Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01100/11
Data do Acordão:03/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
FIXAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL
COEFICIENTE DE LOCALIZAÇÃO
AVALIAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
ACTO NORMATIVO
ACTO REGULAMENTAR
Sumário:I - No acto de avaliação para fixação do valor patrimonial tributário de prédio urbano não há qualquer hipótese de escolha ou de eleição subjectiva do zonamento e do coeficiente de localização a aplicar pelos peritos avaliadores, já que esses elementos resultam da aplicação do CIMI e das Portarias do Ministro das Finanças que aprovaram o zonamento e os coeficientes de localização propostos pela CNAPU, constituindo estas Portarias actos ministeriais de natureza regulamentar que os avaliadores são obrigados a aplicar.
II - A fundamentação do acto de avaliação que a lei exige no artigo 77.º da LGT reporta-se à explicitação dos critérios e factores adoptados pelos próprios peritos avaliadores e às operações de apuramento do valor patrimonial tributário que levam a cabo, e nunca à explicitação das razões que terão conduzido à emissão de um regulamento ministerial com um determinado conteúdo.
III - Deve considera-se suficientemente fundamentado o acto tributário de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização dos prédios avaliados, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
IV - Localizando-se o vício de falta de fundamentação que a impugnante invoca na Portaria aplicada, há que recordar que os actos normativos não têm de facultar aos cidadãos os elementos necessários à percepção da motivação que determinou o conteúdo concreto da norma, nem proporcionar-lhes a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade emissora, bastando-lhe a explicitação expressa da lei que visa regulamentar ou da lei que defina a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art.º 112.º, n.º 7, da CRP), por forma a que os interessados possam controlar a conformação regulamentar com a lei habilitante.
V - Os actos regulamentares, praticados no exercício da actividade administrativa genericamente regulada pelos artigos 114.º a 119.º do CPA, e, no caso concreto, em execução do dever imposto à Administração pelo n.º 1 do artigo 13.º do Dec.Lei n.º 287/2003, de 12.11, e dos nºs 1 e 3 do artigo 62.º do CIMI, não estão, pois, sujeitos ao dever de fundamentação nos termos definidos pelo artigo 77.º da LGT e pelo artigo 124.º do CPA, não lhes sendo igualmente aplicável o mecanismo previsto no artigo 37°. do CPPT de passagem de certidão donde constem esses fundamentos, sem prejuízo do direito de os interessados acederem aos documentos administrativos preparatórios que suportam o acto regulamentar, mais concretamente, do direito de acesso ao teor das propostas formuladas pela CNAPU que foram objecto de aprovação por acto ministerial, em conformidade com a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, que regula o Acesso aos Documentos Administrativos.
VI - Contendo a Portaria o acto de aprovação do zonamento e dos coeficientes de localização aplicáveis, mostra-se cumprida a exigência legal de que as propostas da CNAPU sejam aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças. E tendo a Portaria sido publicada no Diário da República, mostra-se observado o princípio da publicidade dos actos regulamentares do Governo constante do artigo 119.º da Constituição da República Portuguesa. O que não impede a própria Portaria de estabelecer que os dados e valores que brotam desse acto de aprovação sejam publicitados em local distinto onde possam ser livremente consultados, garantido, assim, o seu conhecimento aos interessados e ao público em geral.
Nº Convencional:JSTA00067463
Nº do Documento:SA22012030701100
Data de Entrada:12/02/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IMI
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 C
CPPTRIB99 ART125 N1 ART37
CIMI03 ART42 ART62 N1 N3
LGT98 ART77 ART84 N3
CPA91 ART124 ART114 ART119
CONST78 ART268 N3 ART204 ART112 N7
CPTA02 ART72 ART76
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART13 N1
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG689-690
FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO 1989 VIII PAG36
ESTEVES DE OLIVEIRA DIREITO ADMINISTRATIVO LIÇÕES 1979 PAG144
REBELO DE SOUSA E OUTRO DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL 2ED VIII PAG248 PAG251
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A……, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que a sociedade A......, S.A., com os demais sinais dos autos, deduziu contra o acto fixação do valor patrimonial tributário, obtido em procedimento de avaliação, das fracções “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F” do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Nazaré sob o artigo nº 10012.
1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
i- Embora situado dentro dos limites legais, entre 0,4 e 2 definidos no artigo 42.º n.º 1 do CIMI, não foram explicitados pela Administração Fiscal (AF) quaisquer critérios, dentro dos elencados nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 42.° do CIMI, que terão conduzido à concreta fixação do CI (coeficiente de localização) em 1.00, o mesmo sucedendo relativamente à Portaria n.º 1119/2009, de 30.09, que, alegadamente, fixa os coeficientes de localização e estabelece um CI mínimo de 0,47 e um CI máximo de 2,60.
ii- Ao contrário do referido na douta sentença sob recurso, nada existe no termo de avaliação que permita à Recorrente — ou a qualquer outro Contribuinte colocado na sua posição — perceber qual ou quais das características do imóvel foram consideradas, e em que medida, para a determinação do coeficiente de localização de 1,00.
