Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0159/11
Data do Acordão:10/26/2011
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:MAGISTRADO
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PENA DE MULTA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DEVER DE CORRECÇÃO
Sumário:I - A impugnação administrativa e/ou contenciosa, bem como a precedente efectivação do direito instrumental de informação, por parte de um magistrado do Ministério Público, relativamente a actos de autoridade, praticados por um superior hierárquico, que considere lesivos dos seus direitos profissionais, são comportamentos que em si mesmos, sem mais, enquanto expressão de vontade reactiva e independentemente dos termos da sua concreta efectivação, não são passíveis de qualificação como desrespeitosos e disciplinarmente puníveis à luz do dever geral de correcção.
II - Porém, se, por um lado, a legítima reacção defensiva do magistrado, por si só, não pode interpretar-se como uma atitude de impertinente desconsideração do superior hierárquico, sob pena de o dever geral de correcção constituir uma intolerável restrição ao direito à tutela judicial, por outro lado, este direito fundamental não dispensa o respectivo titular do dever de o exercer, com palavras e/ou actos que se contenham dentro dos limites do respeito devido ao superior hierárquico.
III - Viola o dever de correcção o magistrado que, obstinadamente, como repto, interpela o superior hierárquico, de cada vez que cumpre a ordem dele, insistindo para que lhe diga mais ou coisa diferente do que aquele achara por bem dizer-lhe quando anteriormente lhe respondera a ofício em que pedira que o informasse sobre os fundamentos do pedido de remessa das suas intervenções processuais, bem como se já solicitara ou iria solicitar o envio dos mesmos elementos mas referentes ao serviço total do Ministério Público no tribunal onde presta serviço.
IV - A pena de multa, que nem se fica pelo mero reparo, nem vai além dos efeitos pecuniários, é a medida punitiva necessária e adequada para, na circunstância, proteger a capacidade funcional do Ministério Público, enquanto órgão de justiça hierarquizado e, do mesmo passo, prosseguir a finalidade de prevenção especial característica das penas disciplinares, sendo que, para tanto, a sua graduação em 10 dias não se apresenta como excessiva.
Nº Convencional:JSTA00067216
Nº do Documento:SA1201110260159
Data de Entrada:02/18/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto:DELIB PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE 2011/01/11
Decisão:IMPROCEDENTE
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR
Área Temática 2:DIR JUDIC - EST MAG
Legislação Nacional:EDF08 ART3 N1 N2 H N10
CPTA02 ART60 ART104
EMP08 ART168 ART181 ART216
CONST97 ART268 N4
Referência a Doutrina:MARCELO REBELO DE SOUSA DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL VI PAG164
ANTÓNIO LORENA DE SEVES IN CJA N3 PAG33-PAG36
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
A……, magistrado do Ministério Público, com a categoria de procurador-adjunto, colocado na área da jurisdição cível ……, como auxiliar, com domicílio na Rua ……, nº ……, Oliveira do Douro, 4430- …… Vila Nova de Gaia, vem intentar, contra o Conselho Superior do Ministério Público, acção administrativa especial de impugnação da deliberação do Plenário daquele Conselho, de 11 de Janeiro de 2011, que indeferiu a reclamação da deliberação de 2010.12.06, da respectiva Secção Disciplinar, confirmando a aplicação, ao autor, da pena disciplinar de 10 dias de multa.
Na petição inicial diz, em síntese, que o acto contenciosamente impugnado é inválido (i) por inexistência da infracção disciplinar – violação do dever de correcção - que lhe foi imputada e/ou (ii) por violação do princípio da proporcionalidade.
O Réu, na contestação, defende a legalidade do acto alegando que não ocorre algum dos vícios invocados pelo Autor.
1.1. Notificado para o efeito, por despacho do relator, a fls. 210, nos termos previstos no art. 91º/4 do CPTA, o Autor apresentou alegações com as seguintes conclusões:
· Do acima exposto decorre que o processo disciplinar em apreço padece de vícios insanáveis, encontrando-se absolutamente inquinado e não tendo, como tal, fundamentos suficientes para proceder.
· Desde logo, violou-se a lei. Porquanto o Exmo Sr. PGDP actuou extrapolando as competências que lhe são conferidas pelos artigos 56º e 58º do EMP, invadindo o campo de actuação do CSMP.
· Acresce que, ainda que assim não fosse, os pressupostos de facto de verificação da infracção que deu origem ao processo disciplinar não se encontram preenchidos – como já foi demonstrado, o Recorrente actuou no simples e puro exercício de um direito que lhe assiste, obedecendo às ordens que lhe foram impostas de forma integral e tempestiva e sempre se dirigindo ao Exmo Sr. PGDP de forma urbana e educada.
