Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0967/12.6BESNT
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:REDUÇÃO DE IMPOSTO
IRC
RENDIMENTO
CONCESSÃO
Sumário:I - Após a cessação do regime de isenção fiscal da tributação dos rendimentos da concessão, a actividade desenvolvida pela Recorrente no âmbito da concessão ficou subordinada ao regime geral de tributação dos rendimentos das pessoas colectivas, beneficiando, temporariamente, do benefício fiscal instituído pelo Decreto-Lei n.º 294/97;
II - O Decreto-Lei n.º 294/97 não consubstancia um regime fiscal substitutivo do IRC e também não se pode qualificar como um regime especial de redução de IRC em sentido técnico, para efeitos do n.º 5 do artigo 47.º do CIRC. Trata-se, tão-somente, de um benefício fiscal que opera através de numa dedução à colecta, ou seja, de uma despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas que opera após o apuramento da colecta, como um momento complementar da liquidação;
III - As alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objecto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência (ex. consagração de delimitações negativas de incidência, como sucede com a isenção do mínimo de existência), seja na taxa (ex. taxas reduzidas), seja também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos;
IV - As incomunicabilidades de prejuízos reguladas no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC dizem respeito a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa actividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos, o que não acontece no Decreto-Lei n.º 294/97.
Nº Convencional:JSTA000P26769
Nº do Documento:SA2202011180967/12
Data de Entrada:04/03/2019
Recorrente:BRISA – AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “Brisa Auto-Estradas de Portugal S.A.”, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra ato de indeferimento do recurso hierárquico que confirmou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada ao acto de liquidação adicional de IRC, relativo ao ano de 2006, no valor de € 16.102.924,85.

1.2. Tendo o recurso sido admitido, a Recorrente apresentou as respectivas alegações que encerrou com a formulação das seguintes conclusões:

«A) O presente recurso é interposto contra a Sentença, notificada através de Ofício de 20 de Novembro de 2018, proferida nos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 1 sob o n.° 967/12.6BESNT (sendo que foi admitida a apensação do Processo n.° 968/12.4 BESNT a este Processo), que julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente e, consequentemente, manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, referentes a IRC do ano de 2006.

B) Contrariamente ao que foi sustentado na Sentença objecto do presente recurso, os actos de liquidação de IRC ora contestados padecem de ilegalidade por errada aplicação dos pressupostos dos quais a lei faz depender a aplicabilidade do (então) artigo 47.º, n.º 5 (actual artigo 52.º).

C) A decisão proferida pelo Tribunal a quo parece sustentar o entendimento segundo o qual o (então) artigo 47.°, n.º 5 (actual artigo 52.°) não era aplicável, por entender que a Recorrente não se encontra enquadrada num regime fiscal especial de tributação.

D) Ora, no que respeita ao enquadramento normativo do regime aplicável, importa recordar que por revestir a natureza de serviço público, a RECORRENTE beneficiou, relativamente, à actividade concessionada - que se consubstancia na construção, conservação e exploração de auto-estradas - de um regime fiscal especial, o qual se materializou na atribuição de benefícios fiscais em sede de derrama, Imposto do Selo e IRC.

E) Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969, determinava na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.° que seriam garantidas às entidades concessionárias a isenção de impostos, de contribuições e outros encargos fiscais.

F) Assim, a RECORRENTE beneficiou nos primeiros anos de vigência do IRC (de 1989 a 1998) de uma isenção deste imposto relativamente à actividade concessionada, por força do disposto no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho, diploma que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais e estabeleceu a manutenção dos benefícios fiscais anteriormente vigentes no âmbito dos impostos abolidos pela Reforma Fiscal de 1989.

G) Com efeito, apenas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 294/97, de 24 de Outubro, diploma que procedeu a uma das diversas revisões do contrato da concessão, a configuração inicial do benefício fiscal aplicável à RECORRENTE, em sede de IRC, foi alterada.

H) Assim, de uma isenção de IRC relativamente à actividade concessionada, durante o período da concessão, passou-se para outro tipo de isenção/redução de IRC, materializada numa dedução à colecta do imposto, e até à sua concorrência, de uma importância correspondente a 50% dos investimentos realizados em imobilizações corpóreas reversíveis na área concessionada, na parte não comparticipável pelo Estado.

I) O legislador, de facto, quis continuar a garantir uma exclusão de tributação relativamente à actividade concessionada que, embora alterando a sua formulação, continuou, na prática, a ser (potencialmente) total, isto é, desde que existisse investimento elegível que o possibilitasse.

J) Não obstante, a evolução entretanto verificada no sistema fiscal português e na própria actividade desenvolvida pela Recorrente, justificou-se, apenas, e só por estas razões, a introdução de um requisito adicional para a exclusão de tributação em IRC, cujo grau passou a depender da maior ou menor intensidade com que a Recorrente viesse a preencher os objectivos de política económica, legitimadores da concessão do mencionado regime especial de tributação (ou seja, a isenção/redução de IRC passou a estar condicionada).

K) Assim, atenta a última formulação do benefício fiscal atribuído à Recorrente relativamente à actividade concessionada, a separação contabilística apresentava também especial relevância, na medida em que lhe permitia apurar uma matéria colectável e quantificar a parte da colecta relativa a cada uma das actividades desenvolvidas e, consequentemente, calcular adequadamente, o montante a deduzir à colecta da actividade concessionada.

L) Por outro lado, o regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE tem, também, uma evidente base contratual, sendo patente, na formulação legal que subjaz ao referido regime, o mútuo acordo das partes envolvidas.

M) Ora, em face do exposto, é inequívoco que o regime ora em apreço consubstancia um regime que deverá ser forçosamente qualificado como um regime especial, por oposição ao regime geral, consagrado no Código do IRC.

N) Neste sentido, não nos parece correcto o entendimento que parece resultar da Sentença recorrida, de acordo com o qual a ora RECORRENTE não se encontra enquadrada num regime fiscal especial de tributação, ainda que com a aplicação de benefícios fiscais específicos no âmbito da actividade concessionada.

O) A este respeito, atente-se no teor do Parecer subscrito pelo Professor Pitta e Cunha (cfr. cit. Doc. 3 junto às alegações de primeira instância do qual decorre "(...) Por outro lado, do ponto de vista do seu alcance substantivo, o regime consagrado para a actividade concessionada da Consulente distancia-se do regime geral de tributação das sociedades em sede de IRC, porquanto se consubstancia num benefício que não tem qualquer paralelo no regime geral".

P) Na verdade, e conforme referido no mencionado Parecer, “o legislador pretendeu, inequivocamente, atribuir certos benefícios apenas ao regime concessionado, pelo que delimitou cuidadosamente o âmbito da actividade concessionada da Consulente, que estaria sujeita ao regime beneficiado, tendo, também, previsto, em sentido contrário, que quaisquer outras actividades desenvolvidas pela Consulente, estariam sujeitas ao regime geral de tributação".

Q) Em face do que antecede, verifica-se que a RECORRENTE beneficiou de um regime especial, transitório, que se consubstancia numa isenção parcial ou redução de colecta de IRC, restrito ao domínio da sua actividade no âmbito da concessão, aplicável, atento o seu âmbito, apenas aos rendimentos daí decorrentes.

