Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0252/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
CONVITE PARA SINTETIZAR AS CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário:I – Tendo a recorrente, por despacho do relator, sido convidada a sintetizar as conclusões da sua alegação de recurso, tem de se entender que ela procedeu a essa síntese se as reduziu em cerca de 1/3.
II – O número excessivo de conclusões não constitui, só por si, causa de não conhecimento do recurso.
III – Assim, não pode ser rejeitado o recurso quando a recorrente cumpriu o convite que lhe havia sido formulado no sentido de sintetizar as conclusões da sua alegação.
Nº Convencional:JSTA000P23530
Nº do Documento:SA1201807120252
Data de Entrada:05/04/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA CULTURA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:



1. A…………, residente na Rua …………, n.º ……, ……, em Outurela, Carnaxide, intentou, no TAF de Sintra, acção administrativa especial, contra o Ministério da Cultura, pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação, do despacho n.º 5945/2009, da Inspectora-Geral das Actividades Culturais.
Foi proferido acórdão a julgar a acção parcialmente procedente, do qual a A. interpôs recurso para o TCA-Sul.
Neste Tribunal, o Sr. juiz relator proferiu despacho, onde, invocando o disposto no artº. 639º, nºs. 1 e 3, do CPC, convidou o recorrente a sintetizar as conclusões da sua alegação de recurso.
Após o recorrente ter respondido a esse convite, juntando as conclusões sintetizadas, foi proferido acórdão a rejeitar o recurso, com o fundamento que não fora dada satisfação ao convite formulado.
Desse acórdão, o recorrente interpôs recurso de revista para o STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“ a)- Por não se conformar com a decisão do TAFS, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa comum instaurada contra o Ministério da Cultura (considerando improcedente o pedido anulatório então deduzido e procedente o pedido de reconhecimento à então autora do direito às remunerações recebidas durante a vigência do ato de nomeação anulado pelo ato então impugnado – ato revogatório), a ora recorrente apresentou no TCAS o competente recurso jurisdicional.
b)- O recorrido, Ministério da Cultura, apresentou contra-alegações, no âmbito das quais não suscitou qualquer dificuldade de perceção e/ou entendimento quanto ao teor das alegações e respetivas conclusões apresentadas pela recorrente.
c)- Em 19/5/2016, o Exmo. Relator do TCAS proferiu despacho com o seguinte teor: «Ao abrigo do disposto no art. 639.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA, convido a recorrente (…) a sintetizar as conclusões constantes do seu requerimento de alegações de fls. 435 e ss., sob pena de não se conhecer do presente recurso jurisdicional».
d)- Correspondendo àquele convite, a recorrente apresentou novo articulado com uma síntese das conclusões iniciais, passando de 155 para 97 (redução de cerca de 1/3).
e)- Não obstante, a recorrente foi verdadeiramente surpreendida com o acórdão do TCAS, segundo o qual «Em suma, face à falta de esforço de síntese exigível, ao abrigo do disposto no art.º 639.º n.º 3 do CPC, impõe-se a rejeição do presente recurso jurisdicional e o não conhecimento do seu objecto».
f)- Aquele acórdão mereceu um voto de vencido com o seguinte teor: «voto vencida, porque a recorrente reduziu em 1/3 o número das conclusões. Acresce que o despacho que convidou a recorrente a reduzir o número de conclusões não fixou um número máximo de conclusões ou um número máximo de páginas a ocupar pelas mesmas».
g)- Assim, aquela decisão do TCAS pôs termo ao processo sem se pronunciar ou sequer analisar o mérito da causa [cfr. art.º 142.º, n.º 3, alínea d), do CPTA], acabando por se limitar a decidir sobre uma questão de gestão processual, o que consubstancia uma decisão em 1.º grau de jurisdição [cfr. art.º 24.º, n.º 1, al. g), do ETAF].
