Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0473/13
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:CUSTOS
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
Sumário:I - Enquanto que a realização do capital social é obrigatória, as prestações suplementares têm carácter facultativo e dependem de expressa deliberação dos sócios, sendo também nesta medida clara a diferenciação entre as prestações suplementares e a obrigação de entradas para o capital social, como decorre, entre outros dos artigos 25.º a 30.º, 176.º n.º 1, al. a), 178.º e 179.º; 202.º a 208.º, 277.º e 285.º e 286.º do CSC.
II - Assim, constituindo quer o capital social quer as prestações suplementares contribuições dos sócios para o reforço do património da sociedade, estamos face a obrigações intrinsecamente distintas.
III - Mas, insere-se na capacidade e escopo lucrativo uma dada actividade quer efetue um aumento de capital (art. 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art. 210 e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art. 243.º do CSC)?
IV - A A…….. tem, também, como objecto a gestão de participações sociais, e, no estreito limite desse objecto social, para fomentar a concentração de empresas, entendeu o legislador conceder-lhe certos benefícios fiscais.
V - Ao decidir efectuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes.
VI - A gestão de participações sociais ocorre pela influência que os direitos de voto que a A……. detenha na sociedade participada, a exercer em assembleia geral, influenciando as decisões de gestão da participada, pela aquisição de mais acções da sociedade participada, pela deliberação de aumento do seu capital social com o inerente incremento da capacidade de investimento, ou pelo reforço do capital próprio da participada, aumento das disponibilidades de tesouraria, entre outros. Sendo certo que a A……. é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, a decisão de efectuar a prestação suplementar é exercício da sua actividade empresarial de gestão de participações sociais.
VII - Não é, ao nível da realização da prestação suplementar – por definição do sócio para com a sociedade – uma actividade de gestão da participada. O acto de gestão aqui em causa não é um acto de gestão da empresa participada, que se limita a sofrer na sua esfera jurídica as respectivas consequências.
Sumário (elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil).
Nº Convencional:JSTA000P23358
Nº do Documento:SA2201805300473
Data de Entrada:03/22/2013
Recorrente:B... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Tributário de Lisboa
. 28 de Novembro de 2012

Julgou parcialmente procedente a impugnação judicial nos seguintes termos:
A. reconheceu o direito da impugnante à dedução de retenções na fonte no montante de € 45.396,28, por referência ao exercício de 2007;
B. absolveu a entidade demandada do demais peticionado em juízo.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública, notificada do acórdão (de 21 de Fevereiro de 2018) proferido nos autos à margem identificados, vem - nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 616.º e n.º 1 do art.º 666,°, ambos, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da al. e) do art.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) -, requerer a sua reforma quanto a custas, bem como, nos termos das al. a) e b) do n.º 2 do referido art.º 616.º do CPC, requerer a reforma do acórdão, e ainda, nos termos das al. b) do n.º 1 do referido art.º 615.º do CPC, arguir, subsidiariamente, a sua nulidade, com os seguintes fundamentos:

A. O douto acórdão, ora em crise, decidiu conceder provimento ao recurso e revogar a Sentença recorrida;

B. In casu e salvo o devido respeito, entende, a Fazenda Pública, que esta decisão enferma de lapsos manifestos, pelo que deve ser reformada;

C. Ora, para além do erro na qualificação jurídica dos factos, consta do processo prova que, só por si, implica decisão diversa da proferida;

D. Do exposto, resulta claramente que o acórdão deste douto Tribunal incorre em erro manifesto, devendo ser reformado - nos termos do n.º 2 do art.º 616.º do CPC - no sentido melhor preconizado pela douta sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, ou seja, de forma a julgar o recurso interposto pela impugnante improcedente

E. Ainda que assim não se entenda, subsidiariamente:

F. E, com o devido respeito, entende, a Fazenda Pública, que está verificada a nulidade do acórdão, porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, pelo que deve ser o acórdão considerado nulo - nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

Nestes termos, requer-se a V. Exa. se digne atender ao pedido de REFORMA [n.º 2 do art.º 616.º do CPC] DO ACÓRDÃO deste douto tribunal de 2018.02.21, mantendo-se o decidido na douta sentença do TT de Lisboa, julgando, assim, improcedente a presente impugnação, relativamente à parte recorrida.