R) Já do Parecer subscrito pelo Professor José Casalta Nabais (cfr. Doc. 8 junto à petição inicial de impugnação), resulta que o regime a que a ora RECORRENTE se encontrou sujeita configurou um regime fiscal substitutivo, referindo-se "(...) quanto à actividade concessionada, esse regime fiscal especial substitui todo o regime normal, isto é, todos os impostos que seriam aplicáveis caso não tivesse sido estabelecido o regime especial, substituindo portanto, quanto ao IRC, o IRC normal".

S) Mais refere o Professor José Casalta Nabais que "O carácter especial do regime fiscal da Brisa SA tem por suporte o seu carácter contratual e o facto e de o mesmo, como regime de beneficiação fiscal que é, ser expressão essencial do equilíbrio das prestações contratuais das partes, no qual os benefícios fiscais, em que esse regime especial se consubstancia, se apresentam como uma inequívoca prestação pecuniária (passiva) do contraente público ",

T) Também no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira e pela Professora Clotilde Celorico Palma (cfr. cit. Doc. 1), se sustenta que “(...) estamos claramente perante um regime especial consubstanciado num benefício fiscal, que opera através da dedução à colecta de IRC de certos valores investidos, por contraposição ao regime geral acolhido no Código do IRC, pelo que o entendimento sufragado de acordo com o qual toda a actividade da Brisa se encontra sujeita ao regime geral de IRC não se nos afigura correcto".

U) Na verdade, tratando-se o regime fiscal ora em apreço de um regime com inequívoca base contratual, para além da singularidade do correspondente enquadramento, não entende a RECORRENTE como pode o Tribunal a quo entender que os benefícios fiscais concedidos não se subsumem a um regime fiscal diferenciado.

V) Em face do exposto, parece forçoso concluir que a RECORRENTE beneficiou, portanto, até ao exercício de 2007, e em 2006, de um regime especial de tributação de IRC relativamente à sua actividade concessionada, previsto em legislação específica, de que a mesma foi e é a destinatária única e exclusiva.

W) Assim, até ao exercício de 2007, e em 2006, entende a RECORRENTE que reunia as condições para lhe ser aplicável o disposto no artigo 17.° n.º 3, alínea b) do Código do IRC, de acordo com o qual, para efeitos de uma adequada determinação do lucro tributável de IRC, a contabilidade dos sujeitos passivos deste imposto deve reflectir todas as operações realizadas e estar organizada por forma a que os resultados das suas operações sujeitas a IRC possam claramente distinguir-se das restantes.

X) Deverá, pois, por não se aceitar que a ora RECORRENTE se encontra enquadrada no regime geral de tributação de IRC, - inviabilizando-se, assim, a aplicação do (então) artigo 47.°, n.º 5 do Código do IRC -, ser revogada a Sentença proferida e, consequentemente, ser anulados os actos de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.° do Código de Procedimento Administrativo).

Y) Conhecido o enquadramento normativo aplicável à actividade concessionada, de origem contratual, aplicável à ora RECORRENTE, importa aferir o que se deve entender por isenção parcial ou redução de IRC, designadamente, por forma a aferir a aplicabilidade do disposto no (então) artigo 47.° n.° 5 do Código do IRC (actual artigo 52.°), o qual refere que "No caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC, os prejuízos fiscais sofridos nas respectivas explorações ou actividades não podem ser deduzidos, em cada exercício, dos lucros tributáveis das restantes".

Z) Ora, desde logo, atentas as especificidades do regime fiscal aplicável à actividade dita concessionada levada a cabo pela ora RECORRENTE, o referido regime poderá ser considerado como um regime especial de tributação que consiste numa isenção parcial.

AA) Mas mais: o regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE afigura-se, primordialmente, atentas as suas características, e por determinar a redução do montante de imposto a pagar, como um regime de redução de IRC, ainda que condicional, na medida em que depende da concretização de certos investimentos em áreas específicas.

BB) Com efeito, o regime instituído tem, assumidamente, finalidades extrafiscais e não se baseia no princípio da capacidade contributiva, razão pela qual se distancia e distingue de qualquer dedução à colecta ou isenção prevista no regime geral de IRC.

CC) Por outro lado, decorre também da norma ora em apreço a necessidade de existência de duas actividades distintas e perfeitamente delimitáveis.

DD) Ora, no caso da ora RECORRENTE, a actividade sujeita à aplicação do regime especial integra um conjunto de actos e operações perfeitamente delimitável, sendo caracterizada como um regime de redução de IRC, conforme decorre do enquadramento normativo exposto anteriormente, razão pela qual deverá - contrariamente ao que resulta do teor da Sentença recorrida - verificar-se a incomunicabilidade dos prejuízos com referência aos exercícios nos quais a ora RECORRENTE exerceu actividades sujeitas a regimes fiscais distintos.

EE) De referir que, a propósito da análise da questão ora em apreço, atenta a complexidade e singularidade do regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE, foram solicitados diversos Pareceres a reputados Professores em Direito e fiscalistas, tendo o entendimento veiculado no âmbito desses Pareceres sido unânime.

FF) Neste âmbito, aquando da análise da questão pelo Professor José Luís Saldanha Sanches (cfr. Doc. 7 junto da petição inicial de impugnação), que se pronunciou sobre o âmbito do reporte de prejuízos em actividades sujeitas a regimes especiais de IRC, conclui o referido autor que, no caso da RECORRENTE, a exigência da dedução conjunta de prejuízos fiscais viola o (então) n.º 5 do artigo 47.° (actual artigo 52.°), no qual o legislador optou por utilizar a expressão redução de imposto em vez de redução de taxa de imposto.

GG) Mais menciona o indicado Parecer que, “Se o legislador se preocupou em levar até aos prejuízos o princípio da separação de contabilidades (parte tributada vs. parte isenta), foi porque considerou que só assim poderia controlar na totalidade as consequências possíveis da atribuição de um qualquer regime de benefício fiscal - e por isso restringiu de forma proporcional e constitucionalmente legítima o reporte de prejuízos.", acrescentando-se que, a empresa deve poder gerir a sua actividade beneficiada como instrumento de planeamento financeiro, podendo ver a actividade beneficiada e pensá-la num horizonte anual, o que seria inviabilizado se a ora RECORRENTE fosse obrigada a uma compensação cruzada de prejuízos com a actividade normalmente tributada.

HH) Idêntica conclusão foi conhecida no Parecer proferido pelo Professor José Casalta Nabais (cfr. Doc. 8 junto à petição inicial de impugnação Judicial), no qual se conclui que a regra da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais tanto exclui a dedução dos prejuízos verificados na actividade sujeita a um regime especial aos lucros obtidos na actividade sujeita ao regime normal do IRC, como a situação inversa.

II) Em idêntico sentido, refere-se no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira (cfr. cit. Doc. 1), que "(...) o regime fiscal aplicável à Brisa configura-se essencialmente, atentas as suas características, e por determinar a redução do montante de imposto a pagar, como um benefício fiscal que se consubstancia como um regime de redução condicional de IRC ou isenção parcial”.

JJ) Concluindo-se “(...) ser de aplicar, até 31 de Dezembro de 2007, o princípio da incomunicabilidade dos prejuízos, decorrente do artigo 47. , n.º 5, do Código do IRC, porquanto, atenta a sua configuração substantiva, e atentos os motivos que presidiram a sua consagração, o regime fiscal especial aplicável à actividade concessionada se consubstancia num regime de redução de IRC”.