iii- É que, como resulta da lei, se na fixação do coeficiente de localização, é necessário ter em conta, nomeadamente, as características de acessibilidade, proximidade de equipamentos sociais, a existência de serviços públicos de transportes e a localização em zona de elevado valor imobiliário, ao Contribuinte, como destinatário do acto avaliativo — que tem impacto na sua esfera jurídica tributária - tem de ser dado a conhecer de que modo esse coeficiente foi determinado.
iv- O n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, ao referir os elementos que contribuem, ou podem contribuir, para a fixação do coeficiente de localização, o faz de modo MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, ao referir que “na fixação do coeficiente de localização, têm-se em consideração, nomeadamente”, pelo que carece o Contribuinte de saber quais os factores que em concreto foram considerados para a fixação do concreto coeficiente aplicado, de 1,00.
v- Para a fixação do coeficiente em causa terá sido considerada a acessibilidade ou proximidade de equipamentos sociais? A existência de serviços públicos de transportes? A localização em zona de elevado valor imobiliário? Foram todos esses factores conjuntamente, ou só alguns? Ou terão sido considerados outros factores? E, nesse caso, quais? Ora, nada disto consta do procedimento de avaliação, ao contrário do referido na sentença sob recurso.
vi- Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, conclui pela inexistência de falta de fundamentação na determinação do CI, mas não fundamenta, ela própria, essa sua conclusão, porquanto, na realidade é impossível ao Contribuinte (ou ao Tribunal) saber, com base nos elementos constantes dos autos, de que modo foi determinado o coeficiente de localização em 1,00.
vii- Carece, portanto, de base fundamentadora a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que «da segunda avaliação constam os critérios e os factores tidos em conta, (...) que conduziram à determinação do valor de avaliação, embora de forma sucinta mas suficiente para permitir apreender o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido, que a Impugnante revela ter compreendido (...)».
viii- Se assim fosse, por um lado, seria possível, a qualquer pessoa medianamente instruída, perceber de que modo foi determinado o coeficiente de localização concretamente aplicado na avaliação em causa, e quais os factores que, de entre o elenco exemplificativo do artigo 42.º n. 3 do CIMI, contribuíram efectivamente para a determinação do CI.
ix- Nos termos do artigo 84.° n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT), “A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicarão dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado”.
x- No caso em apreço, a fixação do CI de 1,00 é perfeitamente insindicável e imperceptível, já que não são minimamente descortináveis os motivos pelos quais foi fixado esse coeficiente e não um qualquer outro — superior ou inferior.
xi- É essa, de resto, a recente Jurisprudência deste Supremo Tribunal (Ac STA de 10.03.2011, dado no proc. n.º 0862/10, destaque nosso) que, por lapidar, se deixa citada:
«I - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele posso conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
II - Tendo sido utilizado em actos de avaliação de imóveis determinado coeficiente de localização, entre os limites fixados no ponto 1.7 da Portaria n.° 982/2004, os actos só poderão considerar-se suficientemente fundamentados se se puder concluir que, com os elementos que lhe foram notificados e dos que foram fornecidos através de meios electrónicos e de informação da administração tributária, o destinatário ficou a conhecer todos os elementos que foram relevantes para a avaliação».
xii- Na verdade, a fixação deste coeficiente (CI) deve resultar da ponderação de vários factores, indicados no n.º 3 do art. 42.º, sendo imprescindível para os interessados poderem aperceber-se das razões da fixação de um determinado coeficiente, saber como é que cada um deles foi ponderado, pois só assim, poderão exercer eficazmente o seu direito de impugnação. Assim, não tendo sido fornecida ao Impugnante (nem sendo mesmo obtida no presente processo) informação sobre as razões que conduziram à fixação daquele coeficiente, tem de se concluir que os actos de avaliação impugnados enfermam de vício de falta de fundamentação.».
xiii- Assim sendo, como é, as avaliações em causa padecem de falta de fundamentação, em violação do disposto nos artigos 77.º n.º 1 e 2 e 84.º n.º 3 da Lei Geral Tributaria (LGT), e 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) - o que, nos termos do artigo 125.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) acarreta a anulabilidade das avaliações impugnadas, pelo que, ao assim não ter entendido, incorreu o Tribunal a quo em erro de direito.
xiv- O Tribunal a quo limitou-se a concluir que o coeficiente de localização se encontrava devidamente fundamentado, e a remeter para os elementos que constam do procedimento avaliativo, como supostamente justificadores dessa decisão, quando, em sentido manifestamente contrário, desses elementos não é possível retirar, de modo algum, a pretendida fundamentação — o que constitui contradição entre os fundamentos e a decisão, a determinar a nulidade da sentença, nos termos do artigo 125.º n.º 1 CPPT.
xv- Analisada a Portaria aplicável (Portaria n.º 982/2004, de 04.08, com as alterações da Portaria n.º 1426/2004, de 25.11, da Portaria n.º 1022/2006, de 20.09 e da Portaria n.º 1119/2009 de 30.09), constata-se que esta não especifica os “zonamentos e respectivos coeficientes de localização” – estabelecendo, no seu n.º 3 que os mesmos “são publicados no sítio www.e-financas.gov.pt, podendo ser consultados por qualquer interessado e em qualquer serviço de finanças”.
