Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:016/11
Data do Acordão:02/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I – Existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, mas não já quando o Tribunal deixa de apreciar argumentos ou razões invocados pela parte para sustentar o seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
II – Independentemente de a dispensa de prestação da garantia assentar na ocorrência de prejuízo irreparável ou na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre este que impende o ónus da alegação e prova dos pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
Nº Convencional:JSTA000P12578
Nº do Documento:SA220110202016
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, negou provimento à reclamação que deduziu contra o despacho emitido em 29/3/2010 pelo sr. Director de Finanças Adjunto, pelo qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia no processo de execução nº 1465200901072404 contra aquela sociedade instaurado no Serviço de Finanças de Alenquer.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) A recorrente requereu o pedido de dispensa da prestação da garantia;
b) O mesmo foi indeferido e ordenado o prosseguimento da execução, por não se encontrarem verificados os pressupostos do art. 52, nº 4 /LGT;
c) Mormente, no que ao prejuízo irreparável, diz respeito;
d) Contudo, a decisão recorrida, não fundamenta, até onde se considera que existe prejuízo irreparável, e porque não são os motivos alegados pela recorrente, "espelho" desse mesmo prejuízo.
e) O princípio da proporcionalidade não é respeitado se se considerar que só existe prejuízo irreparável, se se verificar uma situação limite, que coloque qualquer empresa num estado de tal dificuldade económica que a mesma não se possa "levantar" após a prestação da garantia.
f) O prejuízo irreparável deverá ter em conta factos que coloquem a empresa numa situação "extremamente difícil" e não, na sua morte completa.
g) Porquanto o mesmo, deverá manter qualquer sociedade com solvência suficiente para se poder — ainda que em dificuldades — manter no mercado.
h) Isto é a dispensa da prestação da garantia não deverá ser deferida apenas nos casos em que a sua não aplicação levaria à situação de "morte" da requerente, mas também nas situações de extrema dificuldade.
i) Os pressupostos da dispensa da prestação de caução, não foram objecto de apreciação, o que se traduz numa omissão de pronúncia.
j) É indesmentível que à luz dos arts. 169° do CPPT e 52° da LGT, a suspensão da execução corre sempre que se verifiquem no caso concreto, três pressupostos, a saber:
1) tenha sido deduzida reclamação graciosa, impugnação judicial, ou recurso do acto tributário;
2) que tenham por objecto a legalidade da divida; e
3) tenha sido constituída garantia bancária ou efectuada penhora.
k) Isto é, a prestação da garantia não é requisito "indispensável" à suspensão da execução; a lei, no n° 4 do art. 52º da LGT e o CPPT no seu art. 170° prevê a possibilidade de ser dispensada a prestação da garantia.
l) No caso em apreço, a recorrente tem património suficiente para garantir a quantia exequenda.
m) Contudo, a dispensa da prestação da caução não tem como pressuposto a penhora do património da impugnante.
n) A existência de bens penhoráveis não pode ser impeditiva da concessão do benefício em apreço.
o) A interpretação jurídica não pode ignorar, estas questões de fundo, aliás decorrente da filosofia constitucional. Por isso, na interpretação da lei não se pode perder de vista princípios como os da interpretação das leis em conformidade com a Constituição, da proporcionalidade e da unidade do sistema jurídico, para além de tantos mais como os princípios de direito, justiça e igualdade.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido do não provimento do recurso, por, em síntese, entender que:
— não ocorre a invocada omissão de pronúncia, dado que, como resulta da análise da decisão recorrida, o Tribunal se pronunciou expressamente sobre a questão do pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia e respectivos pressupostos, como se vê de fls. 97 a 99, sendo patente que não há qualquer omissão de pronúncia. Poderá discordar-se da fundamentação adoptada, mas aí haveria de ser invocado erro de julgamento e não a referida nulidade.
— quanto à questão da verificação dos pressupostos para isenção de garantia previstos nos arts. 52°, n° 4 da LGT e 170° do CPPT, também não se verifica o invocado erro de julgamento.
É que, sendo certo que a manifesta falta de meios económicos pode ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, é sobre o executado que incumbe o ónus da prova dos pressupostos para a dispensa de garantia, nomeadamente do prejuízo irreparável ou da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores (como resulta quer do regime geral da prova - art. 342° do CCivil - quer, expressamente, do disposto no art. 170°, n° 3 do CPPT).
«Ora no caso subjudice, como se sublinha na decisão recorrida, a recorrente nem sequer logrou demonstrar os factos em que se concretiza esse prejuízo, nem as razões que a levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se não for dispensada da prestação da garantia», acrescendo que, «sendo o recurso circunscrito à matéria de direito, não podendo fundamentar-se em divergência sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, a recorrente não aduz argumentos bastantes para pôr em causa a decisão recorrida.
