Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02748/10.2BEPRT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
AVALIAÇÃO
Sumário:O ato de avaliação realizado pela Comissão de Avaliação prevista no Regulamento da Contribuição Especial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de março não se encontra devidamente fundamentado se não for possível aferir o critério de avaliação utilizado, as razões pelas quais foram alcançados os valores atribuídos e os factores tidos em conta para essa atribuição.
Nº Convencional:JSTA000P28501
Nº do Documento:SA22021111002748/10
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial do ato tributário de liquidação de contribuição especial, efetuada no âmbito do procedimento no 4/2010 do 3.º Bairro Fiscal do Porto, no montante de € 171.040,13.
Impugnação que havia sido interposta A………., S.A., com o número de identificação fiscal …….. E COM SEDE NA Rua ………, n.º ………, 4050-………. Porto.
Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A. O presente recurso é interposto contra a sentença que declarou procedente a Impugnação deduzida por A…….., S.A., NIF ………, contra a “liquidação da Contribuição especial prevista pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03, relativa ao prédio sito na Rua ………., n.º ………, Paranhos, Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ………. (processo contrib. especial n.º 4/2010), no montante de € 171.040,13.”.

B. Está em causa saber se a avaliação, em que se baseou a liquidação impugnada, sofre, ou não, do vício de falta ou de insuficiência de fundamentação formal.

C. O presente recurso, por similitude quanto à questão jurídica e quanto ao raciocínio fundamentador, segue de perto a jurisprudência vertida no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 14.03.2007, processo nº 0624/06, que parcialmente transcreve, de forma adaptada, nas alegações e conclusões seguintes, bem como, encontra, ainda, apoio na jurisprudência do STA vertida nos Acórdãos de 06.10.2010, processo nº 060/10, e de 16.11.2011, processo nº 0928/10.

D. Diz a sentença recorrida que “Alega a Impugnante que o ato de avaliação e a subsequente liquidação não se encontram devidamente fundamentados por referência às exigências contidas no artigo 6.º do RCE, não tendo os peritos da A.T. exteriorizado, no “Termo de avaliação”, de forma suficiente, as razões de facto e de direito que determinaram os valores encontrados.”

E. A sentença recorrida, acolhendo tal posição da impugnante, de falta de fundamentação formal (cfr 129º ss da douta P.I.), considera que “Em suma e por outras palavras, verifica-se que há apenas uma breve indicação/descrição dos fatores previstos no artigo 6.º do RCE pela Comissão, omitindo-se qual foi a valoração/ponderação dos mesmos, não sendo apresentados quais os fundamentos que constituíram o esteio dos valores referidos no ponto 4. do “Termo de Avaliação”; não permitindo a um destinatário normal, médio e hipoteticamente colocado na situação real da Impugnante, aquilatar da justeza dos valores ali vertidos.”

F. Todavia, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida “não capta com exatidão nem os aspetos da lei nem os sinais dos elementos que se encontram nos autos.”

G. Isto porque, desde logo, “os fatores constantes das várias alíneas do n.º 2 do dito artigo 6.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, de determinação do valor a achar essencialmente segundo «a natureza e o destino económico do prédio» avaliando, não são de consideração absolutamente cogente e necessária, antes revestem natureza puramente indicativa e adjuvante.”

H. E, assim, o facto, exarado na sentença recorrida, de no termo de avaliação haver apenas uma breve indicação/descrição dos fatores previstos no artigo 6.º do RCE pela Comissão, omitindo-se qual foi a valoração/ponderação dos mesmos, “representa-se francamente inadequado à procedência da impugnação decretada como foi por causa de vício de insuficiência de fundamentação formal do ato de avaliação.”

I. A sentença recorrida labora também em desacerto, quando diz que “a fundamentação vertida no “termo de avaliação” é claramente insuficiente, não permitindo alcançar se e em que medida os fatores descritos nos seus pontos 0. a 3. foram considerados para o apuramento dos valores de construção e qual o fundamento da consideração das percentagens de 23% e de 25% para apurar os valores do terreno.”