xvi- Ou seja, os coeficientes CONCRETAMENTE UTILIZADOS não estão FIXADOS na lei, apenas constando de Portaria os coeficientes mínimos e máximos, pelo que tais CONCRETOS COEFICIENTES apenas serão conhecidos (e, portanto, fixados) aquando da sua “publicação” no site das finanças, não estando publicados em Diário da República.
xvii- Consultado o referido “site”, verifica-se que em nenhum lugar constam as “características” que terão fundamentado a fixação do concreto Cl atribuídos a cada um dos “zonamentos” dentro dos diferentes municípios, atenta a diferente destinação das edificações (artigo 42º, n.º 2 e 3 do CIMI), não estando explicitado, em lugar algum, se foram, e em que medida foram, atendidas as ditas características elencadas, exemplificativamente, em a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 42.º do CIMI.
xviii- Analisado o Anexo 1 da Portaria n.º 1119/2009, constata-se que o mesmo apenas estabelece, quanto aos coeficientes de localização, apenas os seus mínimos e máximos, e não os concretos coeficientes a aplicar nas avaliações – como é o caso do concreto coeficiente de 1,00, aplicado nas avaliações em causa.
xix- Assim, ao contrário do decidido, constata-se que não existe qualquer Portaria do Ministro das Finanças a aprovar os concretos coeficientes de localização, sendo que esse concreto coeficiente a aplicar no acto avaliativo, entre aqueles mínimo e máximo, apenas será conhecido (e, portanto, determinado) aquando da sua “publicação” no site das Finanças.
xx- A ser assim, tal significa, simultaneamente, que os concretos coeficientes não estão publicados em Diário da República, e que os concretos coeficientes não são fixados em diploma com força de lei.
xxi- Em matéria de incidência tributária, como é o caso (determinação do valor objecto de tributação, em sede de IMI), vigora o princípio constitucional da legalidade e tipicidade, e da reserva de lei formal (artigos 8.º da LGT, 103.º, n.º 1 e 2, 165.º, n.º 1, i), e 198.º, n.º 1, b) da CRP), e as normas sobre tais matérias estão subordinadas a publicação em jornal oficial, sob pena de ineficácia jurídica e consequente falta de obrigatoriedade geral e abstracta (Cfr. artigos 5.º, n.º 1 do Código Civil e 199.º da Constituição da República Portuguesa).
xxii- Por conseguinte, a definição do VPT mediante parâmetros e coeficientes determinados e publicados de outra forma que não a legalmente prevista - em Diário da República, e sob a forma de Lei em sentido formal e material - viola os referidos princípios e normas legais e constitucionais.
xxiii- Em particular, a Portaria n.º 1119/2009, no seu ponto 3.º - quando remete para o site do Ministério das Finanças ou para os Serviços de Finanças locais, a publicação de alguns parâmetros de avaliação, como é o caso do CI — mais não faz senão determinar a criação de regras legais através de um procedimento ad hoc e ilegal, tendo em conta que não se trata apenas da publicação de tais parâmetros, dado que a essa publicação não antecede qualquer acto legislativo, em sentido formal ou material, a definir, em concreto, os coeficientes a ser “publicados”.
xxiv- Nos termos do artigo 112.º n.º 1 da CRP apenas «São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais, sendo que, de acordo com o n.º 5 do mesmo comando constitucional «Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, o poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer um dos seus preceitos.».
xxv- Não existe qualquer norma legal que permita afastar a obrigatoriedade de publicação no Diário da República dos concretos coeficientes em causa e o D.L. n.º 287/2003, de 12.11, que aprovou o Código do IMI, não estabeleceu qualquer regime especial — e se o fizesse seria ilegal — susceptível de afastar as regras de publicação dos diplomas legais.
xxvi- O artigo 1.º n.º1 da Lei n.º 74/98, de 11/11, que estabelece o regime de publicação, identificação e formulário dos diplomas legais, estatui que «A eficácia jurídica dos actos a que se refere a presente lei depende de publicação», dispondo o artigo 3.º n.º 3 al. b) do mesmo diploma que as Portarias são objecto de publicação na parte B da 1.ª série do Diário da Republica.
xxvii- No caso em apreço, resulta do preâmbulo da Portaria n.º 1119/2009, que a mesma «(...) destina -se a aprovar e a dar publicidade à actualização do zonamento com a introdução de zonas homogéneas do zonamento e a diminuição de alguns dos coeficientes de localização e da percentagem a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º do CIMI e as áreas da sua aplicação», mas, em sentido contrário, é forçoso concluir que a referida Portaria não aprova, não estabelece e, portanto, não pode dar publicidade, nem ao “zonamento”, nem às “zonas homogéneas” do mesmo, nem, tampouco, ao coeficiente de localização CONCRETAMENTE UTILIZADOS PARA DETERMINAR O VPT EM CAUSA.
xxviii- Ao assim não entender, incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do direito – a impor a revogação da sentença recorrida.
xxix- Devem ter-se como inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 103.º n.º 2, 119.º n.º 1 h), 165.º n.º 1 i) e 198.º n.º 1 b) da CRP, os artigos 42.º e 62.º CIMI, quando interpretados no sentido de que não é necessário um acto legislativo que fixe zonamentos nos mesmos referidos, e o concreto coeficiente de localização a aplicar aos prédios neles localizados.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, o que se faz por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações
1.3. Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, por considerar que apenas é de admitir a «publicação de actos legislativos fora do Diário da República quando os mesmos versarem situações concretas, como seja, a concessão de zonas de caça ou certas decisões dos tribunais como os acórdãos dos Tribunais Superiores de carácter uniformizador. Assim, e querendo ainda parecer que a deslegalização que foi efectuada para o “sítio” do governo não poderia dispensar tal publicação, opino pela procedência do recurso».
1.4.Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A- Na sequência da apresentação da declaração Modelo 1 pela impugnante, em 28/01/2010, com vista à inscrição das fracções A, B, C, D, E e F do prédio urbano sito na Av. ……, n° ……, ……, Nazaré, inscrito na matriz sob o artigo 10012, da freguesia ......, foi efectuada a avaliação do referido prédio em 09/12/2009 (vide fls. 3 a 17 do procedimento de segunda avaliação apenso);
B- Notificada a impugnante do resultado dessas avaliações, requereu uma 2.ª avaliação, indicando como seu representante, o Sr. B…… (cfr. fls. 20 a 30 do procedimento de segunda avaliação apenso);
C- O perito indicado pela impugnante foi notificado para comparecer no dia 08/07/2010, às 14h00, no respectivo Serviço de Finanças, para constituição da comissão de avaliação, a fim de se proceder à 2.ª avaliação do prédio, pelos ofícios n° 000896 e 000955, datados, respectivamente de 17/06/2010 e 25/06/2010, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. fls. 41 a 52 do procedimento de segunda avaliação apenso);
D- A comissão de avaliação foi constituída pelos seguintes elementos: C…… - Perito Regional (presidente); D…… - Perito regional (vogal); e, B…… - Perito das partes (fls. 41 do procedimento de segunda avaliação e 54 e seguintes);
E- Em 08/07/2010 foi tomado compromisso de honra ao perito indicado pela impugnante (fls. 53 do procedimento de segunda avaliação apenso);
F- Em 24/08/2009, depois da comissão de avaliação ter visto e examinado o prédio descrito, procederam à avaliação do prédio descrito nas fichas de avaliação n° 3161309, 3161310, 3161311, 3161312, 3161313 e 3161354, relativas, respectivamente, às fracções A, B, C, D, E e F (fls. 63 a 71 do procedimento de segunda avaliação apenso);
G- A comissão deliberou por maioria confirmar os valores patrimoniais resultantes da ponderação dos dados constantes no processo (cfr. fls. 76 a 93 do procedimento de avaliação apenso);
H- As avaliações supra referidas tiveram o voto de vencido do representante da impugnante por não concordar com o valor atribuído, com a seguinte fundamentação “uma vez que segundo o seu entendimento a avaliação em causa não se encontra devidamente fundamentada, tendo em conta não ser possível perceber quais os critérios utilizados pela administração fiscal para fixar o coeficiente de localização” (fls. 76 a 93 do procedimento de avaliação apenso);
I- Na segunda avaliação à fracção A foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 973.840,00, conforme comprovativo provisório de fls. 76 a 78 do procedimento de segunda avaliação apenso, que aqui se da por integralmente reproduzido;
J- Na segunda avaliação à fracção B foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 222.930,00, conforme comprovativo provisório de fls. 79 a 81 do procedimento de segunda avaliação apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
K- Na segunda avaliação à fracção C foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 236,53000, conforme comprovativo provisório de fls. 82 a 84 do procedimento de segunda avaliação apenso, que aqui se da por integralmente reproduzido;
L- Na segunda avaliação à fracção D foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 24.650,00, conforme comprovativo provisório de fls. 85 a 87 do procedimento de segunda avaliação apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
M- Na segunda avaliação à fracção E foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 41.590,00, conforme comprovativo provisório de fls. 88 a 90 do procedimento de segunda avaliação apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
N- Na segunda avaliação à fracção F foi atribuído o valor patrimonial tributável de € 12.800,00, conforme comprovativo provisório de fls. 91 a 93 do procedimento de segunda avaliação apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
O- O coeficiente de localização aplicado na avaliação do prédio identificado na alínea a) foi de 1,00 (fls. 77, 80, 83, 86, 89, 92 e print de fls. 104 do SIGIMI- Sistema de Informação Geográfica do Imposto Municipal Sobre Imóveis, publicado no sítio www.e-finanças.gpv.pt);
P- Em 21/07/2010 foi a impugnante notificada do resultado da 2.ª avaliação, pelos ofícios nos 5860623, 6860635, 6860638, 6860642, 6860645 e 6860652, datados de 13/07/2010 (fls. 50 a 55 dos presentes autos);
Q- Em 19/10/2010 a impugnante apresentou via e-mail a presente impugnação (fls. 1).
3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de fixação do valor patrimonial tributário obtido em procedimento de segunda avaliação efectuada às fracções “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Nazaré sob o artigo n.º 10012, impugnação que teve por fundamento a ilegalidade desse acto por falta de fundamentação no que toca ao coeficiente de localização aplicado (Cl), ineficácia do zonamento e do Cl utilizado por falta de publicação legal e consequente violação dos princípios constitucionais da legalidade, da tipicidade e da reserva de lei formal, e, ainda, preterição de formalidades no funcionamento da comissão de avaliação.