· A entender-se de outra forma, a ordem transmitida ao Autor está ferida de inconstitucionalidade, por representar clara violação do princípio de igualdade (art. 13º da CRP) e a sua falta de fundamentação colide com a necessidade de protecção de direitos e interesses legítimos legalmente protegidos, violando o disposto no art. 266º e nº 3 do art. 268º da CRP.
· Por outro lado, a imposição de uma pena de dez dias de multa constitui uma violação do princípio da justiça, porquanto se afigura manifestamente excessiva e inadequada para sancionar um comportamento legítimo por parte do Recorrente. Ainda que se entendesse ser a sua conduta passível de censura, jamais se poderá considerar que aquela configurou uma atitude de negligência ou desinteresse pelo cargo.
Nestes termos
Deve a presente acção ser julgada procedente e, consequentemente, revogado o acórdão do CSMP, anular a pena disciplinar que foi aplicada ao Recorrente absolvendo-o da prática da infracção que lhe foi imputada.
1.2. A entidade demandada contra-alegou reiterando que o acto punitivo não enferma de qualquer dos vícios invocados pelo Autor.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 OS FACTOS
Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
1. O Autor é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador-Adjunto, a exercer funções na área da jurisdição cível ……, no ... Juízo ....
2. Por acórdão de 30 de Abril de 2010, o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público deliberou instaurar processo disciplinar ao Autor (fls. 3-5 do PA apenso).
3. No processo disciplinar, o respectivo instrutor, em 23 de Julho de 2010, proferiu a acusação constante a fls. 85- 88 do PA apenso, que passamos a transcrever:
Acusação
1.
O Senhor Dr. A…… exerce funções na área de jurisdição cível da comarca …… e, mais concretamente, nos Juízos ..., desde 16 de Setembro de 2009 – cfr. fls. 13, 26 e 29.
2.
Nestas circunstâncias, em 30/12/2009, foi-lhe solicitado através da Procuradora da República coordenadora que remetesse directamente ao Senhor Procurador-Geral Distrital, no prazo de 10 dias, após o recebimento da comunicação que, para esse efeito, lhe foi feita, o seguinte:
- fotocópia de vinte intervenções processuais à sua escolha de entre as que constavam do mapa do último trimestre de 2009;
- o mapa mensal de produtividade a partir de Janeiro de 2010 e até ao 10º dia do mês seguinte, acompanhado de fotocópia de todas as intervenções processuais registadas em cada mês – cfr. fls. 8, 35 e 37.
3.
Antes, porém, o Senhor Dr. A…… havia informado, em 22 de Dezembro de 2009, via SIMP, a Senhora Procuradora coordenadora relativamente às suas intervenções processuais ocorridas entre 19/09/2009 e 16/12/2009 – cfr. fls. 33.
4.
Em 14/01/2010, através do ofício nº 26/10/LS, enviado sob registo, o Senhor Dr. A…… remeteu ao Senhor Procurador – Geral Distrital fotocópia de vinte intervenções processuais suas, conforme lhe fora solicitado em 30/12/2009 – cfr. fls. 9.
5.
No entanto, no aludido ofício, o Senhor Procurador - Adjunto requereu ao Senhor Procurador – Geral Distrital que o informasse dos “fundamentos do pedido das intervenções ora enviadas e doravante a remeter, bem como se já solicitara ou iria solicitar o envio dos mesmos elementos referentes ao serviço total do Ministério Público”, nos Juízos ... – cfr. fls. 9.
6.
O Senhor Procurador – Geral Distrital respondeu ao Senhor Procurador – Adjunto através do ofício nº 2315/10, de 21/10/2010, enviado via S.I.M.P., nos seguintes termos:
“Quanto ao ofício de Vª Exª, acima citado, cumpre-me dizer o seguinte:
1. O Procurador – Geral Distrital está disponível, como sempre esteve, e Vª Exª sabe-o até por experiência pessoal, para receber, esclarecer e prestar a sua colaboração, dentro dos limites das suas atribuições legais, a todos os magistrados do Ministério Público.
2. E tais atribuições legais decorrem não só dos atinentes preceitos constitucionais, mas também das demais normas que lhes dão corpo do Estatuto do Ministério Público.
Creio assim ter esclarecido Vª Exª.
Com os melhores cumprimentos”
7.
Em 09/02/2010, através do ofício nº 84/10/LS, de novo enviado sob registo ao Senhor Procurador – Geral Distrital, o Senhor Dr. A…… remeteu novo mapa de produtividade, acompanhado de fotocópia de todas as suas intervenções processuais – cfr. fls. 11.
8.
No mesmo ofício, referiu que não ficou esclarecido com a resposta que lhe fora dada pelo Senhor Procurador – Geral Distrital no ofício referenciado e transcrito no art. 6º - cfr. fls. 11.
