Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/09
Data do Acordão:03/03/2010
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I - A personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na susceptibilidade de ser parte traduzindo-se na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.
II - Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma acção com vista a efectivar responsabilidade civil extracontratual.
III - Numa acção instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objecto de suprimento nos termos do disposto nos art°s 508°, n° 1, alo a), 265°, n° 2, ou dos artºs 325° e segs. do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 288º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil
IV - Tal solução não viola o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artºs 20º e 268º nº 4 da CRP.
V - O n° 7 do art. 10° do CPA configura uma regra de legitimidade plural passiva, que permite que a acção seja proposta, não apenas contra os entes públicos, mas também contra todos os outros interessados (ainda que sejam particulares), quando o envolvimento destes se situe ainda no âmbito de uma relação jurídica administrativa;
VI - Sendo esse o caso de numa acção com vista à efectivação da responsabilidade civil extracontratual contra duas entidades (Estado e entidade proprietária de um Jardim de Infância integrado na rede escolar pública), inseridas numa relação jurídico-administrativa com os autores da acção e em que é imputada a verificação de um acidente escolar de que resultaram os eventos danosos, ser também imputada responsabilidade na produção do mesmo acidente à entidade (particular) proprietária de um complexo de piscinas.
VII - Na situação anteriormente descrita, estando definida a competência da jurisdição administrativa por força da natureza da relação jurídica que intercede entre os AA. e as referidas entidades públicas, ao abrigo do disposto no art. 10º n° 7 do CPTA, também a acção podia ser proposta, contra a referida entidade particular.
VIII - Face ao preceituado no artº 1893.º, nº 1, do Cód. Civ., falece legitimidade aos pais responsáveis pela prática de actos ilegais [em contravenção ao disposto no seu artigo no 1889.º nº 1, alíneas i) e o)] para requerer a sua anulação.
Nº Convencional:JSTA00066317
Nº do Documento:SA1201003030278
Data de Entrada:04/27/2009
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:ME
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC EXCEP REVISTA.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:P 413/99 DE 1999/01/25 ART10 B.
LPTA02 ART7 ART10 N2 N3 N4 N5 N7 ART11 N2 ART15 N3 ART37 N2 ART52 ART66 ART72 ART77 ART78 N2.
CPC96 ART5 N2 ART6 ART7 N1 ART8 ART20 ART23 ART96 ART265 N2 ART288 N1 C ART325 ART467 N1 A ART508 N1 A.
CPTA85 ART1 ART16 ART36 N1 C ART40 ART43.
CONST97 ART20 ART268 N4.
ETAF02 ART4 G I.
CCIV66 ART1898 I O ART1892 ART1893 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC351/04 DE 2004/09/21.; AC STA PROC40500 DE 1996/10/24.; AC STA PROC240/05 DE 2005/04/19.; AC STA PROC37065 DE 1995/05/09.; AC STA PROC44498 DE 1999/06/02.; AC STA PROC45903 DE 2000/05/11.; AC STA PROC1972/03 DE 2004/09/23.; AC STA PROC701/02 DE 2002/05/09.; AC CONFLITOS PROC1/09 DE 2009/10/07.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE DIREITO CIVIL 2ED PAG108.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG82 PAG83 PAG167.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTRO CPTA ANOTADO PAG167 PAG170.
FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2ED PAG213.
CASTRO MENDES DIREITO PROCESSUAL CIVIL VII PAG13 PAG14.
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VV PAG371.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
I.RELATÓRIO
A… e mulher B…, com os restantes sinais nos autos, por si e em representação do seu filho menor C… (Autores), vêm interpor recurso de revista (art. 150° CPTA) para o STA do acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que negou provimento ao recurso jurisdicional para ali interposto do despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF) na parte em que (i) absolveu da instância o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, por falta de personalidade jurídica; (ii) julgou o Tribunal materialmente incompetente para julgar a pretensão indemnizatória formulada contra a ré D…; e (iii) julgou parcialmente procedente a excepção peremptória arguida pelo interveniente principal E…, relativamente ao pagamento e renúncia parcial da indemnização.
Tal despacho foi proferido no âmbito da acção administrativa comum sob a forma de processo ordinário – instaurada pelos Autores (AA) contra os Réus (RR) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e D… –, tendo posteriormente sido chamado e intervindo nos autos como interveniente principal E….
Remataram a sua alegação com as seguintes CONCLUSÕES que a seguir se transcrevem:
“A.- Através do n° 2 do art. 10° atribui-se ao Ministério a possibilidade de ser parte dum processo, está a reconhecer-se que o mesmo tem personalidade judiciária.
B.- Uma interpretação restritiva do art.10.°/2 do CPTA contraria o principio da promoção e do acesso à justiça, consagrado no art. 7.° do mesmo diploma e que estipula que as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de se promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
C.- Mesmo que assim não se entenda, por força das regras do CPC que regem a personalidade judiciária, ultrapassa-se a questão da falta de personalidade jurídica do Ministério.
D.- O art. 7° nº 1 do CPC dispõe que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a acção proceder de facto por elas praticado.
E.- Os órgãos de administração duma pessoa colectiva pública, neste caso, o Ministério não poderá deixar de ser considerado uma representação do Estado.
F.- Discutindo-se a responsabilidade do Ministério decorrente de facto por ele praticado, este órgão tem personalidade judiciária.
G.- Mesmo que se entendesse que a responsabilidade do Ministério não decorre de facto por ele praticado, o art. 8° do CPC dispõe sobre a sanação da falta de personalidade judiciária: “a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado”.
H.- Quanto à questão da incompetência material do tribunal para conhecer do pedido formulado contra a R. D…, não pode subsistir a interpretação dada pelo douto Julgador a quo ao art. 10° n°7 do CPTA.
I.- O art. 10º n° 7 do CPTA embora não sendo uma regra sobre competência material dos tribunais administrativos, torna claro que é possível que a acção seja proposta contra entes públicos, mas também contra todos os outros interessados (mesmo que sejam pessoas jurídicas privadas), quando a relação material controvertida lhes diga igualmente respeito.
J.- Entendeu o douto Julgador a quo que a renúncia à indemnização feita pelos Recorrentes em nome do seu filho menor enquanto não anulada teria de produzir os seus efeitos.
L.- Esta anulação tanto pode ser feito por acção expressamente intentada para o efeito, quanto por via de excepção, quando se invoca a excepção peremptória de pagamento.
M.- Assim, a renúncia invocada pela Ré deverá ser anulada e, por isso, não poderá produzir os efeitos pretendidos.
N.- E não se diga que o tribunal não é competente para proceder a esta anulação por via de excepção, pois o que aqui em causa não é o conhecimento de qualquer pedido deduzido pelos Recorrentes mas o conhecimento de uma “questão prejudicial”.
Por acórdão proferido pela formação prevista no nº 5 do artº 150º do CPTA foi admitido o recurso.
“1 Os recorrentes A… e mulher B… interpuseram o presente recurso de revista para este STA do Ac. do TCA Norte, que mantendo a decisão do TAF de Braga, absolveu da instância o Ministério da Educação por falta de personalidade e capacidade judiciária; declarou a incompetência material dos tribunais administrativos para apreciar da responsabilidade da R D… e declarou parcialmente procedente a excepção peremptória do pagamento parcial da indemnização relativa aos danos sofridos pelo seu filho menor C… e parcial renúncia da indemnização.
2 Sendo que estas decisões foram tomadas no âmbito de uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, em que aqueles, por si e em representação do seu filho pediam a condenação dos RR – Ministério da Educação; E… e D… – uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo menor e por eles próprios já que aqueles não teriam cumprido os deveres de vigilância do menor” dando lugar a que tenha caído à piscina explorada pela última R e nela ficado imerso durante minutos do que resultaram lesões irreversíveis”.