KK) Tendo ficado demonstrado que a ora RECORRENTE beneficia de um regime de redução de IRC - do qual decorre a incomunicabilidade dos prejuízos fiscais entre a actividade concessionada e não concessionada, por força da aplicação do (então) n.° 5 do artigo 47.° (actual artigo 52.°) - importa densificar as razões pelas quais não aceita o entendimento do Tribunal a quo, de acordo com o qual a RECORRENTE não beneficia de regime fiscal especial em sede de IRC.

LL) Atente-se a este respeito, que o mencionado preceito legal refere-se a redução de IRC e não a redução da taxa de IRC, ao contrário do que sucedia ao abrigo de preceito legal equivalente no âmbito da vigência do Código da Contribuição Industrial (cfr. § 1.° do artigo 43.° do Código da Contribuição Industrial).

MM) Deste modo, uma eventual pretensão de restringir a aplicação do princípio da separação contabilística entre parte sujeita ao regime geral e parte sujeita a regime especial de redução de IRC, ao nível do reporte de prejuízos, carece actualmente de base legal.

NN) Com efeito, um regime de redução de IRC não corresponde, necessária e exclusivamente, a um regime de redução da sua taxa nominal, podendo resultar, igualmente, de quaisquer outros mecanismos técnicos que conduzam também a uma efectiva redução do imposto.

OO) Neste sentido, aquando da análise da questão pelo Professor Rogério Fernandes Ferreira (cfr. Doc. 6 junto da petição inicial de impugnação), conclui o referido Professor pela aplicabilidade, ao caso em apreço, do (então n.° 5 do artigo 47.° do Código do IRC, referindo o mencionado Parecer, quanto ao entendimento da Administração tributária - nos termos do qual, não obstante a ora RECORRENTE gozar de benefícios fiscais, não goza de isenção nem de redução de taxa de IRC, razão pela qual não pode aplicar-se o n.° 5 do artigo 47.° do Código do IRC - que tal entendimento só poderia estar correcto caso o mencionado artigo se referisse a "redução de taxa" e não a “redução de IRC".

PP) Efectivamente, conforme se postula no mencionado Parecer, um regime de redução do IRC é efectivamente um regime de redução do imposto, resulte essa redução de menos taxa aplicável ou de outros cômputos que conduzam igualmente a efectiva redução do imposto, tal como sucede no caso ora em apreço.

QQ) Já no Parecer subscrito pelo Professor Paulo de Pitta e Cunha, que presidiu à reforma fiscal de 1988 (cfr. Doc.3 junto às alegações de primeira instância), são detalhadas as principais diferenças entre o Código do IRC e o anterior Código da Contribuição Industrial, concluindo-se expressamente que “Em face do exposto, sendo evidente a intenção do legislador em alargar o âmbito de aplicação da disposição ora em apreço, parece-nos que, uma interpretação que reitere a inviabilização da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais, após a entrada em vigor do Código do IRC, retiraria qualquer efeito útil do alcance da alteração ora em apreço".

RR) Assim, ao concluir pela não aplicação do disposto no (então) artigo 47.° n.° 5 do Código do IRC (actual artigo 52.°), deverá a Sentença proferida ser revogada e, consequentemente, ser anulados os actos de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.° do Código de Procedimento Administrativo).

SS) No que respeita, em concreto, às regras de interpretação aplicáveis que melhor satisfazem o elemento teleológico da norma, designadamente, que seja compatível com as regras de hermenêutica aplicáveis, importa atender ao analisado no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira e pela Professora Clotilde Celorico Palma (cfr. cit Doc. 1)

TT) Com efeito, o n.° 1 do artigo 9.° do Código Civil é claro quando determina que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas sim reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (ratio legis), tendo em conta a unidade do sistema (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento teleológico) e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico).

UU) Ora, conforme sustentado no referido Parecer, mediante a interpretação restritiva, como a levada a cabo pelo Tribunal a quo, “limita-se o sentido da norma, não obstante a amplitude da sua expressão literal, sendo fulcral que haja fundamentação suficiente para tal, não se devendo nunca pôr em causa os direitos dos contribuintes e as suas legítimas expectativas pondo-se em risco a certeza e segurança jurídicas caracterizadoras de um Estado de Direito".

VV) Com efeito, quer o elemento literal ou gramatical, quer os elementos sistemático, teleológico e histórico militam no sentido da interpretação, de acordo com a qual o legislador se quis reportar a situações de “redução de IRC” (e não "redução de taxa de IRC”).

WW) Deverá, pois, por preconizar uma interpretação restritiva da expressão “redução de IRC", ser revogada a Sentença proferida e, consequentemente, ser anulados os actos de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.° do Código de Procedimento Administrativo).

XX) Conhecidas as circunstâncias que se devem verificar para que o princípio da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais se verifique nos termos do Código do IRC, importa aferir de que forma é que os sujeitos passivos e, em concreto, a ora RECORRENTE deve proceder ao reporte dos prejuízos fiscais.

YY) Na verdade, a singularidade do regime a que a ora RECORRENTE se encontrava sujeita, até 31 de Dezembro de 2007, suscitou diversas questões práticas, desde logo ao nível do preenchimento da respectiva declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, sendo certo que os prejuízos fiscais gerados pela actividade não concessionada da ora RECORRENTE, nos períodos anteriores, foram sendo evidenciados nos mapas anexos à Declaração Modelo 22 de IRC, nos quais foi detalhado o apuramento dos resultados fiscais de cada uma das mencionadas actividades.

ZZ) Assim, de acordo com o entendimento da RECORRENTE, o valor de IRC a recuperar deveria ascender a € 14.296.746,10, e não a € 20.403.214,48 ou € 16.102.924,85, conforme valores constantes dos actos de liquidação n.° 2007 2510038736 e n.° 2008 2510000972, respectivamente;

AAA) Deverá, pois, por corporizar a comunicabilidade de prejuízos entre a actividade concessionada e não concessionada, ser revogada a Sentença proferida e, consequentemente, ser anulados os actos de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.° do Código de Procedimento Administrativo).

BBB) Por fim, deverá também a Sentença proferida ser revogada na parte em que mantém na ordem jurídica os actos de liquidação de IRC impugnados, porque praticada com ofensa de normas constitucionais, designadamente do princípio constitucionalmente consagrado da tributação de acordo com o rendimento real e, bem assim, do princípio jurídico fundamental pacta sunt servanda, que encontra o seu fundamento último na própria ideia de Estado de Direito ou no princípio da segurança jurídica ou da protecção da confiança.

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da interposição do recurso e da admissão do recurso, não contra-alegou.

1.4. O Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo Tribunal emitiu parecer em que, num primeiro momento, promove a baixa dos autos à 1ª instância, num segundo momento, que seja reconhecida razão à Recorrente quanto ao mérito da sua pretensão.

A promoção de “revogação da sentença” e da consequente «baixa dos autos à 1ª instância com vista à ampliação da matéria de facto», surge suportada na «forma algo simplista como os factos foram fixados, assim como a indefinição da pretensão do sujeito passivo e a resposta dada pela AT nos dois procedimentos (reclamação graciosa e recurso hierárquico, onde não chegou a ser apreciada expressamente a questão analisada pelo tribunal)», conduzirem «à insuficiência da matéria de facto vertida na sentença recorrida em ordem à delimitação do objecto da lide que mereça tutela».