9.
E voltou a requerer que o Senhor Procurador – Geral Distrital o informasse “dos fundamentos do pedido das intervenções ora enviadas e doravante a remeter, bem como se já solicitara ou iria solicitar o envio dos mesmos elementos referentes ao serviço total do Ministério Público” – cfr. fls. 11.
10.
Aquando do envio, em 09/03/2010, em 07/04/2010, de novo sob correio registado, nos mapas de produtividade dos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2010, bem com das respectivas fotocópias das intervenções processuais, o Senhor Dr. A…… voltou a requerer que o Senhor Procurador – Geral Distrital o informasse, tendo-o feito nessas três ocasiões, nos termos e pelos modos constantes do ofício nº 84/10/LS, referenciado nos arts. 7, 8 e 9 – cfr. fls. 12, 16 e 31.
11.
O Senhor Dr. A…… endereçou os ofícios referidos nos arts. anteriores ao Senhor Procurador – Geral Distrital com a intenção de obter um esclarecimento com vista a ficar tranquilo quanto ao seu exercício nos Juízos de ... – cfr. fls. 41 e 42.
12.
Não ficou esclarecido com a resposta do Senhor Procurador – Geral Distrital ao seu ofício nº 26/10/LS, de 14/01/2010, mas “não providenciou por um esclarecimento pessoal junto daquele seu superior hierárquico, porque em data anterior, e sobre outro assunto, tinha tentado ser recebido, mas sem sucesso, motivo pelo qual se sentiu constrangido em voltar a tentar ser recebido” – cfr. fls. 41 e 42.
13.
O Senhor Procurador – Geral Distrital entendeu o teor dos ofícios que lhe dirigiu o Senhor Dr. A…… como “não só uma exigência de prestação de contas formulada pelo Senhor Procurador – Adjunto, como a utilização de terminologia imprópria nas relações hierárquicas” – cfr. fls. 3 e 7
14.
O Senhor Dr. A…… ingressou no Centro de Estudos Judiciários em ... de Setembro de 2000, exerce o cargo de Procurador – Adjunto, em efectividade de funções, desde ... de Abril de 2003 e possui uma classificação de serviço de “Bom” – cfr. fls. 13 e 26.
15.
Exerceu funções no ...Juízo de ... da Comarca …… entre 6 de Setembro de 2006 e 13 de Abril de 2009, data da publicação do seu destacamento para a Comarca ……, e voltou a exercer funções no mesmo Juízo ... a partir de 16 de Setembro de 2009 – cfr. fls. 13, 26 e 39.
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Com as condutas descritas, consubstanciadas nas reiteradas interpelações directas feitas pelo Senhor Procurador – Adjunto ao Senhor Procurador – Geral Distrital, incorreu o Senhor Dr. A…… na prática de uma infracção continuada ao dever de correcção, prevista no art. 163º do Estatuto do Ministério Público e no art. 3º nºs 1, 2 – alínea h) e 10 da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, conjugado com o disposto no art. 216º do mencionado Estatuto e com o art. 6º da citada Lei nº 58/2008.
A esta infracção deve corresponder a pena de suspensão de exercício, variável entre 20 e 240 dias, conforme o previsto nos arts. 166º, nº 1, alínea d) e 170º, nºs 1 e 2 do mesmo Estatuto.
4. O arguido apresentou a sua defesa, a fls. 93-103 do processo disciplinar apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzida), que rematou dizendo dever ser “absolvido do pedido”.
5. No dia 2 de Novembro de 2010 o instrutor elaborou o relatório do processo disciplinar, que consta a fls. 176-191 do PA apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que termina assim:
“7. Conclusões e Proposta
Tudo ponderado, e considerando, assim, o exposto, conclui-se que:
- Constituem infracção disciplinar consubstanciada na violação do dever de correcção previsto no art. 163º do E.M.P., e no art. 3º, nº 1, nº 2, alínea h) e nº 10 da Lei nº 58/2008, de 9/Set, os factos cometidos pelo Senhor Dr. A…… no período compreendido entre Setembro de 2009 e Abril de 2010, e que se encontram indicados sob os nºs 4.2, 4.3, 4.4, 4.5, 4.6, 4.7, 4.8, 4.9, 4.10, 4.11, 4.12 e 4.13.
- Esta infracção, cometida sob a forma continuada ao referido dever de correcção, deve ser sancionada com a pena de 10 (dez) dias de multa, que se considera adequada aos factos praticados, de acordo com o preceituado nos arts. 166º, nº 1, alínea b), 168º, na redacção introduzida pela Lei nº 143/99, de 21/08 e 181º do Estatuto do Ministério Público, conjugados com o disposto no art. 16º e alínea c) da Lei nº 58/2008, de 09/09.
