Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0149/20.3BALSB
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Não havendo, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão apresentado como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso interposto ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT.
Nº Convencional:JSTA000P27771
Nº do Documento:SAP202105260149/20
Data de Entrada:12/20/2020
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 206/2020 -T

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações do seguinte teor:

«i. O presente recurso de uniformização de jurisprudência é interposto a coberto do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT e tem por objecto a sentença proferida no pedido de pronúncia arbitral que correu termos, junto do Centro de Arbitragem, sob o n.º 206/2020-T e que julgou improcedente aquele pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação adicional de IRS n.º 2019 5005716926 e, bem assim, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 – 248477.

ii. O presente recurso centra-se no fundamento a falta de fundamentação da liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e da respectiva liquidação de Juros Compensatórios, o qual foi julgado improcedente por aquela sentença.

iii. Com relevância para a boa decisão do presente recurso, o Tribunal Arbitral deu como provados os seguintes factos com relevância para a boa decisão do presente recurso: “3.º O Requerente foi notificado através de Ofício n.º 00023096, de 26 de Setembro de 2019, da Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e Despesa para, no prazo de 30 dias, apresentar: “De acordo com a informação comunicada ao abrigo daquela Directiva [da Poupança], verifica-se que auferiu na Suíça, no ano de 2015, rendimentos de juros no valor de € 129.045,00;

iv. O Tribunal Arbitral deu, ainda, como provado que “5.º Em 15 de Outubro de 2019, o Requerente foi notificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, do teor do 27876 de 14/11/2019, através do qual lhe foi comunicado que ao abrigo da Directiva da Poupança as autoridades fiscais Suíças, comunicaram à AT, que no de 2015 o SP auferiu rendimentos de juros no montante de € 129.045,00 (...) Considerando que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS, os rendimentos sob a forma de juros são de declaração obrigatória no respectivo Anexo J da declaração de rendimentos Modelo 3 – IRS, a SP foi notificada através do ofício n.º 23096, de 26/09/2019, para regularizar a situação através da submissão da declaração em falta, no prazo de 30 dias, conforme disposto no n.º 3 do art.º 76 do Código do IRS”.

v. Resultando, ainda, da matéria de facto dada como provada que “6.º Findo o prazo, a Autoridade Tributária e Aduaneira, notificou o Requerente da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019 5005716926, praticado em 15 de Novembro de 2019, pela Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao ano de 2015, do qual resulta o valor a pagar de € 40.935,76, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019-248477 (no valor de € 4.803,16).” (cfr. pág. 9 e 10 da Sentença).

vi. Conforme referido, o Tribunal Arbitral concluiu, em síntese, na sentença proferida no processo arbitral n.º 206/2020-T que dos Ofícios n.ºs 23096, de 26 de Setembro de 2019 e 27876, de 14 de Novembro de 2019, suportados na informação que resulta da troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça resulta a fundamentação de direito subjacente à liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e, bem assim, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 – 248477, concluindo, pois, sem mais, que assim se encontram cumpridos os requisitos de fundamentação dos actos de liquidação, previstos no artigo 77.º, n.º 1 e 2 e 76.º n.º 1 e n.º 4 da Lei Geral Tributária.

vii. Não pode, contudo, a ora Recorrente conformar-se com o entendimento preconizado pela sentença recorrida, o qual desconsidera as normas reguladoras do dever de fundamentação que recai sobre a Administração Tributária.

viii. Acontece, porém, que este entendimento colide, frontalmente, com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a fundamentação das liquidações de imposto, sendo a oposição entre o entendimento do Tribunal Arbitral na sentença proferida processo n.º 206/2020-T e a jurisprudência deste douto Supremo Tribunal Administrativo evidente relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 24 de Abril de 2019, no processo n.º 0399/13.9BEAVR.

ix. Como já observado, o artigo 25.º, n.º 2, do RJAT estabelece como requisito para que haja recurso de uniformização de jurisprudência a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

x. No caso vertente, o Tribunal Arbitral concluiu no processo n.º 206/2020-T que o dever de fundamentação se tem por cumprido pela mera existência de notificações anteriores à emissão de uma liquidação de imposto, emitida no limite do decurso do prazo de caducidade, ainda que a liquidação de imposto não remeta, nem expressa, nem tacitamente para nenhum documento concreto que contenha a fundamentação e que esse procedimento é conforme ao dever de fundamentação previsto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 e 76.º, n.º 1 e 4, da LGT.

