Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0785/14
Data do Acordão:07/10/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista, atendendo às acrescidas exigências de admissibilidade da revista em processo cautelar, quando não versa sobre questões de alcance geral da tutela cautelar, nem sobre matéria de acentuada repercussão comunitária e a solução a que chegou o acórdão recorrido não apresenta raciocínios lógicos e jurídicos ou erros ostensivos que tornem claramente necessária a intervenção para melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P17835
Nº do Documento:SA1201407100785
Data de Entrada:06/27/2014
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR MÉDIO TEJO, EPE E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: (Formação de Apreciação Preliminar)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……………….. SA interpõe recurso, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 20/3/2014, que negou provimento a recurso interposto de sentença do TAC de Lisboa que indeferiu o pedido de suspensão do procedimento pré-contratual relativo ao concurso público para aquisição de meios complementares de diagnóstico e terapêutica de tomografia axial computorizada, aberto pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo, EPE.

A recorrente enuncia as questões cuja apreciação, em seu entender, justificam a admissibilidade da revista pela sua relevância jurídica e social e por clara necessidade de melhor aplicação do direito, nos seguintes termos:

“A questão fulcral patenteada nos presentes autos, que sustentou a decisão de improcedência do recurso interposto pela também ora Recorrente, prende-se, em traços gerais, com a circunstância de saber se, da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, por via da remissão operada pelo artigo 132.º, resulta ou não, para o juiz, um dever – e não apenas um poder – de decretar a providência cautelar, nos casos, como o que temos em presença, em que a matéria de facto não é controvertida e em que a questão jurídica submetida a julgamento apresenta manifesta simplicidade.
Importa, ainda nesta sequência, ser clarificado se preenche ou não o requisito do fumus boni iuris a ilegalidade consubstanciada na omissão, perpetrada pelo júri de um concurso público, de prorrogação do prazo para apresentação das propostas, quando tenha ocorrido a alteração do respetivo preço base.
Das questões aqui apresentadas decorre ainda outra, igualmente relevante e também suscitada nos presentes autos, que se centra em aferir, no âmbito da ponderação de interesses exigida pelo artigo 132.º do CPTA, se o interesse da entidade adjudicante em não suspender o procedimento pré-contratual prevalecerá sempre sobre o contraposto interesse do concorrente, designadamente quando os prejuízos por este invocados não sejam quantificáveis”.


2. As contra-interessadas B……………. Ldª e C………….., SA opõem-se à admissão do recurso, salientando a natureza cautelar do presente processo e a consequente inadequação para nele se admitirem recursos de revista que tenham de apreciar questões cuja resolução definitiva tem lugar próprio na acção principal e alegando que as questões suscitadas não se revestem de alcance jurídico geral nem assumem repercussão comunitária.

3. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como se refere na exposição de motivos do CPTA "num novo quadro de distribuição de competências em que o TCA passa a funcionar como instância normal de recurso de apelação, afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, de forma a permitir que esta via funcione como válvula de segurança do sistema".

4. Na aplicação deste regime ao caso presente, importa lembrar que o juízo efectuado em sede cautelar sobre a verificação concreta dos pressupostos, designadamente sobre a aparência do direito acautelado, assenta num quadro jurídico provisório e de apreciação perfunctória. Em princípio, não propicia condições para a intervenção do Supremo na resolução tendencialmente definitiva e orientadora de questões de relevância jurídica ou social fundamental ou para uma melhor aplicação do direito pelo que a admissão de revista neste domínio terá de ser mais restritiva do que na acção principal (cfr. acs. de 08/11/2012, Proc. 0844/12, de 23/05/2013, Proc. 0857/13 e de 24/06/2014, Proc. 0644/14 ).
Reconhece-se que a recorrente procurou ajustar a formulação das questões a este quadro normativo, apresentando-as com o possível carácter de generalidade e focando-as, em primeira aparência, em normas relativas aos poderes do juiz na decretação da providência. Todavia, face ao decidido, não são verdadeiramente desta natureza as questões para que se pede revista.

Assim:
Como questão fulcral, pretende a recorrente que se admita o recurso em ordem a declarar que da conjugação dos art.ºs 132.º e 120º do CPTA decorre o dever de apreciação, em sede cautelar, de questões que envolvam operações simples de interpretação e aplicação de uma única norma, cujo teor é claro, não deixando margem para controvérsia ou divergência. Sucede que o acórdão não afirmou doutrina contrária no plano dos critérios de apreciação das providências cautelares. O que entendeu foi que, “na situação concreta, face à prova indiciariamente produzida e às alegações das partes, dificilmente poderá enquadrar o caso sub judice na al. a) do artigo 120º do CPTA, porquanto a presente providência reveste-se de uma complexidade nos aspectos de facto e de direito que impedem que se recorra a um critério de evidência, tal como o utilizado na citada norma”. E desenvolve, mediante um discurso credível, as razões pelas quais não é possível afirmar a ilegalidade sem exigentes indagações da matéria de facto e direito.
Deste modo, a questão relativamente à qual poderá pensar-se em predicar a importância fundamental pela aptidão de generalização da controvérsia, e que verdadeiramente a recorrente pretende ver apreciada, não é uma questão própria do regime dos processos cautelares e dos poderes do juiz nesse domínio, mas de saber se a operação de rectificação das peças processuais a que se procedeu implica uma alteração significativa que comprometa os princípios da estabilidade das peças contratuais, da concorrência e da protecção da confiança e, portanto, ilegal. Sucede que a resposta que o Supremo viesse a dar-lhe neste recurso seria necessariamente provisória, não se adequando à função do recurso excepcional de revista.
Por outro lado, a questão do decretamento ou não da providência face ao quadro de facto e direito considerado não atinge repercussão comunitária, afectando sobretudo os interesses dos envolvidos no procedimento.

O mesmo raciocínio é extensível, mutatis mutandis, à questão de saber se “se preenche ou não o requisito do fumus boni iuris a ilegalidade consubstanciada na omissão, perpetrada pelo júri de um concurso público, de prorrogação do prazo para apresentação das propostas, quando tenha ocorrido a alteração do respectivo preço base”. Com efeito, está em causa a interpretação do que deva entender-se por alteração dos aspectos fundamentais das peças do procedimento, discutindo-se, precisamente, acerca da real alteração daquele preço pela deliberação de 6/6/2013 ou se o mesmo já resultava de anterior deliberação. Trata-se de questão indesligável do caso concreto, nada lhe conferindo, no plano jurídico ou social, interesse que o transcenda.

Relativamente à terceira questão, relativa aos termos da ponderação de interesses em confronto, no que possa ter de questão de direito, é estritamente dependente da situação concreta. Efectivamente, não colocam as alegações a este propósito, uma questão jurídica susceptível de se repetir, em termos essencialmente semelhantes, num número indeterminado de litígios. O alegado deficit de ponderação do interesse público, na vertente das consequências económico-financeiras decorrentes de eventual ganho de causa na acção principal, não é fundamento para cuja sustentação esteja legitimado o concorrente preterido.

Finalmente, nada se surpreende no discurso fundamentador do acórdão recorrido que se afaste do espectro das soluções razoavelmente compartilhadas pela doutrina e jurisprudência em matéria de aplicação do regime jurídico dos art.ºs 120.º e 132.º do CPTA ou que enferme de erros ostensivos.

Pelo exposto, não podem considerar-se preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.

5. Decisão
Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso e condenar a recorrente nas custas.

Lisboa, 10 de Julho de 2014. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.