Deste modo, e nos equacionados termos, propõe-se que:
- Seja aplicada a pena de 10 (dez) dias de multa ao Senhor Dr. A……”
6. A Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, por acórdão de ......, constante a fls. 197-201 do PA apenso, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, deliberou aplicar ao arguido a pena disciplinar de dez dias de multa.
Reproduzimos a parte final da deliberação:
“(…) Conclui o Sr. Inspector que os comportamentos assumidos, integram uma violação continuada do dever de correcção previsto no art. 163º do Estatuto do Ministério Público e no art. 3º, nº 1, nº 2, alínea h) e nº 10 da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, conjugado com o disposto no art. 216º do mencionado Estatuto e com o art. 6º da mencionada Lei nº 58/2008.
Com efeito, o superior hierárquico do Magistrado limitou-se a pedir informações sobre a sua actividade no ... Juízo de ..., no âmbito dos poderes de direcção e de fiscalização que lhe estão estatutariamente atribuídos (cfr. art. 58º- 1 alíneas a) e e) do E.M.P.).
Salienta o Sr. Inspector que «Ademais, enquadra-se perfeitamente no âmbito das suas competências, definidas no art. 56º do E.M.P., o Procurador – Geral Distrital inteirar-se “das exigências e qualidade do trabalho desenvolvido” pelos magistrados seus subordinados (cfr. facto descrito no art. 3.17), o que também equivale por dizer que o exercício destes seus poderes não corresponde absolutamente à avaliação de mérito profissional ao contrário do que parece sustentar-se nas defesa apresentada (cfr. arts. 22º a 28º).
Por outro lado, não é claramente patente qualquer tratamento discriminatório do Senhor Procurador – Adjunto no contexto da directiva que lhe foi transmitida, já que tal directiva se insere na normalidade do exercício de fiscalização hierárquica que decorre do Estatuto do Ministério Público (cfr. art. 56º - b) e 57º - 1) sendo que também não releva para o vertente caso a instauração da acção administrativa especial, aliás contestada, a que se referem os factos descritos».
Propõe o Sr. Inspector que a infracção seja sancionada com a pena de 10 (dez) dias de multa, que se considera adequada aos factos praticados, de acordo com o preceituado nos arts. 166º, nº 1, alínea b), 168º, na redacção introduzida pela Lei nº 143/99, de 21/08 e 181º do Estatuto do Ministério Público, conjugados com o disposto no art. 16º e alínea c) da Lei nº 58/2008, de 09/09.
Aderindo à proposta do Exmº Sr. Inspector e respectivos fundamentos (art. 30º nº 7 da Lei nº 60/98, de 27/8) acordam na Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público em aplicar ao Sr. Dr. A…… a pena disciplinar de dez dias de multa.”
7. O arguido, ora Autor, apresentou a reclamação de fls. 205-211 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida, dirigida ao Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, pedindo a revogação da deliberação da Secção Disciplinar mencionada no número anterior.
8. A reclamação foi indeferida pelo Conselho Superior do Ministério Público, por acórdão de 11 de Janeiro de 2011, conforme fls. 214-224 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte extracto:
“(…) O Conselho Superior do Ministério Público sufraga inteiramente as considerações da decisão sob reclamação e acima transcritas.
O Senhor magistrado reclamante contesta esta interpretação das citadas normas estatutárias, entendendo, pelo contrário, que um Procurador – Geral Distrital não tem poderes para dar ordens isoladamente a um magistrado do Ministério Público, mas apenas ordens comuns a todos os magistrados, pelo menos daquilo que, impropriamente, designa por “Comarca Cível ……” e que essas ordens não podem ter como objecto pedidos de informação sobre a qualidade do serviço prestado, uma vez que o conhecimento de informação sobre a qualidade do serviço prestado pelos magistrados do Ministério Público está inteiramente fora dos poderes de um Procurador – Geral Distrital.
Ora, manifestamente, não tem razão.
Para além do mais, o que a argumentação do Senhor magistrado reclamante evidencia, não só nesta reclamação mas um pouco ao longo de todo o processo, é uma muito particular concepção de hierarquia, o que nos poderia remeter para a questão de saber se, para além do dever de correcção, com a sua conduta o Senhor magistrado não terá cometido igualmente violação do dever de zelo, “traduzido no desconhecimento grosseiro das normas estatutárias que estabelecem a organização hierárquica do Ministério Público e a repartição de competências entre os respectivos órgãos e agentes”, como consta expressamente da declaração de voto da Senhora Procuradora – Geral Distrital de Lisboa, aposta na decisão sob reclamação.
