apenas não foi celebrado por desistência dos Impugnantes. Assim o imposto do selo nunca deveria incidir sobre a constituição da hipoteca, mas apenas sobre a garantia bancária que esta se destinada a assegurar, nos termos da Verba 10 da TGIS, sentido já largamente aceite em doutrina administrativa das Autoridades Tributárias e largamente difundida.
XV. E, ficando assim provado que o pagamento do imposto foi imputável a erro dos serviços, por se recusarem a proceder ao respectivo reembolso, assiste ao Recorrido o direito a juros indemnizatórios nos termos previsto no artigo 43º da LGT.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de VV. Exas. requer-se que seja negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, determinando-se a anulação do imposto do selo e ordenando-se a respectiva restituição ao Recorrido, acrescido de juros indemnizatórios,
Com o que se fará JUSTIÇA.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
FUNDAMENTAÇÃO
1. Enquadramento jurídico aplicável à solução da questão decidenda:
O Imposto de Selo incide sobre todos actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens (art.1°n°1 CIS)
Nos actos e contratos a obrigação tributária considera-se constituída no momento da assinatura pelos outorgantes (art.5° al.a) CIS)
O Imposto de Selo incide sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente a garantia bancária autónoma e a hipoteca, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (Tabela Geral do Imposto do Selo n°10)
A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes (art.687° CCivil; art.4° n°2 CRPredial)
A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes (art.38° n°1 LGT)
2. No caso concreto:
a) a constituição da hipoteca foi meramente acessória da celebração do contrato principal de concessão de garantia bancária, destinando-se exclusivamente a assegurar o cumprimento das obrigações pelos garantidos
b) em consequência desta acessoriedade a celebração da escritura de hipoteca não constitui facto tributário
c) em abstracto o facto tributário seria a emissão de garantia bancária e a obrigação tributária constituir-se-ia no momento da cobrança das comissões por débito em conta corrente à ordem da instituição bancária (art.5° al.h) CIS)
d) a situação está abrangida pelo segmento de excepção da norma pertinente, sendo inaplicável a norma respeitante ao nascimento da obrigação tributária, a qual pressupõe a verificação do facto tributário (Tabela Geral de Imposto de Selo n°10; art.5° al.a) CIS)
c) mesmo perante diferente entendimento a inexistência do negócio jurídico principal (contrato de concessão de garantia bancária) e a consequente falta de produção dos efeitos pretendidos pelas partes impediria a tributação da hipoteca, enquanto garantia acessória (art.38° n°1 LGT)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão de 1ª Instância deu como assentes os seguintes factos:
1. Em 30.07.2003, os Impugnantes celebraram escritura de hipoteca unilateral sobre os bens imóveis identificados no documento de fls. 45 a 51 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidas, destinada a garantir, designadamente, o reembolso de quaisquer quantias que a Caixa Económica Montepio Geral viesse a despender por quaisquer garantias bancárias;
2. Na referida escritura refere-se que “Este acto exclusivamente para efeitos de imposto do selo tem o valor de um milhão trezentos e dez mil quinhentos e quarenta e oito euros e trinta e três cêntimos” (cfr. fls 50 do P.A. apenso);
3. Os Impugnantes pagaram o valor de €7.889,29 referente a imposto de selo, montante que foi apurado em função das tabelas 15.1 e 10.3 da Tabela Geral do Imposto de Selo, respectivamente “Escrituras” e “Garantias sem prazo” (cfr. fls. 39 dos autos);
4. Nesse mesmo dia 30.07.2003, o Montepio Geral, “por desinteresse do cliente”, deu como arquivado o processo 049.43.010109-4, cuja garantia seria constituída pela hipoteca referida no ponto 1 supra, declarando aquela instituição de crédito, em 08.08.2003, que, face ao referido arquivamento, a hipoteca tinha ficado destituída de interesse para a própria instituição (cfr. fls. 35 dos autos);
5. Em 28.08.2003, os Impugnantes requereram o reembolso do imposto de selo liquidado e pago (referido no ponto 3. supra), alegando que a hipoteca nunca chegou a ser registada, nem produziu quaisquer efeitos, já que se veio a revelar inútil, por ter sido pedida pela entidade bancária para garantia de emissão de garantia bancária (cfr. fls. 10 dos autos);
6. Por oficio datado de 21.11.2004, o Impugnante foi notificado da proposta de indeferimento do requerimento referido na alínea antecedente, no âmbito do processo de reclamação graciosa n° 400091.9/04, com os fundamentos constantes do documento junto aos autos de fls. 12 a 17, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente, considerando que a obrigação tributária se constituiu no momento da assinatura da escritura de hipoteca unilateral, nos termos do art° 5°, al. a) do CIS, sendo a hipoteca válida independentemente do seu registo;
7. Os Impugnantes pronunciaram-se em sede de audiência prévia conforme fls. 21 e 22 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, invocando a invalidade e ineficácia da hipoteca, face à inexistência de transmissão de qualquer direito ou interesse económico a ela subjacente;
8. Por despacho de 20.12.2004 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária foi indeferido o pedido de reembolso do imposto de selo pago referido no ponto 5. supra, tendo sido considerado que o contribuinte “não juntou ao processo nenhum elemento relevante” e tornando definitivo o projecto de decisão de indeferimento (cfr. fls. 23 a 25 dos autos).