As questões que Impugnante, ora Recorrente, coloca à apreciação deste Tribunal são as de saber se a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão e, no caso negativo, se ela padece de erro de julgamento em matéria de direito por ter considerado que não se verificava nem a falta de fundamentação, nem a falta de publicação legal do zonamento e coeficientes aplicados, nem a violação dos invocados princípios constitucionais, tendo em conta que não ataca a decisão no que toca à julgada inexistência de preterição de formalidades no funcionamento da comissão de avaliação.
3.1. DA NULIDADE DA SENTENÇA
Invoca a Recorrente a nulidade da decisão prevista no artigo 668.º, nº 1, alínea c), do CPC e no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, com o argumento de que o Mmº Juiz do Tribunal a quo se limitou a concluir que o acto de avaliação para fixação do valor patrimonial tributário das fracções da Impugnante se encontrava fundamentado no que toca ao coeficiente de localização aplicado e a remeter para os elementos que constam do procedimento avaliativo como supostamente justificadores dessa decisão, quando, em sentido manifestamente contrário, esses elementos não permitem colher a referida fundamentação.
Como se sabe, esta causa de nulidade da sentença ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto, isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído. “A lei refere-se, na alínea c) do nº 1 do art. 668, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente. ... Nos casos abrangidos pelo art. 668º, nº 1, al. c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pags. 689 e 690.).
Esta nulidade ocorre, pois, quando há uma quebra da estrutura lógica da peça decisória por força de uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados e a decisão tomada.
Ora, no caso vertente, a decisão de improcedência da impugnação está em sintonia e em conformidade lógica com o raciocínio que o julgador formulou e com os fundamentos que deixou expressos para concluir que o acto impugnado se encontrava fundamentado. Se esse raciocínio está errado ou se os elementos que constam do procedimento avaliativo não permitiam retirar a conclusão a que se chegou, então haverá um erro de julgamento, que provoca uma decisão contra legem, mas não uma nulidade da sentença.
Não se podendo afirmar que a fundamentação aduzida na sentença enferme de qualquer impossibilidade de articulação lógica com a decisão de improcedência da impugnação, não se pode considerar verificada a invocada nulidade, improcedendo as respectivas conclusões do recurso.
3.2. DO ERRO DE JULGAMENTO
3.2.1. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Segundo o entendimento vertido na sentença, «(...) a Impugnante insurge-se contra o coeficiente de localização [Cl] aplicado, ou seja, 1,00, por falta de fundamentação. Porém, sem razão, uma vez que o CI trata-se de um elemento, preciso, objectivo e pré-determinado por lei em função de diversos elementos, designadamente da localização e do destino do prédio em causa e, por isso, indisponíveis para as partes no procedimento de avaliação (....)», «(...) o coeficiente de localização (Cl) corresponde ao valor que a localização de um imóvel incorpora no seu valor e pode variar entre 0,4 e 2, podendo, em situações de habitação dispersa em meio rural, ser reduzido para 0,35 e em zonas de elevado valor de mercado imobiliário ser elevado até 3 (Cfr. artigo 42º do CIMI)», sendo que «Nos termos do nº3 do artigo 42º do CIMI na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as características de acessibilidade, proximidade de equipamentos sociais, a existência de serviços públicos de transportes e a localização em zona de elevado valor imobiliário, ou seja, os factores que influenciam o CI são as condicionantes proporcionadas pelo município, sendo um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU), pelo que obedece a um procedimento prévio conducente à sua aprovação (cfr. artigos 61º e 62º, alíneas a) e b) do CIMI)».
A Recorrente insiste, porém, que embora situado dentro dos limites legais, entre 0,4 e 2, definidos no artigo 42.º n.º 1 do CIMI, nunca foram explicitados nem comunicados os critérios, de entre os elencados nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, que terão conduzido à determinação desse concreto coeficiente de 1,00 para as suas fracções. Isto é, esse Cl não está determinado na lei e a Portaria que o aprovou remeteu a sua publicação para o site das finanças, mas, consultado este, constata-se que dele não constam as “características” que terão fundamentado a concreta fixação do Cl atribuído a cada um dos “zonamentos” dentro dos diferentes municípios, não estando explicitado, em lugar algum, se foram, e em que medida foram, atendidas as características elencadas no n.º 3 do artigo 42.º do CIMI. Deste modo, a possibilidade de conhecimento, quer na Internet quer no serviço de finanças, do zonamento e do concreto coeficiente de localização não abrange a forma como eles foram determinados.
Vejamos.
É inquestionável que o mencionado acto de fixação do valor patrimonial de imóveis, como acto final lesivo que é, proferido no âmbito de um procedimento tributário de avaliação, tem de estar fundamentado por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que o motivaram, tudo em conformidade com o disposto no artigo 77.º n.º 1 da Lei Geral Tributária. E por força do n.º 2 desse artigo 77.º, a fundamentação, embora possa ser efectuada de forma sumária, deve sempre conter “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. Além disso, o artigo 84.° n.º 3 desse diploma legal estabelece que “A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicarão dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.”.