A procedência de mérito do recurso suporta-a nas seguintes razões que transcrevemos:

«beneficiando a Recorrente de uma dedução «…ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas, reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado» (Dec.-Lei nº 287/99, de 28/7²), a mesma configura uma redução de IRC na atividade concessionada e nessa medida subsumível na previsão do nº5 do atual artigo 52º do CIRC (anterior 47º).

Com efeito e sufragando-se o entendimento vertido nos pareceres juntos aos autos, cuja fundamentação nos dispensamos de repetir, os benefícios concedidos à Recorrente e previstos no Dec.-Lei nº 271/99, de 16 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL 287/99, configuram nitidamente uma “redução de IRC”, pelo que há lugar à aplicação do disposto no nº5 do atual artigo 52º do CIRC (anterior 47º).

Na verdade, a interpretação restritiva da ATA no sentido que na letra da lei cabem apenas as “reduções da taxa de IRC” não tem suporte bastante nem acolhimento numa adequada interpretação da lei³.

Afigura-se-nos, assim, que não há fundamento legal para que os prejuízos fiscais sofridos na atividade não concessionada sejam deduzidos à atividade concessionada, pois o resultado a que se chega no entendimento sufragado pela ATA frustraria os objetivos prosseguidos com a atribuição dos benefícios e que é o de encorajar os investimentos na atividade concessionada por parte da Recorrente.

Entendemos, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no nº 5 do artigo 52º do CIRC, motivo pelo qual se impõe a sua revogação, julgando-se procedente o recurso.

1.5. Cumpre decidir, o que ora se faz em Conferência.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a intervenção do Tribunal ad quem é especialmente delimitada pelo teor das conclusões que finalizam as alegações do recurso jurisdicional apresentado [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Resulta linearmente das conclusões apresentadas que é uma só a questão colocada no presente recurso, a qual se prende com a forma de cálculo do imposto sobre o rendimento da Recorrente no exercício de 2006 e com o modo como nesse apuramento hão-de ser contabilizados os benefícios fiscais que legalmente lhe foram atribuídos pelo regime jurídico do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho. Mais precisamente, o caso em litígio refere-se à conformidade legal do reporte de prejuízos apurados no ano de 2006, no âmbito dos lucros tributáveis do exercício de 2007.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:

1- Na declaração Modelo 22 do ano de 2006 foi declarado pelo impugnante uma matéria colectável de € 182.976.998,78, tendo apurado uma colecta de € 45.744.249,70 ao qual considerando os benefícios fiscais deduzidos à colecta resultou um direito ao reembolso de imposto no valor de € 14.296.746,10, tendo por base o total do resultado das operações sujeitas ao regime geral de IRC com os rendimentos devidamente discriminado das operações sujeitas ao regime instituído ao abrigo do Dec-Lei nº 271/99, ao qual foi aplicado a taxa normal de imposto e apurado a respectiva colecta, de que resultou a liquidação nº 2007 2510038736, de 11.07.07, efectuada pela Adm Fiscal, na qual considerou-se um valor de benefício fiscal a deduzir ao valor da colecta e até à sua concorrência, tendo apurado um valor de reembolso de imposto de € 20.403.214,48, a qual foi alterada pela liquidação nº 2008 2510000972, no qual foi incluída a derrama entendida como devida e objecto de correcção face ao declarado – cfr fls 44 e IRC Modelo 22, do exercício, de fls 60 a 66, dos autos e “Print Informático” de fls 76 e 77, do Proc. Recl. Graciosa apenso.

2- Em 10.01.2008, a impugnante apresentou uma reclamação graciosa da liquidação de imposto primitivamente efectuada, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, pretendendo que fosse considerado um montante de imposto a recuperar no montante de € 14.296.746,10, como consequência de um apuramento desagregado da actividade concessionada e da actividade sujeita ao regime geral do IRC, do qual resultaria a não comunicabilidade dos prejuízos apurados na actividade sujeita em relação à actividade concessionada, pelo que a dedução à colecta que beneficiaria apenas a actividade concessionada ascenderia ao montante de € 64.824.505,13. –cfr Proc. Recl. Graciosa apensa aos autos.

3- A reclamação graciosa referida supra mereceu decisão de indeferimento liminar em 15.10.2010, por se haver entendido existir erro na forma de procedimento utilizado e carecer de convolação para a forma adequada em razão da correcção à liquidação que considerou o valor da derrama devida pelo contribuinte . – cfr despacho aposto sobre Parecer e Informação dos Serviços, de fls. 81 e segs, do Proc. Recl. Graciosa apensa.

4- Da decisão de indeferimento referido supra, foi deduzido recurso hierárquico no qual pretende que se verifique pronuncia sobre a questão da separação de colectas entre as actividades concessionadas e não concessionadas e consequente insusceptibilidade de comunicabilidade dos prejuízos fiscais apurados nas diferentes actividades, assim como da aplicação do benefício fiscal na actividade concessionada, a qual mereceu despacho de indeferimento de 27.04.2012, da Subdirectora Geral da A.T., no sentido de manter o entendimento vertido no procedimento gracioso antecedente. –cfr autos de Rec. Hierárquico e despacho aposto sobre Parecer e Informação dos Serviços, de fls 61 e segs do Proc Rec. Hier. apenso aos autos.

Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Na sentença recorrida, após ter sido feito um breve resumo da pretensão das partes, saneado o processo, fixada a matéria de facto julgada provada e pertinente para a decisão da questão colocada em juízo, ficou decidida a improcedência do pedido de anulação do acto de liquidação impugnado.

Para assim decidir, o Meritíssimo Juiz, que previamente tinha identificado como questão a decidir “as questões que importa solucionar prendem-se com a análise da legalidade do acto de liquidação do imposto efectuada pela ATA, com fundamento no erróneo apuramento da matéria colectável das actividades concessionadas e das não concessionadas do exercício de 2006 e da correspondente aplicação do benefício fiscal indistintamente ao conjunto do lucro tributável e de prejuízos fiscais apurados», sustentou o seu julgamento de direito nos seguintes termos:

«Quanto à questão de fundo, importa em 1° lugar verificar dos motivos invocados pela F. P. na sua contestação no sentido da improcedência da pretensão. Sustenta-se a mesma fundamentalmente em dois motivos, a saber, por um lado por entender que os benefícios fiscais que lhe foram reconhecidos não se traduzem em qualquer regime distinto de tributação que se inclua na regra de incomunicabilidade vertida no n° 5, do art° 46° do CIRC, por outro, entende que a impugnante se encontra sujeita ao regime geral de IRC relativamente ao conjunto das suas actividades tributáveis. O que dizer desta posição da Adm. Fiscal? Desde logo que, conforme também entendeu a Adm. Fiscal (cfr Informação de fls 169 e segs, do P.A apenso), os benefícios fiscais em causa, os quais resultam do disposto no Dec-Lei n° 271/99, de 16.07 alterado pelo Dec-Lei n° 287/99, de 28.07, dizem apenas respeito às actividades da concessionária no âmbito estrito da concessão; por outro, traduzindo-se os mesmos no mecanismo de crédito de imposto, entendem que aqueles benefícios não se traduzem na inclusão num regime especial de IRC. Sendo tais observações, ponto assente e indiscutível, já que aquele beneficio actuando apenas sobre a colecta apurada, a qual é determinada de acordo com o regime geral de tributação e não de acordo com qualquer regime especial de IRC, conforme resulta patente das declarações periódicas apresentadas e das correspondentes liquidações de imposto, não afastando essa conclusão a circunstância de para efeitos do benefício se haver que determinar previamente qual a percentagem do rendimento a que se aplica aquela dedução da colecta, porquanto essa limitação resulta do seu próprio conteúdo (vd nesse sentido interpretativo o último parágrafo do preâmbulo daquele Dec-Lei n° 271/99, o qual explicita que aquele beneficio se restringe à actividade no âmbito da concessão e que se refere a rendimentos próprios dessa actividade), e não contende com aquele apuramento da colecta nos termos daquele regime geral de IRC. Sendo assim importa ainda analisar se para efeitos da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais a que se refere o n° 5, do art° 46°, do CIRC, tal destrinça ainda se mantém válida atento a referência que a norma faz das situações em que o contribuinte beneficia de "redução de IRC", sem mencionar expressamente se o mesmo resulta de um qualquer regime especial de tributação. Ora,