J. A realidade é que, ao contrário do que diz a sentença recorrida, o “termo de avaliação”, nos seus pontos 2. e 3., sob a designação de “Localização e descrição do prédio” e “Critérios de Avaliação”, explica que “avalia-se o prédio à data de 1 de Janeiro de 1994 e à data em que foi requerido o licenciamento de construção, tendo em consideração a valorização induzida pelos investimentos públicos realizados e pela melhoria das condições de acessibilidade”; e que, “Tendo em consideração o período de tempo que medeia entre os dois momentos em que se realiza a avaliação e procurando objetividade, adota-se um modelo que traduz o efeito de valorização a tributar na percentagem considerada para determinar o valor do terreno a partir do valor da construção” - sendo que “O prédio situa-se numa zona urbana, sendo marginado por um arruamento dotado de todas as infraestruturas urbanísticas. À face do arruamento que margina o prédio existem construções de cérceas diversas. Na envolvente próxima existem equipamentos e a zona é servida por transportes públicos. No terreno em avaliação foi aprovada a construção de um edifício com 9 pisos, 3 dos quais abaixo da cota da soleira, constituído por 167 frações sendo 84 para habitação e o restante para comércio e serviços. O edifício tem uma área total de construção de 50.456 m2, dos quais 25.216 m2 (determinados por medição em planta) destinados a habitação, comércio e serviços.”

K. “Como se vê, o “termo de avaliação” em foco expressa ter a Comissão ponderado sobre elementos ou fatores suficientes de relevo em vista da determinação do valor a achar de acordo com «a natureza e o destino económico do prédio» em causa, como em conformidade manda o artigo 6.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março – e tudo isso, ao invés do que julga a sentença, de modo manifesto, em termos perfeitamente alcançáveis e compreensíveis por um destinatário normal, médio, hipoteticamente colocado na situação real da impugnante, ora recorrida.”

L. O discurso fundamentador do “termo de avaliação” em causa foi capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, porque se constituiu num discurso claro e racional, suficiente e coerente, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.

M. Não está em causa, nesta avaliação da correção formal do ato, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas tão só a sua existência. A suficiência da sua fundamentação não pode confundir-se com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados pela Comissão para a atribuição de determinados valores. É que, “a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do ato. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vício de forma por falta de fundamentação” (Sérvulo Correia, In “Noções de Direito Administrativo”, I, pág. 403).

N. As exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido - como seja a participação do interessado no procedimento e a extensão dessa participação – bastando-se, assim, com a expressão clara das razões que levaram à deliberação decisória, não tendo de reportar, por princípio, todos os factos considerados, todas as reflexões feitas ou todas as vicissitudes ocorridas durante essa deliberação.

O. No presente caso, a determinação do âmbito da declaração fundamentadora do “termo de avaliação” em causa pressupôs a busca do conteúdo adequado e suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa da avaliação em causa.


P. Neste contexto, a suficiência da declaração fundamentadora do ato avaliativo em foco constata-se no discurso claro e racional que dá a conhecer a qualquer destinatário normal e razoável – hipoteticamente colocado na situação do real destinatário e no concreto contexto circunstancial que rodeou a prática do ato – os critérios de avaliação utilizados, as razões por que foram alcançados os valores atribuídos e os fatores tidos em conta para essa atribuição, tudo de forma suficientemente reveladora do iter cognoscitivo que levou ao apuramento do valor encontrado para o prédio em questão, permitindo, dessa feita, a sua fácil sindicabilidade pelo contribuinte.

Q. A Fazenda Pública entende, assim, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, que a avaliação se encontra suficientemente fundamentada, através da enunciação clara e suficiente dos elementos enumerados no artigo 6° do Regulamento da Contribuição Especial e de outros elementos considerados pertinentes para a determinação da natureza e destino económico do prédio, dando a conhecer o iter cognoscitivo que levou ao apuramento dos valores encontrados.

R. Pelo que se deve concluir, face ao thema decidendum, que a avaliação, em que se baseou a liquidação impugnada, não sofre do vício de falta ou de insuficiência de fundamentação formal que lhe imputou a sentença sob recurso.

S. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública considera que a douta sentença, ao decidir como decidiu, encontra-se afectada por erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto nos art. 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA, 77º da LGT e 1º, 2º; 4º e 6º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98 de 3 de Março.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse anulada a sentença recorrida, com as consequências legais.
A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)
A. Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo n.º 2748/10.2BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente procedente o pedido formulado pela Impugnante, ora Alegante, que aí pugnava pela anulação da liquidação da Contribuição especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03, no montante de € 171.040,13.
B. Uma leitura, ainda que superficial, da decisão ora em crise indicia-nos, logo à partida, que o Tribunal a quo decidiu de forma prudente e motivada, ponderando irrepreensivelmente os diversos elementos probatórios disponíveis nos autos.
C. Em face do que conclui a Fazenda Pública, a questão que se coloca à apreciação do Tribunal ad quem é precisamente saber se a sentença a quo enferma de erro no julgamento ao concluir que a avaliação, em que se baseou o ato de liquidação objeto dos presentes autos, padece ou não do vício de fundamentação.
D. Contra o bem decidido e fundamentado, pretende a Recorrente que o Tribunal ad quem altere o sentido da decisão recorrida sem, contudo, e salvo o devido respeito, avançar um discurso argumentativo que introduza aspetos inovadores na análise de fáctico-jurídica.
E. Compulsada a sentença a quo constata-se que a motivação de direito assenta essencialmente no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/03/2007, proferido no âmbito do processo n.º 0624/06, que transcreve quase integralmente nas suas alegações (doravante designado, apenas, como Acórdão fundamento).
F. Não obstante, e apesar da alegada “similitude quanto à questão jurídica e quanto ao raciocínio fundamentador” a factualidade controvertida e apreciada no referido aresto não apresenta, como demonstraremos, tal identidade, ao ponto de impor uma decisão diversa nos presentes autos.
G. Considerando a jurisprudência vertida no Acórdão fundamento, pretexta a Fazenda Pública que “(…) a sentença recorrida “não capta com exatidão nem os aspetos da lei nem os sinais dos elementos que se encontraram nos autos.”, considerando, para tanto que “(…) os factores constantes das várias alíneas do n.º 2 do dito artigo 6.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, de determinação do valor a achar essencialmente segundo «a natureza e o destino económico do prédio» avaliando, não são de consideração absolutamente cogente e necessária, antes revestem natureza puramente indicativa e adjuvante.”
H. Todavia, e salvo o devido respeito, a Fazenda Pública faz uma errada interpretação e subsunção da jurisprudência citada ao caso dos autos, porquanto, ao contrário do litígio controvertido no Acórdão fundamento, o Tribunal a quo não sancionou a fundamentação do auto de avaliação, por dele não constarem todos os critérios de avaliação a que alude o n.º 2 do artigo 6.º do RCE, mas antes por dele não resultar “(…) se e em que medida os factores descritos nos seus pontos 0. a 3. foram considerados para o apuramento dos valores de construção e qual o fundamento da consideração das percentagens de 23% e 25% para apurar os valores do terreno”.
I. De modo que, ainda que consideremos que os critérios mencionados nas alíneas do n.º 2 do artigo 6.º do RCE não são de consideração absolutamente cogente e necessária, revestindo uma natureza meramente indicativa, o certo é que, uma vez utilizados, eles tem de ser expressamente referidos na fundamentação do termo de avaliação, externalizando-se a sua ponderação no raciocínio cognoscitivo para o apuramento dos valores de construção e do terreno.
J. As conclusões extraídas do Acórdão fundamento não se coadunam com o litígio dos presentes autos, como pretende a Recorrente, porquanto, no caso que nos ocupa, a Comissão limitou-se, somente, a indicar que “[n]a determinação dos valores que permitem o cálculo da matéria coletável, a comissão adota o procedimento previsto no Artigo 2.º do Regulamento da Contribuição Especial e considera o Artigo 6.º do mesmo regulamento (…)”, eximindo-se, assim, de indicar quais os critérios utilizados, - ainda que não todos, - e qual foi a valoração/ponderação dos mesmos.
K. Com efeito, a Comissão apresenta, no ponto 4., um quadro no qual surgem indicados, pela primeira vez, os valores da construção (€ 700,00 em 01/01/1994 e € 1.050,00 em 2009) e os valores do terreno (23% do valor da construção em 01/01/1994 e 25% do valor da construção em 2009), sem que seja apresentado qualquer raciocínio de como é que os peritos da A.T. chegaram a tais valores.
L. Pelo que, ao contrário do que se verificava no caso controvertido no referido aresto, no caso dos presentes autos, não são apresentados quais os fundamentos que constituíram o esteio dos valores referidos no ponto 4. do “Termo de Avaliação”, limitando-se a Comissão a referir, sem mais, que teve em consideração “a valorização induzida pelos investimentos públicos realizados e pela melhoria das condições de acessibilidade”, e ainda que foi adotado “um modelo que traduz o efeito de valorização a tributar na percentagem considerada para determinar o valor do terreno a partir do valor da construção”.