h)- Por conseguinte, deve o presente recurso de revista ser admitido sem sujeição aos critérios mais exigentes de admissibilidade estabelecidos no art.º 150.º CPTA, tendo presente o que dispõem os artºs. 7.º e 142.º, n.º 3, alínea d), do CPTA, sob pena de se pôr em causa o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art.º 20.º, nºs. 1 e 4, da CRP.
i)- No fundo trata-se de assegurar um verdadeiro primeiro grau de jurisdição de mérito, porquanto, como se constata, o TCAS, diversamente do TAFS, não chegou a conhecer do mérito da causa e decidiu com base numa questão nova, não suscitada pelas partes, mas unicamente suscitada pelo próprio TCAS, pelo que não se trata, assim, de uma situação de dupla conforme [situação esta que poderia justificar a necessidade de um recurso de revista excecional a que se refere o art.º 150.º do CPTA (cfr. artºs. 671.º, n.º 4 e 672.º do CPC)], sob pena, igualmente, de se pôr em causa o próprio princípio da promoção do acesso à justiça, consagrado no art.º 7.º do CPTA e no art.º 20.º da CRP.
j)- Torna-se, por isso, indispensável interpretar o disposto no artºs. 140.º e 142.º, n.º 3, al. d), do CPTA, no sentido de que é sempre admissível «recurso de revista não excepcional» para o STA de decisões da 2.ª instância que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa e em que a 2.ª instância se tenha pronunciado ex novo com base em motivo por ela própria suscitado (não se sujeitando, assim, ao escrutínio a decisão de mérito da 1.ª instância), recurso esse em que, naturalmente, não se pode exigir a aplicação dos critérios mais exigentes de admissibilidade estabelecidos no art.º 150.º do CPTA, tal como deve ser considerado no caso em apreço.
k)- Uma qualquer outra interpretação diferente conduziria inelutavelmente a uma verdadeira insindicabilidade das decisões congéneres da 2.ª instância, em violação do disposto nos artºs 7.º, 140.º e 142.º, n.º 3, al. d), CPTA, sendo inconstitucional, por violação do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.º 20.º da CRP, o que, desde já, se arguiu.
l)- De qualquer modo, para a eventualidade de não ser acolhido o entendimento vertido nas conclusões anteriores (o que não se concede), por cautela sempre se dirá que a questão sub judice, pela sua relevância jurídica, reveste-se de importância fundamental, sendo igualmente certo que a admissão do recurso é manifestamente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que o presente recurso manifestamente preenche igualmente os requisitos legais estabelecidos pelo art.º 150.º do CPTA.
m)- Ademais, a decisão de rejeição do recurso com base no excesso de conclusões é uma decisão que respeita fundamentalmente à gestão do processo e, como tal, torna-se indispensável que as regras de gestão do processo sejam de tal modo clarificadas, para que todos as possam conhecer previamente de modo a evitar a aplicação da lei com base em critérios díspares de caso para caso, contrariando o princípio da igualdade (estabelecido no art.º 13.º da CRP), mormente no que concerne ao acesso à justiça, bem como a preterição do mérito pela prevalência de uma forma instituída ex novo pelo próprio tribunal e colocando, assim, em causa o princípio do due process of law (cfr. art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
n)- E essa é não só uma importante questão processual, como é também uma relevante questão de aplicação do direito, passível de afetar todos os cidadãos que têm expetativa legítima e legalmente protegida de verem as suas causas julgadas mediante regras pré-definidas e conhecidas por todos.
o)- Como facilmente se alcança, não estamos perante uma situação de mera discordância quanto ao decidido ou de uma qualquer divergência interpretativa, mas sim perante um caso em que, para além do já aludido princípio de processo equitativo, está posto em crise igualmente o princípio do tratamento igualitário de casos análogos e, bem assim, o disposto no art.º 13.º da CRP.
p)- Efetivamente, no caso trata-se de uma decisão eivada de excesso de discricionariedade na aferição dos “vícios” que podem justificar que o relator emita o despacho convite previsto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC e, bem assim, na apreciação e decisão da resposta da recorrente, suscetível de conduzir a tratamentos desiguais no que concerne ao acesso à justiça.
