Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0833/13
Data do Acordão:05/14/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
PREÇO
TRANSFERÊNCIA
REQUISITOS
Sumário:I – A nulidade da decisão, por falta de fundamentação de facto ou de direito (art. 125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 615° do CPC), só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos.
II – A prova da verificação dos pressupostos para aplicação do disposto no art. 57º do CIRC (redacção vigente em 1996), cabe à Fazenda Pública.
Nº Convencional:JSTA000P19003
Nº do Documento:SA2201505140833
Data de Entrada:05/10/2013
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que julgou procedente a acção administrativa especial em que A……………., S.A., com os demais sinais dos autos, impugnava o despacho do Ministro das Finanças, datado de 31/03/05, que lhe indeferiu o recurso hierárquico apresentado contra as correcções ao lucro tributável relativamente a IRC referente aos anos de 1995 e 1996, dele vem recorrer.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) Vem o presente recurso interposto contra o douto acórdão de 11/10/2012 que julgou procedente a acção intentada por A……………., S.A. contra o despacho do Ministro das Finanças, de 31/03/05, proferido no âmbito do recurso hierárquico deduzido contra o despacho que sancionou as correcções ao lucro tributável propostas pela inspecção tributária relativamente a IRC referente aos anos de 1995 e 1996, tendo por fundamento a aplicação do regime dos preços de transferência consignado no art. 57º do CIRC.
b) Aferir da legalidade da aplicação do art. 57º do CIRC implica analisar a verificação dos respectivos pressupostos e a adequação do método utilizado no cálculo do respectivo ajustamento.
c) Uma vez que o douto acórdão recorrido concluiu pela adequação da taxa de juro remuneratória fixada pela AT, considerando que a AT fez uma escolha devidamente fundamentada e coerente com todo o raciocínio que a levou a concluir pela necessidade de correcção da matéria colectável,
d) O presente recurso destina-se, apenas, a atacar o julgamento efectuado quanto aos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência, por se entender que nesta sede o Tribunal “a quo” incorreu em erro na apreciação da matéria de facto e de direito e numa insuficiente fundamentação das razões de facto e de direito que sustentam as conclusões alcançadas.
e) Desde logo, atento o dever de colaboração que incide sobre os contribuintes no esclarecimento da sua situação jurídico-tributária, reforçado pela obrigação da A. dispor de contabilidade organizada para efeitos de determinação e controlo do lucro tributável, cfr. art. 17º e 115º do CIRC,
f) Cumpria ao contribuinte comprovar ou, no mínimo, demonstrar ser minimamente plausível que a entrega antecipada das avultadas importâncias transferidas para a B……………, ao longo dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996, constituíssem uma contrapartida pela aquisição de acções da B……………. concretizada em Dezembro de 1996, o que não aconteceu.
g) O único documento que sustenta a matéria de facto fixada no probatório consiste num simples fax, de 31/12/1996, apreciado pelo Tribunal como um documento que “apenas consubstancia uma ordem dada a uma instituição bancária para que realize um operação de venda de acções, sem transferência de fundos”.
h) Deste modo, a A……………… só alcança comprovar nos autos a realização da referida transacção de acções, mas não que tivessem sido acordados três anos antes pagamentos antecipados por conta dessa transacção.
i) Em contradição com a apreciação que o Tribunal “a quo” fez constar do douto acórdão recorrido, que também nesta parte terá incorrido em erro, a AT não deixou de analisar as operações em causa consideradas na sua globalidade.
j) Na verdade, ao caracterizar as entregas antecipadas como respeitando à concessão de empréstimos não remunerados, a AT considerou a posterior entrega das aludidas acções como constituindo a única contrapartida da concessão daqueles empréstimos que, por essa via, foram reembolsados quanto ao capital mutuado mas não foram remunerados mediante o pagamento de quaisquer juros.
k) A conclusão quanto à natureza das entregas de numerário como respeitando a um empréstimo e não a uma transacção está devidamente explicitada pela AF, quer no relatório da inspecção, quer na informação que serviu de fundamento ao indeferimento do recurso hierárquico. O mesmo sucedendo quanto à natureza não remunerada dos empréstimos concedidos.
l) De todo o modo, importa destacar que o pressuposto ora controvertido não respeita quer à existência de relações especiais entre as partes, quer ao método utilizado na quantificação do correspondente ajustamento, uma vez que ambos são dados como correctamente aferidos e demonstrados nos autos, mas antes ao pressuposto que se refere às condições acordadas para a operação, as quais relevam para efeitos da correcção prevista ao abrigo do art. 57º do CIRC quando sejam diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.
m) As condições praticadas pelas entidades envolvidas, e que constituem matéria de facto provada nos autos, demonstram cabalmente este pressuposto legal.
n) Na verdade, ainda que se desse como válido o argumento de que os montantes em questão não revestem a natureza de empréstimos, uma vez que têm subjacentes transacções de acções em que aqueles montantes apenas configuram a natureza de pagamentos antecipados, ainda assim, e para efeitos do disposto no art. 57º do CIRC não deixariam os mesmos de ter a natureza de financiamento não remunerado, se se atender ao lapso de tempo que mediou entre as datas em que os pagamentos foram efectuados e a data da concretização da transacção.
o) Mais, para este efeito importa ter presente o disposto no nº 4 do art. 36º da LGT, segundo o qual a AT não está vinculada à qualificação do negócio jurídico efectuado pela parte, sendo que aqueles intervalos de tempo que medeiam entre as entregas das aludidas importâncias e a transacção das acções consubstanciam uma perda de disponibilidade de um meio financeiro a favor de outra sociedade, o que, em condições normais de mercado praticadas entre pessoas independentes implicaria um remuneração, a título de juros.
p) Ou seja, independentemente da qualificação jurídica apresentada pela A., estamos necessariamente perante uma operação de financiamento que, em condições normais de mercado, para efeitos de aplicação do art. 57º do CIRC e consequente ajustamento, implicaria uma remuneração.
q) O Tribunal “a quo” incorre, ainda, num erro de julgamento em sede do direito, pois não obstante admitir que as entidades envolvidas, quer relativamente ao empréstimo faseado quer relativamente à transacção de acções, não seguiram a mesma postura que seria seguida por outra empresas relativamente às quais não existissem relações especiais (tal como se refere a folhas 8 do acórdão recorrido), ainda assim não retira desse facto as consequências que se impunham face ao disposto no art. 57º do CIRC,
r) Uma vez que este normativo legal tem como finalidade proteger o erário público da erosão causada ao lucro tributável pela prática entre as empresas especialmente relacionadas de condições diferentes das que seriam normalmente praticadas entre entidades independentes, sem que o correspondente ajustamento tenha subjacente qualquer juízo de censura relativamente às opções de gestão efectuadas livremente pelas entidades relacionadas.
s) Na verdade, quanto aos pressupostos de que depende a aplicação do regime dos preços de transferência, o acórdão recorrido não conclui pela inexistência de qualquer um deles, ou seja, (1) dá por comprovada a existência de relações especiais entre as partes envolvidas na operação, (2) não nega a existência de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes entre si, (3) com o consequente apuramento de um lucro tributável diferente daquele que resultaria de uma operação em mercado livre.
t) Para além de erróneas, afigura-se, ainda, que as conclusões em que assentou o julgamento do Tribunal “a quo” incorrem no vício de falta de fundamentação que tão-pouco permite compreender as razões, quer de facto quer de direito, que o levaram a julgar como julgou.
u) O douto acórdão recorrido não justificou a razão por que ficou convencido que as acções foram transferidas como contrapartida daquelas transferências “antecipadas” de dinheiro, e que, por conseguinte, estaríamos perante uma compra e venda de acções com pagamentos antecipados.
v) A nosso ver, não basta para sustentar esta convicção o juízo de que “a operação respeitante ao referido empréstimo faseado não pode ser vista isoladamente, desacompanhada da transferência da titularidade das acções, independentemente da existência de qualquer documento que titule tal operação de compra de acções faseada no tempo”.
w) Tanto mais que, contrariamente ao expendido no acórdão recorrido, a AT, num integral respeito pelo princípio da tributação do lucro real, considerou para o efeito da tributação todas as operações efectuadas pelos sujeitos passivos, conjugadas entre si de uma forma coerente.
Termina pedindo a procedência do recurso.