Deste modo, o acto de fixação do valor patrimonial tributário das fracções da Impugnante, que constitui a forma de determinar a matéria tributável de tributos a que ela está sujeita, primacialmente em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, deve conter todos os elementos que conduziram a essa fixação, com a indicação dos critérios utilizados e das operações de apuramento da matéria tributável, de modo a que seja possível, tanto a ela como ao Tribunal, extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
Daí que, embora o grau de fundamentação tenha de ser o adequado ao tipo concreto do acto e às circunstâncias em que foi praticado, é essencial que proporcione a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo(s) autor(es) da avaliação para a fixação do valor patrimonial tributário do prédio avaliado, de forma a poderem conhecer-se claramente as razões por que se avaliou dessa forma e não de forma diferente, por que se chegou àquele valor patrimonial e não a valor diverso, de modo a que os interessados possam aceitá-lo ou rebatê-lo, bem como possibilitar ao tribunal um efectivo controlo sobre a sua legalidade, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
E porque, como é consabido, a falta ou insuficiência da notificação ou publicitação de um acto tributário não afecta a validade do acto em si, mas tão só a sua eficácia, o que interessa averiguar, no caso vertente, é se o acto tributário impugnado padece ou não do vício de falta de fundamentação, independentemente de a sua notificação conter ou não toda a fundamentação no que concerne ao critério de localização eleito.
Como se verifica do teor do termo de segunda avaliação, o valor patrimonial tributário fixado às fracções da Impugnante foi determinado de acordo com a fórmula contida no artigo 38.º do CIMI, que tem a seguinte expressão: Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, e em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
e dele consta que o Cl utilizado foi o de 1,00.
Aliás, a Impugnante demonstra estar plenamente ciente dessa fórmula e de que o Cl utilizado encontra previsão no artigo 42.º do CIMI, que tem o seguinte teor:
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
1. O coeficiente de localização (CI) varia entre 0,4 e 2, podendo, em situações de habitação dispersa em meio rural, ser reduzido para 0,35 e em zonas de elevado valor de mercado imobiliário ser elevado até 3.
2. Os coeficientes a aplicar em cada zona homogénea do município podem variar conforme se trate de edifícios destinados a habitação, comércio, indústria ou serviços.
3. Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4. O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.
Assim como demonstra conhecer perfeitamente teor da Portaria n.º 982/2004, de 4.08, que no seu n.º1 aprovou os limites mínimos e máximos dos coeficientes de localização a aplicar em cada município e no seu n.º2 aprovou o zonamento e os coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo para os tipos de afectação à habitação, comércio, indústria e serviços, que lhe foram propostos pela CNAPU, nos termos e para os efeitos desse artigo 42.º. Bem como demonstra conhecer o teor das Portaria subsequentes, n.º 1426/2004, de 25.11 (que aprovou novos coeficientes de localização mínimos e máximos a aplicar em cada município) e n.º 1022/2006, de 20.09 (que aprovou novas alterações ao zonamento).
Isto é, a Impugnante sabe, e não questiona, que o Cl pode variar entre os limites mínimo e máximo definidos no n.º 1 do artigo 42.º do CIMI e aprovados pelas referidas Portarias, e reconhece todo o enquadramento jurídico que leva à fixação de um determinado Cl, sabendo que não é aos peritos avaliadores que compete fixá-lo no procedimento de avaliação ou no acto tributário de fixação do valor patrimonial tributário dos imóveis.
Tal como ela reconhece, o coeficiente de localização é aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU após ponderação de determinadas circunstâncias e características dos prédios, designadamente, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. E o mesmo se passa com os zonamentos, que a Impugnante revela igualmente saber que são aprovados por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, sendo a determinação do seu valor efectuado em cada município em assembleia camarária e cuja materialização corresponde aos mapas informáticos de valor por zona.
O que significa que no acto de fixação do valor patrimonial tributário, aqui impugnado, não há qualquer hipótese de escolha ou eleição subjectiva do zonamento e do coeficiente de localização a aplicar. Eles resultam da aplicação do CIMI e da referida Portaria, constituindo esta um acto ministerial de natureza regulamentar que os avaliadores são obrigados a aplicar, não sendo obrigados a saber nem tendo de descrever no termo de avaliação quais foram as características do imóvel que conduziram a CNAPU a propor ao Ministro a aprovação do coeficiente de localização em cada zonamento e as razões que o levaram a essa aprovação.
Ora, a fundamentação do acto de avaliação que a lei exige nos artigos acima citados reporta-se à explicitação dos critérios e factores adoptados pelos próprios avaliadores e às operações de apuramento do valor patrimonial tributário do prédio que estes levam a cabo, e nunca à explicitação das razões que terão conduzido à emissão de um regulamento ministerial com um determinado conteúdo ou, mais, concretamente, das razões que terão levado à aprovação regulamentar pelo Ministro das Finanças de um critério que são obrigados a aplicar.
E porque, tanto a fórmula utilizada como o Cl aplicado, resultam da aplicação directa de normas legais e regulamentares, traduzindo elementos objectivos que não dão qualquer espaço à subjectividade ou discricionariedade dos avaliadores, é óbvio que o acto tributário aqui em questão permite a total reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelos peritos avaliadores para chegaram àquele concreto valor patrimonial tributário.