Mas, embora não vigore em direito disciplinar o princípio da proibição de reformatio in pejus (cfr., entre outros, Acórdão do STA de 28 de Janeiro de 2004), sigamos em frente no sentido da apreciação, apenas, das questões colocadas na reclamação, começando por tecer algumas breves considerações sobre o conceito de hierarquia no âmbito do Ministério Público.
No nº 4 do art. 219º da Constituição da República, estabeleceu-se o princípio que os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados, princípio que teve consagração na lei ordinária, designadamente no art. 76º do EMP.
No nº 3 deste artigo define-se que “a hierarquia consiste na subordinação dos magistrados aos de grau superior, nos termos da presente lei, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas, sem prejuízo do disposto nos artigos 79º e 80º”.
Também no art. 2º do EMP se estabelece o princípio da “exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas nesta lei”, às quais se referem, por sua vez, entre outros, os artigos 10º, 12º, 27º, 56º e 63º do mesmo Estatuto.
É claro que o dever de obediência dos magistrados do Ministério Público não é incondicionado, como sucede na hierarquia militar (a obediência será “pronta e completa”, diz o Regulamento de Disciplina Militar) nem está, como no funcionalismo civil, tutelado apenas pelo dever de recusar ordens ilegais ou pela faculdade de respeitos representação.
Perspectivando-se perante uma magistratura, o legislador procurou ressalvar a tensão de consciência indispensável para que o magistrado possa actuar com liberdade interior.
Nos termos do artigo 79º, nº 2 do Estatuto do Ministério Público, os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica. A recusa faz-se por escrito, precedendo representação pessoal das razões invocadas. Existindo recusa, o magistrado que tiver emitido a directiva, ordem ou instrução pode avocar o procedimento ou distribuí-lo a outro subordinado.
Não podem ser objecto de recusa:
a) as decisões proferidas por via hierárquica nos termos da lei de processo;
b) as directivas, ordens e instruções emitidas pelo Procurador-geral da República, salvo com fundamento em ilegalidade.
No primeiro caso, a decisão tem carácter processual, obedecendo a uma lógica idêntica à das decisões proferidas pelos tribunais superiores. Tendo por fim conformar posições jurídicas repercutidas no processo, a decisão deve ser apenas modificável nos termos previstos na lei processual. O princípio de que a decisão do órgão superior prevalece sobre a do que lhe é subordinado resolve a situação sem ser necessário apelar ao funcionamento de relações intersubjectivas.
No segundo caso, teve-se presente que a intervenção do Procurador-Geral da República é de última instância e provém de um órgão dotado de uma especial legitimidade política. A recusa ficou, por isso, limitada a situações em que possa estar em causa a legalidade.
Quanto à hierarquia, o Estatuto do Ministério Público, no seu art. 76º, diz que a hierarquia “consiste na subordinação dos magistrados de grau inferior aos de grau superior” e “na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas”.
Aqui sim, trata-se de um princípio que quase se converteu em sinal de identidade do Ministério Público, por referência ao estatuto do juiz.
Com efeito, se teoricamente ainda seria possível construir a ideia de Ministério Público sem hierarquia, já a concepção de um juiz hierarquizado surgiria como contraditória face ao princípio da independência dos tribunais que constitui um dado consensual nas democracias.
Mas a hierarquia do Ministério Público corresponde também a necessidades impostas pela natureza das funções e por um objectivo de democratização da administração da justiça.
Exercendo funções de iniciativa e acção que, até por razões de celeridade, reclamam uma actuação unipessoal (os órgãos colegiais estão sujeitos a um processo mais moroso de formação da vontade), é necessário que haja mecanismos que, de forma preventiva ou a posteriori, acautelem a dispersão de procedimentos.
Por outro lado, é especialmente por intermédio do Ministério Público que se asseguram as finalidades de uniformização da jurisprudência e de igualdade dos cidadãos perante a lei e a justiça. Por via dos recursos (particularmente dos recursos para uniformizar jurisprudência e de constitucionalidade), o Ministério Público potencia a unidade do direito e a igualdade dos que recorrem aos tribunais.
Cabendo ao Ministério Público amplos poderes de iniciativa que cobrem praticamente todas as áreas da vida em sociedade, a ausência de hierarquia poderia significar a multiplicação de entendimentos e a colocação dos cidadãos numa situação de verdadeira desigualdade.
A hierarquia permite evitar ou resolver a fragmentação de procedimentos ou de correntes doutrinais no interior do Ministério Público e, ao uniformizar as iniciativas desta magistratura, previne e remedeia a divisão da jurisprudência.
