Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0331/12.7BEMDL
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
PRESCRIÇÃO
Sumário:É de admitir a revista do acórdão confirmativo do saneador-sentença que, para além do mais, absolveu do pedido indemnizatório, fundado em erro médico, dois hospitais públicos, se tal pronúncia absolutória se baseou numa prescrição cujo «dies a quo» não parece estar rigorosamente determinado.
Nº Convencional:JSTA000P24718
Nº do Documento:SA1201906260331/12
Data de Entrada:06/07/2019
Recorrente:A...........
Recorrido 1:E........... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A……………, identificado nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA Norte confirmativo do saneador-sentença do TAF de Mirandela que - na acção instaurada pelo recorrente contra a Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE, o Centro Hospitalar Universitário do Porto, EPE, B…………. (a que acresceu o interveniente C…………) e D………….. Companhia de Seguros, SA - absolveu da instância os três últimos réus, por ilegitimidade passiva, e absolveu do pedido os dois primeiros, por prescrição.

O recorrente diz que a decisão da revista é necessária para uma melhor aplicação do direito.

Os réus Centro Hospitalar do Porto e D…………. contra-alegaram, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).

O autor propôs em 12/11/2012 a acção dos autos contra um hospital público do Nordeste, um dos médicos ortopedistas que aí o operou em 7/7/1998 a uma hérnia discal - a que depois acresceu, como interveniente principal, o outro médico que interveio nessa cirurgia - a seguradora de ambos e um hospital do Porto (o Hospital de S. António) onde foi infrutiferamente alvo de operações cirúrgicas correctivas. Logo «in initio litis», o autor disse que a primeira cirurgia fora negligentemente executada, causando-lhe sequelas irreversíveis e, nessa medida, danos patrimoniais e morais cuja obrigação de indemnizar atribuiu solidariamente aos réus.

A petição deu entrada no Tribunal judicial de Mirandela; que, todavia, se julgou incompetente «ratione materiae», motivo por que o processo foi remetido ao TAF da mesma cidade.

No saneador, o TAF considerou que os dois médicos - o réu e o interveniente principal - e a seguradora (de ambos) careciam de legitimidade passiva porque o autor não alegara que a actuação deles durante a cirurgia fora dolosa. E, relativamente aos réus hospitais, o TAF entendeu que o direito de indemnização estava prescrito porque a acção fora proposta mais de dez anos depois do autor saber que houvera um «erro médico» na primeira cirurgia.

E o TCA confirmou o saneador-sentença absolutório.

Na presente revista, o recorrente afirma duas essenciais coisas: quanto aos médicos (e à sua seguradora), defende que a respectiva responsabilidade é contratual e de direito privado pelo que, não só esses réus e intervenientes disporiam de legitimidade passiva, como o direito que lhes foi oposto não estaria prescrito - pois só prescreveria no prazo de vinte anos; quanto aos réus hospitais, sustenta que o prazo prescricional de dez anos só podia iniciar-se em 2008 - data em que teve consciência de que fora vítima de um irrecuperável «erro médico».

«Primo conspectu, as instâncias andaram bem ao recusar que a responsabilidade dos médicos intervenientes na cirurgia de 7/7/1998 tivesse natureza contratual e fosse de direito privado. Aliás, o recorrente já devia sabê-lo, pois viu o tribunal judicial declarar inviamente isso. Portanto, a pronúncia das instâncias que, por falta de alegação do dolo dos médicos, declarou a ilegitimidade processual deles e da sua seguradora revela-se altamente plausível. E, se a revista se baseasse exclusivamente neste ponto, propenderíamos, «recte», para o seu não recebimento.

No entanto, as instâncias não se mostram persuasivas a propósito da prescrição. O respectivo «dies a quo» coincide com a «data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete» (art. 498º, n.º 1, do Código Civil). E, sendo a prescrição uma excepção peremptória, o ónus de alegação e prova dos factos que a integrem incumbe aos réus (art. 342º, n.º 2, do mesmo diploma).

Ora, a matéria de facto coligida pelas instâncias não é imediatamente reveladora dessa «data» - motivo por que elas ensaiaram deduções várias, tentando apurá-Ia. Mas o assunto permanece obscuro, pois as instâncias raciocinaram a partir da certeza de que a primeira cirurgia fora mal sucedida - em vez de o fazerem a partir da certeza de que então houvera um efectivo «erro médico».

Por outro lado, a circunstância do autor - mal ou bem - ter demandado dois hospitais, decerto por motivos diferentes, torna imediatamente estranho que o «dies a quo» do prazo prescricional seja o mesmo em relação a ambos.

Cremos, pois, que o problema crucial da prescrição do direito indemnizatório invocado pelo autor necessita de melhor indagação. O que, conjugado com a gravidade das lesões por ele sofridas, conduz à admissão da revista.

Nestes termos, acordam em admitir a revista.

Sem custas.

Porto, 26 de Junho de 2019. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.