xi. Por seu turno no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0399/13.9BEAVR concluiu precisamente em sentido contrário ao da sentença proferida no processo n.º 206/2020-T concluindo que o dever de fundamentação da liquidação de imposto, previsto no artigo 77.º da LGT, determina que a liquidação de imposto estabeleça uma ligação com o relatório de inspecção ou qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação e que ao não estabelecer qualquer relação com qualquer documento concreto que contenha essa fundamentação, o acto de liquidação não se considera fundamentado para efeitos do disposto no artigo 77.º da LGT, 135.º do CPA e 268.º, n.º 3, da CRP.

xii. O Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0399/13.9BEAVR que “A obrigação de fundamentar o acto de liquidação dando a conhecer aos respectivos destinatários, de forma expressa e acessível, os motivos – fundamentos factuais e as razões legais – por que se decide de determinado modo e não de outro mais não é que a concretização da obrigação geral de fundamentação dos actos administrativos, imposta pelos artigos 268.º n.º 3 Constituição da República Portuguesa, 135.º CPA e 77.º da Lei Geral Tributária. II- Tendo o Tribunal recorrido julgado provado que o acto de liquidação é o que consta daquele doc. 1 junto com a petição inicial que revela ser uma demonstração de liquidação que não estabelece qualquer ligação nem ao relatório de inspecção nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação é manifesta a falta de fundamentação do acto de liquidação que pouco mais informação contém que o montante a pagar. III- Não está em causa apenas uma notificação deficiente, incompleta ou obscura do acto de liquidação que não sendo dele invalidante apenas contenderia com a sua eficácia.” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 24 de Abril de 2019, no processo n.º 0399/13.9BEAVR) – (sublinhado da Recorrente).

xiii. Transpondo para o caso vertente, como resulta da liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e, bem assim, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 – 248477 que constam como documentos n.ºs 1 e 2 do pedido de pronúncia arbitral não resulta a sua fundamentação de direito, nem de facto, pois, daquela liquidação de IRS e da respectiva liquidação de Juros Compensatórios apenas resulta um conjunto de valores imperceptíveis para um destinatário normal e que aquelas liquidações poderão ser contestadas através de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

xiv. Aliás, analisada a liquidação IRS n.º 2019 5005716926 resulta um valor de € 36.132,60 relativo a “Imposto relativo a tributações autónomas” e Juros Compensatórios no valor de € 4.803,13, valores que não apresentam qualquer conexão com os alegados rendimentos de juros no montante de € 129.045,00 mencionados nos ofícios que a Sentença recorrida considera suportarem a posterior emissão da liquidação de IRS e também para a ora Recorrente.

xv. Ou seja, daquela liquidação de IRS e da respectiva liquidação de Juros Compensatórios não resulta qualquer remissão, nem expressa, nem tácita para o conteúdo dos Ofícios n.ºs 23096, de 26 de Setembro de 2019 e 27876, de 14 de Novembro de 2019, suportados na informação que resulta da troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça.

xvi. Ficou, pois, demonstrado no presente recurso a flagrante a falta de fundamentação da liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e, bem assim, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 – 248477, pois, aquelas liquidações não remetem, nem expressa, nem tacitamente para o conteúdo daqueles ofícios, pelo que apenas se pode concluir que as mesmas não se encontram fundamentadas nos termos legais, ou seja, nos termos previstos no artigo 77.º da LGT e 268.º, n.º 3, da CRP.

xvii. Com efeito, impende sobre a Administração Tributária o dever legal de fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente, e tem por consequência a anulabilidade do acto, pois, só fazendo expressa referência aos elementos elencados no referido n.º 2 do artigo 77.º da LGT se dará devido cumprimento à lei, não podendo, por consequência, os serviços omitir os elementos de facto e as disposições legais aplicáveis, prejudicando as possibilidades de defesa do sujeito passivo, como efectivamente prejudicam no caso concreto.

xviii. Acresce que, contra o exposto não pode ser invocada a fundamentação operada por via de remissão para a “fundamentação já remetida”, porque não há qualquer remissão explícita para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação.

xix. Ou seja, não pode aceitar-se, como fez a sentença recorrida, que a Administração Tributária seja dispensada de fundamentar a liquidação de IRS nos termos legais, fazendo recair sobre o destinatário da liquidação o ónus de recuperar e até ser obrigado a especular sobre qual a fundamentação subjacente ao acto de liquidação que lhe foi notificado.