1.3. A recorrida A………………., S.A. apresentou contra-alegações e requereu, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, finalizando com as conclusões seguintes:
A) O presente recurso foi interposto pela RÉ contra o, aliás, Douto Acórdão proferido no processo de Acção Administrativa Especial n.º 5/05.5BCPRT, do Tribunal Central Administrativo Norte, que teve por objecto o despacho de indeferimento do recurso hierárquico proferido pelo Ministro de Estado e das Finanças, no dia 31 de Março de 2005, nos termos do qual, em síntese, se decidiu, o seguinte: “(..) em virtude das relações especiais que a recorrente tinha com a “B…………….., SA” concedeu-lhe financiamentos de elevados montantes, sem que relativamente aos mesmos tenha sido acordada qualquer remuneração, situação que, portanto, se afasta do que é normalmente suceder em relações de independência entre as partes.”;
B) O Douto Acórdão recorrido julgou procedente a Acção Administrativa Especial apresentada, com fundamento no facto de “(...) a decisão da AT de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos não se encontra devidamente fundamentada, pois os argumentos apresentados não impossibilitavam a quantificação do lucro tributável exacta e directamente através da contabilidade da impugnante (…) Pelo que se impõe concluir pela ilegalidade da decisão de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos e, consequentemente, pela ilegalidade do acto de liquidação ora sindicado”;
C) Inconformada com esta decisão, a ora RECORRENTE interpôs o presente Recurso por considerar que a mesma fez uma errada apreciação dos factos em análise, encontrando-se, no seu entender, ferida de erro de julgamento;
D) Assenta, o recurso da RECORRENTE na discordância face à decisão de anulação do referido despacho do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, com fundamento em erro nos pressupostos de facto;
E) Considerou, e bem, o Tribunal a quo que “(...) a operação respeitante ao referido empréstimo faseado não pode ser vista isoladamente, desacompanhada da transferência da titularidade das acções, independentemente da existência de qualquer documento que titule tal operação de compra de acções faseada no tempo (...) não faria qualquer sentido que se considerassem as entregas de quantias feitas pela autora como empréstimos sem remuneração, e posteriormente não se atribuísse qualquer relevância à entrada no seu património de meio milhão de acções de outra empresa sem que a mesma tivesse despendido qualquer valor”. Concluindo que “os pressupostos de facto que serviram à pratica do acto impugnado eram incorrectos uma vez que não se considerou toda a dinâmica dos negócios havidos entre ambas as empresas”.
F) Com efeito, a RECORRENTE baseou a sua convicção em erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, de que depende a aplicação do artigo 57.º do Código do IRC. As entregas efectuadas pela RECORRIDA à B……………, configuraram, não empréstimos, mas pagamentos antecipados por conta de 500.000 acções da mesma sociedade C……………… S.A., por um valor estimado em 5.500$00, por acção, valor este que foi acordado em 1993 entre a RECORRIDA e a B……………, tendo por base uma provável valorização dos títulos da sociedade C…………….;
G) A RECORRENTE considera legal o acto impugnado com os argumentos de: (i) inexistência de qualquer documento que ateste a natureza das operações - ou seja, que os pagamentos antecipados eram contrapartida da venda das acções -, (ii) existência de um largo hiato temporal entre as entregas efectuadas e a efectiva aquisição das acções, que evidencia, na perspectiva da RECORRENTE, a existência de um financiamento, uma vez que a RECORRENTE se viu destituída de um elevado montante em numerário sem qualquer pagamento de juros remuneratórios;
H) Não tem razão, entre o mais, porque não é exigida legalmente uma forma contratual específica para o negócio em causa, e, no caso concreto, não se justificou a celebração de um contrato mais formal entre ambas as entidades, do que o fax referido na alínea e) do probatório através do qual se concretiza o negócio mediante a transferência das acções;
I) Não obstante, nunca deixaram as entidades envolvidas de registar contabilisticamente todos os movimentos financeiros realizados de acordo com a realidade dos factos e, assim, como respeitando a adiantamentos por conta de investimentos financeiros; A Administração tributária nunca colocou em causa a contabilidade da ora RECORRIDA, ou da B…………….., sendo que tais registos contabilísticos gozam da presunção de veracidade, conforme decorre do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
J) Assim, por um lado, a Administração tributária limitou-se a ficcionar uma versão, incorrecta, dos factos em causa, uma vez que, conforme reconhecido, e bem, pelo Tribunal a quo, não teve em consideração toda a dinâmica dos negócios realizados entre a RECORRIDA e a B……………..;
K) Por seu turno, a RECORRENTE não carreou, como lhe competia, para o processo qualquer prova susceptível de sustentar a sua tese e de abalar os registos contabilísticos da RECORRIDA ou da B……………. e, bem assim, a versão dos factos apresentada pela RECORRIDA;
L) E mesmo que se admitisse, como invoca a RECORRENTE, que o pagamento antecipado corresponde a uma forma de financiamento, o certo é que não se pode concluir que só não foram estabelecidos juros da parte da RECORRIDA por força das alegadas relações especiais existentes entre esta e a B……………;
M) De facto, conforme se logrou demonstrar nos autos de acção administrativa especial, as acções da sociedade C…………….. sofreram uma valorização superior ao valor de aquisição, o que, desde logo justifica que não fosse cobrado pela entidade compradora juros remuneratórios;
N) Neste sentido, é clara a conclusão do Douto Acórdão recorrido: “se face apreços de 1993 e 1994 a autora pagou um prémio sobre o valor das acções, isso permitiu-lhe que em 1996, data em que as acções ingressaram no seu património, tivesse um prémio por acção de 2.412$00, ou seja cerca de 43% do valor que pagou pelas mesmas dividindo de forma singela tal valorização por cada um dos 3 anos anteriores (1994, 1995 e 1996) podemos concluir que a remuneração de “empréstimos” por si efectuados foi muito superior ao valor que a AF considerou para efeitos da correcção impugnada”;
O) Assim, mesmo considerando – sem conceder e para efeitos deste patrocínio – que as transferências ocorridas entre 1993 e 1996 consubstanciam uma espécie de financiamento, o que se concebe sem conceder, sempre seria forçoso concluir que tal financiamento foi efectivamente remunerado, em face da valorização das acções que ocorreu desde o momento das transferências até à efectiva aquisição daquelas mesmas acções;
P) Os termos do negócio de compra e venda das participações sociais celebrado entre a RECORRIDA e a B…………….. foi aquele que foi acordado pelas partes, à luz do princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405.º do Código Civil, pelo que, não tendo a Administração tributária, sequer, invocado que o negócio tenha sido simulado – o que não podia, porque não foi –, deverão esses mesmos termos ser aceites;
Q) Acresce que, conforme sustentado, e bem, pelo Tribunal a quo, os termos em que o negócio foi efectuado – i.e. aquisição de acções através de pagamentos faseados antecipados – permitiu à RECORRIDA adquirir uma grande parte do capital social da sociedade C…………….. sem fazer um investimento avultado de uma só vez;
R) Conclui-se, pois, que a RECORRENTE baseou a sua convicção em erro sobre os pressupostos de facto de que depende a aplicação do artigo 57.º do Código do RC, pelo que bem seguiu o Tribunal a quo ao determinar a anulação do Despacho do Senhor Ministro das Finanças que indeferiu o recurso hierárquico que tinha por objecto as correcções à matéria colectável da ora RECORRIDA;
S) No Douto Acórdão recorrido foram julgados improcedentes alguns dos fundamentos invocados pela RECORRIDA na sua petição inicial para sustentar a anulação do acto impugnado, pelo que, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora RECORRIDA requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no art. 684.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com os seguintes fundamentos;
T) Em primeiro lugar, o Tribunal a quo considerou que “sendo o acto impugnado um acto procedimental prévio e definidor do subsequente acto de liquidação, vive independentemente deste, ou seja, as vicissitudes inerentes ao posterior acto de liquidação, de facto e de direito, não se repercutem retroactivamente sobre o anterior acto procedimental que agora vem impugnado e, nessa medida, não se vê que o decurso do prazo legal para a liquidação possa afectar a legalidade do acto procedimental impugnado”;
U) A incompetência em razão do tempo verifica-se, precisamente, sempre que esteja em causa a prática de um acto que diga respeito a uma situação futura e que não respeite os pressupostos legais quanto à ocasião do exercício dos poderes;
V) Estes pressupostos legais, correspondem, no caso em apreço, ao respeito pelos limites do prazo de caducidade do direito à liquidação;
W) Com efeito, se não se encontram verificados os pressupostos legais para efeitos de liquidação do imposto – designadamente em virtude da sua caducidade –, não podem, ab initio, estar verificados os pressupostos legais das correcções que têm como implicação a emissão daquela mesma liquidação de imposto, que serão actos inúteis e, como tal, proibidos;
X) O acto impugnado não vive independentemente deste, precisamente pelo facto de, como bem refere o Acórdão recorrido, ser um acto procedimental prévio e definidor do subsequente acto de liquidação;
Y) Aliás, tanto assim é, que, nos termos do disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, não é possível a instauração de procedimentos de inspecção tributária após o termo do prazo de caducidade de liquidação dos tributos;
Z) Tal entendimento impõe-se, de resto, em virtude da proibição da prática de actos inúteis, previsto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária, e corolário do princípio da economia processual, uma vez que seria inútil que, em face da caducidade de um futuro acto de liquidação, fosse praticado, ainda assim, o acto que lhe subjaz;
AA) Acresce que esta mesma questão – incompetência em razão do tempo, em virtude da caducidade do acto de liquidação – foi já apreciada favoravelmente à pretensão da ora RECORRIDA, no âmbito do processo de acção administrativa especial n.º 253/04 que correu termos junto do Tribunal Central Administrativo Sul;
BB) Com efeito, foi reconhecido por aquele também Douto Tribunal que “Como o próprio despacho recorrido dá conta, no seu ponto 5, a prolação do mesmo apenas terá suporte legal na medida em que o imposto, ou seja o direito ao seu apuramento “stricto sensu” ainda não tivesse caducado”;
CC) Este entendimento é, de resto, partilhado pela própria RECORRENTE, quando reconhece, em sede do despacho ora em apreço, que este mesmo despacho só poderia ser praticado se “o imposto ainda não [tivesse] caducado”, pelo que não pode proceder, neste caso concreto, o entendimento do Tribunal a quo, devendo ser reconhecida, se necessário, a incompetência em razão do tempo para a prática do acto;
DD) A ora RECORRENTE, manifestou-se no sentido de o prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercícios de 1995 e de 1996 ter estado suspenso por força do disposto no artigo 33º, n.º 2, do Código de Processo Tributário;
EE) Mesmo que se admita, por mera hipótese, e sempre sem conceder, que seria possível – que não é –, aplicar no caso vertente o n.º 2 do artigo 33.º do Código de Processo Tributário, então, o período de suspensão verificar-se-ia entre 11 de Maio de 2000 (data de interposição do (segundo) Recurso Contencioso de Anulação cujo objecto era o acto praticado pelo Senhor Ministro das Finanças) e o referido dia 7 de Outubro de 2004 (data de trânsito em Julgado do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que recaiu sobre esse Recurso Contencioso de Anulação);
FF) Com efeito, em 3 de Janeiro de 2000, o Despacho da RECORRENTE ainda não havia, sequer, sido proferido, o que só sucedeu em 9 de Março de 2000, pelo que, manifestamente, o primeiro dos Recursos Contenciosos de Anulação (que veio a ser extinto por inutilidade superveniente da lide), nunca teria qualquer relevância para efeitos da pretendida suspensão da contagem do prazo de caducidade do direito do estado à liquidação do imposto em causa;
GG) Em face do exposto, ainda que procedesse o entendimento da RECORRENTE, no que não se concede, a caducidade do direito do estado à liquidação teria ocorrido em momento (muito) anterior ao indicado pela RECORRENTE;
HH) Não obstante, como bem referiu o Meritíssimo Juiz Desembargador Relator no despacho saneador inicialmente proferido, verifica-se que o artigo 33.º, n.º 2, do Código de Processo Tributário, pretende apenas regular os casos em que esteja em causa qualquer litigiosidade relacionada com os próprios factos que se possam enquadrar na estatuição da norma de incidência tributária, não pretendendo regular, as hipóteses em que a emissão do acto tributário de liquidação adicional de imposto esteja dependente, no âmbito de um procedimento tributário, do resultado de um determinado recurso hierárquico ainda que a lei, por razões diferentes, lhe atribua efeito suspensivo;
II) Nesta linha de raciocínio, no artigo 33.º, n.º 2, do Código de Processo Tributário está em causa a existência de litígios relacionados com a identificação de factos materiais concretos que podem, ou não, consoante a sua configuração, ser sujeitos a tributação, e não, evidentemente, a existência de litígios relacionados com os vícios que afectam os procedimentos tributários desencadeados pela Administração Tributária ou pelos próprios contribuintes”;
JJ) E bem se compreende que assim seja, na medida em que só perante a incerteza sobre a ocorrência, ou não, de determinados “factos” é que se justifica que o prazo de caducidade seja suspenso, uma vez que, nesse período de tempo, justamente por tal circunstância, a Administração tributária não está, por facto a que é alheia em condições de praticar qualquer acto de liquidação – o que, como bem deixou apontado o Meritíssimo Juiz Desembargador, no Despacho Saneador inicialmente proferido, não foi esse o caso na situação sub judice:
KK) Deve ter-se, ainda, presente o disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, na medida em que a prevalência da tese da RECORRENTE implicaria abranger neste preceito outros meios judiciais que não o recurso contencioso de anulação – designadamente, as impugnações judiciais, oposições à execução, ou, mesmo, recursos jurisdicionais –, o que, como se sabe, sempre foi, e é, rejeitado pela doutrina e pela jurisprudência;
LL) Por outro lado, e esta constitui a segunda razão para rejeitar a interpretação da Recorrente, as expressões “rendimentos litigiosos” ou “situações litigiosas” não são novas no domínio tributário, uma vez que, mesmo antes da aprovação do Código de Processo Tributário, já o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ou o Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações, por exemplo, previam normas idênticas à que aqui está em causa (cfr. 84.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), situação em que, a qualificação de “litigiosos” era utilizada pelo legislador e nunca se reportou aos meios de defesa desencadeados pelos contribuintes no âmbito de qualquer procedimento ou processo tributário:
MM) “Situação litigiosa” verificar-se-ia, designadamente, no caso de indemnizações por expropriação, por exemplo, em que o valor indemnizatório é fixado pelos próprios tribunais, em conformidade com o disposto no artigo 66.º e seguintes do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, a Administração Tributária não poderia praticar e notificar ao respectivo sujeito passivo o acto de liquidação de imposto enquanto não fosse proferida decisão final que quantificasse essa mesma indemnização;
NN) Em defesa da tese que se deixou descrita, concorrem ainda as alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, em que o legislador separou duas realidades absolutamente distintas: (i) por um lado, determinou a suspensão do prazo de caducidade “em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão” (alínea a)); (ii) por outro lado, determinou a suspensão do prazo de caducidade “em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão” (alínea d));
OO) Considerou, por seu turno, o Douto Tribunal a quo que, contrariamente ao invocado na petição inicial pela ora RECORRIDA, não houve vício de falta de fundamentação, por considerar que “a não ser essa mesma taxa de juro não se vislumbra que outra taxa pudesse ser tida em consideração em termos puramente objectivos”;
PP) Ora conforme se logrou demonstrar ao longo do processo, tal entendimento não pode, com o devido respeito, proceder, uma vez que a taxa de juro utilizada pela Administração tributária foi claramente residual, porquanto foi apenas utilizada pela RECORRIDA em dois meses do ano de 1994;
QQ) Assim, e como é óbvio, a não ser a taxa de juro escolhida pela Administração Tributária, poderia, perfeita e justificadamente, ter sido escolhida a taxa de juro de 6%, utilizada durante o resto do ano de 1994.
RR) Contudo, a Administração Tributária não identificou as razões de facto e de direito que lhe permitiram optar por uma taxa de referência equivalente à mais elevada que no período foi praticada, em detrimento da inferior – porque não qualquer outra?;
SS) Nesta matéria, a Administração tributária revelou, ainda, uma falta de critério flagrante, pois, se o critério utilizado correspondia à utilização da taxa de juro praticada pela sociedade C…………., S.A., nos alegados empréstimos ou adiantamentos concedidos à B………….., e, na ausência desta ou no desconhecimento do respectivo valor, na consideração da taxa média de remuneração dos depósitos a prazo, não existiam razões objectivas para considerar essa taxa média de remuneração nos exercícios de 1995 e de 1996, uma vez que a Administração Tributária dispunha de outros elementos;
TT) Pelo que, contrariamente ao que concluiu o Acórdão recorrido, ao não esclarecer os critérios que presidiram à opção por uma taxa em detrimento de outra, a Administração tributária incorre em vício de falta de fundamentação, tendo sido violado o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 124.º e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo;
UU) Pelo que não se poderá deixar de reconhecer, contrariamente ao que concluiu o Douto Tribunal a quo, que o acto final está ferido de ilegalidade, por vício de forma, ao abrigo do disposto no artigo 125.º Código do Procedimento Administrativo, nos termos do qual se considera haver falta de fundamentação, quando haja, por parte da Administração tributária, “(...) a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”;
VV) Prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora RECORRIDA requer, também a este respeito, a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no art. 684.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com o seguinte fundamento, não apreciado em primeira instância, e que quer, agora, caso tal se venha a mostrar necessário, ver apreciado, sendo certo que a apreciação por parte deste Venerando Tribunal, destes restantes vícios do acto impugnado, sempre se afigura resultar do artigo 715.º, n.º 2 do Código do Processo Civil;
WW) Com efeito, impunha-se à RECORRENTE demonstrar, claramente, que entre duas sociedades comerciais, sem características de sociedade financeira, ditas independentes, o negócio em causa teria sido praticado de forma diferente, o que não sucedeu.
XX) A RECORRENTE não alegou nem consequentemente demonstrou, que, se uma sociedade A concedesse empréstimos a uma outra sociedade B, sem que entre as duas existisse qualquer relação especial, (i) nunca o faria a título gratuito, (ii) nunca praticaria as taxas identificadas pela Administração Tributária no relatório da Inspecção-Geral de Finanças e (iii) praticaria, ao invés, as taxas médias de depósitos a prazo por período superior a 180 dias, mas inferior a um ano
YY) Ou seja, deveria a RECORRENTE ter demonstrado que nos casos em que os alegados “empréstimos” foram remunerados pela B…………… à C………….. S.A., as taxas, variáveis entre 1,5%, 2%, 6% e 12%, que tais taxas não correspondem às que seriam praticadas por entidades independentes;
ZZ) A Administração Tributária, baseou-se, exclusivamente, no crédito bancário, quando, como sabe, a relação com instituições financeiras assume características específicas que não podem, simplesmente ser transpostas para o universo das relações entre sociedades comerciais não financeiras, sobretudo por não ser a concessão de crédito, a actividade principal das sociedades envolvidas;
AAA) Em face do exposto, o despacho da RECORRENTE padece, por isso, de vício de violação de lei por ofensa ao artigo 57.º, n.º 1, do Código do IRC, na numeração e redacção vigentes à data em que decorreu a inspecção, vício que o torna anulável.
Termina pedindo a improcedência do recurso e, se assim não se entender, pede, a título subsidiário, que seja determinada a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2, dos arts. 684.º-A e 715.º do CPC, nos termos expostos e, assim, se conclua pela anulação do despacho impugnado.