3. As questões a resolver e que resultam das alegações dos recorrentes são:
- Da falta de personalidade e capacidade judiciária do Ministério da Educação e da possibilidade de sanar tal falta — arts. 10°, n° 2 do CPTA e arts. 7° e 8° do C.P.C.
- Da incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido formulado contra a R. “ D…”.
- Excepção peremptória do pagamento parcial e renúncia parcial à indemnização. Ou seja, “ se a renúncia pelos pais em nome de seu filho menor ao direito a maior indemnização pode ser objecto de anulação nesta acção”, cfr. Ac. que admitiu a presente revista.
4 . Como ensina Freitas do Amaral – Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., págs. 213 e segs. – “O Estado – Administração é uma pessoa colectiva pública autónoma, não confundível com os governantes que os dirigem, e nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas administrativas, também dotadas de distinta personalidade jurídica, tais como as regiões autónomas, as autarquias, as associações, institutos, empresas públicas, com personalidade jurídica património, direitos, obrigações, atribuições, competências, finanças pessoal próprios e que são terceiros em relação ao Estado.
Os ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do seu órgão central Governo, dirigidos pelos respectivos ministros, sem qualquer tipo de personalidade jurídica ou judiciária”.
Ora, como é sabido, a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte. E quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária (art. 5° do C.P.C.). Logo, o Ministério da Educação não pode ser parte numa acção administrativa comum e que diz respeito a responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Aliás, sobre esta questão e da eventual sanação desta falta de personalidade judiciária dos Ministérios pode ver-se, por todos, o douto Ac. deste STA de 29-1-03, rec.1677/02 – “Não tem, assim, razão a Autora/Recorrente quando defende a existência de personalidade judiciária por parte da Ré, baseando, em grande medida, tal errada conclusão, um pouco incompreensivamente, no apontado carácter uno do Estado, o qual, como vimos na transcrição efectuada da obra do Professor Freitas do Amaral, conduz precisamente à conclusão oposta: a de que só o Estado e não os seus órgãos ou serviços, como é o caso da Ré, detêm personalidade jurídica. Conforme se extrai dos artigos 5°, 6° e 7° do Código de Processo Civil, fora dos casos em que existe personalidade jurídica (havendo personalidade jurídica há também personalidade judiciária), só existe personalidade judiciária, isto é, a susceptibilidade de ser parte, nos casos previstos expressamente nos artigos 6° e 7° do Código de Processo Civil, onde não se enquadra a situação dos autos. Nem se argumente, como o faz a Recorrente, com o previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em relação à propositura dos recursos contenciosos e outros meios processuais aí regulados, designadamente acções para reconhecimento de direito e processos de intimação, nos quais o sujeito passivo em juízo é um órgão da Administração Pública e não o Estado. Trata-se, de facto, de situações processuais com características inteiramente diversas das acções de responsabilidade civil contratual ou extracontratual – que não interessa aqui desenvolver – apenas cabendo salientar que, em atenção aos interesses específicos desses meios processuais, entendeu o legislador prescrever, em relação aos mesmos, normas próprias reguladoras de legitimidade passiva (e, consequentemente também de personalidade judiciária ou susceptibilidade de ser parte). Nas acções de responsabilidade civil da Administração Pública, contratual ou extra-contratual, aplicam-se as regras e princípios do Código de Processo Civil (art°72°, n° 1, da LPTA) sendo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 494°, alínea c), 495° e 288°, n° 1, alínea c), do citado Código, a falta de personalidade judiciária é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do Réu da instância, como bem considerou a sentença recorrida. E também não assiste razão à Recorrente quando sustenta que a lei permite a sanação da falta de personalidade judiciária, designadamente em casos como o dos autos, pelo que, “à luz dos princípios da economia processual, da cooperação e do inquisitório” incumbiria ao Tribunal a quo regularizar a instância, chamando à acção a entidade com personalidade judiciária ou convidando a Autora/Recorrente para o fazer”. De facto: Dispõe o artigo 265°, n° 2, do Código de Processo Civil, que a Recorrente aponta como violado a este propósito: “O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-lo”. Ora, a falta de personalidade judiciária – com ressalva da excepção expressamente prevista na lei (artigo 8° do Código P. Civil), quanto à falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações, nas circunstâncias contempladas no aludido artigo 8° do Código de Processo Civil – é um pressuposto processual insusceptível de sanação. De facto, é unânime o ensinamento dos processualistas a este respeito, por razões, de resto, que respeitando à natureza própria do pressuposto processual em análise, impedem que os princípios da economia processual, da cooperação e do inquisitório, a que a Recorrente faz apelo, possam, no caso, permitir aquela sanação. Assim, escreve por exemplo, o Prof. Castro Mendes (Direito Processual Civil II, págs. 13 e 14): “A personalidade judiciária ocupa um lugar muito especial entre os pressupostos processuais (como a personalidade jurídica entre os “status”): é o pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes (sublinhado nosso). Com efeito, a legitimidade, por exemplo, ou a capacidade judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno pressupõem uma parte, de que são atributos e de que a susceptibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda. Se falta a legitimidade, por exemplo, a instância trava-se entre o tribunal e duas partes, sendo uma (pelo menos) ilegítima. Se falta a personalidade judiciária, não há parte: falta em rigor o ramo da instância em que essa devia funcionar como sujeito. Falta a instância, embora haja uma aparência de instância, que chega para fundamentar os actos de processo que se pratiquem. E, mais adiante (fls. 28), salienta o referido autor que, mesmo a absolvição da instância levanta algumas dificuldades, num processo em que, faltando a personalidade judiciária, não há verdadeiramente uma instância, mas apenas uma aparência de instância. Só por virtude da tutela provisória da aparência, poderá, p. ex, a entidade carecida de personalidade judiciária ré, defender-se ou ter representante que o faça. "A falta de personalidade judiciária é insanável” escreve, subsequentemente o mesmo autor, conforme se deduz “a contrario sensu” do art° 23° (De notar que não houve alterações relevantes, quanto ao aspecto em causa, na nova redacção do art° 23° do C. P. Civil). Também o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3°, pág. 394) ensina: “Desde que o juiz apure que o autor ou réu é destituído de personalidade judiciária, tem necessáriamente de absolver o réu da instância. A falta não pode sanar-se. (sublinhado nosso).
O mesmo entendimento revelam ter Manuel de Andrade (Noções elementares de Processo Civil, pág. 86), Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, pág. 110), e, mais recentemente, Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo processo civil, 2° ed. pág. 140), que refere o dever de intervenção do juiz no sentido da sanação da falta deste pressuposto, apenas no já aludido caso do artigo 8° do Código de Processo Civil, em que, excepcionalmente, a mesma é sanável.
Convém, a propósito, distinguir os casos de sanação do vício de cessação da causa do mesmo vício, ocorrida antes de o juiz declarar extinta a instância, o que sucederá, por exemplo, quando a parte com personalidade judiciária intervém espontaneamente no processo, contestando a acção, ou quando a sociedade anónima irregular, passe a regular, por designadamente, serem publicados os respectivos estatutos até então não publicados. Só a sanação é proibida, já não a relevância de cessação da causa de vício (cf. Anselmo de Castro, obra citada, pág. 110; Prof. Castro Mendes, obra citada, págs. 29 e 30). Na situação ora em análise, está em causa a possibilidade de sanação que, como resulta do exposto, não é viável. Em caso similar ao dos autos, este Supremo Tribunal decidiu pela confirmação da decisão recorrida, que havia absolvido a Ré – entidade não personalizada integrada na Administração directa do Estado – da instância, por falta de personalidade judiciária (v. acórdão de 7-3-01, recurso n° 47 096).