3 – DO DIREITO

A meritíssima juíza do TAF de Almada, fixou a questão a resolver como sendo a de saber, por atenção ao caso concreto dos autos, em que momento nasce a obrigação tributária de pagamento de imposto de selo relativo à constituição de hipoteca: se é no momento da celebração e assinatura do respectivo contrato, como defende a Fazenda Pública, ou se é num momento posterior, como defendem os Impugnantes, designadamente após a emissão de garantia bancária que a hipoteca visava garantir ou após o seu registo.
Julgou depois procedente a impugnação na consideração, essencial, de que no caso em apreço a hipoteca foi, uma garantia materialmente acessória do contrato relativo à concessão de garantia bancária a celebrar nessa ocasião, e que apenas não foi celebrado por desistência dos Impugnantes, tendo concluído que o imposto de selo nunca deveria incidir sobre a constituição da hipoteca, mas apenas sobre a garantia bancária que esta se destinava a assegurar.
Destacou ainda que a hipoteca não chegou a ser registada, sendo portanto ineficaz, ainda que válida. E que, também, não chegou sequer a produzir os efeitos económicos que eram pretendidos pelas partes, ou seja, a garantir a dívida resultante de emissão de garantia bancária por parte de uma instituição de crédito, dado que esta última nem chegou sequer a ser emitida.

DECIDINDO NESTE STA:

Resulta dos autos que os impugnantes Recorridos assinaram uma escritura de hipoteca que se destinou a permitir a emissão de uma garantia bancária pela Caixa Económica Montepio Geral, sucedendo no entanto, que a dita hipoteca não chegou a ser registada e a referida garantia nunca chegou a ser emitida pela referida instituição financeira, por desistência dos Recorridos.
Importa analisar qual o acto gerador do imposto de selo liquidado. Se a escritura de constituição de hipoteca, de per si, como defende a recorrente ou se, como decidiu a sentença recorrida, não ocorreu sequer acto gerador do tributo por se tratar de uma operação que não chegou a concretizar-se e porque, se o tivesse sido, a liquidação de imposto só deveria ter sido efectuada no momento da cobrança da comissão, debitada da conta do Recorrido.
Vejamos a lei:
O Código de Imposto de Selo (CIS), no seu art° 1”, n° 1, estabelece a incidência objectiva do imposto de selo, determinando que o mesmo “incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo a transmissão gratuita de bens.” (sublinhado nosso).
No que diz respeito às garantias das obrigações, como é o caso da hipoteca e da garantia bancária, a Tabela Geral do Imposto de Selo, no ponto 10, prevê que o imposto de selo incide sobre tais actos “qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, afiança, a hipoteca, o penhor, o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (…)” (destaque nosso).
Por seu lado, o art° 5°, do mesmo Código, relativo ao nascimento da obrigação tributária, determina que a obrigação tributária se considera constituída, designadamente: - “nos actos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes” [alínea a)];
- “nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança de juros, prémios, comissões e outras contraprestações, considerando-se efectivamente cobrados (...) os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito.” [alínea h)].
Ora, no caso dos autos, estarmos perante operações com intervenção de uma instituição financeira, a que é aplicável esta alínea h) e a norma de incidência que, no caso da garantia por hipoteca, é a que consta da verba 10.3 da TGIS a qual estabelece uma taxa de 0,6% para as garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos.