1.4. Respondendo à matéria da ampliação do objecto do recurso, a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira formula as seguintes conclusões:
I. Ampliação do Recurso
a) Pretende a A……………. a ampliação do recurso para apreciação, a título subsidiário, dos vícios de caducidade do direito à liquidação e falta de fundamentação do acto impugnado, que não obtiveram o merecimento do acórdão sob recurso, bem como do vicio de violação de lei por ofensa do art. 57º do CIRC, por considerar que o mesmo não chegou a ser apreciado.
b) Em causa está o despacho do Ministro das Finanças, de 31/05/2005, que indeferiu o recurso hierárquico deduzido, ao abrigo do art. 112º do CIRC (na sua redacção e numeração originária), contra as correcções de natureza quantitativa efectuadas ao lucro tributável de 1995 e 1996 com fundamento no regime dos preços de transferência consignado no art. 57º do CIRC (da sua redacção e versão originária).
II. Caducidade do direito à liquidação de IRC de 1995 e 1996
c) A A…………… entende que o despacho impugnado está ferido de vício de incompetência em razão do tempo decorrente da caducidade do prazo de liquidação de IRC de 1995 e 1996 a que o mesmo se reporta.
d) Este vício decaiu nos autos, tendo o Tribunal “a quo” considerado que a questão colocada pela A……………. se perspectivava antes como uma utilidade do acto impugnado face à possibilidade de renovação do acto de liquidação atendendo ao tempo entretanto decorrido.
e) Contudo, considerando que tal questão, por respeitar às vicissitudes do acto de liquidação, não se repercute na legalidade do acto impugnado enquanto acto procedimental prévio à liquidação, e ainda considerando que sempre a AT estaria obrigada, por força do disposto no art. 100º da LGT, em sede de execução de julgado, à prolação de decisão final do recurso hierárquico, independentemente da sua eventual “utilidade”, o Tribunal “a quo” concluiu pela improcedência da acção nesta parte do pedido.
f) A tese acolhida no douto acórdão recorrido merece a inteira adesão da AT.
g) Sem conceder, sobre a caducidade do direito à liquidação de IRC de 1995 e 1996 e a aplicação do nº 2 do art. 33º do CPT, entende a AT que a contagem do prazo de caducidade esteve suspensa com a interposição sucessiva de recursos contenciosos desde 03/01/2000 até ao seu trânsito em julgado a 07/10/2004.
h) Sobre esta contagem opõe a A……………. que o recurso contencioso de anulação nº 3.861/00 (cuja execução de julgado originou a renovação do despacho de 09/03/2000 pelo despacho ora impugnado), deu entrada no TCA Norte a 11/05/2000, transitando em julgado a 07/10/2004, concluindo pela caducidade do direito à liquidação de IRC de 1995 no final de Maio de 2005.
i) Porém, consta devidamente comprovado nos autos que existe uma solução de continuidade entre o despacho de SEAF de 11/10/1999 (acto ratificado) e o despacho do Ministro das Finanças de 09/03/2000 enquanto acto de ratificação-sanação que visou unicamente suprir o vício de incompetência de que o acto ratificado padecia, sendo que contra o acto ratificado havia sido interposto recurso a 03/01/2000 (o qual findou por inutilidade superveniente da lide atenta, justamente, aquela ratificação).
j) No que toca à interpretação do disposto no nº 2 do art. 33º do CPT, à semelhança do que sucede com a alínea a) do nº 2 do art. 46º da LGT, considera-se que o mesmo é aplicável por existir uma situação de prejudicialidade entre os recursos interpostos do indeferimento do recurso hierárquico e as liquidações controvertidas, prejudicialidade essa que justifica a suspensão dos respectivos prazos de caducidade.
k) A este propósito transcreve-se o que disse LIMA GUERREIRO na sua Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2001, pág. 222: “Quando a liquidação assentar na ratificação/sanação de acto inválido, que mantenha com o acto tributário uma relação de prejudicialidade, considera-se igualmente suspenso o prazo de caducidade no período entre o início e o termo do litígio judicial de que resultou a referida declaração de invalidade (ver Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Dezembro de 1998, Recurso número 22.933)”.
l) A tese propugnada pela A…………… quanto à interpretação da expressão “situações litigiosas” afigura-se claramente redutora do seu âmbito de aplicação, ignorando os procedimentos de liquidação que são antecedidos de um outro procedimento destinado a fixar a respectiva matéria colectável e cuja decisão é destacável para efeitos de recurso contencioso.
m) Nesses casos a possibilidade de o contribuinte accionar os respectivos meios de defesa só impede a AT de proceder ao consequente procedimento de liquidação de imposto quando a lei prevê o efeito suspensivo do recurso à via judicial, ficando a AT impedida de proceder à liquidação consequente, como sucede com o art. 89º-A da LGT.
n) Quando a lei não prevê o efeito suspensivo do meio de defesa accionado pelo contribuinte junto dos Tribunais, a AT não está impedida de efectuar a liquidação. Porém, poderá não o fazer, uma vez que a prejudicialidade da acção judicial relativamente à liquidação a efectuar justificam a suspensão do prazo de caducidade, cabendo à AT decidir, ponderando as circunstâncias concretas da situação em litígio, se avança com a liquidação antes da decisão judicial.
o) Nem seria razoável, numa perspectiva de certeza e segurança jurídicas, que existindo uma relação de prejudicialidade entre o meio de defesa judicial accionado relativamente à liquidação, a AT se visse impelida a liquidar o imposto antes do trânsito em julgado da competente decisão, sob pena de caducar o respectivo direito à liquidação.
p) Ou seja, não beneficiando o contribuinte da protecção que justifica o efeito suspensivo do recurso, sempre caberá à AT ponderar da oportunidade da liquidação atenta a suspensão do respectivo prazo de caducidade.
III. Falta de fundamentação do despacho impugnado
q) Prossegue a Recorrida com o vício de forma por falta de fundamentação do acto impugnado, julgado improcedente pelo Tribunal “a quo”.
r) Em causa está a fundamentação do despacho ora em crise na parte em que procede à quantificação da matéria tributável, mais concretamente no que respeita à escolha da taxa de juro que serviu ao cálculo da correcção efectuada.
s) Para o efeito a Recorrida invoca, em síntese, que a AT não esclareceu os critérios que presidiram à opção pela taxa de juro de 12% em detrimento da taxa de juro de 6% enquanto taxa média de remuneração dos exercícios de 1995 e 1996.
t) Entendeu o Tribunal “a quo” que “a não ser essa mesma taxa de juro não se vislumbra que outra taxa pudesse ser tida em consideração em termos puramente objectivos”, uma vez que a mesma se apresenta “fundamentada e isenta de qualquer influência externa”, entendimento que merece a inteira adesão da AT.
u) Na verdade, conforme prolatado naquele acórdão, não poderia proceder a pretensão da A………………. de se efectuar uma correcção à matéria colectável, ao abrigo do regime dos preços de transferência, tendo como referência taxas de juro remuneratórias praticadas entre empresas com relações especiais entre si, uma vez que tal se afiguraria contraditório com todo o raciocínio que levou a inspecção tributária a concluir pela necessidade da correcção em apreço.
v) Nestes termos, não parecer estar em causa uma qualquer falta de fundamentação das conclusões alcançadas pela inspecção tributária na determinação da taxa de juros remuneratória a considerar para efeitos do art. 57º do CIRC, mas antes o facto de a Recorrida não se conformar com o critério adoptado pela AT para o efeito, pretensão que deverá ser julgada improcedente.
IV. Violação da lei por ofensa do art. 57º do CIRC
w) Por fim, entende a Recorrida que o acto impugnado padece de vício de violação de lei relativamente a um dos pressupostos para aplicação do art. 57º do CIRC, questão sobre a qual o Tribunal “a quo” não se teria pronunciado.
x) Em causa está a demonstração pela AT de que entre a B…………… e a Recorrida foram estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes.
y) Desde logo, afigura-se que o Tribunal “a quo” apreciou tal questão, enquanto vício de “ilegalidade decorrente dos errados pressupostos de facto que presidiram à correcção” ao mencionar que na perspectiva da AT estávamos “perante um empréstimo faseado no tempo sem a devolução de qualquer quantia por parte do devedor”, o que consubstancia uma “operação que não teria paralelo entre pessoas independentes”, implicando a aplicação do art. 57º do CIRC.
z) Na verdade, não obstante o Tribunal a quo ter decidido a final pela procedência do recurso porque a operação respeitante ao referido empréstimo faseado não podia ser vista isoladamente, ainda assim não deixou de considerar que “como bem refere o Réu, (..) relativamente ao empréstimo faseado as partes não seguiram a mesma postura que teriam seguido outras empresas relativamente às quais não existissem relações especiais”.
aa) De todo o modo, a considerar-se que houve uma omissão de pronúncia relativamente a esta matéria, sempre a competência para o seu conhecimento em 1ª instância seria do Tribunal “a quo” e não do Tribunal de recurso.
bb) Por fim, falece de qualquer razão o alegado pela Recorrida quanto ao vício violação de lei em discussão pois não é o facto, como pretende a Requerente, de inexistir uma qualquer norma legal que proíba o mútuo mercantil sem remuneração que afasta a conclusão alcançada no relatório da inspecção tributária de que não foram contratadas as condições de mercado normalmente praticas entre entidades independentes com vista à obtenção de um lucro pelo exercício da sua actividade,
cc) Termos em que, também no que respeita ao vício de violação de lei invocada pela Recorrida, deve improceder a sua pretensão.
Termina pedindo que sejam julgadas improcedentes as pretensões recursivas da Recorrida.