É claro que é legítimo que o Senhor Magistrado reclamante discorde do conceito de hierarquia que vigora na nossa ordem jurídica, mas essa eventual discordância não lhe permite por em causa os princípios basilares acima enunciados e, por essa via, colocar obstáculos ao regular exercício dos poderes hierárquicos dos seus superiores, utilizando meios claramente inadequados, como foi o caso da propositura da Acção Administrativa Especial nº 1526/10.3……, tal como consta da contestação apresentada pela Procuradoria – Geral Distrital …
que este Conselho sufraga (cfr. fls. 111 dos presentes autos).
O que se pode vislumbrar no cotejo dos factos apurados no processo disciplinar com a argumentação do reclamante, é uma certa dificuldade deste em se relacionar com o conceito de hierarquia, tal como este está legalmente estabelecido para o Ministério Público no respectivo estatuto, com o adequado suporte constitucional.
Os factos que o reclamante pretende que sejam dados como provados – o seu destacamento para a comarca …… e o acesso aos seus processos pela hierarquia através do CITIUS – em nada altera a apreciação global da prova constante da decisão sob reclamação.
Aliás, no tocante à sua anterior colocação em …… há claramente um erro da parte do reclamante quando atribui essa colocação a uma ordem do Senhor Procurador – Geral Distrital ……, quando, na verdade, tal destacamento resultou, como não podia resultar atento o disposto no art. 138º, nº 3 do Estatuto do Ministério Público, de uma deliberação do Conselho Superior do Ministério Público.
E engana-se, ainda, o Senhor magistrado reclamante quando afirma que tal deliberação veio a ser revogada por ilegalidade, quando, na verdade, tal deliberação – perfeitamente legal, diga-se – apenas veio a ser revogada pelo Conselho Superior do Ministério Público por este órgão ter aceite que as razões invocadas pelo reclamante, quanto aos graves inconvenientes para a sua vida pessoal e familiar, mereciam acolhimento.
Quanto ao acesso aos seus processos, através do CITIUS, por parte da hierarquia, se bem que seja facto demonstrado no processo, não tem a mínima relevância para a apreciação da conduta do reclamante.
Quanto à restante matéria dos autos, inexistindo motivos para censurar a decisão sob reclamação, nos termos acima expostos, acordam no Plenário do Conselho Superior do Ministério Público em indeferir a reclamação apresentada pelo Lic. A……, do Acórdão da Secção disciplinar de ……, confirmando-se a mesma na íntegra, com as consequências legais.”
2.2. O DIREITO
2. 2.1. Da violação do dever de correcção
O Autor foi disciplinarmente punido com fundamento na violação do dever geral de correcção, inerente à sua função, graças ao modo, supra descrito (vide ponto 3. do probatório), como se relacionou com o Procurador – Geral Distrital ……, seu superior hierárquico.
Atacando o acto punitivo, alega, em primeiro lugar, que o mesmo é inválido por não estar verificada a infracção disciplinar que lhe foi imputada. E isto, porque, ao contrário do que foi decidido pela entidade demandada, sempre tratou com respeito aquele superior hierárquico.
Apreciemos, pois, começando por rememorar a conduta do arguido.
Como resulta do probatório supra, o Procurador – Geral Distrital …… ordenou ao Autor que lhe remetesse, directamente, (i) fotocópia de vinte intervenções processuais à sua escolha de entre as que constavam do mapa do último trimestre de 2009 e (ii) o mapa mensal de produtividade a partir de Janeiro de 2010 e até ao 10º dia do mês seguinte, acompanhado de fotocópia de todas as intervenções processuais registadas em cada mês.
O Autor cumpriu a ordem daquele superior hierárquico remetendo as fotocópias de vinte intervenções processuais, acompanhando o ofício nº 26/10/LS de 14/01/2010. Na primeira parte desse ofício dava nota da remessa das peças. A segunda parte tinha o seguinte teor, passando a transcrever:
“Para melhor satisfação dos objectivos que presidiram ao pedido de envio dos elementos solicitados, requer a V. Exª que informe o Requerente dos fundamentos do pedido das intervenções ora enviadas e doravante a remeter, bem como que informe se já solicitou ou irá solicitar o envio dos mesmos elementos mas referentes ao serviço total do Ministério Público neste Tribunal”.
O Procurador Geral - Distrital, através do ofício nº 2315/10 de 21/01/2010, respondeu assim:
“Quanto ao ofício de Vª Exª acima citado, cumpre-me dizer o seguinte:
1. O Procurador – Geral Distrital está disponível, como sempre esteve, e Vª Exª sabe-o até por experiência pessoal, para receber, esclarecer e prestar a sua colaboração, dentro dos limites das suas atribuições legais, a todos os magistrados do Ministério Público.
2. E tais atribuições legais decorrem não só dos atinentes preceitos constitucionais, mas também das demais normas que lhes dão corpo do Estatuto do Ministério Público.
Creio assim ter esclarecido Vª Exª.”