M. Neste seguimento, e não perdendo de vista o enquadramento jurídico do dever de fundamentação, não merece censura a sentença recorrida ao considerar que a fundamentação do “Termo de avaliação” não permite a “(…) um destinatário normal, médio e hipoteticamente colocado na situação real da Impugnante, aquilatar da justeza dos valores ali vertidos.”
N. Ademais, ao não ponderar as razões da não concordância do representante da Impugnante na atribuição de valores, impendia sobre a Administração Tributária um especial dever de fundamentação, já que o grau de fundamentação exigível deverá estar directamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, i. é, com a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte.
O. E não se diga, como pretende a Recorrente que “A suficiência da sua fundamentação não pode confundir-se com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados pela Comissão para a atribuição de determinados valores.”, pois que, sendo insuficiente a fundamentação formal, é impossível quer ao destinatário do ato, quer ao julgador, aquilatar da validade substancial da fundamentação.
P. Na verdade, a importância de uma competente fundamentação formal do ato tributário, justifica-se, precisamente, pela possibilidade de permitir a sua apreciação substancial a posteriori.
ENCURTANDO RAZÕES,
Q. os elementos e os critérios de avaliação que desembocaram na determinação da matéria coletável não se apresentam clara e suficientemente motivados, por forma a que possam ser adequadamente apreendidos pelos respetivos visados.
R. Nesta medida, considerando que as razões de facto e direito que se extraem do Termo de Avaliação não se mostram suficientemente motivados de forma a ser adequadamente sindicados pela impugnante, ou seja não se encontra suficientemente fundamentada e justificada a atribuição dos valores sub judice, o ato de liquidação considera-se não fundamentado.
ISTO POSTO,
S. todos os argumentos que vêm de se expor são bem elucidativos da legalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida não merece qualquer censura.
T. devendo manter-se a decisão recorrida, nos termos da qual se determinou julgar totalmente procedente a impugnação judicial e, nessa medida, manter-se a anulação do ato tributário de liquidação de Contribuição Especial.».
O recurso foi admitido e foi-lhe atribuída subida imediata nos autos e fixado efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.
O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, que aqui se transcreve parcialmente: «(…)
Para se decidir pela procedência da ação no sentido da falta de fundamentação do ato de avaliação, considerou a Mma. Juiza “a quo” que não é apreensível do auto de avaliação os critérios de fixação dos valores de construção - € 700,00 em 1994 e € 1.050$00 em 2009 – e as percentagens para determinação do valor do terreno – 23% e 25%, respetivamente.
De facto, e com se deixou exarado na sentença recorrida, apesar de no auto de avaliação os senhores peritos fazerem referência a diversos critérios mencionados no artigo 6º do Dec.-Lei nº 43/98, de 3 de Março, certo é que não se alcança qual a origem dos valores de construção tidos em consideração, assim como as percentagens do valor da construção utilizadas na determinação do valor do terreno.
Embora seja certo que o relatório do auto de avaliação deve ser sucinto, com a discriminação dos dados e elementos tidos em consideração, também é certo que os senhores peritos têm que esclarecer qual a origem dos coeficientes utilizados, sob pena de os termos da avaliação se revelarem opacos e insuscetíveis de apreensão pelos seus destinatários, como ocorre no caso presente.
Na verdade, enquanto os demais elementos físicos do prédio ou os elementos caraterizadores da área onde se situa o prédio são facilmente apreensíveis e suscetíveis de contestação por parte do sujeito passivo, já outro tanto não ocorre com os referidos coeficientes, que dessa forma fogem ao controlo, seja do contribuinte, seja do tribunal, por carecerem de melhor fundamentação, já que a sua mera discriminação não se mostra suficiente (independentemente da sua validade material), pois importava esclarecer os respetivos elementos de suporte, designadamente os fatores económicos e monetários tidos em consideração para apurar o seu quantitativo.
Concordamos, assim, com o decidido na sentença recorrida no sentido de a falta de fundamentação da fixação desses coeficientes inquinar o ato de avaliação e, consequentemente, conduzir à invalidade do ato tributário.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.».
Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.
◇◇◇
2. Ao abrigo do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis a coberto do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, remete-se para os termos da decisão da primeira instância na parte relativa à «Fundamentação de facto».
◇◇◇
3. A única questão a decidir é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que o ato de avaliação e a subsequente liquidação não se encontram devidamente fundamentados.
Decorre da alínea “D)” dos factos dados como provados na sentença recorrida que o termo de avaliação do prédio em causa tem, além do mais, o seguinte teor: «(…)
1. Identificação do Prédio a avaliar
Proprietário do direito de construir: A…………, SA
Localização: Rua ………., ………., Freguesia de Paranhos, Concelho do Porto
Inscrição Matricial. Artigo (urbano) nº ………
Tipo: Terreno para construção
Área: 7648,4 m2
Data em que foi requerido o Alvará de licença de construção ou de obra: 2009
Data de emissão da licença de construção ou de obra: 2009