Pode, pois, considera-se suficientemente fundamentado o acto tributário de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização dos prédios avaliados, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
Aliás, a Impugnante, ora Recorrente, nunca afirmou que a fundamentação constante do acto de avaliação não lhe permitia compreender a fórmula ou os critérios aplicados ou conhecer os coeficientes de localização previstos no CIMI e aprovados nas citadas Portarias, tendo, antes, reconhecido que este constitui um elemento preciso e objectivo, de 1,00, que não podia ser moldado ou alterado pelos peritos que intervieram na avaliação. Razão por que não pode haver, quanto a estes aspectos, qualquer falta ou insuficiência de fundamentação.
O que ela verdadeiramente defende é que não sabe quais os factores ou fundamentos, de entre os elencados nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, que terão conduzido à aprovação do zonamento e do coeficiente de localização aplicado, por as Portarias se terem limitado a aprová-los sem explicitarem a forma como os mesmos foram determinados. Na sua perspectiva, nada existe que permita compreender que características do imóvel foram consideradas, e em que medida, para a determinação do coeficiente de localização em 1,00 aplicado na avaliação das suas fracções.
Ou seja, o que sempre asseverou, e volta a defender neste recurso, é que não conhece, por não estarem publicitados, os parâmetros eleitos para a aprovação regulamentar do coeficiente de localização aplicado na avaliação das suas fracções.
Porém, essa circunstância não gera a violação do dever de fundamentação previsto no artigo 77.º da LGT e no artigo 124.º do CPA, por se tratarem de preceitos aplicáveis aos actos administrativos e tributários e não aos regulamentos ou actos normativos.
Como se sabe, o regulamento é uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2ª Edição, pág. 248.). Ora, as disposições da Portaria n.º 982/2004 e das que se lhe seguiram para aprovação do zonamento e coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo para os tipos de afectação à habitação, comércio, indústria e serviços, nos termos e para os efeitos do artigo 42.º do CIMI, têm as características de generalidade e abstracção que caracterizam os actos normativos, já que se dirigem a um número indeterminado e indeterminável de pessoas, estabelecendo coeficientes para cidadãos/munícipes não individualizadas a priori, aplicáveis a todo o território nacional e a todos os que vejam o seu património imobiliário urbano avaliado para efeitos tributários, não se divisando nelas qualquer acto administrativo que, como tal, esteja sujeito ao dever de fundamentação consagrado no artigo 268.º, n.º 3 da CRP e plasmado na LGT e no CPA.
É certo que a delimitação geográfica que aí é feita, por municípios e zonamentos, parece aproximar-se da natureza individual, por interferir mais directamente com a esfera patrimonial dos proprietários, como a Recorrente, que vêem os seus prédios urbanos nela incluídos, mas esse será um aspecto meramente instrumental da ordem normativa que o diploma introduz, a ela adstrito e dela indissociável, sem possibilidade de ser autonomizado como acto administrativo encarado “a se”.
As citadas Portaria constituem, pois, regulamentos, sujeitos, enquanto forma de actividade administrativa, ao princípio da legalidade, quer na sua dimensão de preferência de lei, quer na sua dimensão de reserva de lei. Da sua sujeição à preferência de lei decorre que, tal como sucede com todas as condutas administrativas que contrariem o bloco de legalidade a que estão sujeitos, possam ser ilegais e, como tal, susceptíveis de impugnação contenciosa nos tribunais administrativos, os quais podem declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral (art.º 204.º da CRP, e arts. 72.º e 76.º do CPTA). E da sujeição à reserva de lei decorre que os regulamentos têm necessariamente de ser habilitados por lei, mas o grau de densidade normativa da lei habilitante pode variar entre a vinculação total do conteúdo regulamentar e o pólo oposto de atribuição de uma quase total liberdade de conformação regulamentar, limitando-se, neste último caso, a identificar a competência, em sentido subjectivo e em sentido objectivo, para a sua emissão (Sobre a matéria, vide, MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. citada, pág. 251.).
Não estão, porém, sujeitos ao dever de fundamentação ou de explicitação das razões por que se regulamentou dessa forma e não de forma diferente. Ao contrário dos actos administrativos, os actos normativos não têm de facultar aos cidadãos os elementos necessários à percepção da motivação que determinou o conteúdo concreto da norma, nem proporcionar-lhes a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade emissora, bastando-lhe a explicitação expressa da lei que visa regulamentar ou da lei que defina a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art.º 112.º, n.º 7, da CRP), por forma a que os interessados possam controlar a conformação regulamentar com a lei habilitante.
Os actos regulamentares, praticados no exercício da actividade administrativa genericamente regulada pelos artigos 114.º a 119.º do CPA, e, no caso concreto, em execução do dever imposto à Administração pelo n.º 1 do artigo 13.º do Dec.Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, e dos nºs 1 e 3 do artigo 62.º do CIMI, não estão, pois, sujeitos ao dever de fundamentação nos termos definidos pelo artigo 77.º da LGT e pelo artigo 124.º do CPA, não lhes sendo igualmente aplicável o mecanismo previsto no artigo 37°. do CPPT, de passagem de certidão donde constem esses fundamentos, sem prejuízo do direito de os interessados acederem aos documentos administrativos preparatórios que suportam o acto regulamentar, mais concretamente, do direito de acesso ao teor das propostas formuladas pela CNAPU que foram objecto de aprovação por acto ministerial, em conformidade com a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, que regula o Acesso aos Documentos Administrativos.