Na medida em que tal impedimento à dedutibilidade dos prejuízos fiscais pressupõe um apuramento de IRC ao abrigo de um regime de redução de tributação, é evidente que a simples dedução à colecta do benefício fiscal concedido, ainda que nos termos específicos relativos à actividade concessionada, não pode determinar qualquer efeito quanto à dedução dos prejuízos fiscais apurados numa das actividades aí discriminadas, por neste caso não relevar qualquer apuramento parcial do resultado do exercício em função dos diferentes regimes de tributação, por não se observar tal diversidade».

3.2.2. Para o Exmo. Magistrado do Ministério Público devia ordenar-se a baixa dos autos por os factos apurados, em seu entender, terem sido fixados de forma simplista, resultando indefinida a pretensão do sujeito passivo e a resposta da Administração Fiscal nos dois procedimentos, o que devia conduzir a que este Supremo Tribunal ordenasse a ampliação da matéria de facto.

Salvo o devido respeito, discordamos, razão pela qual não se acolherá a douta promoção.

Na verdade, resulta claramente do que deixámos no ponto antecedente deste acórdão, que na sentença ficou devidamente evidenciada a pretensão da Impugnante, que foi correcta e claramente identificada a questão de mérito a apreciar e que a resposta dada pelo Tribunal se socorreu apenas dos factos dados como provados nessa instância e que ambas as partes não impugnaram, e bem compreenderam.

A anulação oficiosa da sentença e a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto por este Supremo Tribunal Administrativo, que apenas conhece de erros de julgamento de direito, apenas se colocaria se não existissem factos ou os factos apurados se mostrassem insuficientes para apreciar a questão de direito colocada pela Recorrente.

Ora, sem prejuízo de se reconhecer que a forma como os factos apurados se encontram recortados não seja primorosa do ponto de vista da técnica jurídica, nas palavras do Exmo. Magistrado do Ministério Público, são “confusas” e há um “excesso de síntese na sua fixação”, o certo é que nem a Recorrente nem este Supremo Tribunal vislumbram essa insuficiência factual para apreciação do mérito da questão jurídica que nos ocupa.

Quanto à indefinição da pretensão, resulta clara, para além do relatório da sentença recorrida e de documentos para onde somos remetidos na factualidade apurada (integrados nas Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico), bem como da própria leitura da petição inicial.

Por outro lado, é evidente da tese recorrida que no Tribunal a quo não foi acolhida a tese (e argumento jurídico fulcral) da existência de dois regimes (especial e geral) aplicáveis autonomamente a cada uma das actividades por si desenvolvidas, o que significa que, face à decisão, não havia que conhecer de eventuais vantagens ou não, presentes ou futuras, da aplicação dos invocados regimes distintos.

Questão diferente é a de saber se ao assim decidir o tribunal a quo julgou bem ou errou de direito, o que constitui o mérito da questão colocada em juízo, incluindo neste recurso jurisdicional, que, sem mais considerações, se afirma que se apreciará de imediato.

3.3. É patente que o inconformismo da Recorrente com as sucessivas decisões de indeferimento das suas reclamações graciosas, recursos hierárquicos e com os julgados em 1ª instância radica no facto de não aceitar que não lhe seja reconhecido que até 2007 beneficiou de um regime especial em sede de tributação de IRC no que respeita à actividade concessionada, que a aplicação desse regime pressupunha uma contabilidade separada para as duas áreas de actividade (concessionada e não concessionada) e que, por força do regime estabelecido num conjunto de normativos legais, que invoca, a liquidação impugnada, que não respeita essa “segregação” ou, em bom rigor, que não acolhe e aplica, relativamente a cada uma das áreas o regime especial em sede de IRC (actividade concessionada) e o regime geral (actividade não concessionada) é ilegal.

3.4. Uma vez que a concreta questão jurídica destes autos foi, muito recentemente, julgada em outros dois processos que opõe as mesmas partes neste Supremo Tribunal Administrativo (distinguindo-se apenas pelo ano a que se reporta a liquidação impugnada já que a legislação aplicável é exactamente a mesma – Acórdãos de 22-1-2020 e de 12-2-2020, respectivamente processos n.º 20/07.4BESNT e 520/11.1BESNT), e não existe qualquer particularidade nos fundamentos do recurso que deva ser digna de consideração acrescida na fundamentação, será por exclusiva transcrição do acórdão proferido no processo n.º 20/07, de 22-1-2020, que acolhemos integralmente, que julgaremos a questão suscitada neste recurso.

3.5. Posto isto:

«Por estar em causa o apuramento do IRC respeitante ao exercício de 2003, importa começar por identificar os enunciados das normas legais que disciplinavam a questão e relativamente aos quais surgiu a divergência interpretativa entre a AT e a Recorrente. São eles os seguintes (de ora em diante todas referências legais se reportam à redacção das normas em vigor durante o ano fiscal de 2003 e aqui transcritas para melhor compreensão da questão):

a) Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, onde se estipula o seguinte:

Artigo 1.º

1 — São concedidos à BRISA — Auto-Estradas de Portugal, S.A., no âmbito do contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas outorgada a esta entidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 49 319, de 25 de Outubro de 1969, do Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro, e dos Decretos-Leis n.ºs 458/85, de 30 de Outubro, 315/91, de 20 Agosto, 330-A/95, de 16 de Dezembro, 81/96, de 21 de Junho, e 294/97, de 24 de Outubro, os seguintes benefícios fiscais:

a) Isenção do imposto do selo e de derramas;

b) Possibilidade de dedução ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC e até à sua concorrência, a efectuar, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2005, de uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado, realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2000, inclusive;

c) Consideração integral dos acréscimos das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo efectuado pela concessionária em 1989 como custos para efeitos do IRC;

d) Consideração das seguintes amortizações como custos para efeitos do IRC: amortizações, que poderão ser por um período mínimo de oito anos, dos investimentos na camada de desgaste dos pavimentos betuminosos e amortização dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de Dezembro de 1995 relativos a «Diferenciais de receitas garantidas» e a «Encargos com empréstimos da cláusula do acordo de equilíbrio financeiro», no valor total de 20 399 041 000$, e que são efectuadas a taxas constantes em função do número de anos da concessão.

2 — Os benefícios fiscais concedidos no n.º 1 do presente artigo vigorarão até 31 de Dezembro de 2005.

