Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0644/20.4BEPNF
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28566
Nº do Documento:SA2202111240644/20
Data de Entrada:09/30/2021
Recorrente:A..................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……………….., recorrente nos presentes autos vem, nos termos do disposto no art.º 285 do CPPT deduzir recurso excecional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, por estar em tempo e ter legitimidade.

Alegou, tendo concluído:
1. O presente recurso incide sobre a decisão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte na qual decidiu revogar a decisão de primeira instância e, assim, conservar as liquidações adicionais efetuadas pela AT em matéria de manifestações de fortuna.
2. Antes de mais cumpre referir que a decisão de que ora se recorre contém lapso manifesto no que respeita ao parecer emitido pelo Ministério Publico o qual emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos mas na página 29 do Acórdão refere-se que pugna pela procedência do recurso intentado pela AT.
3. O Ministério Publico considerou que “sempre que da prova produzida resultar dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado. A sentença recorrida considerou esses princípios nucleares de apreciação da prova. A sentença está bem fundamentada de facto e de direito. Não existindo motivos para a sua revogação. Pelo exposto, somos do parecer que os recursos devem ser declarados improcedentes.”
4. Pelo que, cumpre desde de logo ser corrigido o erro constante do acórdão proferido.
5. A decisão de que ora se recorre sustentou-se em situações processuais violadoras dos normativos pois que, considerou que factos constantes dos pontos da matéria de facto não são factos provados e, por outro lado, considerou incumprido o ónus de especificação no que respeita à análise de factos que se consideravam que haviam ser dados como provados.
6. Estamos perante questões cuja a relevância prática devido à sua aplicação no dia a dia revela um interesse objetivo, isto é, uma utilidade jurídica que leva a que este tribunal sobre ela se tenha que pronunciar pois que, a sua apreciação permitirá que para os inúmeros casos futuros que infelizmente se sucedem, seja aplicada de forma mais consentânea e clara com respeito pelos princípios constitucionais e ordenadores do direito fiscal.
7. Assim, o acórdão cuja a revista se peticiona violou a lei processual (artigo 94.º do CPTA, 607.º, 608.º, 662.º, do CPC) e o principio da tutela de jurisdição efetiva e direito de acesso à justiça (cfr. Artigo 9.º da LGT, 7.º do CPTA, 20.º, n.º4 e 268.º, n.º4 ambos da CRP) e, ainda procedeu a uma errada aplicação do direito violando assim a lei substantiva (cfr. Artigos 87.º, n.º1 alínea f) e 89.º-A, ambos da LGT).
8. A não admissão do recurso levará a que o TCA mantenha o comportamento sistemático de não análise da prova documental junta aos autos na sua total extensão e, bem assim, a manter-se a decisão na ordem jurídica poderá levar a futuros comportamentos padrão de alterar a matéria de facto sem a alterar formalmente mas desconsiderando-a, o que coloca em causa a segurança jurídica e a tutela de jurisdição efetiva.
9. Decisões como a proferida levam a incerteza dos atores judiciários e, levará a que se impugne sempre a matéria de facto ainda que assente em primeira instância por afinal poder-se tratar não de factos assentes mas apenas de má técnica utilizada na sentença.
10. Sendo que, no que respeita à parte substantiva o tribunal desvalorizou o ónus de instrução da AT em sede manifestações de fortuna impondo que o contribuinte faça não só esse ónus como cumpra com o seu ónus probatório. A definição dos limites e grau de certeza das manifestações de fortuna é de maior importância em face da inversão do ónus probatório após inspeção existente.
11. Relembremos que esta matéria é das poucas que no direito português prevê uma verdadeira inversão do ónus condenando à partida e obrigando a uma defesa cuja a singularidade não pode permitir que à AT se possa apenas ficar com indicações vagas sem suporte sob pena de existir uma verdadeira diabolização do instituído, o que não fora a vontade do legislador.
12. Também pela singularidade desta questão e pela sua crescente aplicação é da maior importância que o STA esclareça cabalmente o ónus de instrução que a AT tem que observar em sede de manifestações de fortuna, nomeadamente, quando a manifestação se prende com elementos que apenas existem e estão na posse de terceiros.
13. No que toca à questão processual a decisão recorrida não alterou qualquer matéria de facto porém desconsidera os factos provados, referindo que “no que concerne ao facto 69, o mesmo não se pode considerar um facto provado, pois apenas relata o alegado pela Autora, …e apenas reproduz o quadro que a Autora inseriu…ou seja, trata-se de colocar na matéria de facto o que a parte alegada, não sendo a melhor técnica para relatar o alegado pelas partes, pois o que é alegado não é um facto, quando o tribunal não o dê como provado, como foi o sucedido”.