Em face do exposto, impõe-se concluir pela insusceptibilidade de sanação, no caso dos autos, da falta de personalidade judiciária da Ré, nomeadamente através das formas sugeridas pela Recorrente nas suas alegações, pelo que, ao não admitir aquela sanação, a sentença recorrida não incorreu em qualquer violação de normas ou preceitos legais, designadamente, das apontadas pela Recorrente nas respectivas alegações”
4.1. É certo que este Ac. foi tirado na vigência da LPTA e agora está em vigor o art. 10º, n° 2 do CPTA que dispõe - “Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
Contudo, para o caso, tal inovação nada traz de novo, o n° 3 do mesmo art. não deixa margem para dúvidas ao dispor – “Os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidade administrativa independente destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença” . E o n° 2 do art. 11º diz – “ Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade...” . Para além da jurisprudência indicada na decisão sob recurso (fls.764/5) importa ter em atenção ao que escreve Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira em anotação II àquele art.10º, in CPTA anotado, págs. 167 – “O art. 10º, nº 2 corresponde a uma importantíssima inovação em matéria de legitimidade passiva nos processos que tenham por objecto o exercício (ou a recusa de exercício) de poderes de autoridade para a emissão de normas ou actos administrativos da autoria de determinado órgão de um ente público, ou seja, nos processos da acção administrativa especial – não se aplicando, porém, às acções administrativas comuns porque nestas acções a legitimidade já não pertence ao ministério mas à própria pessoa Estado (representada, então, pelo Ministério Público). E no mesmo sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, CPTA, anotado, págs. 72 e 73.
4.2. Quanto a esta questão não têm os recorrentes, pois, qualquer razão.
5. E quanto à incompetência material dos Tribunais Administrativos também não têm razão.
Aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídico administrativas, competindo-lhes, nomeadamente, conhecer das acções sobre responsabilidade civil extra contratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público... (cfr. art. 4°. n° 1, nomeadamente, alínea i) do ETAF). Nos termos do art.212° da CRP – “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. A atribuição da competência em razão da matéria será daquele tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em fruição do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados “tribunais comuns”— Veja-se Ac. do Tribunal de Conflitos de 9.12.08, rec. 013/08 (que apesar de se debruçar sobre uma questão ainda no âmbito do antigo ETAF de 1984 tem aplicação aqui apenas nos conceitos invocados), onde são, por sua vez, citados os Acs. do STJ de 27.5.03, rec. 03A1376 e de 11.12.03, rec. 03B3845.
5.2. Dispõe o art. 10°, n° 7 do CPTA que — “ podem ser demandados particulares ou concessionárías, no âmbito de relações jurídico – administrativas que os envolvam com entidades públicas ou outros particulares”. Mas, como escrevem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotação ao art. 10°, n° 7, págs. 171 — “Reconhece-se aqui a legitimidade passiva de particulares e de concessionários para serem demandados em tribunal administrativo pala autoridade administrativa ou por outros particulares, no caso de incumprimento dos deveres jurídico – administrativos que lhes cabem, seja nos casos referidos nos art. 37º/3 100°/3 e 104°/2 do Código ou em quaisquer outros em que eles apareçam como sujeitos de relações jurídico – administrativas...”.
E Mário Airoso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005 , págs. 80 escrevem —“O n° 7 do art. 10° não constitui uma norma de competência material dos tribunais administrativos, mas antes uma regra de legitimidade plural passiva, ao permitir que a acção seja proposta, não apenas contra os entes públicos, mas também contra todos os outros interessados (ainda que sejam concessionários ou particulares), quando a redacção material controvertida respeitar a várias pessoas. Exige-se, contudo, que o envolvimento dos interessados particulares se situe ainda no âmbito de uma relação jurídica administrativa, sendo esta que determina a competência contenciosa do tribunal para conhecer do litígio”. E Vieira de Andrade in “ A Justiça Administrativa, 9 edição, págs. 55 escreve – “Esta questão sobre o que se entende por “relação jurídica administrativa “ sendo fulcral, devia ser resolvida expressamente pelo legislador. Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito Constitucional de “ relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração”. Como também se escreveu no Ac. do Tribunal de Conflitos de 9.12.08, Proc. 017/08 – “Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas”.
E certo que a IPSS, pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de utilidade pública, como resulta do DL n° 119/83 de 25 de Fevereiro (diploma este que sofreu várias alterações, mas não quanto a esta matéria), desenvolvia com esta acção um serviço público que assumiu no âmbito das suas actividades de auxílio social. Porém, no caso, é manifesto não existir qualquer relação jurídico - administrativa entre o E… e a “D…” como muito bem se explicitou no Ac. sob recurso a fls. 773/4. Entre estas duas entidades apenas havia um acordo privado em que a segunda autorizava a “utilização das suas piscinas a troco de uma prestação pecuniária paga pelo E… em função do número de crianças que entrassem naquelas instalações”. A relação estabelecida entre estas duas entidades não é regulada por normas de direito administrativo, nem se denota nessa relação qualquer prerrogativa de autoridade pública da parte desta última, ou qualquer imposição de restrições ou deveres públicos à primeira.
Assim, não existindo aquela relação jurídico — administrativa está arredada a jurisdição administrativa para conhecer da acção de responsabilidade contra a D….
6. Também quanto à questão da excepção peremptória do pagamento parcial os recorrentes não têm razão. Os mesmos receberam a título de indemnização por cobertura de invalidez permanente e a título de reembolso de despesas de tratamento (respeitantes ao seu filho menor C…) 10.263,92 euros. Tal quantia foi-lhe paga pela seguradora” F…” onde o “E…” possuía um seguro de acidentes pessoais para os seus alunos. Os mesmos deram quitação constando do respectivo recibo que os mesmos renunciavam a qualquer outro direito quanto a despesas de tratamento e indemnização no âmbito da cobertura de invalidez permanente no que respeita, obviamente, ao E… e à respectiva seguradora.
Pretendem agora, nesta acção, que o tribunal anule esta renúncia ao abrigo do disposto no art. 1889°, n° 1, als. i) e o) do C.C. com o fundamento de que não tinham poderes para tal. Sem pôr em causa a possibilidade de tal anulação, dúvidas não há que a mesma só pode ser requerida nos termos do disposto no art. 1893° do C. Civil, sendo certo que os pais estão excluídos de a poder requerer. E bem se compreende que assim seja já que, caso contrário, poderia cair-se no absurdo de primeiro aceitarem e depois requererem a anulação de tal acto como, aliás, refere o recorrido E… nas conclusões da sua contra alegação (G).
7. Por tudo o expendido e em nossa modesta opinião, o recurso deve improceder mantendo-se o Ac. recorrido.”
Os Autores vieram aos autos pronunciar-se sobre tal parecer.
Foi distribuído projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Adjuntos.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. Como MATÉRIA DE FACTO no acórdão recorrido consignou-se o seguinte da decisão do TAF de Braga:
«A R. E…, na contestação, suscitou excepção dilatória de incompetência material do Tribunal para conhecer do pedido contra si formulado.
Referiu, para tal, ser uma pessoa colectiva de direito privado, regulada apenas por normas de natureza jurídico-privada, pelo que qualquer acção tendente a apreciar a respectiva responsabilidade civil extra-contratual terá de ser instaurada nos tribunais comuns.
Os AA. na réplica, referiram que “a intervenção da Ré D… foi requerida ao abrigo da norma do art. 10º n° 7 que permite que possam ser demandados particulares”
Apreciando e decidindo:
Uma das principais inovações da reforma do contencioso administrativo foi a possibilidade, embora sujeita ao preenchimento de requisitos consagrados na lei, de serem demandados, na jurisdição administrativa, particulares.
Com efeito, ao contrário do que dispunha, anteriormente, a alínea h) do n° 1 do ETAF, que apenas permitia aos Tribunais Administrativos de Círculo conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, actualmente, com a previsão, no n° 7 do art. 10º do CPTA, existe a possibilidade de serem demandados particulares, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou outros particulares.
Esta tem sido, aliás, a opinião dos diversos autores que se têm debruçado sobre esta questão, importando aqui chamar à colação a opinião expendida por Carlos Fernandes Cadilha, (in Cadernos de Justiça Administrativa n°34, pág.23) que passamos a citar:
“Não podem subsistir dúvidas que pessoas jurídicas privadas que mantenham uma específica relação com um regime de direito administrativo podem hoje ser demandadas individualmente na jurisdição administrativa.”