xx. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, a resultante do processo n.º 0399/13.9 BEAVR e, muito recentemente, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1242/06.0 BESNT, é, pois, transponível mutatis mutandis para os presentes autos, pois, como demonstrado, também o acto de liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 não estabelece qualquer ligação com o Ofício n.º 00023096, da Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e Despesa, nem com o Ofício n.º 27876, de 14 de Novembro de 2019 ou com qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação que contenha a fundamentação daquela liquidação IRS, pelo que deverá concluir-se que a liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e a respectiva liquidação de Juros Compensatórios não estão fundamentados nos termos legais, o que deverá determinar a sua anulação.

xxi. Acresce que, no que respeita ao acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2019 - 248477, apenas resulta da respectiva demonstração de liquidação o respectivo período de tributação e de cálculo, o valor base sobre qual estes foram contabilizados, a taxa aplicável e que a mesma foi praticada a coberto do artigo 102.º do CIRC.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por um acórdão que dê total provimento à pretensão da Recorrente, reconhecendo a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2019 – 248477 com todas as consequências legais, designadamente, a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios».

1.2 Admitido o recurso, a AT foi notificada e apresentou contra-alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. Do disposto no n.º 2, do art. 25.º do RAJT decorre serem as decisões arbitrais passíveis de recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

B. Recurso que, de acordo com o n.º 3 do aludido art., segue, com as necessárias adaptações o regime de recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

C. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto por A………… (adiante somente Recorrente) tem por base alegada oposição entre decisão proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 206/2020-T (doravante decisão arbitral recorrida) e o acórdão do STA de 2019/04/24, no âmbito do processo n.º 0399/13.9BEAVR (adiante decisão fundamento), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT),

D. Sendo que tanto a decisão arbitral recorrida como o acórdão do STA invocado são apresentados como versando sobre idêntica matéria de facto e questão de direito que a Recorrente identifica como a falta de fundamentação do acto de liquidação.

E. Na matéria que foi objecto de pronúncia na decisão arbitral recorrida, proferida no Processo n.º 206/2020-T pretende-se a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) emitida sob o n.º 2019 5005716926 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2019 24877, referentes ao ano de 2015, no montante global de € 40 935,76, alegando que manteve até 2014, uma carteira de investimentos gerido pelo Banque D……….. (“D………..”), sendo que após o colapso do Grupo D……… e da resolução do D……….., os investimentos da Requerente foram transferidos para o banco E…………, sendo que este como não teve acesso ao histórico dos valores de aquisição dos activos financeiros detidos pela Requerente, comunicou erradamente, ao abrigo da Directiva da Poupança, os rendimentos obtidas em resultado daquelas aplicações financeiras no ano de 2015, bem como falta de fundamentação do acto de liquidação, violação do direito de audição e caducidade do direito à liquidação.

F. Na decisão recorrida, o tribunal julgou integralmente improcedente o pedido arbitral formulado, considerando relativamente à falta de fundamentação do acto de liquidação que “ficou demonstrado que a Autoridade Tributária e Aduaneira, cumpriu com o dever de fundamentação de facto e de direito do acto de liquidação de IRS n.º 2019 5005716926 e respectiva liquidação de Juros Compensatórios”.

G. A Recorrente invoca como decisão fundamento, “a jurisprudência deste douto Supremo Tribunal Administrativo evidente, entre muitos outros, relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 24 de Abril de 2019, no processo n.º 0399/13.9BEAVR”, sendo que, o douto acórdão do STA identificado pela ora Recorrente se refere a recurso jurisdicional de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida no processo de impugnação n.º 0399/13.9BEAVR, na qual foi entendido verificar-se o vício de forma do acto de liquidação impugnado, por absoluta falta de fundamentação, em violação do disposto no artigo 63.º, n.º 1 do RCIPT e que abrangeu tanto a liquidação de IRS como a liquidação de juros compensatórios.

H. Ora, resulta à evidência que nem a decisão arbitral recorrida nem o douto acórdão do STA referido como decisão fundamento, proferido no processo de impugnação judicial supra identificado assentam em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais, nem as soluções são opostas e contraditórias.

I. Porquanto, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não existem os pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência, isto é, a existência de uma contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito.