1.5. O MP emite Parecer, nos termos seguintes, além do mais:
«A recorrente acima identificada vem sindicar o acórdão do TCAN, exarado a fls. 1028/1038, em 11 de Outubro de 2012.
O acórdão recorrido julgou procedente a AAE intentada contra o despacho de 31 de Maio de 2005 do Ministro das Finanças que negou provimento a recurso hierárquico interposto ao abrigo do artigo 112.º/2 do CIRC, no entendimento de que o despacho sindicado, que sancionou as correcções ao lucro tributável, relativamente ao IRC de 1995 e 1996, tendo por fundamento a aplicação do regime dos preços de transferência consignado no artigo 57.º do CIRC, sofre de erro sobre os pressupostos de facto
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 1049/1051, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.º/3 e 690.º/1 do CPC, ex vi do artigo 140.º do CPTA e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida contra-alegou, nos termos de fls. 1203/1218 que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os feitos legais.
A recorrente, também, contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 1261/1265 que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos.
A nosso ver o recurso da ATA merece provimento, pelas razões expendidas nas suas conclusões de fls. 1049/1051, cujo discurso fundamentador se subscreve e aqui se dá por inteiramente reproduzido.
São pressupostos cumulativos da aplicação do regime de preços de transferência estatuído no artigo 58.º do CIRC (actual artigo 63.º):
1. Existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;
2. Que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;
3. Que tais relações sejam causa adequada das ditas condições;
4. Que aquelas conduzam a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência. ((1) Acórdão do STA, de 2007.01.31, proferido no recurso nº01016/06, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
Ora, da prova produzida, resultam provados todos os pressupostos para aplicação do regime de preços de transferência.
De facto, como bem refere a recorrente ATA, em função da factualidade apurada, apenas resulta provada a realização da transacção das acções, mas não que tivessem sido acordados três pagamentos antecipados por conta dessa transacção.
Por outro lado, contrariamente à conclusão tirada pelo Tribunal recorrido, a AT não deixou de analisar todas as operações relevantes em causa na sua globalidade.
Na verdade, ao caracterizar os pagamentos feitos como respeitando à concessão de empréstimos não remunerados, considerou a entrega posterior das acções como constituindo a única contrapartida da concessão daqueles empréstimos que, por essa via, foram reembolsados quanto ao capital mas não foram remunerados mediante o pagamento de juros.
Portanto, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, o recurso da Fazenda Pública merece provimento.
DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, POR PARTE DA RECORRIDA.
No que concerne à fundamentação da taxa de juros parece-nos que não há que censurar o acórdão recorrido, cujo discurso fundamentador se subscreve, nessa parte, pois que como o mesmo acentua “...a escolha pela concreta taxa de juro, tal como a AT a fez, revela-se devidamente fundamentada e isenta de qualquer influência externa. Aliás, ao utilizar para feitos de correcção uma taxa de juro de depósitos a prazo sem qualquer tipo de risco, de resto inerente a toda a actividade empresarial, a AT fez uma escolha devidamente fundamentada e coerente com todo o raciocínio que a levou a concluir pela necessidade de correcção da matéria colectável”.
Já no que diz respeito à questão de saber se à data em que foi exarado do despacho sindicado se se verificava ou não a caducidade do direito do Estado à concretização dos actos de liquidação decorrentes das correcções da matéria colectável dos exercícios de 1995 e 1996 afigura-se-nos que o acórdão recorrido não se pode manter.
De facto, parece certo que a prolação do despacho sindicado, enquanto acto renovador, não retroactivo [artigo 128.º/1/b) do CPA] como o mesmo, aliás, reconhece no ponto 5, apenas terá suporte legal na medida em que o imposto, ou melhor o direito ao seu apuramento/liquidação ainda não estivesse caducado, sob pena de se estar a praticar um acto, manifestamente, inútil que o lei proíbe.
Estando em causa o IRC dos exercícios de 1995 e de 1996 o prazo de caducidade do direito à liquidação é de 5 anos contados desde o início do ano seguinte aquele em que se verificou o facto tributário (artigo 33.º do CPT).
Nos termos do disposto no artigo 33.º/2 (actual artigo 46.º/2/ a) da LGT) o prazo de caducidade suspende-se em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão.
A interposição de recurso contencioso do despacho do SEAF que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho que autorizou as correcções à matéria tributável com base no regime de preços de transferência e do consequente despacho de ratificação – sanação do Senhor Ministro das Finanças não tem a virtualidade de suspender o prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos.
De facto, a resolução de tais litígios não é prejudicial relativamente às liquidações, uma vez que estas não dependem da sua resolução.
Tanto assim é que, como resulta do probatório, a AT, após a prolação do despacho do SEAF que indeferiu o recurso hierárquico procedeu à estruturação das liquidações adicionais de IRC de 1995 e 1996.
A suspensão do prazo de caducidade em caso de litígio judicial aplica o princípio da suspensão de tal prazo, quando a administração fiscal, por qualquer motivo, legal típico estiver legalmente impedida de proceder à liquidação do tributo. ((2) Lei Geral Tributária, anotada, página 22, António Lima Guerreiro)
Assim sendo, contados 5 anos desde 1996.01.01 e 1997.01.01, temos que quando o despacho sindicado foi estruturado (31 de Maio de 2005), já se mostrava caducado o direito de liquidação dos tributos, facto que inquina o acto sindicado de vício de violação de lei.
Termos em que deve proceder o recurso da ATA e, em sede de ampliação do objecto do recurso, a título subsidiário, a pedido da recorrida, anular-se o acto sindicado por caducidade do direito de liquidação dos tributos, à data da sua prolação.»