Contudo, para que possam ser, na jurisdição administrativa, demandados particulares exige o n° 7 do art. 10 do C. P. T.A. a verificação de uma relação jurídica-administrativa que envolva o particular com entidades públicas ou com outros particulares.
No caso presente, e conforme é aliás reconhecido pelos AA na réplica (art. 10°), não se verifica a existência entre a R. D…, os AA. e dos demais RR (Ministério da Educação e E…) de uma relação jurídico-administrativa
O E… efectuava o transporte das crianças para a piscina onde ocorreu o acidente relatado nos autos, sendo que era paga uma quantia em função do número de crianças que pretendiam ter acesso às piscinas, pelo que a relação existente entre o E…, as crianças que frequentavam as piscinas e a R. D… é uma relação jurídico-privada.
Assim, não se encontra preenchido o pressuposto consagrado no n° 7 do art. 10° do C.P. TA., pelo que assiste razão à R. D…, embora por motivos diversos dos invocados, quando excepcionou a incompetência material do Tribunal para conhecer do pedido contra si formulado.
Pelo exposto na procedência da excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para conhecer do pedido formulado contra a R. D…, absolve-se esta da instância — cfr. alínea a) do art. 494º e n°2 do art 493° do C.P.C., ex vi art. l0º do CP.T.A.
(…)
Os AA. vieram intentar a presente acção administrativa comum contra, entre outros, o Ministério da Educação.
Nos termos do despacho datado de 2 de Fevereiro de 2006, proferido ao abrigo do n°3 o art. 3° do C.P. C., foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária do R. Ministério da Educação, tendo os AA. referido que esse entendimento constituiria interpretação restritiva do art. 10 n°2 do C. P. TA., contrariando o princípio da promoção do acesso à justiça consagrado no art. 7° do C. P. T.A.
Por seu turno, o Ministério da Educação defendeu estar-se perante excepção dilatória conducente à absolvição da instância.
(…)
Os Ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do respectivo órgão central Governo, constituindo posição unânime da jurisprudência, no domínio da LPTA, serem os Ministérios destituídos de personalidade e capacidade judiciária.
A questão que o C.P.TA. coloca, mais concretamente o n°2 do artº 10, é saber se no domínio da responsabilidade civil do Estado, a referida falta de personalidade e capacidade judiciárias se deve considerar sanada.
Entende o Tribunal que assim não é. Em primeiro lugar, importa reter que a sanação da falta de personalidade judiciária – a que os AA. fazem apelo – apenas é possível nos casos previstos no art. 8° do C.P.C., aplicável ex vi artº. 1°do C.P.TA., isto é nos casos de falta do referido pressuposto processual por parte das sucursais, agências, filiais e representações, e, em segundo lugar, porque a norma em apreço não é aplicável às acções de responsabilidade civil extracontratual em que deveria ser demandado, na situação dos autos, o Estado.
Na verdade, a norma em apreço não tem o alcance de conferir personalidade judiciária a quem não a possui – estamos, na norma aludida, no domínio da legitimidade passiva nas situações em que está em causa um acto jurídico impugnado ou na hipótese em que sobre os órgãos de determinado ministério recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos — cfr. n°2 do art. 10º do C.P.T.A.- e não em situações, como a dos autos, em que se pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual.
Autores como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos” – pág. 72, Almedina) defendem que a norma em apreço “...parece dever ser, porém, objecto de uma interpretação restritiva mediante a qual será de entender que ela não abrange todo o tipo de processos intentados contra entidades públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam ao recurso contencioso de anulação e à impugnação de normas (agora enunciadas nos artigos 50° e segs. e 72°), e a que há a acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo (artigo 37º n°2, alíneas a), b), c) d) e e)). Trata-se, portanto dos processos que seguem a forma de acção administrativa especial e uma parcela dos processos que seguem a forma da acção administrativa comum.
Prosseguem os Autores referidos “nesse sentido aponta, desde logo, a letra da lei, que se reporta a processos que tenham por objecto “a acção ou omissão de uma entidade pública determinando que a identificação do ministério que deverá ser demandado (no caso do Estado) deverá ser efectuada por referência aos órgãos a que “seja imputável o acto jurídico impugnado” ou sobre os quais “recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” isto, em contraponto com a cláusula geral do n°1 do art. 10” que confere legitimidade passiva, à outra parte na relação material controvertida, sugerindo que pretende referir-se, por regra; a pessoas jurídicas e não a entidades (como seria o caso dos ministérios) que beneficiem de uma mera extensão da personalidade judiciária, o que assume sempre um carácter excepcional (cfr. art. 5° do C.P. C). No mesmo sentido concorre também o disposto no art. 11°, n°2, que, de harmonia como artigo 20° do CPC, no âmbito do patrocínio judiciário, ressalva a possibilidade de representação do Estado (e não dos Ministérios) pelo Ministério Público, nos processos que tenham por objecto relações contratuais ou de responsabilidade.”
Nas acções administrativas comuns em que se pretenda efectivar a responsabilidade civil a legitimidade passiva, enquanto pressuposto processual de apreciação subsequente à personalidade e capacidade judiciárias continua a pertencer à pessoa colectiva Estado e não aos ministérios, pelo que se constata a verificação da excepção dilatória de falta de personalidade e capacidade judiciárias, conducente à absolvição da instância.
Assim, pelos motivos expostos, julga-se verificada a excepção dilatória de falta de personalidade e capacidade judiciária do Ministério da Educação, absolvendo-se este da instância — cfr. alínea c) do art. 494, 1º parte do n°2 do art. 493° e art. 495° todos do C.P.C., ex vi art. 1° do C.P.T.A..
(…)
O interveniente principal E…, na respectiva contestação, aduziu excepção peremptória de pagamentos dos danos sofridos pelo AA. C…, dado que, tendo transferido a responsabilidade civil extracontratual por danos sofridos pelos seus alunos, comunicou à F..., o acidente objecto dos autos, tendo a referida companhia procedido ao pagamento ao referido AA., “...na pessoa dos seus pais...” de uma indemnização no montante de 10.263,92 €, conforme recibo junto aos autos com a contestação apresentada, pelo que, tendo os pais do AA. renunciado a “...exercer qualquer direito contra o E…... “deveria a acção improceder, face à invocação da supra descrita excepção peremptória.
Os AA., na réplica, pugnaram pela improcedência da supra descrita excepção peremptória, tendo referido que a renúncia tem “...um âmbito muito mais limitado do que o R. pretende fazer crer, atento o conteúdo da mesma, estando a referida renúncia limitada pelo âmbito da cobertura de invalidez permanente que só inclui danos ou lesões corporais e despesas de tratamento.
Referiram, ainda, que tal renúncia apenas é válida relativamente à F… e que tal declaração de renúncia é anulável, por conjugação do disposto nos art. 1889 n°1 als. i) e o) e 1893° do Código Civil.
Apreciando e decidindo:
São várias as questões que importa analisar no que concerne à excepção peremptória em apreço.
A primeira prende-se com o âmbito do contrato de seguro celebrado entre o R. e a F… bem como o âmbito da declaração de renúncia emitida pelos pais do AA. C…, autores também nos presentes autos.
Conforme se extrai do doc. 3 junto com a contestação do R. E… o contrato de seguro cobria os seguintes riscos: morte, invalidez permanente e despesas de tratamento e repatriamento, pelo que é este o âmbito da responsabilidade civil extracontratual que o referido R. transferiu para a aludida companhia de seguros.
Por outro lado, o âmbito da declaração assinada pelos pais do AA. C… tem o seguinte teor:
“Recebi/Recebemos da F… a importância abaixo indicada como:
Reembolso de despesas de tratamento e indemnização no âmbito da cobertura de invalidez permanente pelo capital máximo garantido e definido pelas condições particulares da apólice, renunciando a qualquer outro direito contra a F…, a quem confere plena e geral quitação”.