Ainda sobre este benefício fiscal importa atentar na seguinte passagem do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 271/99:

“É evidente que os benefícios fiscais de que aqui se trata se restringem ao domínio da actividade da empresa no âmbito da concessão que se lhe encontra atribuída e que se referem apenas a investimentos, custos e rendimentos próprios desse âmbito”.

b) Artigos 17.º, 47.º e 71.º do CIRC (na redacção em vigor em 2003)

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

1 - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

(…)

3 - De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

Artigo 47.º

Dedução de prejuízos fiscais

(…)

5 - No caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC, os prejuízos fiscais sofridos nas respectivas explorações ou actividades não podem ser deduzidos, em cada exercício, dos lucros tributáveis das restantes.

Artigo 71.º

Procedimento e forma de liquidação

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

(…)

d) A relativa a benefícios fiscais;

(…).

Argumenta a Recorrente, em síntese, que os benefícios fiscais consagrados no Decreto-Lei n.º 271/99 correspondiam a um “regime especial de tributação” aplicável à actividade que a mesma explorava em regime de concessão de serviço público, o qual devia qualificar-se como “um regime de redução do IRC” para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC e, como tal, o apuramento do imposto respeitante à actividade concessionada e o do imposto respeitante às outras actividades da empresa teria de efectuar-se de forma separada, sendo inadmissível a comunicação de prejuízos entre estas actividades e admitindo-se apenas o reporte de prejuízos dentro de cada uma delas (de forma estanque) nos termos legalmente estipulados no n.º 5 do artigo 47.º. Mais concretamente, a Recorrente desenvolvia, para além da actividade concessionada, que gerava lucro tributável, também outras actividades, não abrangidas pelos benefícios fiscais instituídos no mencionado Decreto-Lei n.º 271/99, que eram geradoras de prejuízos, e a sua pretensão, ao abrigo da interpretação normativa que sufraga no presente Recurso, era não deduzir esses prejuízos fiscais ao resultado positivo da actividade concessionária.

Já a AT argumenta que dos enunciados legais antes mencionados não resulta que a Recorrente beneficiasse de qualquer “regime especial de tributação em IRC”. Pelo contrário, todas actividades exercidas pela Recorrente seriam tributadas pelo regime geral do IRC, decorrendo apenas do Decreto-Lei n.º 271/99 uma obrigação de limitar as deduções à colecta aí previstas (os benefícios fiscais que haviam sido instituídos, de forma temporária, findo o período de isenção fiscal) ao correspectivo “rendimento da concessão”, o que se faria através da determinação da “percentagem” do rendimento global imputável à actividade de concessão (aplicando uma espécie de método de pro rata), a partir do qual se calcularia depois a percentagem da colecta que poderia beneficiar da dedução.

Enunciada a questão, vejamos, então, como se hão-de de interpretar e aplicar in casu os enunciados legais antes mencionados.

(…)

3.1. Os antecedentes do litígio

O litígio surge – como se entende pelo parecer dos Senhores Professores Saldanha Sanches e João Taborda da Gama junto aos autos pela Recorrente (fls. 112) – na sequência de um pedido de informação vinculativa formulado pela Recorrente à AT, em Agosto de 2004, para esclarecer três questões: i) saber se o regime resultante do referido Decreto-Lei n.º 271/99 se podia qualificar como um “regime especial de redução do imposto”; ii) saber como deveria proceder quando se apurasse um prejuízo fiscal numa das actividades desenvolvidas (fosse na parte da actividade concessionada, fosse naquela não abrangida pelos benefícios fiscais do já mencionado Decreto-Lei n.º 271/99); iii) saber se, caso a AT entendesse que os rendimentos da actividade concessionada se deveriam igualmente reconduzir ao regime geral do IRC, se poderia optar, na qualidade de sociedade dominante de um grupo societário, pela sujeição ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsos nos artigos 63.º e seguintes do CIRC.

E as dúvidas que a Recorrente então expressou junto da AT, tendo em vista a sua reorganização contabilística e empresarial para optimizar a sua situação tributária, decorriam da modificação do regime fiscal da actividade concessionada na fase pós-privatização e do ofício que, nessa sequência, a AT enviara à Recorrente em 2000, onde se afirmava o seguinte: “deverá, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, organizar a sua contabilidade por forma a que os resultados das operações e das variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes”. Desse mesmo ofício resultava ainda expresso que a Recorrente «deveria “apurar uma única colecta de IRC”, tendo a dedução por investimento ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, “como limite máximo a parte da colecta que, proporcionalmente corresponder à actividade concessionada” (informações constantes do parecer dos Senhores Professores Saldanha Sanches e João Taborda da Gama junto aos autos pela Recorrente a fls. 112 e 113).

Lembramos que a Recorrente, que é hoje uma empresa privada integrada num grupo económico privado, foi constituída em 1972, como sociedade anónima de responsabilidade limitada (tendo-lhe sido outorgada, por acto legislativo, a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas – prevista no Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969 – nos termos das bases anexas ao Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro), tendo depois o Estado adquirido uma posição maioritária no respectivo capital social. Com efeito, pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 253/97, de 26 de Setembro, que esta posição accionista do “Estado faz-se por meio do comércio jurídico privado, através da subscrição de acções em sucessivos aumentos de capital, desde 1976. No presente [1997], a participação detida pelo Estado corresponde a cerca de 89,7% do capital da sociedade, a que acresce uma participação de 5% detida pelo IPE - Investimentos e Participações Empresariais, S. A., e outra de 5% pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., ambas adquiridas por compra”. É então que se inicia um processo de privatização da empresa – sendo esta uma verdadeira operação de privatização e não uma reprivatização – que apesar disso, seguiu também os termos do regime jurídico da alienação das participações do sector público, estipulado na Lei n.º 71/88, de 24 de Maio. A privatização da Brisa teve lugar em três fases, reguladas pelos seguintes diplomas legais: i) 1.ª fase pelo Decreto-Lei n.º 253/97; ii) 2.ª fase pelo Decreto-Lei 299-A/98, de 29 de Setembro; e iii) 3.ª fase pelo Decreto-Lei 138-A/99, de 23 de Abril.

Ora, a modificação da estrutura accionista da empresa (a sua privatização) implicava, necessariamente, alterações ao conteúdo da concessão e ao regime fiscal da actividade – ambas aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro.

Assim, e no que tange às alterações do regime fiscal da actividade da concessão, ao regime de isenção de imposto, contribuições e outros encargos fiscais – previsto no artigo 5.º, n.º 1 al. b do Decreto n.º 49319 e na Base XI, n.º 1, al. b, anexa ao Decreto n.º 467/92, que se havia mantido na reformulação das bases da concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro, aquando do alargamento da concessão a outros troços, v. Base XXIII, n.º 1, al. b e cuja vigência no âmbito da reforma fiscal da tributação do rendimento havia sido ressalvada pelo artigo 2.º, n.º 1 al. b do Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais – sucedeu, em 1997 (embora só tenha sido efectivamente implementado por via legal em 1999), com a aprovação do Decreto-Lei n.º 294/97 e das novas bases da concessão, um regime temporário de benefícios fiscais, complementar das regras gerais de tributação do rendimento:

Base XIII

Benefícios fiscais da concessionária

A concessionária aceita a modificação dos benefícios fiscais a que alude a base XXIII constante do anexo I ao Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro, no sentido seguinte:

a) A concessionária mantém a isenção do imposto do selo;

b) Poderá ser deduzida, ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado nos termos do presente contrato, realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2000 inclusive;

c) A dedução a que se refere a alínea anterior é feita, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2005;

d) Os acréscimos das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo efectuada pela concessionária em 1989 são considerados integralmente como custos para efeitos do IRC;

e) São ainda consideradas como custos para efeitos do IRC as seguintes amortizações:

1) Amortizações, que poderão ser por um período mínimo de oito anos, dos investimentos na camada de desgaste dos pavimentos betuminosos;

2) Amortizações dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de Dezembro de 1996, relativos a «Diferenciais de receitas garantidas» e a «Encargos com empréstimos da cláusula do Acordo de Equilíbrio Financeiro», no valor total de 19 719 073 contos, e que são efectuadas a taxas constantes em função do número de anos de concessão;

f) A concessionária é isenta de derrama;

g) Os benefícios fiscais previstos na presente base são concedidos até 31 de Dezembro de 2005.