q)- Sendo certo que a admissão e decisão do presente recurso constitui a medida passível de assegurar uma solução tendencialmente uniforme mesmo que se considere que estamos perante uma lacuna legis (cfr. art.º 10.º do CC).
r)- Acresce que, incidindo o convite apenas na sintetização das conclusões e tendo esta ocorrido, como se concluiu supra, não poderia o tribunal a quo rejeitar o recurso com o fundamento em que a mesma não foi suficiente (alegando «falta de esforço de síntese exigível»).
s)- Desde logo e em face do que antecede é manifesto que tal decisão do TCAS enferma de uma desacertada interpretação e aplicação do citado quadro normativo (em especial dos nºs. 1 e 3 do art.º 639.º do CPC, aplicável ex vi artºs. 1.º e 140.º do CPTA), porquanto as conclusões apresentadas revelam um manifesto esforço de síntese.
t)- Decisão baseada numa errada interpretação do n.º 3 do art.º 639.º do CPC, que acaba por cercear de forma ilegal o direito ao recurso e cuja prática o TCAS vem mantendo, não obstante a censura jurisprudencial reiterada e constante do STA a tal prática (vd. Acs. de 13/07/2011 (rec. 840/10), de 23/10/2014 (rec.625/14), de 19/11/2015 (rec. 1031/15), de 19/5/2016 (rec. 203/16), de 14/09/2017 (rec.864/17) e, mais recentemente, de 21/09/2017 (rec. 0958/17).
u)- Ademais, ao considerar que a redução/síntese das conclusões da recorrente não cumpre o convite para sintetizar as conclusões, o TCAS proferiu uma decisão surpresa e violando o princípio do processo equitativo, em violação, nomeadamente, do disposto nos artºs. 3.º e 639.º do CPC, 20.º da CRP, e 7.º, 8.º, 146.º, n.º 4 e 150.º do CPTA, vício que ora se invoca.
v)- Sem conceder e a título subsidiário, para o caso de se entender que o TCAS fundou o não conhecimento do objeto do recurso com a eventual insuficiência, obscuridade e/ou complexidade das conclusões da recorrente, e não unicamente pelo fundamento apontado de «falta de esforço de síntese», então deve considerar-se que tomou conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento, em virtude de o objeto do aperfeiçoamento se ter circunscrito à síntese das conclusões, e não a qualquer outro apontado vício.
w)- Razão pela qual foi cometida a nulidade por excesso de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – art.º 668.º do anterior CPC – aplicável por remissão dos artºs. 1.º e 140.º do CPTA, vício esse que também se invoca, nos termos e para os efeitos das citadas disposições legais”.
O recorrido não contra-alegou.
O recurso foi admitido pela formação a que alude o nº. 5 do artº. 150º do CPTA, “tendo em vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito”.
A Exma. Srª Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA, notificada nos termos do artº. 146º, do CPTA, emitiu parecer, onde se pronunciou pelo provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido rejeitou o recurso que a A. havia interposto da sentença do TAF de Sintra, referindo, essencialmente, o seguinte:
“(…)
No caso em apreço, como se alcança do confronto dos requerimentos de alegação inicial e “sintetizado”, constata-se que o conteúdo dos textos é em tudo idêntico e prolixo. Ou seja, de um texto de 156 conclusões iniciais passou-se para um texto “sintetizado” de 97 conclusões correspondendo a 11 páginas de texto (cf. fls. 571 a 581).
Em suma, face à falta de esforço de síntese exigível, ao abrigo do disposto no art. 639º, nº. 3 do CPC, impõe-se a rejeição do presente recurso jurisdicional e o não conhecimento do seu objecto”.