Requerendo-se, igualmente a V. Ex.a, se digne proceder à REFORMA QUANTO A CUSTAS do Acórdão proferido.

Ou subsidiariamente, deve o acórdão reclamado ser julgado nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - nos termos do art.º 615.° n.º 1 al. b) do CPC -, devendo ser esta nulidade suprida e consequentemente, declarada a necessária improcedência do recurso.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público considerando que deve ser indeferido o pedido de reforma do acórdão, deferir-se, parcialmente, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça e declarar-se a nulidade do acórdão por falta de fundamentação, suprindo-se tal nulidade, com manutenção do decidido, uma vez que a recorrente/impugnante, também tem por escopo social a detenção e gestão de participações sociais.

Estamos perante:
1- um pedido de reforma do acórdão quanto a custas em que se pretende a dispensa do remanescente;
2- um pedido de reforma do acórdão por verificadas as situações previstas nas alíneas a) e b) do art.º 616.º do Código de Processo Civil;
3- a arguição de nulidade do acórdão por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.


1.
Quanto ao pedido de reforma quanto a custas, assenta ele na circunstância de o valor da causa – 29 380 478,20€ - exceder muito o limite de 275 000,00€ atingindo um valor manifestamente desproporcionado com o serviço prestado pelo que, em concreto redundará numa restrição constitucionalmente inadmissível ao direito a obter uma tutela jurisdicional efectiva.
Dispõe o art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que: «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».
O processo em causa apresenta acentuada complexidade técnica, pelo que este dos requisitos expressamente consagrados na lei para determinar a dispensa de remanescente, não se verifica. Contudo, tal critério é apontado em termos meramente indiciários porque antecedido da palavra «designadamente» que sempre leva a que deva ser conjugado com outros, para além dos expressamente previstos. Assim, numa leitura daquele preceito legal conforme à Constituição, tendo em conta que o legislador não curou de estabelecer um tecto máximo para a taxa de justiça e que, no caso concreto ela atingirá um valor que não só não tem qualquer correspondência com o custo do serviço prestado, mas ainda, e, sobretudo torna excessivamente oneroso a busca da tutela jurisdicional efectiva, decide-se reduzir o montante do remanescente em 95 %.


2.
Pedido de reforma do acórdão por verificadas as situações previstas nas alíneas a) e b) do art.º 616.º do Código de Processo Civil e de nulidade do acórdão.
Quer este pedido de reforma de acórdão quer a invocada nulidade do acórdão decorrem de uma e única indicação do acórdão de que:
a. A sociedade A……….., SA (a designar doravante por A……….), que se encontra inserida no grupo cuja impugnante é sociedade dominante, é uma SGPS (sociedade de gestão de participações sociais) - nesse sentido, toda a fundamentação do acórdão, mas referindo expressamente na pág. 28 do mesmo;

b. Sendo a A………. uma SGPS (no entendimento do STA) é-lhe permitido contrair empréstimos junto de terceiros para ceder o respetivo montante a uma sociedade, sua participada, sob a forma de prestações suplementares, sendo - «( ... ) irrelevante o fim a que se destinava esse capital na sociedade participada»!, porquanto «os juros suportados pela primeira para obter financiamento externo, posteriormente entregue à participada, foi feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de activo financeiros»!;

c. Ainda que «havendo norma expressa indicativa de os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, nestes casos, não concorrer para a formação do lucro tributável destas sociedades (SGPS) não há idêntica ou similar estatuição aplicável às prestações suplementares»2 - não afastando deste modo a não dedução fiscal de tais encargos financeiros na A……….;

d. Concluindo pela procedência do recurso, em resultado do STA considerar custo fiscal os encargos financeiros incorridos com a obtenção de financiamento externo, na esfera da A………, cujos fundos obtidos foram canalizados para as sociedades suas participadas, independentemente do fim dado à sua utilização, somente pelo facto de considerar a A…….. uma SGPS.
Como declarado, a Representante da Fazenda Pública não se conforma com este entendimento e, por isso diz estarmos perante um erro na qualificação jurídica dos factos.
Em que consiste esse erro?
- Considera a Fazenda Pública que existem no processo documentos que provam que a A…….. não é uma SGPS porquanto o seu objeto social e o exercício da sua actividade não se reduzem somente à gestão de participações, não enquadrando por isso, a A…….., a qualificação duma sociedade gestora de participações sociais (SGPS).
- A A…….. tem como objeto social a gestão de participações, promoção e realização de investimentos e de empreendimentos imobiliários, na gestão de imóveis próprios e na prestação de serviços em tais áreas das suas atividades, bem como a compra, comercialização e revenda de prédios adquiridos para esse fim - cf. alínea B) da matéria de facto dada como provada (pág. 6 do acórdão), que refere o Documento n.º 3 apresentado com a petição inicial.