No dia 9/02/2010, o Autor, dando cumprimento à segunda parte da citada ordem do superior hierárquico, remeteu ao Procurador – Geral Distrital ……, com o ofício nº 84/10/LS, o mapa de produtividade e cópia de todas as intervenções processuais “levadas e efeito” no mês de Janeiro de 2010. E terminou o ofício do seguinte modo:
“Considerando que, do teor do ofício recepcionado com o nº 2315/10 de 21-01, que é a resposta ao ofício nº 26/10/LS, de 14/01/2010, o Requerente não ficou esclarecido sobre o que fora solicitado a Vª Exª, vem Requerer que o informe dos fundamentos do pedido das intervenções que foram enviadas a Vª Exª através desse ofício e do presente, e doravante a remeter, bem como que o informe se já solicitou ou irá solicitar o envio dos mesmos elementos, mas referentes ao serviço total do Ministério Público neste Tribunal, tudo conforme havia já sido solicitado e consta do 2º parágrafo do ofício nº 26/10/LS”.
Aquando do envio dos mapas de produtividade, em 09/03/2010 e 07/04/2010, repetiu, sucessivamente, o conteúdo desta parte do ofício.
É este o comportamento relevante. A entidade demandada viu nele a violação do dever geral de correcção. O Autor, por sua vez, considera que não desrespeitou o seu superior hierárquico e que se limitou a exercer, com educação e urbanidade, o seu direito a ser esclarecido sobre os fundamentos da ordem que lhe foi transmitida, formulando um pedido que se insere no “direito à informação”, corolário do “direito de acesso ao Direito.”
Assim se delimita o dissídio, nesta parte.
Ora, não há dúvida que, sob pena de violarem o dever geral de correcção, os magistrados do Ministério Público estão obrigados a tratar com respeito os seus superiores hierárquicos (art. 3º/10 do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, aplicável “ex vi” do art. 216º do Estatuto do Ministério Público).
É igualmente certo que, não havendo espaço, no nosso ordenamento jurídico, para a denominada teoria das relações especiais de poder, (Vide, a propósito, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in “Direito Administrativo Geral”, I, p. 164) subtraídas ao princípio da legalidade, o magistrado subalterno tem direito a reagir administrativa e contenciosamente (art. 268º/4 da CRP) contra os actos administrativos procedentes dos seus superiores hierárquicos, que repute de ilegais e produzam efeitos jurídicos lesivos no âmbito da sua relação estatutária de serviço. Na terminologia já utilizada por este Supremo Tribunal (Vide Acórdão de 2005.06.02 – rec. nº 0273/05 e demais jurisprudência nele citado e António Lorena de Séves, in CJA, nº 3, pp. 33-36), é-lhe dado reagir contra os actos praticados no campo da alteridade da sua relação jurídica de emprego público, no qual se apresenta como sujeito autónomo de direitos, dimensão distinta daquela outra, de inclusão, em que é visto, sem subjectividade jurídica, como mero objecto da auto-organização interna de um serviço público com cuja prestação se identifica.
Deste modo, repetindo e concluindo, a par do dever de correcção para com os seus superiores hierárquicos, o magistrado tem o direito de impugnar os actos administrativos lesivos atinentes à dimensão de alteridade da sua relação jurídica de emprego público.
Neste quadro, a coerência do sistema determina que a impugnação administrativa e/ou contenciosa, bem como a precedente efectivação do direito instrumental de informação, por parte de um magistrado do Ministério Público, relativamente a actos de autoridade, praticados por um superior hierárquico, que considere lesivos dos seus direitos profissionais, são comportamentos que em si mesmos, sem mais, enquanto expressão de vontade reactiva e independentemente dos termos da sua concreta efectivação, não são passíveis de qualificação como desrespeitosos e disciplinarmente puníveis à luz do dever geral de correcção.
Porém, se, por um lado, a legítima reacção defensiva do magistrado, por si só, não pode interpretar-se como uma atitude de impertinente desconsideração do superior hierárquico, sob pena de o dever geral de correcção constituir uma intolerável restrição ao direito à tutela judicial, por outro lado, este direito fundamental não dispensa o respectivo titular do dever de o exercer, com palavras e/ou actos que se contenham dentro dos limites do respeito devido ao superior hierárquico. O direito à acção judicial e o dever disciplinar de correcção não se excluem reciprocamente, pelo que tanto podem existir situações de exercício do direito sem violação do dever de correcção, como casos de efectivação do direito com ofensa daquele dever disciplinar.
Dito isto, regressemos ao caso concreto.