2. Localização e descrição do Prédio
O prédio situa-se numa zona urbana, sendo marginado por um arruamento dotado de todas as infraestruturas urbanísticas.
À face do arruamento que margina o prédio existem construções de cérceas diversas.
Na envolvente próxima existem equipamentos e a zona é servida por transportes públicos.
No terreno em avaliação foi aprovada a construção de um edifício com 9 pisos, 3 dos quais abaixo da cota da soleira, constituído por 167 fracções sendo 84 para habitação e o restante para comércio e serviços. O edifício tem uma área total de construção de 50.456 m2, dos quais 25.216 m2 (determinados por medição em planta) destinados a habitação, comércio e serviços.

3. Critérios de avaliação
A avaliação efectuada tem por objetivo a determinação da matéria colectável, a tributar no âmbito da contribuição especial aprovada pelo Decreto-Lei n.º 43/98 de 3 de Março.
Na determinação dos valores que permitem o cálculo da matéria colectável, a comissão adopta o procedimento previsto no Artigo 2º do Regulamento da Contribuição Especial e considera o Artigo 6º do mesmo regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei anteriormente referido.
Nos termos da legislação em vigor, avalia-se o prédio à data de 1 de Janeiro de 1994 e à data em que foi requerido o licenciamento de construção, tendo em consideração a valorização induzida pelos investimentos públicos realizados e pela melhoria das condições de acessibilidade.
Tendo em consideração o período que medeia entre os dois momentos em que se realiza a avaliação e procurando objectividade, adopta-se um modelo que traduz o efeito da valorização a tributar na percentagem considerada para determinar o valor do terreno a partir do valor da construção.

4. Avaliação
4.1. Em 1 de janeiro de 1994
Área do prédio (m2)
7.648,40
Área bruta potencialmente edificável (m2)
25.216,00
Valor unitário de construção (€/m2)
700,00
Valor da construção (€)
17.651.200
Valor do terreno (%)
23,00%
Valor do terreno (€)
4.059.776 €
4.2. À data do pedido de licenciamento (2009)
Área do prédio (m2)
7.648,40
Área bruta potencialmente edificável (m2)
25.216,00
Valor unitário de construção (€/m2)
1050,00
Valor da construção (€)
26.476.800
Valor do terreno (%)
25,00%
Valor do terreno (€)
6.619.200 €

5. Valor sujeito a contribuição
O valor da mais valia realizada entre os dois momentos em que se avalia o terreno (diferença corrigida pelo coeficiente de desvalorização monetária) é:
6.619.200 €
-
4.059.776 €
x
1,49
570.134 €
Se, nos termos do n.º 1 do Artigo 2º do Decreto-Lei n.º 43/98 de 3 de Março, se considerar que a data de realização da mais valia corresponde à data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra, o valor sujeito a contribuição é
6.619.200 €
-
4.059.776 €
x
1,49
570.134 €
(…)
Na sentença recorrida, observou-se que o termo de avaliação e em especial o seu ponto “4” alude pela primeira vez aos valores de construção e aos valores do terreno (em percentagem dos valores de construção) «sem que seja apresentado qualquer raciocínio de como é que os peritos da A.T. chegaram a tais valores». O que, no entendimento da Mm.ª Juiz a quo, não permite «a um destinatário normal, médio e hipoteticamente colocado na situação real da Impugnante, aquilatar da justeza dos valores ali vertidos». Concluindo, assim, que a avaliação padece do vício da insuficiência da fundamentação.
É contra o assim decidido que se insurge o ilustre Representante da Fazenda Pública, contrapondo-lhe o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de março de 2007, tirado no processo n.º 0624/06, que transcreve quase integralmente, por entender haver «similitude quanto à questão jurídica e quanto ao raciocínio fundamentador».
Deve, porém, contrapor-se desde já que não é possível concluir que o critério de avaliação utilizado no caso do acórdão citado pela Recorrente e no caso dos autos tenha sido o mesmo.
Com efeito, é referido no ponto 3 do termo de avaliação que acima se transcreve que o critério de avaliação obedeceu a um modelo que traduzisse o efeito de valorização a tributar na percentagem considerada para determinar o valor do terreno.
No termo de avaliação que se transcreve no referido acórdão não é feita qualquer referência a um tal modelo de avaliação. Em vez disso, consignou-se ali ter sido determinado o valor do prédio «com base no valor da construção potencialmente edificável, determinando-se esta a partir dos elementos que nos foram fornecidos, nomeadamente projecto aprovado».
De qualquer modo, a invocada similitude na questão jurídica e no discurso fundamentador não seria razão bastante para reconduzir a fundamentação do recurso ao teor do acórdão que lhe serve de fundamento.
Porque, como se afirma nesse mesmo acórdão e se reafirma no acórdão de 16 de novembro de 2011 (processo n.º 0928/10), as exigências de fundamentação não são rígidas e variam, não só em função do tipo concreto de ato, mas também das circunstâncias em que foi praticado.
Com efeito, o conteúdo concreto da fundamentação obrigatória é extremamente variável, devendo ser mais completa a fundamentação quando o contexto da decisão justifique a formulação de um discurso mais individualizado.
Desde logo – e estando em causa atos de avaliação de bens a cargo de uma comissão de peritos – será de exigir uma fundamentação mais completa nas situações em que o laudo não é unânime e o conteúdo fundamentador deve levar em conta os aspetos em que se manifesta a divergência.
Ora, no caso do acórdão que fundamenta o recurso, a discordância dos peritos reconduzia-se ao facto de o representante do contribuinte entender que a valorização induzida pelas infraestruturas já estar refletida no preço da aquisição do terreno.
Pelo que não existiria ali dificuldade em alcançar as razões pelas quais foram fixados os valores atribuídos na avaliação e selecionados os fatores tidos em conta para essa atribuição. Aliás, no parecer do Ministério Público anuncia-se que «a fundamentação do acto de avaliação» permitiu «ao destinatário do acto o conhecimento dos elementos indispensáveis a uma opção esclarecida entre a aceitação e a impugnação graciosa ou contenciosa do acto administrativo, como ilustra eloquentemente o teor da petição de impugnação judicial, onde é refutada especificadamente cada um dos critérios da avaliação (cfr. arts. 31°/40°)».
Na situação dos autos, pelo contrário, a discordância dos peritos diz respeito à definição dos critérios e à determinação dos valores utilizados na avaliação, constando logo do laudo minoritário que nunca foi explicada a atribuição do valor por metro quadrado, a variação na percentagem a atribuir ao valor do terreno e a falta de discriminação das áreas de habitação, comércio e serviços.
E, na verdade, não é possível extrair do discurso fundamentador do laudo maioritário as razões que levaram os senhores peritos nomeados pela Direção-Geral dos Impostos a fixar o valor unitário de construção por metro quadrado em 700,00 € em 1994 e em 1.050,00 € em 2009. Nem se explicou porque é que o terreno teria um valor percentual correspondente a 23% do valor da construção em 1994 e a 25% desse valor em 2009.
É certo que os senhores peritos justificaram esta variação com a adoção do tal modelo que traduza o efeito da valorização na própria percentagem que foi considerada para determinar o valor do terreno.
Mas nunca explicitaram o modelo utilizado nem explicaram como é que ele traduz o efeito de valorização a tributar. O que, na prática, impede um destinatário normal (colocado na situação concreta do real destinatário e no contexto circunstancial que rodeou a prática do ato) de aferir em concreto o critério de avaliação utilizado, as razões pelas quais foram alcançados os valores atribuídos e os factores tidos em conta para essa atribuição.
Pelo que a decisão recorrida não merece censura e deve ser confirmada.
◇◇◇
4. Preparando a decisão e em cumprimento do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
O ato de avaliação realizado pela Comissão de Avaliação prevista no Regulamento da Contribuição Especial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de março não se encontra devidamente fundamentado se não for possível aferir o critério de avaliação utilizado, as razões pelas quais foram alcançados os valores atribuídos e os factores tidos em conta para essa atribuição.
◇◇◇
5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de novembro de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.