1.6. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Na sequência de relatório elaborado pela Inspecção Geral de Finanças, em 97.05.30 (cfr. doc. junto ao proc. instrutor, que se dá por reproduzido), em resultado de exame à escrita da empresa, participante da recorrente, “B…………………., SA”, foram efectuadas correcções ao lucro tributável da “D……………., com referência aos exercícios de 1994 a 1996, inclusive;
B) As correcções em questão foram efectuadas ao abrigo do art. 57º CIRC e tiveram como pressuposto o entendimento da AF de que a recorrente, sendo participada maioritariamente pela “B………….., SA”, estabeleceu com esta última relações especiais em situação distinta da que é normal estabelecer entre sujeitos independentes, e traduzidas na concessão de crédito, pela primeira à segunda, a título gratuito (cfr. relatório da IGF)
C) Notificada, a recorrente, através de ofício da DGCI, com data de saída de Julho de 1998, das mencionadas correcções, deduziu recurso hierárquico, ao abrigo dos art.ºs 1º, 2º, nº 5, 2 e 3 e 57º, nº 4 do CIRC dirigido a Sua Excia. o Sr. Ministro das Finanças, e a que coube o nº 1764/98, sustentando, no essencial, de que o que foi considerado pela AT como empréstimos não remunerados não consubstanciam, de facto, tal realidade, correspondendo a adiantamentos, a titulo de pagamentos antecipados do preço de compra, pela recorrente à “B…………….., SA”, de 500.000 acções do “C…………….”, pelo preço de 5.500$00 por unidade, acordada em finais de 1993 e concretizada nos finais de 1996 (cfr. fls. 382/389).
D) No procedimento do recurso hierárquico interposto pela recorrente foi elaborado um parecer, idf. sob a informação nº 733/99, no qual, além do mais, se formularam as seguintes conclusões;
«i) A ora recorrente em virtude das relações especiais que tem com a “B………….., SA” concedeu a esta empresa financiamentos de elevado montante, sem que relativamente aos mesmos tenha sido acordada qualquer remuneração, situação que, obviamente, se afasta do que é normal suceder em relações de independência entre as partes;
ii) De facto, e ainda que se desse como válido o argumento de que os montantes em questão não revestem a natureza de empréstimos, uma vez que têm subjacentes transacções de acções e em que aqueles montantes apenas configuram a natureza de pagamentos antecipados não deixariam os mesmos de ter a natureza de financiamentos não remunerados, se se atender ao lapso de tempo que mediou entre as datas em que os pagamentos foram efectuados (e a suposta data da negociação) e a data da concretização da transacção.
iii) Termos em que se conclui pela legitimidade de aplicação, à situação em concreto, do regime estabelecido no artigo 57º do Código do IRC, uma vez que a mesma reúne os pressupostos previstos na mesma norma, isto é: a) existência de relações especiais entre as partes envolvidas na operação; b) terem sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes; e c) em consequência, os resultados apurados na contabilidade foram diferentes dos que se apurariam na ausência dessas relações especiais;
iv) Em face do exposto anteriormente, conjugado, ainda, com o facto de que as correcções efectuadas se encontram devidamente fundamentadas, nos termos do artigo 80º.... do Código de Processo Tributário, encontrando-se cumpridos todos os requisitos estabelecidos, conclui-se pelo indeferimento do presente recurso hierárquico.» (cfr. fls. 422 dos autos).
E) Por referência ao ponto ii) das conclusões do parecer a que se alude na antecedente alínea menciona-se nos pontos 6.1, 6.2 e 6.3 do mesmo que:
«6.1 Não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos que demonstrem que, nas datas em que foram efectuados os pagamentos, a compra – que só veio a concretizar-se em Dezembro de 1996 bem como os ditos “pagamentos antecipados”, já se encontravam acordados entre as duas empresas.
6.2[…] o documento que a requerente apresenta como comprovativo da existência de tal acordo, consta de cópia de um “FAX” enviado ao “Banco ………..”, datado de 31 de Dezembro de 1996, em que solicita a este Banco que o mesmo efectue a operação de venda pela “B…………….” à ora recorrente de 500.000 acções da “C……………..” pelo valor unitário de Esc. 5.500 (sendo, portanto, o montante global da transacção de Esc. 2.750.000.000) e em que refere, ainda, que a liquidação financeira será feita sem transferência de fundos, ou seja por regularização directa entre os comitentes.
6.3Trata-se, assim, de um documento que apenas prova a realização da transacção, sem que fique demonstrado que a mesma, bem como os ditos “pagamentos antecipados” já tenham sido acordados 3 anos antes, em Dezembro de 1993. Ou seja, não fica demonstrado que os valores cedidos pela ora recorrente à “B…………….” não tinham a natureza de empréstimos não remunerados, uma vez que o facto de os montantes em questão terem sido considerados na regularização do valor da transacção acordado, não determina, por si só, que os mesmos não tivessem inicialmente a natureza de empréstimos e que, aquando da realização daquela, foram anulados por encontro de contas entre as duas empresas», (v. fls. 431 e 432).
F) Notificada, a recorrente, por ofício com data de saída de 99.08.02, em cumprimento do princípio de audiência prévia, no prazo estipulado de quinze dias, nada disse (cfr. fls. 437 e 323 dos autos).
G) Elaborado o projecto de despacho que constitui fls. 425/439 dos autos, veio a ser proferido pelo Sr. SEAFiscais, em 99.10.11, o despacho de indeferimento do recurso hierárquico que constitui fls. 422 de teor rigorosamente igual às conclusões do parecer acima transcritas na alínea D).
H) A recorrente foi notificada da decisão mencionada na alínea que antecede através de ofício da DGCT, com data de saída de 99.10.28 (cfr. fls. 617- ponto 3 dos autos).
I) De tal decisão interpôs, a recorrente, recurso contencioso de anulação, para o STA, o qual veio a ser julgado extinto por inutilidade superveniente da lide, por Ac. de 01.10.30.
J) O teor do art. 38º do articulado inicial de tal recurso era do seguinte teor; «Acresce, a terminar, que a notificação e o despacho objecto do presente recurso, não indicam qualquer delegação de competência, como exigiriam os artigos 64º, nº 2, do CPT, 62º da Lei Geral Tributária e 38º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que há que presumir a sua inexistência, gerando vício de incompetência (...) atento o teor do nº 2 do artigo 112º do Código do IRC, que a atribui expressamente, ao Ministro das Finanças» (cfr. fls. 451 dos autos).
K) Em 00.03.09, Sua. Ex.cia o Sr. Ministro das Finanças proferiu despacho do seguinte teor:
«Ratifico, nos exactos termos em que foi proferido, o despacho de Sua. Ex.cia o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 11 de Outubro de 1999, em anexo, proferido no recurso hierárquico interposto por “D…………., SA” nos termos do art. 112º do CIRC, relativamente às correcções da matéria colectável dos exercícios de 94, 95 e 96 efectuadas pela AF ao abrigo do disposto no art. 57º do CIRC (v. fls. 163 dos autos).
L) A “B…………….” e a recorrente, enquanto sociedade participada por aquela, são sociedades sujeitas a regimes de tributação diversos, estando, esta última, sujeita ao regime geral de tributação, e a primeira ao regime fiscal aplicável às SGPS (cfr. fls. 123/145 dos autos).
M) O SEAF apenas tinha competência delegada pelo Sr. Ministro das Finanças para “.... decidir recursos hierárquicos previstos nos artigos 91º e 100º do CPT, com excepção dos previstos nos artigos 112º do Código do IRC e 132º do Código do IRS”, nos termos do despacho daquela primeira entidade nº 5.751/98.03.19, publicado na II Série do DR, de 98.04.07..
N) O Despacho a que se refere a alínea K) supra veio a ser anulado por Acórdão do STA, de 22/09/04, com fundamento em falta de fundamentação, tendo transitado em julgado em 07.10.2004 (v. fls. 557 a 573).
O) Após notificada a autora para o exercício do direito de audição, o Ministro das Finanças renovou o acto anulado relativamente às liquidações referentes aos anos de 1995 e de 1996, procurando suprir o vício que tinha conduzido à sua anulação – falta de fundamentação – indeferindo o recurso hierárquico por despacho de 31/05/05 (v. fls. 112/122 dos autos).
P) Na sequência do indeferimento do recurso hierárquico a que se refere a alínea G) supra, a Administração Tributária veio a efectuar liquidações adicionais relativamente aos anos de 1994, 1995 e 1995, nos montantes de 47.939.340$00 - em 26 de Novembro de 1999 - de 49.231.745$00 - em 1 de Dezembro de 1999 - e de 39.051.639$00 - em 26 de Novembro de 1999 (v. fls. 440 a 442), que a recorrente oportunamente pagou.
Q) As acções em referência tinham um preço unitário de 5.020$00 em 1993, 4.845$00 em 1994 e 7.912$00 em 1996 (matéria de facto não impugnada e resultante dos documentos juntos aos autos a fls. 411 a 421).