14. Ora, o tribunal recorrido entendeu assim que os pontos da matéria de facto provados e assim constantes da sentença recorrido afinal não são factos provados e por isso, não pode a Recorrente com base neles sedimentar o seu recurso nomeadamente, partindo da conjugação destes com outros elementos probatórios para concluir que haveria ser dado como provado outros factos essências nem, pode com base neles colocar em causa a aplicação do direito por eles afinal não serem factos e muito menos provados.
15. Ou seja, o tribunal apesar de nenhuma das partes ter impugnado a matéria de facto considerou que os factos provados não o poderiam ser e, por essa ordem de ideias afastou qualquer possibilidade de análise dos mesmos para efeitos de quantificação.
16. A sentença, conforme disposto no artigo 607.º do CPC, 94.º do CPTA e 123.º, n.º2 do CPPT, começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando as questões que ao tribunal cabe apreciar e, em seguida, descrimina os factos que considera provados, os fundamentos e depois indica e aplica as normas jurídicas correspondentes.
17. Com base nesta metodologia é que as partes analisam a decisão e confiam na mesma por forma a basear os seus recursos (quando a eles há lugar) sob pena de comprometer o direito ao recurso e nessa medida o acesso à justiça e a tutela efetiva, direito fundamental previsto no artigo 20.º da CRP.
18. Desta forma, não pode, salvo se as partes tivessem impugnado, o tribunal vir dizer que o elenco dos factos provados (ou parte) afinal não estão provados por não serem factos e, ter existido uma má técnica usada pelo Meritíssimo Juiz a quo.
19. As partes têm que estar seguras dos factos provados e não provados, não podendo ser confrontadas com situações de que afinal não estão provados apesar de estar nesse elenco dos factos provados.
20. Para a Recorrente e no que respeita concretamente ao ponto 67, ficou provado, demonstrado pela mesma e, aceite pelo tribunal a justificação para os lançamentos.
21. E, ficou precisamente porque tal tabela estava suportada nos documentos juntos com as capas da contabilidade cuja a data se identificou naquele quadro.
22. O mesmo se passa com os restantes pontos 68, 69, 70, 71, 72 e 73, onde a sentença nos factos provados dá como reproduzidos os quadros em que se justifica os movimentos, identificando documento a documento.
23. Sendo que, a cópia dos mesmos não fora possível de junção pois que se tratam de documentos de terceiros, guardados à ordem do tribunal. Sendo que, não era exigível tal cópia uma vez que, o tribunal tinha e tem na sua posse as capas de contabilidade da sociedade e, por isso, com a identificação dos mesmos (identificação aceite pelo tribunal) conseguia-se verificar a veracidade dos quadros e da informação neles contida e, por isso foram tais dados como provados.
24. Ora, esta matéria de facto assente não podia ser desconsiderada por não impugnada pelo que, ao fazê-lo ultrapassou os seus poderes de cognição.
25. A recorrente não impugnou os factos provados por considerar que os ditos factos estavam provados e, com base neles é que a conclusão teria que ser diferente da tida na decisão recorrida ainda que, para efeitos de quantificação da manifestação de fortuna.
26. Se os ditos factos não tivessem integrado a enunciação dos factos provados a posição de recurso teria que ter sido outra.
27. Alias, de igual forma não impugnou os factos constantes dos pontos 13 a 18 porque fora dado como provado apenas que a sociedade emitiu aqueles cheques e não que a Recorrente os tinha recebido ou sido a sua beneficiaria.
28. Mas repara-se que nesta matéria já entende o tribunal que não apenas o tribunal reproduziu os cheques (como diz em relação às tabelas) como deu como provados a beneficiaria dos mesmos.
29. Ora, esta incerteza não pode manter-se pelo que tem o STA que quanto a ela pronunciar-se.
30. As partes não podem estar sujeitas a “más técnicas”, mas têm que confiar no tribunal nas sentenças e não sendo estas obscuras proceder ao recurso das mesmas partindo da matéria de facto provada e não provada e do
31. A não ser assim a segurança jurídica e processual está colocada em causa.
32. Por conseguinte, podemos dizer que a decisão proferida pelo TCA integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº1, al. b), do NCPC e 285.º, n.º1 e 2 do CPPT, uma vez que o acórdão recorrido acaba por desconsiderar factos provados.
33. Cabe ao Tribunal Central Administrativo uma análise da prova testemunhal e documental existente nos autos de forma extensiva não devendo nem podendo desconsiderar factos provados nem limitar-se a dizer que a instância recorrida já analisou a prova e, por isso, nada mais ver.
34. Alias, se tivesse cumprido o seu dever de verdadeira instância de recurso em matéria de facto teria verificado que os recibos de pagamento à advogada da empresa estão nos autos nas capas de contabilidade, devidamente identificados nos quadros dados como provados.