O Autor recebeu uma ordem, cumpriu-a, mas requereu ao superior hierárquico que lhe comunicasse os fundamentos do pedido de remessa das suas intervenções processuais e o informasse se já havia pedido ou iria solicitar o envio dos mesmos elementos referentes ao serviço total do Ministério Público. O superior hierárquico respondeu-lhe, nos termos supra indicados, dizendo-se disponível para o receber, esclarecer e com ele colaborar, “dentro dos limites das suas atribuições legais”, sendo que estas são as que” decorrem não só dos atinentes preceitos constitucionais, mas também das demais normas que lhes dão corpo do Estatuto do Ministério Público”.
Neste contexto, o Autor, se considerava que, por acto contenciosamente impugnável, lhe estava a ser ilegalmente cometida uma incumbência lesiva do seu estatuto funcional e que a informação prestada era insuficiente para prover à sua defesa, não tinha, é certo, que se aquietar, por temor reverencial, abdicando da tutela dos seus direitos. Nesse caso, poderia, desde logo, ter correspondido à disponibilidade do Senhor Procurador – Geral Distrital procurando esclarecer-se, pessoal e directamente junto dele. Se não queria valer-se de tal gentileza, tinha ao seu alcance os meios próprios de reacção previstos no Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (arts. 60º e 104º).
Não fez uma coisa nem outra. Em vez do contacto pessoal e directo e/ou de lançar mão da forma processual canónica para efectivar o seu direito à informação, preferiu, através de sucessivos requerimentos, insistir com o superior hierárquico para que este lhe desse uma informação diferente daquela que lhe havia dado, instando-o, repetidamente, uma e outra vez, a que o informasse sobre os objectivos que presidiram à emanação da ordem de serviço e acerca do modo como exercia ou pensava exercer o seu poder de fiscalização em relação ao serviço dos demais magistrados.
A entidade demandada interpretou este comportamento como “um pedido de prestação de contas” formulada ao Procurador – Geral Distrital, de modo desafiante e acintoso, impróprio da consideração e respeito exigidos pelo dever geral de correcção.
No contexto supra descrito, não detectamos erro nesta interpretação/qualificação da conduta do Autor, sinalizada, em particular, pela insistência obstinada junto do superior hierárquico, de cada vez que cumpria a ordem que dele recebera, para que, a todo o custo, aquele lhe dissesse algo mais, ou coisa diferente do que, anteriormente, achara por bem dizer-lhe, quando lhe respondeu da primeira vez que o Autor se lhe dirigiu para o efeito.
Assim, a pertinácia inconsequente do Autor, dispensável para o exercício do seu direito de acção, assumiu-se como um repto lançado ao superior hierárquico, atitude que se não coaduna com a deferência que lhe é devida.
Deste modo, improcede a alegação do Autor, nesta parte.
2.2.2. Da violação do princípio da proporcionalidade
O Autor alega, também, que o acto é inválido por violação do princípio da proporcionalidade.
Segundo ele, em síntese, não só não estamos perante nenhum dos casos previstos no art. 181º do Estatuto do Ministério Público, mas também a pena de dez dias de multa é manifestamente injusta e desadequada na situação concreta. Isto, tendo em consideração a sua classificação de serviço, a inexistência de faltas disciplinares no seu currículo e a circunstância de nunca ter demonstrado desinteresse pelo cumprimento dos deveres inerentes ao seu cargo e sempre ter sido extremamente cuidadoso e correcto no exercício das suas tarefas, respeitando as ordens que lhe foram transmitidas, com a devida deferência pelo seu superior hierárquico.
Mas não tem razão.
Um dos deveres gerais inerentes à função do Autor é o dever de correcção, que “consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos” [art. 3º/1/2 h)/10 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, aplicável “ex vi” do art. 216º do Estatuto do Ministério Público]. E decorre do exposto que, no caso em apreço, o Autor descurou o cumprimento desse dever no seu relacionamento com o seu superior hierárquico. Logo, de acordo com o regime disciplinar contido no Estatuto do Ministério Público a conduta está correctamente enquadrada na previsão do art. 181º e, na ausência de circunstâncias determinantes de atenuação especial (186º), a pena aplicável é a de multa, a fixar em dias, entre o mínimo de 5 e o máximo de 30 (art.168º).
Dito isto, consideramos que a pena de multa, que nem se fica pelo mero reparo, nem vai além dos efeitos pecuniários, é a medida punitiva necessária e adequada para, na circunstância, proteger a capacidade funcional do Ministério Público, enquanto órgão de justiça hierarquizado e, do mesmo passo, prosseguir a finalidade de prevenção especial característica das penas disciplinares, sendo que, para tanto, a sua graduação em 10 dias não se apresenta como excessiva.
Em suma: o acto impugnado não padece dos vícios que lhe vêm assacados.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido.
Custas pelo Autor.
Lisboa, 26 de Outubro de 2011. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Américo Joaquim Pires Esteves.