O contrato de hipoteca compreende-se à luz das exigências que de regra as instituições financeiras impõem aos seus clientes para a prestação de certas garantias ou empréstimos. Nessa medida e atento o probatório supra destacado deve ser classificado como um contrato acessório do principal que no caso dos autos era a prestação de uma garantia bancária (Contratos acessórios são aqueles que têm por finalidade assegurar o cumprimento de outro contrato, denominado principal de que o mais esclarecedor exemplo é a fiança.).
No caso dos autos e como bem analisou a sentença recorrida vem provado que a hipoteca constituída a 30.07.2003, se destinou a garantir emissão de garantia bancária pela Caixa Económica Montepio Geral, sendo que nesse mesmo dia o processo relativo à garantia bancária foi arquivado por aquela instituição de crédito, devido à desistência dos clientes, aqui Impugnantes. Assim, se naquela data tivesse sido emitida a garantia bancária, o imposto de selo era devido, nos termos do art° 5°, alínea h) do CIS, no momento da cobrança da comissão respectiva, debitada em conta bancária dos Impugnantes. Não o tendo sido não ocorre facto tributário pois a hipoteca foi, no caso em apreço, uma garantia materialmente acessória do contrato relativo à concessão de garantia bancária a celebrar nessa ocasião, e que acabou por não ser celebrado.
Cremos que nesta linha de entendimento vai o estudo de Bruno Santiago in “As Garantias das Obrigações e o Imposto do Selo” Coimbra Editora, quando a fls. 130 e ao analisar o excerto do ponto 10 da Tabela Geral do Imposto de Selo, supra destacado refere: “O excerto da norma em apreciação exclui da tributação as garantias quando sejam acessórias de outros contratos que também sejam tributados em IS. A intenção do legislador é clara e compreensível: evitar situações de dupla tributação sempre indesejáveis e que onerariam excessivamente as operações. No entanto, para acautelar possíveis abusos por parte dos contribuintes, esta excepção foi rodeada de requisitos apertados: i) a necessidade de uma acessoriedade material e não meramente formal; e, ii) a constituição da garantia na mesma data que a obrigação garantida”
Na mesma linha de entendimento cfr Luís Fragoso “Garantias Bancárias Autónomas e Imposto do Selo (Tributar ou não tributar? Essa é a questão), Verbo Jurídico, Março de 2010” o qual referindo-se à Verba n.º 10 da TGIS, explana:
“Averiguemos, então, de forma independente, qual o sentido e alcance desta norma legal, procurando dar uma resposta segura à questão a que nos propomos responder, tendo em atenção que o problema reside, essencialmente, no significado do conceito indeterminado que é o da “acessoriedade material”.
Ora, conforme resulta da primeira parte da citada norma, o legislador determinou que todas as garantias de obrigações, “qualquer que seja a sua natureza ou forma,” são tributadas em sede de imposto do selo. E para reforçar que a natureza ou forma das garantias é irrelevante, deu vários exemplos de garantias, com naturezas e formas diferentes. Razão pela qual mencionou o aval, a garantia bancária autónoma e o seguro-caução a par da hipoteca e da caução – estas últimas exemplos clássicos de garantias de obrigações.
Assim, a natureza ou forma das garantias é irrelevante para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, pelo que resulta da primeira parte da Verba n.º 10 da TGIS que também as garantias bancárias autónomas, simples ou à primeira solicitação, estão, em regra, sujeitas a imposto do selo.
Todavia, a segunda parte da citada Verba n.º 10 da TGIS estabelece uma importante excepção ao estabelecer que todas as garantias de obrigações, “qualquer que seja a sua natureza ou forma,” não são tributadas em sede de imposto do selo caso se verifique que:
- são “materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela; e
- sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente”
Esta segunda parte da Verba n.º 10 da TGIS estabelece, assim, três requisitos cumulativos, para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto do selo. São eles:
- a existência de acessoriedade material entre a garantia e a obrigação;
- a obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS; e
- simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respectiva garantia; O requisito da simultaneidade não nos levanta problemas em alcançar o seu sentido, uma vez que é pacificamente entendido que ele se verifica quando a garantia e a obrigação garantida nascem no mesmo dia, ainda que sejam constituídas ou formalizadas em documentos distintos. (1 Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições, que refere no seu ponto 4 “A constituição simultânea opera quando forem comuns as datas do contrato principal e do contrato de prestação de garantia.”)