3.1. A A…………….. S.A., ora recorrida, intentou no TCA Sul a presente acção administrativa especial, pedindo a anulação do despacho, de 31/5/2005, do Ministro das Finanças, que negou provimento a recurso hierárquico interposto ao abrigo do art. 112º nº 2 do CIRC, no entendimento de que aquele despacho (que sancionou correcções ao lucro tributável, relativamente ao IRC de 1995 e 1996, tendo por fundamento a aplicação do regime dos preços de transferência consignado no art. 57º do CIRC), sofre de erro sobre os pressupostos de facto.
No entendimento da recorrida (então autora) as questionadas operações que deram origem às correcções não traduzem quaisquer empréstimos não remunerados, antes se substanciando apenas em meros pagamentos antecipados por conta da compra, em Dezembro de 1996, de 500.000 acções; para a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), tais pagamentos antecipados devem considerar-se empréstimos não remunerados, o que implica a correcção do lucro tributável dos respectivos exercícios, em aplicação do disposto no art. 57º do CIRC, por se tratar de uma operação que não teria paralelo entre pessoas independentes.

3.2. Proferido despacho saneador em 26/5/2011 (fls. 927/932), veio a ser proferido, em 11/10/2012, o acórdão recorrido (do TCA Norte) no qual se enunciaram três questões a decidir:
- uma questão (prévia) relacionada com a caducidade do direito de liquidação (ou, segundo a alegação da recorrente, relacionada com a incompetência, em razão do tempo, do autor do acto);
- uma questão relativa à ilegalidade decorrente dos errados pressupostos de facto que presidiram à correcção efectuada;
- e uma terceira questão reportada à ilegalidade por falta de fundamentação do despacho impugnado, na medida em que estabelece uma taxa de juro que contraria a prática seguida pela autora e pelas empresas que com ela contrataram.

3.2.1. E começando por apreciar a questão da caducidade do direito de liquidação, o acórdão concluiu pela respectiva improcedência, fundamentando-se, em síntese, no seguinte:
- Contrariamente ao alegado pela recorrente, a questão não se reconduz à incompetência do autor do acto, em qualquer uma das suas modalidades, mas antes, à utilidade do acto impugnado quando perspectivado face à possibilidade de “renovação” do acto de liquidação em virtude do tempo entretanto decorrido. Tanto que o próprio autor do acto impugnado concluiu que a renovação do seu acto anterior (anulado por acórdão do STA) já não teria qualquer utilidade face à liquidação do imposto do ano de 1994, por entretanto se ter esgotado o referido prazo de caducidade da própria liquidação.
- De todo o modo, esta questão (invocada pela impugnante e tratada pelo autor do acto, a título de questão prévia no próprio acto que vem impugnado) não é questão que se repercuta na legalidade deste mesmo acto impugnado: este não se reconduz ao acto consubstanciador da liquidação, mas antes, a um acto procedimental prévio àquela mesma liquidação (como decorre do art. 112º, nº 3 do CIRC, na redacção à data em vigor). Daí que, em sede de execução de julgado sempre incumbiria à ATA a prática “ex novo” do acto anteriormente anulado, quer por força do princípio da decisão, quer por força do disposto no art. 100º da LGT: isto é, sempre estaria a ATA obrigada à prolação da decisão final do recurso hierárquico, independentemente da sua eventual “utilidade”, tendo em perspectiva o decurso, ou não, do prazo legal para a prática dos actos de liquidação.
- E, sendo o acto impugnado um acto procedimental prévio e definidor do subsequente acto de liquidação, vive independentemente deste, ou seja, as vicissitudes inerentes ao posterior acto de liquidação, de facto e de direito, não se repercutem retroactivamente sobre o anterior acto procedimental que agora vem impugnado e, nessa medida, não se vê que o decurso do prazo legal para a liquidação do imposto possa afectar a legalidade do acto procedimental impugnado.


3.2.2. Quanto à questão da ilegalidade do despacho impugnado, por erro nos pressupostos de facto que presidiram à correcção efectuada, o acórdão recorrido concluiu que os pressupostos de facto que serviram à pratica do acto impugnado eram incorrectos, dado que:
- Não se considerou toda a dinâmica dos negócios havidos entre ambas as empresas, com a fundamentação seguinte:
- Apesar de a operação de compra das acções que a autora alega ter efectuado (decorrente dos pagamentos faseados que realizou ao longo de 3 anos - de 1994 a 1996) não ter qualquer suporte documental além do fax referido na alínea E) do probatório, e apesar de mesmo esse documento apenas consubstanciar uma ordem dada a uma instituição bancária para que realize uma operação de venda de acções, sem transferência de fundos, também é certo, porém, que tal transferência de acções entre ambas as empresas ocorreu nos termos indicados nesse fax, ou seja, sem transferência de fundos e que as quantias “mutuadas” pela autora não lhe foram restituídas por via da transferência de fundos. Ou seja, se por um lado estamos perante uma transferência de acções sem o correspondente pagamento, por outro estamos perante um empréstimo faseado no tempo sem a devolução de qualquer quantia por parte do devedor.
- E se relativamente ao empréstimo faseado as partes não seguiram a mesma postura que teriam seguido outras empresas relativamente às quais não existissem relações especiais, também aqui, por maioria de razão, se terá que afirmar que tal postura não foi seguida, ou seja, não se vê que duas sociedades independentes entre si transaccionem um volume de meio milhão de acções sem o respectivo pagamento imediato das mesmas. Isto é, não faria qualquer sentido que se considerassem as entregas de quantias feitas pela autora como empréstimos sem remuneração, e posteriormente não se atribuísse qualquer relevância à entrada no seu património de meio milhão de acções de outra empresa sem que a mesma tivesse despendido qualquer valor.
- Além de que na referida operação de compra de acções realizada pela autora, esta adquiriu cada acção pelo valor de 5.500$00, quando o seu valor real em bolsa foi sendo sucessivamente de 5.020$00 em 1993, 4.845$00 em 1994 e 7.912$00 em 1996, ou seja, se face a preços de 1993 e 1994 a autora pagou um prémio sobre o valor das acções, isso permitiu-lhe que em 1996, data em que as acções ingressaram no seu património, tivesse um prémio por acção de 2.412$00 (cerca de 43% do valor que pagou pelas mesmas), pelo que, dividindo tal valorização por cada um dos 3 anos anteriores (1994, 1995 e 1996) poderia concluir-se que a remuneração dos “empréstimos” por si efectuados até foi muito superior ao valor que a ATA considerou para efeitos da correcção impugnada.

3.2.3. Finalmente, quanto à questão da falta de fundamentação do despacho impugnado por estabelecer uma taxa de juro que contraria a prática seguida pela autora e pelas empresas que com ela contrataram, o acórdão recorrido conclui que tal ilegalidade não se verifica, uma vez que, partindo as correcções operadas pela ATA do pressuposto de que a entrega das quantias monetárias realizadas entre as partes deveriam ser tributadas como se se tratasse de operações económicas realizadas entre empresas sem qualquer dependência económica mútua e, portanto, que o único objectivo seria a realização do máximo lucro legalmente possível (afastando naturalmente a usura), é evidente que deveria ser ajustada uma taxa de juro remuneratória para tais quantias: e essa taxa apenas poderia ter como base, precisamente, razões objectivas que de nenhum modo pudessem ser influenciadas pelas relações especiais existentes entre as empresas que realizaram o negócio em apreço; ora, a escolha pela concreta taxa de juro (dos depósitos a prazo sem qualquer tipo de risco), tal como a ATA a fez, revela-se devidamente fundamentada e isenta de qualquer influência externa.