Assim, os danos indemnizados pela F… — por força da transferência de responsabilidade civil operada pela celebração de contrato de seguro — dizem respeito, apenas, aos danos relativos às despesas de tratamento e invalidez permanente, tendo a declaração assinada pelos pais do AA. C… apenas esse alcance.
Assim, assiste razão aos AA. quando argumentam que a aludida declaração apenas expressa uma renúncia a qualquer outro direito no que concerne aos danos por invalidez permanente e despesas de tratamento.
Contudo, a expressão “renunciando a qualquer outro direito contra a F…” implica a renúncia a qualquer outro direito contra o R. E…, pelos danos relativos a invalidez permanente e despesas de tratamento, dado este ter transferido a respectiva responsabilidade civil extracontratual, nos descritos termos, para a F….
No que concerne à anulabilidade da declaração em apreço, nos termos alegados pelos AA., importa apenas referir que enquanto não for a mesma anulada esta produz os seus efeitos, não sendo este Tribunal competente para apreciar a sua validade.
Assim, a excepção peremptória suscitada pelo R. não tem o amplo alcance que este lhe confere, sendo circunscrita aos danos supra referidos, pelo que se julga parcialmente procedente a excepção de pagamento (parcial) suscitada devendo os autos prosseguir para conhecimento dos demais danos invocados pelos AA., a saber: danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelo A. C… (com exclusão dos resultantes da invalidez permanente e despesas de tratamento), bem como danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelos AA. A… e B…».
II.2. O DIREITO
Estando em causa uma acção administrativa comum para efectivar a responsabilidade civil extracontratual [instaurada pelos AA contra os RR (i) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e (ii) D…, (iii) vindo aos autos como interveniente principal o E…, o acórdão recorrido julgou que devia manter-se o decidido no TAF de Braga no sentido de que (i) o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO se mostrava carecido de personalidade e capacidade judiciária, (ii) o TAF era incompetente em razão da matéria relativamente à R D… e (iii) que procedia parcialmente a excepção peremptória arguida pelo R E… quanto ao pagamento e renúncia parcial da indemnização.
Pela presente acção, os AA/recorrentes pretendiam efectivar a responsabilidade civil extracontratual, tendo sido intentada como acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Ministério da Educação (em virtude de o jardim de infância frequentado pelo filho dos AA ser propriedade do referido R. E…, integrado na rede pública pré-escolar) e a D… (a título subsidiário), caracterizando o acidente que o seu filho menor sofreu, como sendo um acidente escolar, por ter ocorrido numa piscina que era utilizada no âmbito das actividades escolares nos meses de Verão e durante o tempo a elas destinado.
Mais alegam que a caracterização do acidente já se mostra aceite, uma vez que pela DREN foi proposto pagar ao encarregado de educação do menor a quantia de 100.258,37€ a título de indemnização prevista na aI. b), do artº 10° da Portaria nº 413/99 de 25 de Janeiro, referente ao seguro escolar (a qual não foi aceite por não se considerarem integralmente ressarcidos com o pagamento desta quantia), pelo que, com a presente acção, visam o ressarcimento de danos alegadamente sofridos e não ressarcidos (discriminados na p.i.) com esta proposta de indemnização.
Vejamos cada uma das referidas pronúncias pela ordem por que foram apreciadas.
II.2.1. PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIA DO MINISTÉRIO (DA EDUCAÇÃO).
Afrontando o decidido os AA., em síntese, afirmam:
- quando o n° 2 do art. 10° do CPTA atribui ao Ministério a possibilidade de ser parte dum processo, está a reconhecer-se que o mesmo tem personalidade judiciária;
- outra interpretação (restritiva) daquele preceito contraria o principio da promoção e do acesso à justiça, consagrado no art. 7.° do mesmo diploma;
- de resto, por força das regras do CPC que regem a personalidade judiciária, pode ultrapassar-se a questão da falta de personalidade jurídica do Ministério. Assim, e nesse sentido, irá o art. 7° nº 1 do CPC;
- por outro lado, ao abrigo do disposto no art. 8° do CPC pode sanar-se a falta de personalidade judiciária;
- deste modo, também “os órgãos de administração duma pessoa colectiva pública, neste caso, o Ministério, não poderão deixar de ser considerados uma representação do Estado”.
Vejamos.
II.2.2. O artº 5.º do CPC (aplicável supletivamente na lei de processo administrativo - artº 1º do CPTA), sob a epígrafe Conceito e medida da personalidade judiciária, dispõe:
1.A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.
2. Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
Assim, a personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na susceptibiIidade de ser parte traduzindo-se “na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei” (in Manual de Processo Civil, por Antunes Varela e outros, 2.ª ed. a p. 108).
O critério fixado na lei (artº 5º n.º 2 do CPC) é o da correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (ou capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária, sem prejuízo dos casos excepcionais em que a lei processual toma extensível a personalidade judiciária a entes que são desprovidos de personalidade jurídica (arts. 6° e 7° do CPC), sendo que tais casos, precisamente porque configuram situações excepcionais, têm de estar expressamente previstos na lei.
II.2.3. Convoque-se, pois, o que se disse no acórdão recorrido:
(…)
Por outro lado, face ao disposto nos art°s 66° e segs. e 157° e segs. do Código Civil, detém personalidade jurídica as pessoas singulares e as pessoas colectivas, nas quais se incluem as associações e as fundações.
Assim, os Ministérios não sendo pessoas colectivas mas antes órgãos da pessoa colectiva Estado não possuem personalidade jurídica.
E nem podem, por isso, considerar-se sucursais, agências, filiais, delegações ou representações do Estado como parecem pretender os recorrentes.
E não se subsumindo o caso dos Ministérios ao âmbito de aplicação do disposto no art° 8° do CPC a sua falta de personalidade judiciária não pode ser sanada, nem suprida.
Não sendo sanável também não pode esta excepção dilatória ser objecto de suprimento nos termos do disposto nos art°s 508°, n° 1, alo a), 265°, n° 2, ou dos arr's 325° e segs. do CPC.
Aliás, no caso concreto, se o Estado viesse a ser chamado à acção como interveniente principal, como pretendiam os recorrentes, ficaríamos perante uma acção destituída dos originais sujeitos processuais passivos indicados e demandados inicialmente, e seriam todos, apenas, intervenientes principais”.
II.2.4.Ora, para os AA, e como se viu, o reconhecimento de personalidade judiciária ao R. Ministério decorre do n° 2 do art° 10° do CPTA.
Efectivamente, segundo tal normativo
1-
2 - Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 - Os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença.
(...)".
Por outro lado, quanto aos conceitos de patrocínio judiciário e de representação em juízo, estabelece o art.° 11° do mesmo Código que:
"1 - (…)
2 - Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas colectivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito…".
Para Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha In (“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos” – 2ª ed. págs. 82/3, Almedina) a norma em apreço “...parece dever ser, porém, objecto de uma interpretação restritiva mediante a qual será de entender que ela não abrange todo o tipo de processos intentados contra entidades públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam ao recurso contencioso de anulação e à impugnação de normas (agora enunciadas nos artigos 50° e segs. e 72°), e a que há a acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação na prática de acto devido e à declaração de ilegalidade por omissão de normas (artigos 66° e 77°), bem como as acções de reconhecimento de direito e às acções de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo (artigo 37º n°2, alíneas a), b), c) d) e e)). Trata-se, portanto dos processos que seguem a forma de acção administrativa especial e uma parcela dos processos que seguem a forma da acção administrativa comum.