Na verdade, como se sublinha no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, estes regimes fiscais mais favoráveis – primeiro a isenção e posteriormente os benefícios fiscais em matéria de tributação do rendimento – “reconhecidos” ou “atribuídos” por contrato, mesmo que as respectivas bases fossem aprovadas por instrumento legislativo do Governo, deixariam de ser conformes com a Constituição de 1976, que incluiu no âmbito da competência legislativa parlamentar a disciplina da incidência dos impostos e dos benefícios fiscais (artigo 106.º, n.º 2 e 167.º, al. o e 168.º da CRP, na sua redacção original, posteriormente alterados e renumerados, mas sem que tivesse sido modificado o conteúdo no sentido que aqui interessa), se não fossem autorizados pelo Parlamento. É nesse contexto que se compreende a aprovação do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 18/99, de 25 de Março, cujo artigo 1.º (já antes transcrito), sob a forma constitucionalmente exigida, veio instituir o regime fiscal já antes consagrado na mencionada Base III do contrato de concessão anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97.

3.2. O regime fiscal da actividade concessionada

3.2.1. Dos antecedentes do litígio depreende-se que a questão suscitada pela alteração contratual de 1997 – que tomaria forma legislativa em 1999, e que afectaria, essencialmente, os exercícios fiscais seguintes (incluindo o de 2003, a que respeita o presente recurso) até 2005, data em que cessariam estes benefícios fiscais temporários – contende com a qualificação da tributação dos rendimentos da actividade da concessão.

No fundo, trata-se de apurar se o regime fiscal da actividade da concessão se deve interpretar como um regime fiscal separado e incomunicável com o regime fiscal aplicável às restantes actividades da empresa ¯ ou mesmo, como chega a sustentar a Recorrente, de um “regime fiscal especial de tributação do rendimento”, i. e., “um regime fiscal substitutivo do regime geral da tributação dos rendimentos” ¯ ou se, como afirma a AT, a partir de 2000 os rendimentos da actividade da concessão passam a ficar sujeitos à tributação geral em regime de IRC, cabendo apenas à Recorrente a obrigação de, no apuramento da matéria colectável anual, autonomizar a parte respeitante à concessão para, querendo, deduzir, até esse valor, a importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado (al. b do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99), bem como a consideração como custos para efeitos de IRC dos valores das amortizações referidas nas als. c e d do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99.

3.2.2. Ora, das normas em presença resulta claro que com a aprovação do referido Decreto-Lei n.º 271/99 cessou o benefício de isenção fiscal de que a empresa beneficiava na parte respeitante à actividade concessionada, passando aquela actividade a ficar subordinada às regras gerais em matéria de tributação do rendimento, ou seja, aplicando-se o regime geral do IRC, quer quanto à determinação da matéria colectável, quer quanto à taxa aplicável.

3.2.3. Com efeito, o primeiro argumento que cumpre rejeitar é o de que o Decreto-Lei n.º 271/99 consagre um regime especial de tributação do rendimento substitutivo do regime geral de tributação em IRC. Tal não resulta nem da letra, nem do conteúdo, nem da teleologia do articulado do Decreto-Lei n.º 271/99. Estamos apenas ante um regime de benefícios fiscais que complementa, em sentido favorável ao contribuinte, as regras gerais em matéria de tributação do rendimento e que visa, neste caso, pela sua natureza temporária, amenizar os efeitos daquela tributação para os interesses económicos da empresa (dos accionistas), aproveitando para incidir sobre os investimentos nos activos afectos à concessão que, por efeito da cessação da mesma no fim do respectivo prazo, reverterão para o Estado concedente, livres de ónus e encargos (cf. Base XLI do contrato de concessão anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97). Esta é também uma técnica regulatória para neutralizar os efeitos negativos para o interesse público que em regra decorrem das concessões de actividades de interesse público por desinvestimento intencional por parte dos accionistas, quando aquelas concessões começam a aproximar-se do fim do prazo e os investidores, confrontados com a eminência do fim do contrato e, em muitos casos, o efeito da reversão dos bens para o Estado, optam por não realizar despesa de investimento, mesmo que necessária, por temerem já não conseguir promover a respectiva amortização.

Neste caso, o próprio carácter temporário dos benefícios fiscais consubstancia um elemento interpretativo do enquadramento jurídico-normativo daqueles benefícios fiscais como disposições complementares do regime geral de tributação dos rendimentos (IRC) ao qual os rendimentos daquela actividade, até aí isenta, passaram, entretanto, a estar sujeitos. Trata-se de um desagravamento temporário dos efeitos daquela tributação, que afasta um eventual carácter abrupto da mudança, assim como um efeito imediato das consequências financeiras desvantajosas, de modo a afastar uma violação do princípio da protecção da confiança legítima. Princípio que aqui poderia eventualmente ser mobilizado pelo concessionário (o que não é a regra em caso de alterações nos regimes de tributação da actividade), atenta a circunstância, excepcional, de o regime fiscal da actividade ter vindo a integrar as regras do contrato de concessão.

3.2.4. O que se discute in casu relativamente à legalidade do acto de autoliquidação (o qual vem impugnado nos autos enquanto objecto mediato da impugnação do indeferimento tácito da reclamação graciosa) é tão-só a possibilidade de efectuar ou não deduções à colecta nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC.

Os efeitos da aplicação ou não daquela norma à concreta liquidação do exercício de 2003 resultam evidentes da contestação apresentada pela AT na acção impugnatória em que foi proferida a sentença aqui recorrida. Senão vejamos.

Na segunda declaração de substituição respeitante aos rendimentos do ano de 2003, apresentada pela Recorrente, em que esta aplica o disposto no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC, percebe-se que a “limitação” da dedução do valor dos prejuízos da actividade não concessionada (€ 19.393.172) apenas às receitas obtidas na actividade não concessionada, não altera o valor final do lucro tributável (€222.234.531, 34), mas altera o cômputo final do imposto, na medida em que lhe permite “expandir” o efeito do benefício fiscal consagrado no Decreto-Lei n.º 294/97, que, por força da limitação imposta no respectivo regime legal, não poderia abranger a totalidade da colecta, tendo de limitar-se à parte correspondente à colecta da actividade concessionada.

Assim, enquanto na primeira hipótese, uma vez apurada a matéria colectável dos rendimentos obtidos na actividade concessionada e na outra actividade, se opera um reporte global de prejuízos fiscais e se apura depois a percentagem da matéria colectável que corresponde à actividade concessionada, para, uma vez apurada a colecta, se poder deduzir a esta a percentagem correspondente do montante dos benefícios fiscais respeitantes à colecta da actividade concessionada, resultando, a final, sempre um saldo positivo (da percentagem da colecta que não é contabilizada para a dedução dos benefícios fiscais) que será objecto de tributação.