35. Os quadros continham o número da pasta de arquivo da contabilidade e o número de classificação da contabilidade para assim, o tribunal os identificar com mais facilidade, dado que, repita-se não foi possível a junção da sua cópia por serem documentos na posse de terceiros primeiramente e depois por estarem à guarda do tribunal nestes autos. Exigir copia de documentos que estão nos autos com o devido respeito parece ser uma exigência inexplicável e que apenas fazia avolumar e densificar ainda mais o processo.
36. Ora, toda esta atuação do tribunal central terá que ser analisada pelo Supremo Tribunal Administrativo por se tratar do órgão cúpula da jurisdição ao qual cabe controlar o modo como o TCA interpreta e aplica as regras jurídicas respeitantes à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto da primeira instância sendo que, a avaliação desta é o ponto nuclear em ordem a aplicação do direito e por conseguinte, o garante do princípio de tutela jurisdicional efetiva.
37. Acresce que, mesmo relativamente ao aditamento de novos factos ao elenco dos factos provados o tribunal recorrido limitou-se a dizer que não foram respeitados os ónus devidos à Recorrente nos termos do artigo 640.º do CPC e por isso não aprecia.
38. Ora, este comportamento sistemático do TCA de não apreciar tem também que ser apreciado por este Tribunal Superior.
39. O ónus que impende sobre a Recorrente, na interposição de qualquer recurso, de apresentar a sua alegação na qual deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, acresce o ónus previsto no art. 640º, estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.
40. Ao Recorrente que pretende ver alterada a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância impugná-la nos termos previstos no art. 640º do CPC.
41. Porém, essa exigência, bem como o cumprimento do ónus a cargo do Recorrente, quando esteja em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pode redundar na adopção de entendimentos formais por parte dos Tribunais centrais, centrados numa visão formalista do processo e que, na prática, se traduzam na recusa de reapreciação da matéria de facto, coartando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.
42. Mais concretamente, não pode admitir-se que, por uma via interpretativa de raiz essencialmente formal, o Recorrente fique impedido de alcançar o objectivo visado pelo legislador: o segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.
43. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (na pendência do anterior CPC e também já posteriormente à entrada em vigor do Novo CPC) vem repetidamente apontando um rumo substancialmente diverso referindo que aí se consagrou o entendimento do STJ no sentido de que importante “é que o Recorrente, ao impugnar a matéria de facto, especifique de forma concreta quais os pontos de facto impugnados, embora sem referência a números, pois o que importa é que a contraparte e o julgador possam apurar ao certo o que o recorrente impugna”.
44. O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
45. Nas suas alegações e nas conclusões (XVI a XXIII) a Recorrente refere que da conjugação da matéria de facto constante do ponto 35, da análise dos movimentos descritos e provados nos pontos 36 e 38 e atendendo ao ponto de facto provado em 73 deverá considerar-se provado que também o B………………….. beneficiou dos montantes existentes na conta ………. terminada em 900, sendo titular de pelo menos 50% dos rendimentos ali obtidos.
46. Ou seja, salvo melhor opinião concretizou a Recorrente o ponto que pretendia ver julgado provado, os meios probatórios em que assentava o seu raciocínio e a decisão que pretendia.
47. Pelo que, tendo sido cumprido o ónus que impedia cabia ao TCA a sua análise critica da prova, documental constante dos autos.
48. Por conseguinte, crê-se que deverá a revista proceder, importando a remessa dos autos ao TCA para que seja efectivamente apreciada a apelação nessa parte e, uma vez fixada a matéria de facto provada e não provada, sejam apreciadas as demais questões suscitadas nas alegações do recurso nomeadamente as questões relacionadas com a quantificação das manifestações de fortuna face aos movimentos e montantes justificados e beneficiários.
49. No que respeita ao direito substantivo e ao ónus instrutório que cabe à AT o tribunal refere que não era necessário a AT verificar se os cheques e supostas transferências (com meras indicações à mão escritas pela contabilidade) foram recebidas pela Recorrente ou fora ela beneficiaria delas pois a lei não refere que os acréscimos patrimoniais sejam só detactos nas contas bancárias indicando como exemplos os suprimentos.
50. Ora, esta linha de pensamento claramente tolda o espírito da lei e vai para além do previsto no artigo 87.º da LGT pois que, pese embora o combate à fraude e à invasão fiscal tenha que ser efetuado de forma incisiva tal não significa à custa de todos os demais princípios tributários e constituições.
51. Sob a AT existe um ónus instrutório inicial que a mesma tem que cumprir e só depois o ónus probatório do contribuinte de que a fonte das manifestações de fortuna são outras ou seja, primeiro tem que ser demonstrado que o contribuinte é o beneficiário ou delas beneficiou ou tirou partido e depois o mesmo tem que explicar a sua origem.