Prosseguem os Autores referidos que, “nesse sentido aponta, desde logo, a letra da lei, que se reporta a processos que tenham por objecto “a acção ou omissão de uma entidade pública determinando que a identificação do ministério que deverá ser demandado (no caso do Estado) deverá ser efectuada por referência aos órgãos a que “seja imputável o acto jurídico impugnado” ou sobre os quais “recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” – isto, em contraponto com a cláusula geral do n°1 do art. 10º que confere legitimidade passiva, à outra parte na relação material controvertida, sugerindo que pretende referir-se, por regra, a pessoas jurídicas e não a entidades (como seria o caso dos ministérios) que beneficiem de uma mera extensão da personalidade judiciária, o que assume sempre um carácter excepcional (cfr. art. 5° do C.P.C). No mesmo sentido concorre também o disposto no art. 11°, n°2, que, de harmonia como artigo 20° do CPC, no âmbito do patrocínio judiciário, ressalva a possibilidade de representação do Estado (e não dos Ministérios) pelo Ministério Público, nos processos que tenham por objecto relações contratuais ou de responsabilidade.
Também para Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, em anotação ao mesmo artº 10.º, nº 2 (in CPTA anotado, a págs. 167. ), depois de registarem que a importantíssima inovação em matéria de legitimidade passiva respeita aos “processos que tenham por objecto o exercício (ou a recusa de exercício) de poderes de autoridade para a emissão de normas ou actos administrativos da autoria de determinado órgão de um ente público, ou seja, nos processos da acção administrativa especial – não se aplicando, porém, às acções administrativas comuns” porque nestas acções “no caso de o demandado ser o Estado…a legitimidade já não pertence ao ministério mas à própria pessoa Estado (representada, então, pelo Ministério Público) (Como ensina Freitas do Amaral – Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., págs. 213 e segs. – “Os ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do seu órgão central Governo, dirigidos pelos respectivos ministros, sem qualquer tipo de personalidade jurídica ou judiciária).
Refira-se que no domínio do contencioso de anulação a legitimidade passiva e a personalidade judiciária, para esse efeito, radicavam não na pessoa colectiva mas antes no órgão da administração que praticou o acto - cf. artigos 26°, 36, nº 1, al. c. e 43.º da LPTA (Citam-se a título meramente exemplificativo os acds. do STA de 24/10/1996 (proc. 40500), de 21/02/1996 (proc. 37565), de 29/01/03 (proc. 1677/02) e de 21/09/04 (proc. 351/04) e jurisprudência ali reportada.), e a personalidade judiciária dos ministérios (ou ministros) não era reconhecida para efeito dos meios processuais que seguem os termos do processo civil.
Ora, do que os recorrentes invocam (cf. II.2.1.), não se antolha qualquer razão que convença no sentido de se concluir de modo diferente do exposto, isto é, que ao Ministério, por não ser uma pessoa colectiva mas sim um órgão da pessoa colectiva Estado, falece personalidade judiciária mesmo que por extensão.
É certo que a jurisprudência, concretamente do STA, tem de há muito defendido que não tendo o Município competência administrativa, mas sim atribuições, é nos respectivos órgãos, designadamente no órgão colegial câmara municipal, que há-de radicar-se, como que uma extensão da personalidade e da capacidade judiciárias.
Isso fundamentalmente porque a câmara municipal, como órgão detentor de parte das atribuições da pessoa colectiva Município, que lhe foram confiados por lei, manifesta nessa parte que é o todo da respectiva competência a própria vontade daquele no respectivo sector (Cf., entre muitos, os acds. de 09-05-95 (proc. 037065), de 02-07-96 (proc. 039846) de 12-06-97 (proc. 038087) de 25-09-2001 (proc. 046301), de 26-09-2001 (proc. 047705) de 19-04-2005 (proc. 0240/05).).
Só que, essas atribuições da pessoa colectiva Estado não se verificam relativamente ao Ministério da Educação ou a qualquer outro (nem sequer quanto ao Primeiro Ministro) – vejam-se artºs 197º e segs. da CRP –, e daí que não possa admitir-se, como pretendem os recorrentes (ponto 37 das suas alegações), que ao falar-se em Ministério ou Estado tal não representa mais que um mero “modus dicendi”.
Face ao exposto, tal como foi decidido e por nada resultar em contrário da reforma de contencioso de 2004, concretamente do CPTA, deve concluir-se pela falta de personalidade jurídica e judiciária do Ministério da Educação para a presente acção.
II.2.5. Mas, será que, como também invocam os recorrentes, poderá sanar-se a falta de personalidade judiciária nomeadamente com apelo ao que flui dos art.s 7° nº 1 e. 8° do CPC (Ou, como se aventa no acórdão recorrido, poderia invocar-se o disposto nos artºs 508º, nº 1-a), 265º, nº 2, ou nos artºs 325º e segs. do CPC.) ?
Observe-se que, quer no acórdão recorrido (como se viu) quer no parecer do Ministério Público acima transcrito, se contêm valiosos subsídios normativos e doutrinários sobre o tema, e para onde remetemos, e que vão no sentido de, à face da lei processual civil tal sanação (diferente da cessação da causa do vício, v.g., por a parte com personalidade judiciária intervir espontaneamente no processo) não ser possível a não ser no caso do artº 8º do CPC, que não é, manifestamente, o dos autos. Essencialmente porque, e em resumo, a personalidade judiciária constitui o pressuposto dos restantes pressupostos processuais relativos às partes, pois que faltando personalidade judiciária simplesmente não há parte e, bem assim, não há instância, mas apenas uma aparência de instância.
Mas, não poderá a lei do processo administrativo conter normas ou princípios que sustentem outra conclusão?
Atentemos de novo no artº 10º do CPTA.
1 - Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 -…
3 - Os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença.
4 - O disposto nos dois números anteriores não obsta a que se considere regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence.
5 - Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas colectivas ou ministérios, devem ser demandados as pessoas colectivas ou os ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas.”.
Ora, o n° 1, mais não prescreve que o interesse directo em contradizer pertence à outra parte na relação material controvertida, constituindo ónus do demandante proceder à sua identificação (cf. a propósito, os artigos 78° n° 2 do CPTA e 467, nº 1- a) do CPC).
Tendo-nos já debruçado sobre o nº 2, deve dizer-se que a regra constante do nº 3 – ao determinar que os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, devem ser intentados contra o Estado ou contra a outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença –, constitui um corolário do princípio enunciado no já referido n° 2, na medida em que exige que também nestes casos a legitimidade passiva seja reportada à pessoa colectiva a que tais organismos se encontram adstritos.
Ou seja, o n° 3 apenas vem esclarecer que os processos nele referidos não estão sujeitos à regra ministerial referida no n° 2.
Por seu lado, o nº 4 (em correspondência com o n° 3 do artigo 78° do CPTA e à luz da inovação trazida pelo nº 2 em obediência a ditames de economia processual), estabelece uma sanação ex lege, dizendo respeito apenas aos processos que seguem a forma de acção administrativa especial e à referida parcela de processos que seguem a forma de acção administrativa comum, mas não às restantes acções administrativas.
Também do nº 5 não resulta qualquer subsídio, desde logo porque não estamos perante cumulação de pedidos, ali se concretizando o princípio de legitimação processual quando aplicável a acções que envolvam pedidos cumulados. E, embora pela sua inserção sistemática, pareça estar fora da norma do nº 4, considera-se no entanto aplicável à situação nele prevista a disciplina que essa norma reporta apenas aos casos dos nºs 2 e 3 (In Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ibidem, a p.170.) .