-Também consta dos autos o Relatório da Inspeção Tributária - que a A……… desenvolveu a sua atividade, em 2007, «na área da gestão de empreendimentos imobiliários e gestão de participações financeiras» - cf. alínea F) da matéria de facto dada como provada (pág. 7 do acórdão).
Com efeito, como refere a Representante da Fazenda Pública, a «A……… tem como objecto social e, efectivo exercício, a actividade imobiliária, e a detenção e gestão de participações financeiras» (pág. 2 do acórdão);
«Os investimentos financeiros realizados pela A…….. são geradores de rendimentos, sejam dividendos, sejam mais-valias e, estas últimas, porque, a A………, não é uma SGPS, são integralmente tributadas» (pág. 5 do acórdão).
Com base nestes factos que foram afirmados no acórdão e ao longo de todo o processo, diz a Fazenda Pública que a A…….. que tem como objecto social e, efectivo exercício, a actividade imobiliária, e detenção e gestão de participações financeiras, não é uma empresa gestora de participações sociais porque conhece apenas como SGPS aquelas empresas que reúnem todos os elementos constantes do DL. 495/88, de 30 de Dezembro, isto é as SGPS puras, diploma que o tribunal conhece.
Não há restrições na lei comercial ou tributária para que as empresas que não forem SGPS puras possam ter por objecto social a detenção e gestão de participações sociais, como acontece com a A……...
Poderia o legislador ter impedido que outras empresas para além das SGPS puras pudesse deter e gerir participações sociais, mas não o fez e não pode ser este tribunal a criar uma lei para esse efeito. O legislador não efectuou restrições em matéria tributária, muito menos ao nível do art.º 23.º do CIRC que permita dar acolhimento ao desiderato da Fazenda Pública. Não disse que os custos e proveitos a ter em conta para efeitos desse artigo respeitavam apenas ao objecto social diverso da gestão de participações sociais, em sociedades que tivessem mais que um objecto social.
Quando no acórdão se refere que estamos perante uma SGPS, depois de afastar a qualificação da A…….. como SGPS pura, dizendo que ela tem mais que um objecto social, que identificou, não está a aplicar a esta empresa o regime legal previsto para as SGPS puras, está apenas a indagar se à luz do art.º 23.º do CIRC, vigente à data, está ou não perante custos suportados pela empresa, que foram suportados na sua actividade de gestora de participações sociais mas que são estruturalmente idênticos aos que suportou no exercício das outras actividades a que se dedica, e que hajam sido indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora. O art.º 23.º do CIRC exige apenas a relação entre o objecto social e o custo suportado, sem fazer a mais pequena indicação de que essa relação só pode estabelecer-se relativamente a certos objectos sociais.
Compreende-se o desacordo da Fazenda Pública quanto ao decidido, mas não se encontra qualquer fundamento legal nem para o formulado pedido de reforma do acórdão com fundamento nas alíneas a) e b) do art.º 616.º do Código de Processo Civil nem para o de declaração de nulidade do acórdão.
Em todo o acórdão está bem expresso que a A……… tem dois objectos sociais e um deles é a gestão de participações sociais, fazendo dela uma SGPS – sociedade gestora de participações sociais – do mesmo modo que é uma empresa imobiliária, na medida em que o seu objecto social abarca as duas realidades empresariais.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em proceder à reforma do acórdão que antecede quanto a custas com dispensa de 95 % do remanescente, e desatender o pedido de reforma do acórdão com fundamento no disposto no art.º 616.º do Código de Processo Civil e o pedido de declaração de nulidade do acórdão.
Custas pela Fazenda Pública.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 30 de Maio de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Francisco Rothes.