J. Porquanto os segmentos que levaram à decisão arbitral e ao acórdão proferido no processo de impugnação judicial tiveram em conta fundamentos diferentes e com valoração dos elementos probatórios também diferentes, como tal, não existe identidade de facto, limitando-se a Recorrente a invocar o sumário do douto acórdão, mas sem ter em conta a matéria fáctica constante do processo de impugnação, processo este referente a uma questão e circunstâncias distintas, o que originou diferentes factos, diferentes actos concretos, diferente fundamentação.

K. No caso concreto, o acto tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, uma vez que a AT deu conhecimento à Requerente dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo, o que se pode verificar pelo processo administrativo junto ao processo arbitral. Ou seja, permitiu dar a conhecer as razões que determinaram a AT a actuar como actuou, de molde a permitir à Requerente optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação, tanto mais que a argumentação desta no pedido de pronúncia arbitral revela que não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do acto.

L. Acrescendo que, no que concerne aos rendimentos de juros oriundos da Suíça, a informação que a AT dispõe resulta do mecanismo de troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE, nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, transposta pelo Decreto-Lei n.º 62/2005 de 11/03.

M. Neste sentido, a propósito da idoneidade da informação proveniente das autoridades fiscais estrangeiras a posição defendida pela União Europeia, bem como pela OCDE, é que a troca de informações fiscais entre os Estados-Membros constitui um dos principais instrumentos de combate à fraude e à evasão fiscal.

N. Sendo assim patente que a alegada oposição entre a decisão arbitral ora recorrida e o douto acórdão proferido no processo de impugnação judicial supra identificado, decisão fundamento, apenas é efectuada por mera consideração colateral, no âmbito da apreciação de uma questão distinta, porquanto distinta a sua matéria probatória.

O. Assim sendo, não havendo identidade dos factos, em que assenta a decisão arbitral n.º 206/2020-T e o acórdão proferido no processo de impugnação judicial n.º 0399/13.9BEAVR em confronto, para além da existência de notificações de actos de liquidação, deve o recurso improceder sobre esta questão.

P. Face ao exposto, faltando, tal como já se provou, a identidade das situações de facto, falta, por conseguinte, e inerentemente, a identidade quanto à questão fundamental de direito e consequentemente não se pode imputar qualquer divergência na decisão final entre a decisão arbitral ora recorrida e o propalado Acórdão Fundamento,

Q. Pelo que perecem in totum os argumentos apresentados pela Recorrente, não se verificando os requisitos de admissibilidade do presente meio processual.

Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pelos Recorrentes, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 145.º do CPTA».

1.3 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da «não verificação dos requisitos processuais para a uniformização de jurisprudência, pelo que se não deve conhecer do recurso», com a seguinte fundamentação:

«[…] da análise fáctico-jurídica patente em ambas as decisões trazidas à colação, a questão controvertida prende-se com a fundamentação do acto de liquidação.
Enquanto a decisão recorrida alicerça-se no facto das liquidações em controvérsia se mostrarem suficientemente fundamentadas, o acórdão fundamento, pelo contrário, alicerça-se na “manifesta falta de fundamentação do acto de liquidação”, como decorre, além do mais, do ponto II do respectivo sumário.
Ora, sendo os factos, dados como provados, em que vêm alicerçadas as liquidações em causa diversos numa e noutra decisão, forçoso é de concluir ter de ser diverso o direito a aplicar.
Mostram-se, face ao supra citado, não reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso.
Não há rigorosamente identidade quanto à questão de direito, daí não se mostrar haver contradição entre os julgados».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, em conferência, no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1.º O Requerente, residente fiscal em Portugal, não entregou qualquer declaração Modelo 3 em sede de IRS, referente ao ano de 2015.

2º. As Autoridades Fiscais da Suíça, ao abrigo da Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE, comunicaram à Autoridade Tributária e Aduaneira que o Requerente no ano de 2015 obteve rendimentos de juros no montante de € 129.045,00.

3º. O Requerente foi notificado através de Ofício n.º 00023069, de 26 de Setembro de 2019, da Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e Despesa para, no prazo de 30 dias, apresentar: “De acordo com a informação comunicada ao abrigo daquela Directiva [da Poupança], verifica-se que auferiu na Suíça, no ano de 2015, rendimentos de juros no valor de € 129.045,00, pelo que, face ao disposto no artigo 57.º do Código do IRS, estava obrigado(a) à entrega da declaração de rendimentos de IRS (Modelo 3), inscrevendo estes valores no quadro 8-A, do Anexo J”, Código de rendimento”: E24. (…) Fica ainda notificado(a) de que, caso tenha suportado imposto no estrangeiro sobre os rendimentos agora objecto de correcção e pretenda que o mesmo seja considerado na liquidação de IRS do ano de 2015, é necessário que faça prova desse pagamento mediante a remessa a este serviço, no mesmo prazo de 30 dias, de um certificado (documento original) comprovativo do imposto suportado, emitido pelas autoridades fiscais do país onde ocorreu o pagamento”.