É certo que, ainda no domínio da LPTA, e nomeadamente a propósito do art.º 40.º da LPTA, a jurisprudência deste STA afirmava que os princípios antiformalista e “pro actione” (de que aquele art.º 40.º constitui manifestação), bem como o espírito que presidiu à recente reforma do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente em contencioso administrativo, com as necessárias adaptações – cf. art.º 1.º da LPTA) postulavam que, ao nível dos pressupostos processuais, se devia privilegiar uma interpretação que se apresentasse como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, podendo a tal respeito falar-se, de sanação dos “defeitos processuais”, tendo em vista possibilitar o exame do mérito das pretensões deduzidas (Vejam-se, a propósito e entre muitos outros, e para além do citado acórdão de 17-06-2004, os acórdãos deste STA de: 2/JUN/99-rec.44498, 7/DEZ/99-rec.45014, 15/DEZ/99-rec.37886, de 16/AGO/00-rec.46518, de 11/05/2000 (rec. 45903), de 27/01/1999 (rec. STA 43988), de 14/10/1998 (rec. 43859) e de 11/05/2000 (Rec. 45903), de 9-5-02- rec 701/02, de 23-09-2004-rec.01972/03.).
Ora, atento o que se deixou já exposto sobre a importância do pressuposto processual da personalidade judiciária (Pressuposto de outros pressupostos processuais relativos às partes, como ensina o Prof. Castro Mendes (Direito Processual Civil II, pgs. 13 e 14),) e do que dimana nomeadamente do disposto nos artigos 5º a 8º, 23º e 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, crê-se que a falta desse pressuposto processual é insanável, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 288º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
E, não se vê de que forma a solução/interpretação para que se propende possa violar o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artºs 20º e 268º nº 4 da C.R.P., pois que, independentemente do mais, tal tutela supõe que as partes se conformem com as limitações decorrentes da lei ordinária, designadamente das disposições imperativas do Código de Processo Civil, o que, como se viu, não foi o caso.
De resto, os enunciados princípios não podem deixar de co-existir com o princípio da auto-responsabilidade das partes inerente ao princípio dispositivo, o qual opera na escolha dos meios processuais e na fixação do objecto da pretensão da tutela judicial.
Em suma, fora da hipótese prevista no artº 8º do CPC, a falta de personalidade judiciária, tal como foi decidido, não é sanável.
Confirma-se, nos termos expostos, o expendido no acórdão recorrido.
II.2.2. INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
II.2.2.1.Importa, antes do mais, recordar os factos integradores da causa de pedir com interesse para decidir esta questão.
- O complexo de piscinas onde o filho dos recorrentes sofreu o acidente que serve de facto que fundamenta a pretensão deduzida pelo A. pertence à "D…", que as cedeu gratuitamente, uma vez por semana, ao R. E… (“E…"), Centro este que fazia no prolongamento do ano escolar a execução das actividades previamente aprovadas e agendadas, e efectuava a gestão financeira dessas mesmas actividades.
- a D… mantinha em funcionamento uma piscina aberta ao público, sem vigilantes e sem pessoal especializado em salvamento e reanimação de afogados.
- tal actividade mostra-se de acordo com os seus estatutos;
- o E… efectuava o transporte das crianças para as piscinas pertencentes à "D…", pagando uma determinada quantia em função do número de crianças (cada uma pagava um bilhete cujo preço tinha sido previamente acordado), e que, assim, acediam à piscina como se fossem utentes "normais".
II.2.2.2. O acórdão recorrido baseou a sua decisão de incompetência na ordem de ponderações que a seguir se sintetizam:
- entre o E… e a "D…" apenas existe uma relação jurídico-privada e não qualquer relação jurídico-administrativa como se exige no artº 10º n° 7 do CPTA. Aliás, na sequência de um despacho judicial proferido nos autos em que se solicitou que fosse junto o acordo/contrato existente entre o “E…" e a "D…", foi respondido que não existia nenhum contrato ou protocolo, mas apenas uma relação privada em que a "D…" autorizava a utilização das suas piscinas a troco de uma prestação pecuniária, nos já referidos termos, pelo que, aparentemente, a única vantagem da utilização feita nestes moldes seria a eventual redução do preço de entrada de cada aluno, uma vez que as crianças eram acompanhadas por funcionários do "E…".
- Ora, a presente acção foi intentada contra o Ministério da Educação e a "D…", tendo posteriormente sido chamado o E… a título de intervenção principal contra quem os recorrentes voltaram a formular o mesmo pedido, agora a título subsidiário.
- Assim, a entidade com quem se estabeleceu uma relação administrativa foi com o “E…", e não com a "D…", inexistindo qualquer norma legal que sujeite as sociedades de natureza privada ao regime específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público como é reclamado pelo artº 4º, n° 1, al. i) do ETAF como condição sine qua non para a extensão do âmbito da jurisdição administrativa ao julgamento e efectivação de tal responsabilidade nos tribunais administrativos;
e,
- como a utilização, nestes moldes, das piscinas da "D…" por parte do E… não assume qualquer relação jurídico-administrativa cujo conhecimento caiba aos tribunais administrativos, se os recorrentes entendem que houve falta de cuidado, negligência ou falta de vigilância por parte da "D…", terão de intentar a respectiva acção de responsabilidade, mas nos tribunais comuns e não nos administrativos.
II.2.2.3.Afrontando o decidido os AA., em síntese, afirmam que do art. 10º n° 7 do CPTA resulta que é possível que a acção seja proposta não só contra entes públicos, mas também contra todos os outros interessados (mesmo que sejam pessoas jurídicas privadas), quando a relação material controvertida lhes diga igualmente respeito, abrindo-se, assim, caminho à pluralidade subjectiva subsidiária a que se refere o artº 31º-B do CPC.
Vejamos.
II.2.2.4.O citado n° 7 do artº 10º do CPTA prescreve que:
Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.”.
O Tribunal de Conflitos, em recente acórdão (de 07-10-2009 - proc. nº 01/09), colocado perante a questão de saber se à jurisdição administrativa cabe apreciar a responsabilidade civil extracontratual de uma empresa privada (demandada em conjunto com entidades públicas), expendeu o seguinte:
«(…)
O facto de ser demandada uma empresa privada em conjunto com entidades públicas não é obstáculo à atribuição do conhecimento do litígio aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois os particulares podem ser demandados nos processos do contencioso administrativo “no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares” (art. 10.º, n.º 7, do CPTA).
Esta norma permite que, quando a relação jurídica controvertida respeitar a várias pessoas e tiver natureza administrativa, a acção possa ser proposta contra todos os interessados, mesmo que tenham natureza privada, desde que estejam envolvidos nessa relação jurídica administrativa, que determina a competência contenciosa dos tribunais administrativos.
“É irrelevante, neste contexto, que a alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF circunscreva o âmbito de jurisdição administrativa aos litígios que tenham por objecto a "responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público”. O que delimita o âmbito de jurisdição administrativa é a natureza da relação jurídica em causa: desde que a acção tenha por objecto um facto imputável a uma pessoa colectiva pública e na mesma relação jurídica se encontre envolvido um particular, a acção pode ser dirigida também contra este particular, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 10.º do CPTA” (Mário Aroso de Almeida e CARLOS Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 1ª, edição, página 80.)».
Para o Tribunal de Conflitos, não é, pois, obstáculo a que possam ser demandados particulares desde que, estando perante uma relação jurídica controvertida de natureza administrativa respeitante a várias pessoas, estejam os mesmos envolvidos na relação jurídica administrativa que determina a competência contenciosa dos tribunais administrativos.
Não se vê razão para divergir da enunciada doutrina.
Assim, em contrário do que decorre do acórdão recorrido e também da posição sustentada pelo Ministério Público no seu referido parecer, não é e inexistência de qualquer relação jurídico - administrativa entre o R. E… e a “D…” (por entre estas duas entidades apenas haver um acordo privado em que a segunda autorizava a “utilização das suas piscinas a troco de uma prestação pecuniária paga pelo E… em função do número de crianças que entrassem naquelas instalações”), mas antes que na relação jurídica administrativa existente entre os AA. e algum dos RR. com quem tal relação existe (Estado e E…) se encontre envolvido a “D…”.
E, efectivamente, a par da responsabilidade de qualquer daquelas entidades, a quem é imputada a verificação de um acidente escolar de que resultaram os eventos danosos, é também imputada à “D…” responsabilidade na produção do mesmo acidente por ter aberta ao público uma piscina não dotada de serviços de socorro e assistência.