Por outro lado a recorrente não demonstra em que termos é que os referidos normativos contendem com o princípio da proporcionalidade.
Pese embora nas conclusões sejam invocado o referido princípio constitucional, o certo é que nas alegações não é desenvolvida argumentação de onde se possa inferir essa inconstitucionalidade.»
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
l. Foi instaurada contra a Reclamante, em 30/09/2009, a execução fiscal n° 1465200901067656 por dívida de IRC/2005 no montante de € 140.037,51 (certidão de dívida a fls. 2 do apenso instrutor e informação de fls. 11);
2. Em 16/10/2009, a Reclamante impugnou judicialmente a liquidação exequenda (informação de fls. 11);
3. Em 12/11/2009, foi fixado em € 179.710,07 o valor da garantia a prestar pela Reclamante (informação de fls. 11);
4. Naquela mesma data, requereu na execução a dispensa de prestação de garantia invocando, nomeadamente, prejuízo irreparável decorrente da sua prestação (informação de fls. 11 e requerimento a fls. 12 do apenso);
5. Por despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto, de 29/03/2010, foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia;
6. Foi notificada do despacho de indeferimento em 15/04/2010 (talão de A/R a fls. s/n do apenso);
7. A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças em 28/04/2010, conforme carimbo aposto a fls. 5.
2.2. E quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:
«Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou de relevante.»
3. De acordo com o teor das Conclusões, a recorrente imputa à sentença recorrida:
— Nulidade da mesma, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado os pressupostos da dispensa da prestação de caução [Conclusões a) a d) e i)];
— erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos para a isenção de garantia, previstos nos arts. 52°, n° 4 da LGT e 170° do CPPT, dado que o prejuízo irreparável deverá ter em conta factos que coloquem a empresa numa situação "extremamente difícil" e não, na sua morte completa, sendo que, no caso, a recorrente tem património suficiente para garantir a quantia exequenda mas essa existência de bens penhoráveis não pode ser impeditiva da concessão da dispensa de prestação da garantia em causa [Conclusões e) a h) e j) a o)].
As questões a decidir, são, portanto, as de saber se ocorrem esta alegada nulidade por omissão de pronúncia e o erro de julgamento quanto à verificação daqueles pressupostos.
Vejamos.
3.1. Quanto à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia
Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do art. 668º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do art. 660° do CPC, ex vi do art. 2° al. f) do CPPT.
No caso, a sentença, considerando que as questões a decidir no âmbito da reclamação do acto do órgão da execução fiscal, aqui em causa, são as de saber «Se o despacho reclamado enferma do vício de omissão de pronúncia» e «Se assiste à Reclamante o direito à dispensa de prestação de garantia», veio a responder negativamente a ambas as questões, com a fundamentação que é a seguinte:
«O pedido de dispensa de prestação de garantia foi expressamente indeferido e ordenado o prosseguimento da execução por não se encontrarem verificados os pressupostos do art. 52°, n° 4 da LGT, no que respeita ao prejuízo irreparável que a prestação da garantia iria causar à Reclamante, bem como a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
E os motivos por que se entendeu não estarem reunidos os pressupostos da dispensa estão explicitados, nomeadamente no nº 16 da informação em que se sustenta, por remissão, o despacho de indeferimento, quando refere, em vista da prova produzida: "Tudo analisado, quer-nos parecer estarmos perante dados mais que suficientes e indiciadores de que de uma forte actividade económica e de capacidade para a prestação da garantia em causa, fixada em € 179.710,07 e, assim sendo, existem elementos que permitem considerar que não se encontram reunidas as condições legais para isentar a ora requerente da prestação de garantia - quanto a nós, a executada não alegou ou provou qualquer facto concreto do qual resultassem identificados e calculados os verdadeiros prejuízos provocados pela prestação da garantia, em suma, as alegadas dificuldades de tesouraria ".
Assim, não se verifica no despacho reclamado o apontado vício de omissão de pronúncia sobre o pedido, ou sequer, falta de fundamentação.
Questão diversa é a da correcção dos fundamentos invocados para o indeferimento do pedido, o que nos conduz à segunda questão decidenda.
Nos termos do nº 1 do art. 52°, da LGT, "A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação ou oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda...".
Diz o seu n° 2 que "A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea...".
Estatui depois o seu n° 4 que "A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado".