Por sua vez, o requisito da obrigação garantida estar especialmente tributado pela TGIS também não nos levanta problemas quanto ao seu sentido, pois dele resulta que só são relevantes as garantias de obrigações emergentes de um acto especialmente tributado pela TGIS. A título de exemplo, veja-se o caso de uma garantia – seja ela qual for – que seja prestada para assegurar o bom cumprimento das obrigações emergentes de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel. Uma tal garantia, mesmo que cumpra os requisitos da acessoriedade e da simultaneidade, não poderá gozar de exclusão de tributação, dado que o contrato garantido (o contrato-promessa) não está especialmente tributado na TGIS.
Resta-nos, então, aferir qual o significado do requisito da “acessoriedade material” e se o mesmo também se verifica, ou não, no caso das garantias autónomas. É que não basta estarem verificados os requisitos da simultaneidade e da obrigação garantida estar especialmente prevista pela TGIS, para que possamos concluir pela não tributação das garantias em causa.
Ora, acerca do sentido do requisito da “acessoriedade material”, entendem ANTÓNIO CAMPOS LAIRES e JORGE BELCHIOR LAIRES, que “(…) como se retira da expressão «materialmente acessórias», constitui um requisito essencial para o funcionamento desta exclusão tributaria a verificação de uma acessoriedade em sentido material, ou seja, a existência de uma efectiva ligação entre obrigação garantida e garantia prestada, quer exista quer não uma acessoriedade em sentido formal, entendendo-se esta como a inserção daqueles actos no mesmo instrumento ou título. Assim, segundo pensamos, não deverão beneficiar desta exclusão as garantias que, ainda que constituídas no mesmo documento ou título de um contrato especialmente tributado pela Tabela, garantam as obrigações decorrentes de um outro contrato celebrado pelas partes intervenientes.” 2 (In “Código do Imposto de selo Anotado e Comentado”, Alda Editores, 2000, p. 131).
Também acerca do conceito de “acessoriedade material” já se pronunciou a Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições, no seu Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, no qual veio dizer: “A hipoteca tem natureza acessória quando existe um direito de crédito associado à sua sorte: a noção de acessoriedade exprime então a conexão temporal entre a garantia e o crédito garantido. Assim, quando exista acessoriedade e caso o crédito se extinga ou reduza, a garantia termina ou diminui. Não existe acessoriedade quando a hipoteca vise garantir não só as responsabilidades emergentes de um contrato de empréstimo, mas também as responsabilidades assumidas ou que venham a ser assumidas pelo mutuado [mutuário] junto da instituição de crédito e emergentes de quaisquer outras operações bancárias.”
Parece-nos que o que é dito neste Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, é aplicável a todas as garantias constituídas nos termos da Verba n.º 10 da TGIS, uma vez que, como vimos, a hipoteca é uma das garantias aí previstas, a título exemplificativo, e o entendimento resultante do Ofício-Circulado é compatível com o disposto na Verba n.º 10 da TGIS, bem com com outro tipo de garantias.
Adicionalmente, não podemos esquecer que o requisito da acessoriedade material foi introduzido, pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, na actual redacção da Verba n.º 10 da TGIS.
Anteriormente, a exclusão de tributação das garantias de obrigações, em sede do imposto do selo, constava do artigo 94.º, da anterior TGIS, que dispunha o seguinte: “Excluem-se as constituídas como acessórias de contratos especialmente tributados nesta tabela.”(…)
Ainda na mesma linha de entendimento pode ver-se José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo a fls. 379.
Em suma: Na reforma do imposto de selo valorizou-se a acessoriedade material das garantias por contraposição à acessoriedade formal. Daí que a Jurisprudência deste STA espelhada no Ac. de 8 de Maio de 1996 tirado no recurso nº 020356, já não se mostre actualizada. O dito aresto foi assim sumariado:
I - A lei utilizou, no n. 1 do art. 94 da TGIS, o conceito de acessoriedade em sentido formal e não substancial, pelo que, havendo dois actos, ambos serão tributados, ainda que um seja (substancialmente) acessório do outro.
II - E daí que o penhor só seja de "excluir" daquela tributação quando "constituído como acessório de contrato especialmente tributado na tabela", isto é, quando concretizado pelo mesmo acto em que foi constituída a obrigação principal.
III - De modo que, na espécie em apreço, o penhor, tenha sido constituído por instrumento diverso do do contrato principal, não é "acessório" deste e, assim, está sujeito ao imposto do selo, nos termos do citado artigo da tabela.