Em resumo, e em contrário do decidido, estando definida a competência da jurisdição administrativa por força da natureza da relação jurídica que intercede entre os AA. e o Estado e o E…, ao abrigo do disposto no art. 10º n° 7 do CPTA também a acção podia ser proposta, como o foi, contra a D….
II.2.3. DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DA EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO POR PAGAMENTO
II.2.3.1. Atentemos no teor da pronúncia emitida a tal respeito e, bem assim, nos factos que lhe presidiram.
O interveniente principal E…, na respectiva contestação, aduziu excepção peremptória de pagamentos dos danos sofridos pelo AA. C…, por haver transferido (para a F…) a responsabilidade civil extracontratual por danos sofridos pelos seus alunos.
Daí o ter comunicado àquela Seguradora o acidente objecto dos autos, tendo a mesma companhia procedido ao pagamento na “...na pessoa dos seus pais...” de uma indemnização no montante de 10.263,92 €, conforme recibo junto aos autos com a contestação apresentada.
Por isso, tendo os pais do A. renunciado a “...exercer qualquer direito contra o E… ...”, deveria a acção improceder face à invocação da supra descrita excepção peremptória.
No entanto, os AA., na réplica, pugnaram pela improcedência da supra descrita excepção peremptória, em abono do que invocaram:
- (i) a renúncia tem um âmbito muito mais limitado do que o R. pretende fazer crer, atento o conteúdo da mesma, estando a referida renúncia “limitada pelo âmbito da cobertura de invalidez permanente que só inclui danos ou lesões corporais e despesas de tratamento”;
- (ii) tal renúncia apenas é válida relativamente à F…,
e
- (iii) tal declaração de renúncia é anulável, por conjugação do disposto nos art. 1889 n°1 als. i) e o) e 1893° do Código Civil.
Perante tal ordem de factos, o TAF, no que foi confirmado pelo acórdão recorrido, expendeu que, “assiste razão aos AA. quando argumentam que a aludida declaração apenas expressa uma renúncia a qualquer outro direito no que concerne aos danos por invalidez permanente e despesas de tratamento.
Contudo, a expressão “renunciando a qualquer outro direito contra a F…” implica a renúncia a qualquer outro direito contra o R. E…, pelos danos relativos a invalidez permanente e despesas de tratamento, dado este ter transferido a respectiva responsabilidade civil extracontratual, nos descritos termos, para a F….
No que concerne à anulabilidade da declaração em apreço, nos termos alegados pelos AA., importa apenas referir que enquanto não for a mesma anulada esta produz os seus efeitos, não sendo este Tribunal competente para apreciar a sua validade.
Assim:
- a excepção peremptória suscitada pelo R. foi circunscrita aos danos supra mencionados sofridos pelo A. menor (mas já não quanto aos demais danos patrimoniais e não patrimoniais por si invocados bem como danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelos AA. pais);
Mas,
- a renúncia “não pode ser anulada nos moldes em que os recorrentes o pretendem uma vez que obedece a um processo e tramitação próprios, da competência dos tribunais comuns, para além dos mesmos, face a este enquadramento, não terem legitimidade para o peticionarem por força do disposto no artº 1893° do Cód. Civil, pelo que, para a decisão que vier a ser proferida nestes autos, a mesma será tida por válida”;
Pelo que,
- os ora recorrentes em relação à interveniente principal "E…" (que transferiu a sua responsabilidade civil para a "F…") apenas podem peticionar os danos que estejam excluídos da declaração que assinaram nos termos acima referidos.
Portanto o acórdão recorrido, em síntese, julgou que (i) procedia parcialmente a excepção peremptória de pagamentos dos danos, mais entendendo que (ii) não podia ser conhecido o seu pedido de anulação.
II.2.3.2. Em fundamento da impugnação ao decidido, os AA., resumidamente, afirmam:
- a anulação tanto pode ser deduzida por acção expressamente intentada para o efeito, como por via de excepção quando se invoca a excepção peremptória de pagamento,
- devendo o tribunal proceder ao seu conhecimento por se tratar de uma “questão prejudicial”.
- Os Recorrentes/pais enquanto representantes do seu filho não tinham poderes para efectuar esta renúncia de acordo com o disposto no art. 1889°, nº 1, als. i) e o) do Cód. Civil.
Vejamos.
II.2.3.3. Do que se deixou enunciado conclui-se que as instâncias, e concretamente o acórdão recorrido, afinal, conheceram da questão do pedido de anulação da renúncia deduzido com vista à neutralização da excepção de pagamento.
Efectivamente, outro não pode deixar de ser o significado da afirmação proferida sobre os termos em que foi admitida com validade nos presentes autos e, mais eloquentemente, quando concluíram pela ilegitimidade dos AA. para a sua dedução.
E, deve dizer-se que ao abrigo do artº 15º, nº 3, do CPTA, na linha do que se preconizava no artº 7º da LPTA e se prevê no artº 96º do CPC, uma tal questão podia ser conhecida nestes autos como questão prejudicial.
Ora, prescreve o artº 1893.º, nº 1, do Cód. Civ., que “Os actos praticados pelos pais em contravenção do disposto nos artigos entidade 1889.º (Determina o seu nº 1 para o que aqui interessa que, como representantes do filho, não podem os pais, sem autorização do tribunal: “i) Ceder direitos de crédito”, ou “o) Negociar transacção ou comprometer-se em árbitros relativamente a actos referidos nas alíneas anteriores, ou negociar concordata com os credores.) e 1892.º são anuláveis a requerimento do filho, até um ano depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou, se ele entretanto falecer, a pedido dos seus herdeiros, excluídos os próprios pais responsáveis, no prazo de um ano a contar da morte do filho.”.
Parece decorrer de tal normativo que foi intenção do legislador quanto aos actos praticados pelos pais em contravenção ao disposto nos artigos 1889.º excluí-los da possibilidade de requerer a anulação daquela sorte de actos praticados nos referidos termos, seguramente porque a sua responsabilidade na prática desses actos ilegais os colocam numa situação subjectiva inapropriada a uma melhor ponderação dos interesses do menor (Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artº 1983º do Código Civil, afirmam justamente que, “Os pais responsáveis pela prática dos actos anuláveis são expressamente afastados do círculo de pessoas com legitimidade para requerer a anulação” (in Vol. V, p. 371).), podendo, inclusive, em casos como o dos autos (por um lado aceitaram o pagamento e, por outro, pretendem o seu contrário, ao pretender a sua anulação), configurar uma situação de venire contra factum proprium, ou ofender os princípios da boa fé.
Admitindo que estamos perante acto anulável nos termos das disposições conjugadas dos artº 1893.º, nº 1, e 1889.º, nº1, als. i) e o), será, pois, ou pela via da representação do menor pelo Ministério Público, ou através de um procurador ad litem, ou quando atingir a maioridade, que ao (ex-)menor é consentido questionar o acto de quitação relativa ao montante indemnizatório pelos referidos danos nos termos acordados com a seguradora (por poder configurar alguma das causas de contravenção ao disposto no artigo 1889 e, bem assim, motivo de anulação desse acto), levado a efeito pelos pais relativamente à responsabilidade do E…, com os eventuais reflexos que de uma tal anulação possam advir.
A conclusão, nos termos expostos, pela falta de legitimidade dos pais do menor para a invocação da questão, prejudica o conhecimento de outras questões.
III.DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam os juízes que compõem este Supremo Tribunal em conceder (parcial) provimento à revista, devendo, em consequência:
- revogar o acórdão recorrido,
e
- ordenar a baixa a fim de, no TAF, se proceder em conformidade com a doutrina exposta.
Custas pelos recorrentes sem prejuízo do apoio judiciário.
Lx aos 3 de Março de 2010. - João Belchior (relator) - Políbio Henriques - Rosendo José.