Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04741/23.6BELSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO
PARECER
DELIBERAÇÃO DO JÚRI
DOCUMENTO ADMINISTRATIVO
CONCURSO PARA JUIZ DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
Sumário:Constitui um “documento administrativo”, integrante do procedimento, e sujeito às regras gerais de acesso aos documentos administrativos, um denominado “parecer preliminar/documento de trabalho”, que tenha de ser elaborado, por imposição normativa do regulamento do concurso, por um membro do júri (relator), contendo as valorações dos fatores consideradas por este ajustadas, para servir de base à discussão e deliberação avaliativa do júri.
Nº Convencional:JSTA000P32027
Nº do Documento:SA12024032104741/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – RELATÓRIO

1 – AA, Juíza de Direito com os sinais dos autos apresentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), ao abrigo do artigo 104.º e segs. do CPTA, “intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões”, na qual formulou o seguinte pedido:
“Termos em que deve a presente intimação ser julgada provada e procedente, condenando-se o Requerido na emissão da certidão requerida pela Requerente”.

2 – A Entidade Requerida (CSTAF) apresentou resposta, em que suscitou a excepção de incompetência do tribunal, pugnando, no mais, pela improcedência do pedido de intimação, sustentando, no essencial, que os “pareceres preliminares” em causa são meros documentos de trabalho, equivalentes a notas pessoais, não configurando, como tal, documentos administrativos sujeitos ao regime legal próprio de acesso aos documentos administrativos, revestindo carácter reservado, como expressamente constava do Aviso de abertura do concurso:

3 – A Requerente não se pronunciou sobre a matéria da excepção.

4 – Por sentença de 31 de Janeiro de 2024 o TAC de Lisboa julgou procedente a excepção, declarou a incompetência daquele tribunal em razão da hierarquia para conhecer da questão e determinou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo.

5 - Sem vistos, por se tratar de processo urgente (art. 36º n.ºs 1 d), 2, 3 e 4 do CPTA), o processo é submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

Consideramos provados os seguintes factos:

1. A Requerente é Juíza de Direito do Juízo de Direito da Jurisdição Administrativa e Fiscal, a exercer actualmente funções no Tribunal Administrativo e Fiscal de ....
2. A Requerente foi opositora ao concurso para o provimento das vagas existentes de Juiz Desembargador das Secções de Contencioso Administrativo dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul, aberto pelo Aviso n.º ...22, de ... de ... e no qual foi admitida e graduada no 34.º lugar com a pontuação de 141,29 (Doc. 2 junto com a p.i.).
3. Em 28.11.2023, a Requerente dirigiu, por via electrónica para o correio electrónico do Requerido, o seguinte pedido, (documento n.º 3 junto com a p.i.):
“AA, juíza de direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., candidata ao concurso curricular de acesso aos Tribunais Centrais Administrativos, Secção de Contencioso Administrativo, aberto pelo Aviso n.º ...22, publicado no DR, 2.ª Série, n.º ...6, de ... de ... de 2022,
Requer a V/Ex.ª, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º, 60.º, 61.º, 63.º, 64.º, 67.º, 68.º, 82.º e 83.º, 84.º e 85.º do Código Do Procedimento Administrativo (DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro), certidão de teor integral, donde constem os seguintes elementos:
1. Deliberação integral do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 15 de novembro de 2023, em que foi aprovada a lista de graduação final dos candidatos;
2. Parecer preliminar/documento de trabalho, relativamente a todos os candidatos que foram distribuídos em sorteio aos vários membros do júri, tendo em conta os fatores referidos no n.º 2 do artigo 61.º e no n.º 2 do artigo 69.º do ETAF, a valoração referida no ponto 5 e a respetiva fundamentação (cfr. ponto 17 do Aviso nº ...22, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º ...6, de ... de ... de 2022);
2. Cópia da acta do júri da qual conste a concreta aplicação dos critérios definidos a todos os candidatos admitidos ao concurso para o provimento das vagas de Juíz Desembargador das Secções de Contencioso Administrativo dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul.
(…)”
4. No dia 29-11-2023, o Requerido remeteu à Requerente a seguinte mensagem (documento n.º 3 junto com a p.i.).
“Em resposta ao pedido apresentado no ponto 2 do requerimento em anexo à mensagem infra encarrega-me Sua Excelência a Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de lhe comunicar que por despacho de 29 de novembro de 2023, decidiu indeferir o pedido de emissão de certidão do “Parecer preliminar/documento de trabalho”, nos termos e com os fundamentos constantes do documento em anexo.
(…)”



