Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0535/06.1BEPNF
Data do Acordão:09/27/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que revogou o juízo de procedência de uma excepção de prescrição se o aresto, apesar de criticado por julgar prematuramente o assunto, não afirmou «expressis verbis» e desde já que a excepção improcedia — mesmo que o autor não provasse os factos constitutivos de um crime de ofensa negligente à sua integridade física.
Nº Convencional:JSTA000P24929
Nº do Documento:SA1201909270535/06
Data de Entrada:07/15/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DE VALONGO
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
O Município de Valongo interpôs a presente revista do acórdão do TCA Norte que, revogando a sentença do TAF de Penafiel – que julgara prescrito o direito de indemnização invocado pelo autor A…………. na acção por este movida contra o recorrente e Infraestruturas de Portugal, SA – negou que houvesse tal prescrição e ordenou a baixa do processo à 1.ª instância para aí prosseguir os seus termos.

O recorrente pugna pela admissão da sua revista porque o tribunal «a quo» não poderia decidir já a excepção de prescrição.
O autor e ora recorrido preconiza o não provimento do recurso.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
Invocando um acidente que o terá vitimado em 9/9/1999, causando-lhe lesões físicas e outros danos, o autor e aqui recorrido propôs em 29/8/2002, nos tribunais comuns, uma acção indemnizatória onde demandou, para além de outros, os ora réus – cuja citação se fez em 3/9/2002. Contudo, esses réus foram aí absolvidos da instância, por despacho que transitou em 3/10/2005. E, em 20/7/2006, o autor reagiu a esse desfecho interpondo a acção dos autos.
O TAF considerou que o direito exercido pelo autor prescrevera porque o caso não se inscrevia na previsão do art. 289º, n.º 2, do anterior CPC e o prazo prescricional aplicável, que seria de três anos e contável desde 3/9/2002, já inteiramente decorrera aquando da instauração do presente processo.
O TCA concordou com a inaplicabilidade daquele art. 289º, n.º 2. Mas caracterizou o alegado facto ilícito como um crime sujeito a uma prescrição de cinco anos – o que afastava logo a prescrição, nos termos do art. 498º, n.º 3, do Código Civil. Por isso, o aresto recorrido julgou improcedente a dita excepção peremptória, revogou a decisão recorrida e determinou que os autos descessem ao TAF para aí prosseguirem os seus normais termos.
Na presente revista, o município recorrente já não questiona que a factualidade descrita na petição seja susceptível de integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência (art. 148º, n.º 1, do Código Penal), a que corresponde um prazo prescricional de cinco anos (art. 118º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma). Mas diz que os factos constitutivos desse crime ainda não estão provados – pelo que o TCA teria decidido prematuramente a excepção, incorrendo em notório erro de julgamento.
A posição do recorrente não é especiosa ou bizantina. Pode efectivamente suceder que o autor claudique na demonstração dos factos constitutivos da infracção criminal, embora prove danos de outra espécie — a que corresponda um direito indemnizatório sujeito ao prazo de prescrição de três anos. Para prevenir hipóteses deste género, é tecnicamente aconselhável que o juízo global sobre a excepção de prescrição seja relegado «in finem» — sendo esta, e de há muito, uma «praxis» corrente no foro.

Mas, se relermos o acórdão recorrido, constatamos que ele não afirmou, «expressis verbis» e terminantemente, a improcedência da excepção de prescrição. O que do aresto consta é a ideia de que, para já e face à factualidade alegada pelo autor — que integra um seu sofrimento de lesões corporais — era inadmissível considerar prescrito o direito indemnizatório exercitado na acção. O que todavia não exclui que, na improvável hipótese dessas ofensas corporais se não provarem, o problema da prescrição não ressurja relativamente a prejuízos de outra índole — cujo isolamento poderá reeditar o assunto.

E, interpretado assim o acórdão, esvai-se o motivo invocado pelo recorrente para se receber a revista — aliás, só admissível por razões excepcionais. Ao que acresce a inconveniência de se atrasar ainda mais o desfecho de uma causa relativa a um acidente ocorrido há vinte anos.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Porto, 27 de Setembro de 2019. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.