Contra este entendimento, o recorrente, na presente revista, alega fundamentalmente, que deu cumprimento ao convite feito pelo Tribunal, reduzindo substancialmente as conclusões inicialmente apresentadas e que, a entender-se que o acórdão recorrido se fundamentou na obscuridade e/ou complexidade das conclusões, incorreu na nulidade de excesso de pronúncia, vertida na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por o objecto do aperfeiçoamento se ter cingido à sua síntese.
Tendo a decisão recorrida se fundamentado no número excessivo de conclusões que a recorrente não se esforçara para sintetizar e não constituindo essa situação causa de não conhecimento do recurso jurisdicional, não pode deixar de se entender que, à semelhança do que tem decidido este Supremo em muitos outros casos idênticos (cf., v.g., os Acs. de 13/7/2011 – Proc. n.º 0840/10, de 23/10/2014 – Proc. n.º 625/14, de 20/11/2014 – Proc. n.º 0816/14, de 20/1/2015 – Proc. n.º 1058/14, de 19/11/2015 – Proc. n.º 1120/14, de 28/4/2016 – Proc. 0209/16, de 19/5/2016 – Proc. n.º 0203/16 de 23/11/2017 – Proc. n.º 0958/17, de 18/1/2018 – Proc. 1123/17 e de 17/5/2018 – Proc. n.º 1273/16), a presente revista terá de proceder.
Assim, considerando a reiterada e uniforme jurisprudência deste STA, limitar-nos-emos a transcrever o citado Ac. de 19/11/2015, onde se pode ler:
“(…).
Como resulta do que ficou exposto, o recorrente foi convidado para sintetizar as conclusões da sua alegação de recurso e, por entender que essa síntese não fora efectuada, o acórdão recorrido rejeitou o recurso jurisdicional.
Porém, se – como se escreveu no acórdão deste Tribunal de 28/03/2012, proferido no proc. nº. 07/12, que decidiu um caso idêntico ao dos autos – “sintetizar significa dizer por poucas palavras, condensar, resumir”, é manifesto que, correspondendo ao convite que lhe foi formulado, o recorrente sintetizou as conclusões da sua alegação, quando reduziu o seu número de 64 para 41, passando elas a constar de 4 folhas quando inicialmente se espraiavam por mais de 7 folhas.
Assim, tendo o convite sido dirigido apenas à sintetização das conclusões e tendo esta ocorrido, nunca se poderia rejeitar o recurso com o fundamento que ela não se verificara.
Acresce que não resulta do artº. 639º, nº. 3, que o número excessivo das conclusões seja, só por si, causa de não conhecimento, total ou parcial, do recurso, só assim sucedendo quando, por via disso, elas sejam obscuras ou complexas (cf. Ac. deste Tribunal de 13/07/2011 – proc. nº. 0840/10).
Aliás, em face do que dispõe o artº. 7.º do CPTA, que impõe uma interpretação das normas processuais “no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”, sempre o tribunal deveria conhecer do recurso mesmo que o convite não se devesse considerar devidamente cumprido, desde que nas conclusões apresentadas se pudessem surpreender, com uma clareza mínima, alguns fundamentos de impugnação da sentença (cf. Acs. do STA de 2/04/2008 – proc. nº. 1418/03 e de 17/03/2010 – proc. nº. 1205/09).
Ora, no caso em apreço, as conclusões apresentadas permitem identificar claramente as razões da discordância da sentença recorrida e que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter conduzido à conclusão que se verificavam todos os pressupostos do decretamento da providência cautelar requerida.
“(…).
Portanto, quer porque a recorrente, ao reduzir as conclusões que apresentara em cerca de 1/3, actuou no sentido de as sintetizar, cumprindo o convite que lhe havia sido formulado, quer porque o incumprimento do ónus de concluir de forma sintética não constitui, só por si, causa de rejeição total do recurso jurisdicional, procede o erro de julgamento que é imputado ao acórdão recorrido, o qual terá, assim, de ser revogado.

3. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao TCA-Sul para conhecimento da questão de mérito se outra causa a tal não obstar.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.