2. DE DIREITO


Constitui objecto da presente intimação o indeferimento do pedido de passagem de certidão de documentos relativos ao procedimento concursal supra identificado, na parte em que a Requerente solicitava certidão do “parecer preliminar/documento de trabalho, relativamente a todos os candidatos, que foram distribuídos em sorteio aos vários membros do júri, tendo em conta os factores referidos no n.º 2 do artigo 61.º e no n.º 2 do artigo 69.º do ETAF, a valoração referida no ponto 5 e a respectiva fundamentação (cfr. ponto 17 do Aviso n.º ...22, publicado no Diário da República, 2.ª Série, nº ...6, de ... de ... de 2022)”.
Cabe destacar que esta questão foi já objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal Administrativo – referimo-nos aos acórdãos exarados nos processos n.ºs 0200/23.5BALSB; 0193/23.9BALSB e 0195/23.5BALSB, todos de 11 de Janeiro de 2024 e 0204/23.8BALSB, de 8 de Fevereiro de 2024 — todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, para os quais se remete a título de fundamentação completa, dispensando-se a reprodução integral dos respectivos textos.


Com efeito, valem aqui integralmente as razões que ali se expenderam para julgar procedentes as intimações para acesso à informação e passagem de certidões:
i) os documentos cujo acesso à informação foi recusado são, à luz dos preceitos normativos reguladores do direito de acesso à informação procedimental “documentos administrativos” e não meras “notas pessoais” [artigos 82.º a 85.º do CPA e artigo 1.º, n.º 4 da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos - LADA)];
ii) a Requerente, enquanto interessada no procedimento concursal em questão, tem direito de acesso ao mesmo, seja por consulta, seja através de informação ou de reprodução de quaisquer documentos que o integrem;
iii) os documentos cujo acesso e informação se requer são documentos procedimentais (isto é, documentos que fazem parte, forçosamente, do procedimento), já que a sua elaboração é obrigatória, normativamente determinada (pelas normas concursais constantes do Aviso de abertura) e com finalidade normativamente estabelecida – cfr. pontos 17, 18, 21 e 22 do Aviso n.º ...22;
- a jurisprudência pretérita deste STA tem afirmado que o disposto no art. 3.º n.º 2, alínea a) da LADA se reporta «à tutela da privacidade de quem elabora o documento, nela se incluindo as anotações que não tenham de ser produzidas enquanto tais, designadamente por força da lei ou de regulamento» - cfr. Acórdão de 19/12/2006 (proc. 0850/06), sendo também esse o entendimento da CADA (Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos) vertido nos Pareceres n.ºs 403/2022,389/2018, 354/2018, 126/2017 ou 482/2015.
- o acesso a esses documentos não pode ser prejudicado pelo facto de o Requerido alegar que não os incluiu nos procedimentos individuais, uma vez que, sendo os mesmos substancialmente “documentos administrativos” (pelas razões antes explicitadas), eles têm de figurar no procedimento; nem pelo facto de o Requerido não lhes ter atribuído essa natureza no âmbito da tramitação procedimental, pois a qualificação que a entidade administrativa dá a esses documentos é irrelevante para efeitos de garantia do acesso aos mesmos quando estes, substancialmente, integrem (como sucede aqui) o âmbito da informação procedimental, que é também, no plano jurídico, um direito fundamental análogo a direitos, liberdades e garantias;



III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em julgar procedente a presente intimação, intimando a Entidade Requerida “Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF)” a, no prazo de 10 dias, facultar à Requerente a certidão solicitada, ou seja, em complemento dos elementos já fornecidos, a certidão que inclua o “Parecer preliminar/documento de trabalho, relativamente a todos os candidatos que foram distribuídos em sorteio aos vários membros do júri, tendo em conta os factores referidos no n.º 2 do artigo 61.º e no n.º 2 do artigo 69.º do ETAF, a valoração referida no ponto 5 e a respectiva fundamentação”.

Custas a cargo da Entidade Requerida.

Fixa-se à presente intimação o valor de 30.001,00€ por se tratar de uma causa de valor indeterminável por estarem em causa bens imateriais.

Lisboa, 21 de Março de 2024. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz.