Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0981/17
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23242
Nº do Documento:SA2201805030981
Data de Entrada:09/08/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A Fazenda Pública vem recorrer para este Supremo Tribunal do segmento da sentença de 13/12/2016 (fls. 110/113), proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que a condenou em custas processuais.
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1.2. Termina as suas alegações com o seguinte o quadro conclusivo:
«1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto referencialmente à douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, no segmento em que determinou a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas do processo;
2. A questão de direito controvertida foi alvo de pronúncia no Tribunal a quo em pelo menos cinco decisões judiciais (que se anexam), externadas em sentido oposto ao do aresto sob recurso e convergente com o aqui defendido;
3. A Fazenda Pública não é parte no processo nem teve ou despoletou qualquer impulso processual durante o decorrer da instância;
4. Compete ao Ministério Público introduzir o feito em juízo, tomando-o presente ao juiz, valendo esse acto como acusação [cf. artigo 62.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT]
5. No processo contra-ordenacional tributário tem aplicação mediata o regime de custas estatuído nos artigo 92.º a 94.º do RGCO e, imediatamente — porque especial relativamente àqueloutras — a norma contida no artigo 66.º do RGIT;
6. Atento o regime legal de custas aplicável em sede de processos de contra-ordenação tributária manifesto é concluir pela inexistência de norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas;
7. Pese embora a Fazenda Pública não beneficie de qualquer isenção no pagamento de custas no âmbito dos processos judiciais tributários (cf. art. 4.º, n°s. 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 324/2003 de 27 de dezembro), o mesmo se pode afirmar no que concerne à presente espécie processual, uma vez que no regime anterior ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, em vigor desde 20/04/2009, o regime de custas em processo de contra-ordenação tributária passou a ser regulado, em primeira linha pelos normativos constantes dos artigos 92.° a 94.º do RGCO;
8. Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RGIT e 94.º, n.ºs 3 e 4 do RGCO, será de concluir, contrariamente ao decidido no douto aresto sob recurso, que nos processos — como o aqui em causa — em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1 alínea d), ex vi do artigo 79.º, n.º 1 alíneas b) e c) e artigo 27.º, todos do RGIT, e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.».
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1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.4. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«Recurso interposto pelo representante da Fazenda Pública, sendo recorrido A………..:
Apesar de ter sido interposto, nos termos do art. 280.º n.º 5 do C.P.P.T., é de aceitar por manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência, nos termos do art. 73.º n.º 2 do Regime geral do ilícito de mera ordenação social (R.G.l.M.O.S.) aprovado pelo Dec.-Lei 433/82, aplicável por força do art. 2.º aI. do R.G.I.T. com várias alterações.
Com efeito, o S.T.A., após não ter aceite 2 recursos em casos semelhantes, - assim, nos seus acórdãos de 19-9-2012 e de 27-2-2013, proferidos nos recursos n.ºs 703/12 e 706/12 -, veio a decidir no sentido de carecer de base legal a condenação em custas da fazenda Pública em novo caso semelhante, conforme acórdão do S.T.A. de 23-11-16 proferido no rec. n.º 1106/16.
E como o recorrente engloba este entre os indicados em fundamento, são de dar por verificados os requisitos legais.
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A questão contravertida e a decidir consiste em determinar se é legal condenar em custas da Fazenda Pública, no caso de se ter julgado como verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1 al. d) do R.G.I.T..
Não é de acolher que seja do art. 38.º do Regulamento de Custas Processuais (R.C.P.), nem das especialidades do processo de contraordenação tributária, como são a do auto ser remetido a juízo pelo chefe do serviço de finanças, e das amplas possibilidades de intervenção do representante da Fazenda Pública, incluindo a de recorrer autonomamente, que possa resultar a condenação da A.T. em custas.
Com efeito, a mesma só pode resultar de norma que a preveja.
A sua indagação passa pela apreciação do que especificamente se encontra previsto no R.G.I.M.O.S., para que remete o art. 66.º n.º 1 do R.G.I.T., bem como ainda do que possa constar do R.C.P., tendo sido o diploma que o aprovou que revogou o Regulamento de Custas nos Tribunais Tributários.
No R.G.I.M.O.S., as custas em processo de contraordenação foram previstas apenas para o caso de não ser dada razão ao impugnante, conforme previsto no artigo 94.º n.ºs 3 e 4.
No R.C.P., foi ainda previsto ser devida taxa de justiça pela impugnação das decisões da autoridade administrativa, de acordo com o previsto no art. 8.º n. 7, tabela III anexa e n.º 8 do R.C.P..
O art. 38.º do R.C.P. apenas diz respeito à imputação de custas dentro da entidade do Estado que não propriamente aos casos em que é de dar lugar à condenação deste ou de qualquer dos seus serviços.
Aliás, a isenção de quaisquer taxas de justiça foi o previsto no art. 10.º n.º 7 do R.C.P., quanto a casos não especialmente previstos.
Ou seja, é de aplicar isenção de custas com fundamento nessa norma.
Concluindo:
A condenação da A. T. em custas carece de base legal, sendo antes de aplicar a isenção de custas prevista no art. 10.º n.º 7 do R.C.P..
Na procedência do recurso interposto, é de revogar o decidido quanto a custas.».
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1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. Dá-se aqui por reproduzida a decisão de aplicação de coima impugnada e que consta de fls. 28 e 29, com o seguinte destaque:

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3.1. O presente recurso foi interposto nos termos do artigo 280º nº 5 do CPPT.
Juntou a recorrente quatro sentenças em que a questão era idêntica à dos presentes autos e um acórdão deste STA, fls. 125 a 147, em que a FP não foi condenada em custas.
Entende-se, por isso, que o presente recurso é de admitir.
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3.2. A decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º 1 d), ex vi do artigo 79.º 1 b) e c) e 27.º do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, que fixou em 2 UCs.
A questão controvertida foi já apreciada, por diversas vezes, neste STA.
Acompanhamos o caminho que os mesmos trilharam e por inexistirem motivos para dos mesmos divergir transcreveremos o conteúdo do acórdão de 23-11-2016, recurso 01106, que foi proferido sobre sentença do mesmo tribunal.
Neste se escreveu que:

6. Do objecto do recurso
Como se constata das alegações e respectivas conclusões a única questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida no segmento em que determinou a condenação em custas da Fazenda Pública.

A decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, que fixou em 2 UCs.

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública argumentando que não teve, nem promoveu qualquer impulso processual nos autos tal como previsto no artº 6º, nº do RCP e que o Regime Geral das Contra-ordenações estabelece que dão lugar a pagamento de taxa de justiça as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido (artº 93º, nº 3 do RGCO), o que não é o caso.
Mais argumenta que do artº 94º, nº 3 e 4 do RGCO resulta que as custas não imputadas ao arguido são suportadas pelo erário público.
6.1 Da responsabilidade da Fazenda Pública por custas nos processos de contra-ordenações tributárias.
Como é sabido, por força do disposto no art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101.º, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.º, n .º 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pag. 458.) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art. 97.º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118.º, n.º 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66.º do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4º do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº 66º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.º a 94.º do RGCO. (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª edição, pag. 458.).
Ora nos termos do nº 3 do artº 93º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do nº 3 artº 94º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (nº 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas (Neste sentido se decidiu também no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto.).
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RGIT e 94.º, nºs. 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contraordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
A decisão recorrida padece, pois, do erro de julgamento que lhe é imputado, pelo que não pode ser confirmada.”.
No mesmo sentido podem consultar-se, entre outros os acórdãos deste STA de 24-02-2016, recurso 01408 e, por mais recentes os de 13-12-2017, proc. 712/17, de 04-10-2017, pro. 0721/17, de 20-09-2017, proc. 0560/17, de 13-09-2017, proc. 0702/17 e de 11-01-2017, proc. 01283/16
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Em processo de contraordenação tributária em que a decisão administrativa de aplicação de coima foi anulada, com fundamento na ocorrência de nulidade insuprível da mesma, não são devidas custas pela Fazenda Pública, nos termos do artigo 66.º do RIGT e artigo 94.º, n.ºs 3 e 4, do RGCO.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública em custas e, em substituição, determinar que o processo fica sem custas.
Sem custas.

Lisboa, 3 de maio de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.