3.3. A recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) discorda do assim decidido e, como é óbvio, delimita, desde logo (já que, quanto mais, a acção improcedeu), o recurso (cfr. Conclusão D) à matéria do julgamento efectuado quanto aos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência.
Todavia, nas Conclusões t) a w) parece pretender invocar eventual nulidade do acórdão recorrido, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 125º do CPPT e al. b) do nº 1 do art. 668º, a que corresponde o actual art. 615º do Novo CPC).
Ora, de todo o modo, adianta-se desde já que não ocorre tal nulidade.
Com efeito, sendo certo que deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão – cfr., entre muitos outros, os acs. do STA, de 4/3/2015, proc. 01939/13, de 7/1/2009, proc. nº 800/08 e de 10/5/73, BMJ 228, 259; e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131.
A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.(() Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)
Daí que, como salienta Jorge Lopes de Sousa(() Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125º, pp. 357 a 361.) devam «considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão», e, por isso, «quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação».
Todavia, não é isso que no caso vertente se verifica.
Com efeito, atentando na decisão recorrida, é patente que especifica os fundamentos de facto e de direito com base nos quais conclui pela ilegalidade do despacho impugnado ao ter mantido as correcções questionadas, dado não se verificarem os pressupostos legais previstos no art. 57º do CIRC, ou seja, por não ter ficado provado, por um lado, que as operações em causa configurem empréstimos remunerados e, por outro lado, que tenha havido uma não remuneração acordada em virtude das relações especiais entre ambas as empresas ou que constitua uma condição diferente da que seria normalmente acordada entre pessoas independentes.
Acresce que o acórdão especifica, igualmente, que a ponderação dos factos provados resulta dos documentos (referenciados nas respectivas alíneas do Probatório) juntos aos autos e do acordo (não impugnação) das partes.
A entender-se que a recorrente invocou nas Conclusões t) a w) esta aventada nulidade do acórdão, sempre a mesma improcederia, portanto, nos termos acima expostos.

4. No mais, como se disse, a recorrente ATA delimita o recurso (cfr. Conclusão D) à matéria do julgamento efectuado quanto aos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência, entendendo que, quanto a esta matéria, o Tribunal “a quo” incorreu em erro na apreciação da matéria de facto e de direito.
Para a recorrente, competia ao contribuinte comprovar ou, no mínimo, demonstrar ser minimamente plausível, que a entrega antecipada das importâncias transferidas para a B……………., ao longo dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996, constituíssem uma contrapartida pela aquisição de acções da mesma B……………, concretizada em Dezembro de 1996, o que não aconteceu, já que o único documento que sustenta a matéria de facto fixada no probatório consiste num simples fax, de 31/12/1996, apreciado pelo Tribunal como um documento que “apenas consubstancia uma ordem dada a uma instituição bancária para que realize um operação de venda de acções, sem transferência de fundos”. Daí que, na tese da recorrente, a A……………. só logra comprovar a realização da referida transacção de acções, mas não que tivessem sido acordados três anos antes pagamentos antecipados por conta dessa transacção, sendo que, ao invés da conclusão a que chegou o Tribunal “a quo”, a ATA não deixou de analisar as operações em causa consideradas na sua globalidade.
Ou seja, ao caracterizar as entregas antecipadas como respeitando à concessão de empréstimos não remunerados, a ATA também considerou a posterior entrega das aludidas acções como constituindo a única contrapartida da concessão daqueles empréstimos que, por essa via, foram reembolsados quanto ao capital mutuado, mas não foram remunerados mediante o pagamento de quaisquer juros, sendo que a conclusão quanto à natureza das entregas de numerário como respeitando a um empréstimo e não a uma transacção está devidamente explicitada pela ATA, quer no relatório da inspecção, quer na informação que serviu de fundamento ao indeferimento do recurso hierárquico, o mesmo sucedendo quanto à natureza não remunerada dos empréstimos concedidos.
Todavia, o pressuposto ora controvertido não respeita nem à existência de relações especiais entre as partes, nem ao método utilizado na quantificação do correspondente ajustamento, uma vez que ambos são dados como correctamente aferidos e demonstrados nos autos, mas antes ao pressuposto que se refere às condições acordadas para a operação, as quais relevam para efeitos da correcção prevista ao abrigo do art. 57º do CIRC quando sejam diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes. E as condições praticadas pelas entidades envolvidas, e que constituem matéria de facto provada nos autos, demonstram cabalmente este pressuposto legal, pois que, ainda que se desse como válido o argumento de que os montantes em questão não revestem a natureza de empréstimos, uma vez que têm subjacentes transacções de acções em que aqueles montantes apenas configuram a natureza de pagamentos antecipados, ainda assim, e para efeitos do disposto no art. 57º do CIRC não deixariam os mesmos de ter a natureza de financiamento não remunerado, se se atender ao lapso de tempo que mediou entre as datas em que os pagamentos foram efectuados e a data da concretização da transacção.
Esta é, portanto, a questão que ora importa decidir.
Vejamos.

4.1. Assentando nos princípios da independência e da plena concorrência (transacção em condições normais de mercado - arm’s length principle) e da comparabilidade dos preços, as regras relativas a preços de transferência (transfer pricing - que se reportam às operações comerciais entre entidades especialmente relacionadas) estavam enunciadas, à data dos factos, no art. 57º do CIRC (actualmente no art. 63º do mesmo CIRC) e não sofre dúvida que os requisitos ali indicados são cumulativos e só perante a respectiva verificação podem ser desencadeadas as correcções ao lucro tributável declarado.(() Sobre a matéria cfr. Rui Duarte Morais, Preços de Transferência. O sistema fiscal no fio da navalha, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano II, número 1, Almedina 2009, pp. 137 e 142; bem como, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina, 2009, nº 57.4.1., pp. 593 a 595.)
Como se vê do Probatório, é de 30/5/1997 o relatório resultante da fiscalização à escrita da recorrida e no seguimento do qual foram operadas as correcções ao respectivo lucro tributável dos exercícios de 1994 a 1996; e o despacho impugnado (de indeferimento do recurso hierárquico apresentado com referência às ditas correcções) foi proferido pelo sr. SEAF em 11/10/1999, de teor igual às Conclusões de Parecer elaborado no recurso hierárquico e transcritas na al. D) do Probatório (cfr. al. G) do Probatório).
À data dos factos vigorava, portanto, o CPT (que apenas veio a ser revogado em 1/1/2000, com a entrada em vigor do CPPT - cfr. arts. 1º, 2º, nº 1, e 4º do DL nº 433/99, de 26/10, que aprovou o CPPT) e o então art. 57º do CIRC (na redacção original, anterior à Lei nº 30-G/2000, de 29/12), cujo nº 1 dispunha: «A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações».
E o art. 112° do mesmo CIRC dispunha:
«1 - Sempre que, nos termos deste Código, sejam efectuadas correcções de natureza quantitativa nos valores constantes das declarações de rendimento do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável, será aquele notificado, pela forma estabelecida no n° 2 do art. 53°, das alterações efectuadas, com indicação dos respectivos fundamentos.
2 - Dessas alterações poderá o contribuinte, no prazo de 30 dias contados da notificação, interpor recurso hierárquico para o Ministro das Finanças e da decisão deste para os tribunais, nos termos da legislação aplicável. (...)»
Por sua vez, o nº 3 do art. 77º da LGT, na primitiva redacção (já vigente à data em que foi proferido o despacho impugnado – a LGT entrou em vigor em 1/1/1999 - cfr. arts. 1º e 6º do DL nº 398/98, de 17/12) dispunha que «Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiras pessoas e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;
c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.»

4.2. Sendo certo que o apuramento do lucro tributável com o recurso ao regime previsto no mencionado art. 57° do CIRC constitui, também ele, uma forma de apuramento com recurso a métodos indirectos, tomam-se ali por padrão, os preços que seriam obtidos em condições normais de mercado, entre dois operadores independentes. Por isso, os pressupostos para a correcção do lucro tributável à luz deste regime legal, são específicos para as situações que lhe sejam subsumíveis, não havendo que lançar mão da aferição da correcta quantificação do lucro tributável assim apurado pela norma do art. 52° do CIRC (forma e critérios da determinação do lucro tributável, por métodos indirectos, em geral).
Ora, como se referiu, os citados requisitos legais são cumulativos, e só perante a sua verificação podem ser desencadeadas tais correcções ao lucro tributável declarado.
No caso, a recorrente ATA alega que, relativamente aos pressupostos de aplicação deste regime dos preços de transferência, o acórdão recorrido enferma de erro na apreciação da matéria de facto e de direito e incorre numa insuficiente fundamentação das razões de facto e de direito que sustentam as conclusões alcançadas: apesar de competir ao contribuinte comprovar que a entrega antecipada das importâncias transferidas para a B……………, ao longo dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996, constituíssem uma contrapartida pela aquisição de acções da mesma B………….., concretizada em Dezembro de 1996, essa comprovação não se verificou, já que o único documento que sustenta a matéria de facto fixada no probatório consiste num simples fax, de 31/12/1996, apreciado pelo Tribunal como um documento que “apenas consubstancia uma ordem dada a uma instituição bancária para que realize uma operação de venda de acções, sem transferência de fundos”. Ou seja, na tese da recorrente, a A……………. só logra comprovar a realização da referida transacção de acções, mas não que tivessem sido acordados três anos antes pagamentos antecipados por conta dessa transacção.
E no mesmo sentido vai o Parecer do MP, ao concluir que apenas resulta provada a realização da transacção das acções, mas não que tivessem sido acordados três pagamentos antecipados por conta dessa transacção e que, por outro lado, a AT não deixou de analisar todas as operações relevantes em causa na sua globalidade, visto que, ao caracterizar os pagamentos feitos como respeitando à concessão de empréstimos não remunerados, considerou a entrega posterior das acções como constituindo a única contrapartida da concessão daqueles empréstimos que, por essa via, foram reembolsados quanto ao capital mas não foram remunerados mediante o pagamento de juros.

4.3. Não se vê, porém, que lhes assista razão.
Atentando na factualidade especificada no acórdão, constata-se que as correcções foram operadas com fundamento em que a recorrida A……………. S.A. concedeu à B……………, S.A. financiamentos nos montantes constantes dos autos, sem que relativamente aos mesmos tenha sido acordada qualquer remuneração, circunstância que, por isso, no entendimento da AT e do despacho impugnado, se afasta do que é normal suceder em relações de independência entre as partes e terá, portanto, sido determinada em virtude das relações especiais entre ambas (se a recorrida tivesse recorrido à Banca ter-lhe-iam sido cobrados juros em valor mais elevado do que alegadamente foi praticado); sendo que, ainda que se desse como válido o argumento de que os montantes em questão não revestem a natureza de empréstimos, antes substanciando apenas pagamentos antecipados relativamente a transacções de acções, mesmo assim, tais pagamentos não deixariam de ter a natureza de financiamentos não remunerados, se se atender ao lapso de tempo que mediou entre as datas em que os pagamentos foram efectuados (e a suposta data da negociação) e a data da concretização da transacção.
Contudo, compulsada a prova produzida, não vislumbramos razão para alterar a ponderação factual operada no acórdão recorrido. Nomeadamente, como se refere no acórdão recorrido, apesar de a operação de compra das acções [que a autora sustenta ter efectuado e decorrer dos pagamentos faseados que realizou ao longo de 3 anos - de 1994 a 1996) apenas ter como suporte documental o Fax referido na al. E) do Probatório (documento que consubstancia uma ordem dada a uma instituição bancária para que realize uma operação de venda de acções, sem transferência de fundos], não pode olvidar-se que essa transferência de acções ocorreu precisamente sem haver tal transferência de fundos: ou seja, as quantias pretensamente “mutuadas” pela autora não lhe foram restituídas por via da transferência de Fundos, pelo que, se por um lado estamos perante uma transferência de acções sem o correspondente pagamento, por outro, estaríamos perante um empréstimo faseado no tempo sem a devolução de qualquer quantia por parte do devedor.
A tese da AT no sentido da verificação de empréstimo (não remunerado), sempre colidiria, portanto, com a falta de comprovação da existência de retorno da quantia emprestada. E não se comprovando os elementos que caracterizam o empréstimo (obrigação de devolução ou reembolso das quantias entregues) também soçobrará a pretensão de a caracterizar com tal natureza.
Acresce que, embora a recorrente invoque (na Conclusão h) das alegações de recurso) que a recorrida não provou que as mencionadas entregas antecipadas constituem a contrapartida pela aquisição das acções em causa, concretizada em Dezembro de 1996 (já que não juntou prova documental desse facto e o Fax referido só comprovará a realização da referida transacção de acções, mas não prova que tivessem sido acordados, três anos antes, pagamentos antecipados por conta dessa transacção), tal invocação não tem em conta que a compra e venda de acções não depende de forma contratual específica, além de que não vem questionado que os ditos valores entregues pela recorrida à B………….. foram contabilizados, por ambas, como respeitando a adiantamentos por conta de investimentos financeiros e as próprias importâncias adiantadas foram consideradas na regularização do pagamento das questionadas acções, pelo que, como bem se diz no acórdão recorrido, «não faria qualquer sentido que se considerassem as entregas de quantias feitas pela autora como empréstimos sem remuneração, e posteriormente não se atribuísse qualquer relevância à entrada no seu património de meio milhão de acções de outra empresa sem que a mesma tivesse despendido qualquer valor».
Ora, como é sabido, cabe à AT provar os pressupostos em que assentam as correcções (cfr. o art. 80º do CPT e, posteriormente, os arts. 74° e 75° da LGT) e, nomeadamente no caso de correcções operadas nos termos do citado art. 57º do CIRC, cabe à AT o ónus da invocação e da prova das relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, ónus este que mais não é do que a emanação do corolário geral previsto no art. 342° do Código Civil, de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (cfr. o citado nº 1 do art. 74º da LGT). Se a AT desconsidera a declaração de rendimentos do contribuinte, por haver apurado que a dimensão do lucro tributável declarado é inferior à que poderia ser obtida em condições normais de mercado entre dois sujeitos independentes, em idênticos negócios, e se é nesta diferença que alicerça os pressupostos para a correcção do lucro tributável e consequente liquidação, cabe-lhe fazer a prova desses pressupostos constitutivos do direito a tal correcção (cfr., entre outros, os acórdãos do STA, de 21/1/2003 e de 12/3/2003, recursos nºs. 21.240 e 1.508/02-30, respectivamente).
Ou seja, a correcção da matéria colectável deveria assentar na descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias. É que, por um lado, face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 78º do CPT), cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos que justificam as correcções, bem como do valor do preço de concorrência; e, por outro lado, o nº 3 do art. 57º do CIRC, remetendo para o disposto no seu nº 1, impõe este especial dever de fundamentação (cfr. também o citado nº 3 do art. 77º da LGT). Portanto, impõe a lei que, nestes casos, além dos requisitos a que deve obedecer a fundamentação de qualquer acto administrativo (expressa, clara, congruente e suficiente - cfr. art. 125º do CPA), também se descrevam e fundamentem os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias e que as relações assim consideradas sejam causa adequada das ditas condições e conduzam a um lucro apurado diverso daquele que se apuraria na sua ausência [cfr., entre outros, o ac. do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário, de 25/9/2002, proc. nº 21.514 e o ac. da mesma Secção, de 11/3/2015, proc. nº 0145/14].(() Sobre esta mesma temática, cfr., igualmente, Nuno Sá Gomes - As Garantias dos Contribuintes, CTF 371, pp. 127 e ss.)
É certo que, no caso vertente, o acórdão recorrido não aprecia a vertente formal da fundamentação das correcções (e, por conseguinte, do despacho impugnado). Aprecia, porém, a sua vertente substancial, concluindo que caberia à ATA demonstrar que as entregas efectuadas pela recorrida à B……………, nos anos de 1993 a 1996 não estavam correctamente contabilizadas, ou seja, não correspondiam a adiantamentos por conta de investimentos financeiros, mas sim a empréstimos e que, de todo o modo, se assim fosse, só não tinha sido estabelecido o pagamento de juros por parte da recorrida, por força das alegadas relações especiais existentes entre ambas as empresas. E na verdade, como ali também se exara, há que ponderar a valorização das próprias acções que vieram a ser posteriormente adquiridas e a facilidade decorrente para a compradora dos pagamentos faseados que lhe permitiram aceder a uma grande parte do capital de determinada empresa sem fazer um investimento avultado de uma só vez, pelo que «a operação respeitante ao referido empréstimo faseado não pode ser vista isoladamente, desacompanhada da transferência da titularidade das acções, independentemente da existência de qualquer documento que titule tal operação de compra de acções faseada no tempo» até porque o princípio da tributação do lucro real «exige que se considerem para efeito da tributação todas as operações efectuadas pelos sujeitos passivos e que haja uma conjugação harmoniosa entre todas essas operações», sendo que «só com uma análise global de ambas as operações (posto que é a própria AT que admite como possível a realização de tal negócio), pagamentos antecipados e transferência da titularidade das acções, é que se poderá concluir pela necessidade de recurso ao disposto no art. 57º do CIRC, de outra forma, estar-se-ia a tributar isoladamente operações que formam um todo e não podem ser consideradas individualmente.»
Daí que, concluindo no sentido de que «os pressupostos de facto que serviram à pratica do acto impugnado eram incorrectos uma vez que não se considerou toda a dinâmica dos negócios havidos entre ambas as empresas», o acórdão recorrido não enferme, portanto, do erro de julgamento que lhe vem imputado.
Improcedendo, assim, as Conclusões das alegações de recurso.

5. E face ao sentido da presente decisão, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso, nomeadamente as alegadas, a título subsidiário, na contra-alegação da recorrida, em sede de ampliação do objecto do recurso.
Bem como as alegadas no douto Parecer do MP, quer na parte que concerne à fundamentação da taxa de juros (matéria relativamente à qual o MP sustenta que o acórdão recorrido deve ser confirmado), quer na parte que concerne à caducidade do direito de liquidação (matéria relativamente à qual o MP sustenta que o acórdão deve ser revogado e julgada procedente a acção, por considerar caducado o direito à liquidação): na verdade, como acima se deixou dito, por um lado, o recurso foi delimitado pela recorrente ATA à matéria do julgamento efectuado quanto aos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência e, de todo o modo, no que respeita à caducidade da liquidação (caducidade do direito do Estado à concretização dos actos de liquidação decorrentes das correcções da matéria colectável dos exercícios de 1995 e 1996), além de, como se diz no acórdão recorrido, o acto impugnado ser um acto procedimental prévio e definidor do subsequente acto de liquidação (vivendo independentemente deste e relativamente ao qual não se repercutem retroactivamente as vicissitudes inerentes ao posterior acto de liquidação, de facto e de direito), sempre a presente decisão acarretaria a prejudicialidade da respectiva apreciação, suscitada a título subsidiário nas contra-alegações da recorrida, tendo em vista a ampliação do objecto do recurso em caso de procedência do recurso da recorrente.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar o acórdão recorrido.
Sem custas dado que, à data, a recorrente delas estava isenta.
Lisboa, 14 de Maio de 2015. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco RothesFonseca Carvalho.