52. Os extratos da Recorrente estão juntos e verifica-se que não entraram nas suas contas (sob pena de se entraram então até estarmos a tributar duplamente ou seja, pelos valores encontrados nas contas bancárias e na escrita da contabilidade da empresa).
53. Acresce que, a Recorrente jamais referiu que apenas se tivessem entrado nas suas contas é que podia a AT dizer que eram manifestações de fortuna. O que se disse e é bem diferente e, fora corroborado pelo tribunal de primeira instância e pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Publico no seu parecer é que, a AT nem aferiu se os cheques foram efetivamente para a Recorrente ou foram depositados para outros, se foram levantados ao balcão e quem os assinou. Só ela podia solicitar o verso dos ditos cheques pois que são documentos de terceiros que a Recorrente não tem acesso nem o banco lhe dá essa informação por estar sujeita a sigilo bancário.
54. A AT teria que ter verificado o destino dos mesmos e, bem assim, das transferências referidas nos extratos à lápis como tendo como destino a Recorrente, pois que as contas aí referidas não são da mesma e não pode a mesma pedir informação bancária de terceiros.
55. É isto que se trata e que o tribunal ignorou e que à recorrente está vedado o acesso à informação bancária de terceiros, de uma sociedade que não é gerente. A instituição bancária não lhe faculta tal documentação pelo que, não podia a mesma juntar.
56. Mas antes disso À AT o legislador exige o cumprimento do dever de descoberta da verdade material, o dever do inquisitório.
57. E, não se diga que não porque admite os suprimentos que são suportados apenas na contabilidade da empresa pois que, também aqui isso não é verdade é exigido que para além dos lançamentos a AT indague as entradas dos suprimentos e para isso, por norma, solicita os extratos das contas da empresa e bem assim, dos movimentos de caixa ou seja, não se basta como o escrito efetuado por terceiros contabilistas.
58. Os únicos factos dados como provados foram que a sociedade emitiu os cheques com aquele conteúdo e não que a Recorrente beneficiou dos mesmos e, não fora isso dado como provado porque não existiu qualquer indício probatório de tal facto. A AT não demonstrou que a mesma endossou, levantou os cheques ou os depositou.
59. Trata-se de uma fase instrutora inicial que não fora cumprida e, na dúvida o tribunal terá que anular as liquidações porque vale o princípio da verdade material e a tributação pelo rendimento real.
60. O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual devendo a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material (cfr.ac.T.C.A.Sul, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul, 7/5/2013, proc.6418/13; Pedro Vidal Matos, O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, 2010, pág.45 e seg.).
61. Ora, tal princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.
62. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.
63. Este princípio, consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado.
64. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades.
65. Ora, no presente caso e concretamente no que respeita às manifestações de fortuna que a AT pretendia imputar através dos registos da contabilidade (registos expressamente impugnados pela Recorrente) era-lhe exigível instrutivamente efetuar aquela circularização e comprovação até porque sabia que a Recorrente por ser documentos de terceiros a eles não tinha acesso e não podia solicitar ao banco.
66. Por conseguinte, ter-se-á que delimitar quais são as obrigações da AT em sede instrutiva e, depois, crê-se que afinal ter-se-á que considerar que aqui não foram cumpridos.
67. Pelo que, no que respeita à conta indicada na contabilidade teria a decisão proferida em primeira instância que ser mantida.

A Administração Tributária produziu contra-alegações, tendo concluído:
43. Não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art.º 285.º do CPPT, devendo ser liminarmente rejeitado.
44. Caso assim não se entenda, deve manter-se o acórdão recorrido, por não ter sido invocada nenhuma nulidade nas conclusões das alegações, limitando-se as mesmas a juízos conclusivos para fundamentar uma decisão diferente da impugnada.
45. Carecendo o recurso de sustentação nos factos e na lei deve o Acórdão manter-se no ordenamento jurídico.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, pelo que, há, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não se encontra no âmbito deste tipo de recurso o conhecimento de questões de constitucionalidade, bem como não é permitido o conhecimento de questões de facto, cfr. n.ºs. 3 e 4.
Como resulta de uma leitura atenta das conclusões deste recurso que é dirigido ao Supremo Tribunal, a recorrente pretende discutir a matéria de facto que se considerou provada ou não provada nas instâncias, bem como pretende discutir um eventual erro na apreciação do ónus da prova e das ilações de facto que foram retiradas da matéria de facto que se julgou assente, bem como da relevância dos meios probatórios carreados para os autos.
Ora, é evidente que o recurso não pode ser admitido para apreciar tais questões, tanto mais, que as questões que a recorrente pretende discutir resultam, principalmente, da singularidade da situação concreta.
Assim, o recurso não pode ser admitido, por não se mostrarem reunidos os critérios legais para a sua admissão.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso excepcional de revista.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.