Conforme se doutrinou no acórdão do STA (Pleno do CT), de l7/l2/2008, proc. 0327/08, "É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido".
Em anotação ao artigo 52°, escrevem Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa na "Lei Geral Tributária - Comentada e Anotada", Vislis, 2ª edição (2002): «O n° 4 distingue o prejuízo irreparável da falta de meios económicos, só se aplicando a esta o pressuposto subsequente ("revelada pelos...").
E, mais adiante: «A responsabilidade do executado, prevista na parte final do n° 4, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens».
Assim, sobre a Reclamante recaía o ónus da prova dos factos em que se consubstancia o alegado prejuízo irreparável (Tal prejuízo deverá ser analisado de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade, sendo que o seu carácter irreparável resultará, desde logo, de um prognóstico de dificuldade na reparação ou reconstituição da situação existente.) decorrente da prestação da garantia e da sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens.
Ora, a Reclamante, nem aqui, nem do procedimento do acto reclamado, logrou demonstrar os factos em que se concretiza esse prejuízo, nem as razões que a levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se não for dispensada da prestação da garantia, pois nem sequer indica qual o custo inerente à prestação da garantia.
O argumento de que o prejuízo irreparável pode ocorrer sem que haja insuficiência de bens não colhe, desde logo, porque tal prejuízo tem de ser aferido em relação a todo o património do executado e passa pela demonstração de que os bens que o integram não são o mero resultado da dissipação fraudulenta de outros (art. 50°, nº 1, da LGT).».
Como se vê do texto da sentença recorrida, nomeadamente da parte final ora transcrita, o Tribunal pronunciou-se expressamente sobre a alegada questão do pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia e respectivos pressupostos, concluindo que, no caso, a reclamante não logrou demonstrar factos em que se concretiza o prejuízo irreparável referido no nº 4 do art. 52º da LGT, nem as razões que a levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ela, reclamante, não for dispensada da prestação da garantia, pois nem sequer indica qual o custo inerente à prestação da garantia.
Constitui, aliás, jurisprudência pacífica e reiterada, que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis (cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143), «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Assim, e porque o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões», havia apenas a obrigação de conhecer das questões suscitadas pela Recorrente, mas não já de refutar todos os argumentos que ela aduziu em prol da pretendida procedência dessas questões, pois que o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
É claro que, como aponta o MP, isto não significa que a decisão não possa padecer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte.
Todavia, essa é uma outra questão que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da mesma.
Aliás, no caso, a recorrente vem agora, em sede de recurso, alegar também, precisamente, esse erro de julgamento. Alegação que só se compreende se se entender que, afinal, a sentença sempre apreciou os questionados pressupostos.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido a pronúncia sobre a apontada questão, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade da mesma sentença.
3.2. Quanto ao erro de julgamento, no que respeita à verificação dos pressupostos da dispensa da prestação de garantia.
3.2.1. Alega a recorrente, em síntese, que o princípio da proporcionalidade não é respeitado se se considerar que só existe prejuízo irreparável no caso de se verificar uma situação limite, que coloque qualquer empresa num estado de tal dificuldade económica que a mesma não se possa “levantar” após a prestação da garantia, pelo que, para aferir deste pressuposto, se deverão ter em conta os «factos que coloquem a empresa numa situação “extremamente difícil” e não, na sua morte completa», devendo ponderar-se a circunstância de a sociedade ter solvência suficiente para poder — ainda que em dificuldades — manter-se no mercado, isto é, a dispensa da prestação da garantia não deverá ser deferida apenas nos casos em que a sua não aplicação levaria à situação de "morte" da requerente, mas também nas situações de extrema dificuldade.
E mais alega que, no seu caso, ela recorrente tem património suficiente para garantir a quantia exequenda, mas a dispensa da prestação da caução não tem como pressuposto a penhora do património da impugnante, sendo que a existência de bens penhoráveis não pode ser impeditiva da concessão do benefício em apreço e a interpretação jurídica não pode ignorar estas questões de fundo, nem pode perder de vista princípios como os da proporcionalidade e da unidade do sistema jurídico, para além de tantos mais como os princípios de direito, justiça e igualdade.
Vejamos.
3.2.2. De acordo com o disposto no nº 4 do art. 52º da LGT, «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação da garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».
A lei estabelece, pois, dois pressupostos (alternativos) como condição necessária à isenção da prestação de garantia: o prejuízo irreparável dela decorrente ou a manifesta falta de meios económicos para a prestar. Ou seja, admite-se a dispensa da prestação de garantia em caso de manifesta falta de meios económicos do executado ou quando, apesar de este dispor de meios económicos suficientes, a prestação de garantia lhe cause ou possa causar prejuízo irreparável.
O prejuízo irreparável distingue-se da falta de meios económicos, «só se aplicando a esta o pressuposto subsequente ("revelada pelos...")», sendo que a «responsabilidade do executado, prevista na parte final do número 4, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não mero nexo de casualidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens.» (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e anotada, 3ª edição, anotações ao 52º, pag. 226).
3.2.3. Por outro lado, é no art. 170º do CPPT que se regula o procedimento para que o executado obtenha esta isenção de prestação da garantia, dispondo-se no nº 3 deste normativo que o pedido de dispensa é dirigido ao órgão da execução fiscal e «deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».
3.3. Ora, independentemente de a dispensa de prestação da garantia assentar na ocorrência de prejuízo irreparável ou na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre este que impende o ónus da alegação e prova dos pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
É o que resulta, quer do regime geral da prova (resulta dos princípios gerais da prova, designadamente do art. 342° do CCivil, que quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos - «o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusive cifrar-se em evitar a perda de um benefício antes adquirido — cfr. Antunes Varela, Obrigações, pag. 35) quer, expressamente, do disposto neste referido nº 3 do art. 170° do CPPT (cfr., neste sentido, o ac. do Pleno do STA, de 17/12/2008, rec. nº 0327/08; o Cons. Lopes de Sousa, - CPPT anotado e comentado, 5ª ed., volume II, anotação 4 ao artigo 170º, pag. 183; e Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, CPPT, comentado e anotado, Almedina, pág. 422).
Na verdade, como sublinha o Cons. Lopes de Sousa, o pedido de dispensa da prestação da garantia deve conter a indicação das razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão; e se, em termos da fundamentação de direito, parece ser a mera indicação do art. 52°, nº 4, da LGT, que constitui o único fundamento legal das pretensões deste tipo, sendo uma exigência que, neste condicionalismo, não terá suficiente justificação, já no que concerne ao prejuízo irreparável, «o interessado deverá indicar em que é que ele se concretiza e indicar as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se não for dispensado da prestação da garantia.»
No caso presente, a decisão recorrida concluiu pela improcedência da reclamação, com fundamento em que a recorrente não logrou demonstrar os factos em que se concretiza aquele prejuízo, nem as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de o mesmo poder vir a ocorrer se a reclamante não for dispensada da prestação da garantia, sendo que o argumento de que o prejuízo irreparável pode ocorrer sem que haja insuficiência de bens não colhe, desde logo, porque tal prejuízo tem de ser aferido em relação a todo o património do executado.
E, atenta a factualidade que vem julgada provada e não provada, não se vê que a sentença enferme dos erros de julgamento que a recorrente ora lhe imputa.
Com efeito, perante tal factualidade e perante as aplicáveis regras sobre o ónus da prova, a sentença aplicou correctamente o direito ao caso, concluindo pela improcedência da reclamação, com fundamento, precisamente, em que a recorrente não logrou demonstrar nem os factos em que se concretiza o invocado prejuízo irreparável, nem as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de o mesmo poder vir a ocorrer se ela, reclamante, não for dispensada da prestação da garantia.
E na verdade, como se refere no citado acórdão do Pleno «… é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. (…) A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344º do CC».
Na situação referida «não se está perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens e, por outro lado, «… a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”. (…)
Estas regras, nesta situação, conduzirão, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.»
Ora, no caso vertente, tendo a sentença concluído pela improcedência da reclamação, com fundamento, precisamente, em que a recorrente não logrou demonstrar nem os factos em que se concretiza o invocado prejuízo irreparável, nem as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de o mesmo poder vir a ocorrer se ela, reclamante, não for dispensada da prestação da garantia e estando, por outro lado, o presente recurso circunscrito à matéria de direito, não podendo fundamentar-se em divergência quanto à matéria de facto fixada na instância, também não se vê que a recorrente aduza agora razões e argumentos bastantes para pôr em causa a decisão recorrida, acrescendo que, apesar de nas Conclusões invocar que a sentença não podia perder de vista princípios constitucionais como os da proporcionalidade e da unidade do sistema jurídico, para além de outros, como os princípios de direito, justiça e igualdade, nas alegações não é desenvolvida argumentação de onde possa inferir-se essa inconstitucionalidade.
Concluímos, pelo exposto, que a sentença recorrida decidiu de acordo com a lei aplicável aos factos e não ocorrem nem a alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nem o apontado erro de julgamento no que respeita à apreciação da verificação dos pressupostos da dispensa de prestação da garantia.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011. Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – António Calhau.