Na segunda hipótese, aquela que é advogada pela Recorrente no âmbito do presente recurso, o reporte de prejuízos provenientes da actividade não concessionada tem de limitar-se a esta parte da matéria colectável (em consequência do disposto no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC), o que significa, como resulta do quadro antes transcrito, que a matéria colectável da actividade não concessionada é “anulada” pelo reporte parcial dos prejuízos, não produzindo, por isso, qualquer colecta, enquanto a matéria colectável na parte respeitante à actividade concessionada acresce (por não ser abrangida pelo reporte de prejuízos), mas a sua colecta é depois totalmente absorvida pela dedução do benefício fiscal.

3.2.4.1. Ora, não obstante a aparente razoabilidade da argumentação expendida pela Recorrente, a verdade é que a mesma não pode colher pelas razões que passamos a expor:

3.2.4.1.1. Em primeiro lugar, porque o Decreto-Lei n.º 294/97 não só não consubstancia (como já dissemos antes) um regime fiscal substitutivo do IRC (não existe qualquer semelhança entre a aplicação das regras do Decreto-Lei n.º 294/97 à tributação da actividade concessionada explorada pela Recorrente e a tributação do jogo no âmbito da actividade desenvolvida pelas empresas que exploram os casinos), como também as suas regras sobre a tributação dos rendimentos da concessão não se podem qualificar como um regime especial de redução de IRC.

Trata-se, tão-só, de um benefício fiscal que, para o aqui respeita, se traduz numa dedução à colecta. E os benefícios fiscais deste tipo (deduções à colecta) consubstanciam despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas (no caso o já mencionado contributo para a redução do impacto financeiro para a empresa da passagem de um regime de isenção fiscal para um regime de tributação geral dos rendimentos, consistindo esse contributo na dedução de despesa efectivamente realizada pela empresa com os activos que ingressarão na esfera jurídica do Estado no fim da concessão) que operam após o apuramento da colecta, como um momento complementar da liquidação, e não, como sucede com as reduções de IRC em sentido técnico (aquelas a que se reporta o n.º 5 do artigo 47.º do CIRC), como se de alterações estruturais do imposto se tratasse.

As alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objecto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência (ex. consagração de delimitações negativas de incidência, como sucede com a isenção do mínimo de existência), seja na taxa (ex. taxas reduzidas), seja também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos.

No caso em apreço não existe uma redução de IRC, apenas uma dedução à colecta do IRC decorrente do benefício fiscal, que, é óbvio, se traduzirá, no final, no pagamento de um valor mais reduzido do imposto, mas não é a esse tipo de consequências, de natureza empírica, que se refere o n.º 5 do artigo 47.º do CIRC quando se refere a “redução de IRC”. As incomunicabilidades de prejuízos reguladas naquele artigo (sobre a qualificação do artigo como acolhendo um regime de incomunicabilidades v. acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Janeiro de 2005, proc. 01214/04) dizem respeito a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa actividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos. Nem uma nem outra hipótese se verificam neste caso.

3.2.4.1.2. Em segundo lugar, tem razão a AT quando, na informação que envia à Recorrente, lhe adverte que para poder usufruir do benefício fiscal tem de contabilizar separadamente o lucro tributável das duas actividades, pois só assim será possível limitar o efeito do benefício fiscal de dedução à colecta – como impõe o Decreto-Lei n.º 294/97 – aos rendimentos da actividade concessionada. E atendendo a que a taxa do imposto é única (e, por isso, a mesma), o recurso ao cálculo a partir da percentagem do lucro tributável afigura-se estar em sintonia com o princípio da praticabilidade, sendo esta a única forma de garantir a legalidade no cálculo e na aplicação do benefício fiscal. De resto, se tivesse sido intenção do legislador consagrar neste caso um regime especial de incomunicabilidade de prejuízos poderia tê-lo feito no Decreto-Lei n.º 294/97, o que não sucedeu.

3.2.4.1.3. Por último, sublinhe-se que também não se afigura existir, in casu, qualquer ilegalidade abstracta decorrente da violação de regras ou princípios constitucionais pela interpretação normativa que é aplicada ao caso.

Com efeito, a alegada violação do princípio da protecção da confiança legítima é afastada, desde logo, pela circunstância de as consequências práticas decorrentes da aplicação deste regime jurídico poderem ser evitadas pela Recorrente, bastando, para o efeito, que tivesse procedido à separação jurídica da actividade empresarial diversa da concessão, caso em que o reporte de prejuízos desta actividade ficaria, então, estritamente, circunscrito aos respectivos rendimentos. O facto de não ter optado por essa solução e insistir, após a informação disponibilizada pela AT (também não existiu, neste caso, qualquer surpresa relativamente ao conteúdo do acto impugnado), na solução que aqui propugna, que pode ter como intuito uma solução de alavancagem financeira de uma actividade que de momento não é lucrativa (mas que a Recorrente, como refere nas suas alegações, espera que o venha a ser num futuro breve v. fls) a partir de uma optimização do benefício fiscal do Decreto-Lei n.º 294/97, coloca-a, não só, mas também, fora dos pressupostos de aplicação daquele princípio fundamental.

De igual modo, não se vislumbra qualquer violação do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que este se tem de aferir a partir da tributação do rendimento pessoal, ou seja, da tributação da globalidade do rendimento da empresa, e não a partir de cada tipo de rendimento que integra o rendimento empresarial, quando, como é o caso aqui, o legislador não estipula regimes especiais de tributação, nem sequer incomunicabilidades entre tipos de rendimentos.

Por último, também não se compreende de que forma poderiam ser beliscados, quer o princípio da igualdade na contribuição perante os encargos públicos, quer o direito de propriedade da Recorrente quando, os únicos efeitos que estão aqui em causa são os decorrentes da aplicação das normas tributárias do regime geral da tributação sobre o rendimento das pessoas colectivas, a que acresce, complementarmente, um benefício fiscal de dedução à colecta relativamente a uma parte daqueles rendimentos».

Em suma, tal como no acórdão acolhido, também nesse julgamento se concluiu que:

- após a cessação do regime de isenção fiscal da tributação dos rendimentos da concessão, a actividade desenvolvida pela Recorrente no âmbito da concessão ficou subordinada ao regime geral de tributação dos rendimentos das pessoas colectivas, beneficiando, temporariamente, do benefício fiscal instituído pelo Decreto-Lei n.º 294/97;

- o Decreto-Lei n.º 294/97 não consubstancia um regime fiscal substitutivo do IRC e também não se pode qualificar como um regime especial de redução de IRC em sentido técnico, para efeitos do n.º 5 do artigo 47.º do CIRC. Trata-se, tão-somente, de um benefício fiscal que opera através de numa dedução à colecta, ou seja, de uma despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas que opera após o apuramento da colecta, como um momento complementar da liquidação;

- as alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objecto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência (ex. consagração de delimitações negativas de incidência, como sucede com a isenção do mínimo de existência), seja na taxa (ex. taxas reduzidas), seja também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos;

- as incomunicabilidades de prejuízos reguladas no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC dizem respeito a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa actividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos, o que não acontece no Decreto-Lei n.º 294/97.

4. Decisão

Termos em que, acordam os Juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 18 de Novembro de 2020 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.