4º. Nesse seguimento, o Requerente não fez prova desse pagamento mediante a remessa ao serviço da Autoridade Tributaria e Aduaneira, no mesmo prazo de 30 dias, de um certificado (documento original) comprovativo do imposto suportado, emitido pelas autoridades fiscais do país onde ocorreu o pagamento.

5º. Em 15 de Outubro de 2019, o Requerente foi notificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, do teor do ofício 27876 de 14/11/2019, através do qual lhe foi comunicado que ao abrigo da Directiva da Poupança as autoridades fiscais suíças, comunicaram à AT, que no ano de 2015 o SP auferiu rendimentos de juros no montante de € 129.045,00, não tendo o contribuinte para o ano em questão, declarado quaisquer rendimentos, não tendo mesmo submetido qualquer declaração Modelo 3 de IRS relativa a esse ano, como era sua obrigação, nem regularizou essa situação à posterior através da submissão da declaração em falta, no prazo de 30 dias, conforme o disposto no n.º 3 do art. 76.º do CIRS, que terminou no dia 30/10/2019, tudo conforme se colhe do teor do ofício e que aqui parcialmente se transcreve:
De acordo com a informação transmitida, ao abrigo da Directiva da Poupança pelo Estado/País/Território SUÍÇA, no ano de 2015, a SP A auferiu rendimentos de juros no valor de € 129.045,00, não tendo a contribuinte, para o ano em questão, declarado quaisquer rendimentos (não tendo mesmo submetido declaração Modelo 3 de IRS relativa a esse ano).
Considerando que, face ao disposto no n.º 1 do art. 15.º do Código do IRS, os rendimentos sob a forma de juros são de declaração obrigatória no respectivo Anexo J da declaração de rendimentos Modelo 3- IRS, a SP A foi notificada através do ofício n.º 23096, de 26/09/2019, para regularizar a situação, através da submissão da declaração em falta, no prazo de 30 dias, conforme disposto no n.º 3 do art. 76.º do Código do IRS.
O prazo para a entrega da declaração terminou no dia 30/10/2019, não tendo a contribuinte procedido à regularização para a qual tinha sido solicitada. Ao invés, através de exposição lavrada por um advogado (sem procuração – protestava juntar), veio solicitar a prorrogação do prazo por 15 dias, de forma a que fosse possível à requerente apresentar documentos bancários (Banco E………..). Na petição, era requerido também, ao abrigo do dever de colaboração, que a AT fornecesse os dados de base à comunicação recepcionada da Suíça ao abrigo da Directiva Poupança

6º. Findo o prazo, a Autoridade Tributária e Aduaneira, notificou o Requerente da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019 5005716926, praticado em 15 de Novembro de 2019, pela Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao ano de 2015, do qual resulta o valor a pagar de € 40.935,76, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 - 248477 (no valor de € 4.803,16)».

2.1.2 No acórdão fundamento, considerou-se a seguinte factualidade:

«1. A sociedade Impugnante tem como objecto social “Fabrico de mobiliário metálico, componentes metálicos de suspensão e acondicionamento, de ferramentas, peças e acessórios industriais, mobiliário metálico de segurança e estantes metálicas e locação de bens próprios, móveis e imóveis” – cfr. certidão de matrícula, de fls. 45 e seguintes do PA;