Impõe-se, hoje, dar especial atenção à ressalva contida na 2ª parte da verba 10 do CIS e por atenção a ela a liquidação do imposto de selo que incidiu sobre a constituição de hipoteca em 30.07.2003, é anulável por padecer de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, por violação do disposto nos artigos 1°, n° 1, e 5°, alínea h) do CIS em conjugação com o ponto 10 da Tabela Geral do Imposto de Selo, como bem decidiu a sentença recorrida.
Acresce referir que a hipoteca em causa não chegou a ser registada pelo que é inválida e ineficaz para efeitos tributários (artº 687º do Código Civil e artº 4º nº 2 do CRP e 50º nº 3 da LGT). (A hipoteca constitui uma excepção à regra vigente no âmbito da publicidade registal. Na generalidade dos casos, o registo é mera condição de eficácia perante terceiros do negócio. Diversamente, no caso da hipoteca, o registo assume eficácia constitutiva, de maneira que apenas a partir do registo é que o direito de hipoteca existe enquanto tal. Com efeito, segundo o imperativo legal constante do artigo 687º do Código Civil, a eficácia da hipoteca voluntária depende da existência do respectivo registo. O registo assume-se como um elemento constitutivo do direito real de hipoteca, donde resulta que a hipoteca não produz qualquer efeito, nem sequer inter partes, enquanto não se proceder à respectiva inscrição no registo” (in A vulnerabilidade das garantias reais - A hipoteca voluntária face ao direito de retenção e ao direito de arrendamento, Coimbra editora, Coimbra, 2008, p.63)).
Por outro lado, como destaca também a decisão ora sindicada, a hipoteca não chegou sequer a produzir os efeitos económicos que eram pretendidos pelas partes, ou seja, a garantir a dívida resultante de emissão de garantia bancária por parte de instituição de crédito, dado que esta última nem chegou sequer a ser emitida. Assim sendo também o artº 38°, n° 1, da Lei Geral Tributária (LGT), obsta (através de uma interpretação à contrário sensu”) à tributação ora impugnada ao dispor: “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”.
Aqui chegados somos a concluir que não assiste razão à recorrente devendo ser confirmada a decisão recorrida.

4- DECISÃO:

Pelo exposto acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2012. – Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado – Valente Torrão.