Em conclusão, o vício de falta de fundamentação arguido pela Impugnante localiza-se no regulamento e não no acto tributário de avaliação que fixou o valor patrimonial das suas fracções, e não podendo um regulamento padecer deste tipo de vício improcede fatalmente o pedido de que, por via dessa ilegalidade, se anule aquele acto tributário.
3.2.1. DA INEFICÁCIA POR FALTA DE PUBLICAÇÃO LEGAL DO ZONAMENTO E DO COEFICIENTE DE LOCALIZAÇÃO E DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DA TIPICIDADE E DA RESERVA DE LEI FORMAL
Quanto a este aspecto, a decisão recorrida argumentou do seguinte modo:
«A Portaria n° 1022/2006, de 20 de Setembro, aprovou alterações ao zonamento e coeficientes de localização, anteriormente aprovados pela Portaria n° 982/2004, de 4 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n° 1426/2004, de 25 de Novembro, nos termos e para os efeitos nos artigos 420 e 450 do CIMI, as quais foram aprovadas pelo Ministro das Finanças (cfr. nos 10, 20 e 3° da Portaria n° 1022/2006).
Assim sendo, a obrigatoriedade legal das propostas da CNAPU serem aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças mostra-se satisfeita pelo disposto no n° 2 da Portaria n° 1022/2006 (cfr. n° 2 da Portaria n° 982/2004 n° 2 da Portaria n° 1426/2004).
No que respeita à sua publicação, refere expressamente o n° 4 da Portaria n.º 1022/2006 que o zonamento e os coeficientes de localização são publicados no sítio www.e-financas.gov.pt, podendo ser consultados por qualquer interessado, e estão ainda disponíveis em qualquer serviço de finanças.
Assim, são as próprias Portarias que regulam a publicação do zonamento e dos coeficientes de localização, dando a conhecer o sítio onde poderão ser consultados, sendo certo que as Portarias estão disponíveis na internet através do site do diário da republica electrónico e os zonamentos e os coeficientes de localização, estão também disponíveis na internet, nos sítios indicados, ou seja, em www.e-financas.gov.pt e ainda em qualquer serviço de finanças.
Sobre esta matéria pronunciou-se o douto Acórdão do STA, proferido no recurso n° 0510/10, em 06/10/2010, no qual nos louvamos e do qual transcrevemos a seguinte passagem «Este sistema de regulamentação técnica não contraria o disposto no artigo 119° da CRP, nem qualquer um dos princípios constitucionais citados pela recorrida nas suas contra-alegações, na medida em que o que a lei, de facto, apenas estabelece é a necessidade das propostas da CNAPU a respeito de zonamento e respectivos coeficientes de localização serem aprovados por Portaria do Ministro das Finanças (e não a sua publicação em jornal oficial), tendo tal aprovação sido concretizada, como dissemos, pelo n° 2 da Portaria 982/2004, de 4 de Agosto.
O facto dos zonamentos concretos e coeficientes de localização, constantes da proposta da CNAPU, não terem sido publicados naquela ou noutra portaria não lhes retira eficácia, sendo certo que se publicitou o local em que podem ser consultados, desta forma se garantido o seu conhecimento aos interessado e público em geral.».
Concordamos, em geral, com esta argumentação.
As referidas Portarias contém o acto de aprovação do zonamento e dos coeficientes de localização aplicáveis, estando, assim, cumprida a exigência legal de que as propostas da CNAPU a este respeito sejam aprovados por Portaria do Ministro das Finanças.
Essas Portarias foram publicadas no Diário da República, como tinham de o ser por força do princípio da publicidade dos actos regulamentares do Governo constante do artigo 119.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, a alínea h) do nº 1 desse preceito determina a publicação obrigatória no Diário da República dos «decretos regulamentares e demais decretos e regulamentos do Governo, bem como os decretos dos Ministros da República para as regiões autónomas e os decretos regulamentares regionais» e o nº 2 estabelece que a falta de publicidade desses actos implica a sua ineficácia jurídica.
O que não impede a própria Portaria de estabelecer que os dados e valores que brotam desse acto de aprovação sejam publicitados em local distinto onde possam ser livremente consultados, garantido, assim, o seu conhecimento aos interessados e ao público em geral. Ou seja, que remeta a publicitação dos concretos dados e valores que dela resultam para o site das finanças para nele serem consultados por qualquer interessado e que obrigue à sua disponibilização em todos os serviço de finanças.
E na falta de norma ou princípio constitucional que exija ou imponha que esses dados e valores concretos que resultam do acto normativo de aprovação da proposta da CNAPU constem de um diploma com força de lei e que sejam publicados em Diário da República, não se podem considerar violados os princípios constitucionais invocados pela Recorrente.
Por todo o exposto, improcedem todas as conclusões do recurso.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, embora com fundamentação algo distinta.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 7 de Março de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Lino RibeiroCasimiro Gonçalves.