2. Em 13/9/2005 foi lavrada escritura de “Reforço de capital e alteração do pacto social” na qual consta que os sócios da impugnante “deixam expressa a deliberação universal: A) – Elevar o capital da sociedade para TREZENTOS MIL EUROS, resultando o correspondente reforço de DUZENTOS E QUARENTA MIL EUROS de entradas em numerário, pelo sócio B……………, utilizando este essa importância para elevação do valor nominal da sua quota, ficando assim com uma quota no valor nominal de DUZENTOS E SETENTA MIL EUROS, mantendo o outro sócio o valor nominal da sua actual quota. Que esta importância já deu entrada na caixa social, que nem por lei, pelo contrato ou pela deliberação universal aqui deixada expressa, é exigível a realização de outras entradas, substituindo a redacção do artigo quarto do pacto pela seguinte: Artigo 4º: O capital social, integralmente realizado em dinheiro e outros bens constantes da escrita social é de TREZENTOS MIL EUROS e encontra-se dividido em duas quotas, uma quota no valor nominal de DUZENTOS E SETENTA MIL EUROS pertencente ao sócio B…………… e outra quota do valor nominal de TRINTA MIL EUROS, pertencente ao sócio C……………..; B) Alterar o pacto social sobre a administração e representação da sociedade, pelo que, em consequência, acrescentam um parágrafo ao seu artigo sexto, que passa a ter a seguinte redacção: Artigo 6º (mantêm-se); § ÚNICO – O sócio C……….. tem um direito especial à gerência, sendo a sua assinatura sempre necessária para vincular e obrigar a sociedade, não podendo ele ser afastado da gerência sem o seu expresso consentimento” – fls. 18 a 21 do PA;

3. Na contabilidade da Impugnante foi registada a entrada, na conta Caixa, do montante correspondente a esse aumento de capital (€ 240.000,00), documentalmente suportada na escritura referida no ponto anterior – testemunha inquirida, ………………, TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

4. Esse aumento de capital destinava-se ao autofinanciamento de obras de melhoramentos do edifício da sociedade impugnante e à constituição de propriedade horizontal, que não chegaram a ser feitas - testemunha inquirida, ………………, TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

5. Em 2012, no âmbito de uma acção de âmbito distrital designada “controlo aos saldos de Caixa” a Direcção de Finanças de Aveiro procedeu a acção inspectiva externa à situação tributária da Impugnante que culminou com o Relatório final de 13/12/2012, homologado por despacho de 17/12/2012, no qual se apurou, por “correcção aritmética”, em falta o IRS retido na fonte referente ao mês de Dezembro do ano 2011, no montante de € 30.018,77 – fls. 1 e seguintes do PA;

6. Do referido Relatório constam as seguintes conclusões:
I - Ficou provado que, apesar da conta "Caixa" evidenciar um saldo devedor de € 139.622,19 nos meses de Setembro a Dezembro de 2011, este valor não existia fisicamente nos “cofres” da empresa, conforme ficou comprovado na diligência de contagem de caixa, bem como, pelas declarações prestadas pelo sócio-gerente;
II - No decurso das diligências anteriormente referidas, em Dezembro de 2011, foi realizado um movimento contabilístico, que creditou a conta Caixa exactamente pelo montante do respectivo saldo acumulado, a favor do sócio-gerente, isto é, fazendo fé nos registos contabilísticos, este valor foi atribuído e colocado à disposição do beneficiário (sócio) nessa data (Dezembro de 2011);
III - Dado que estamos perante movimentos realizados em dinheiro, que como é consabido, não deixam registo, na falta de outros elementos, e em conformidade com o estabelecido no artigo 75.º da LGT (Lei Geral Tributária), presumem-se verdadeiros os dados evidenciados na contabilidade do sujeito passivo.
IV - Apesar do sujeito passivo alegar que ¯ o saldo de caixa diz respeito ao aumento de capital social em 2005 conforme escritura que anexo, com o objectivo de investir em terrenos e obras, mas devido ao surgir divergências com o vendedor não fizeram as entradas de capital social", não poderá este argumento ser atendível pois que:

• Estamos perante movimentos realizados em numerário, deste modo, não há elementos de prova relativamente ao alegado pelo sócio-gerente — falta de entrada do numerário em caixa.
• Mesmo que tal tivesse acontecido, o que admitimos por mera hipótese, não podemos aceitar e compactuar com este argumento, por consubstanciar uma ilegalidade. Neste cenário, ambos os sócios teriam assinado um contrato "falso", ao terem declarado que o aumento de capital já se encontrava realizado em dinheiro, quando tal não teria acontecido;
• O contrato de aumento de capital assinado em 2005 não foi, entretanto, objecto de revogação ou distrate, permanecendo a sociedade com o mesmo capital social;
• Além do mais, se enveredássemos pela não tributação deste saldo de caixa "inexistente" neste momento, aceitando e admitindo o argumento apresentado pelo sujeito passivo que este se refere a um aumento de capital não realizado, estaríamos a permitir que, aquando da liquidação da sociedade numa data futura, os seus activos fossem partilhados pelos respectivos sócios, na proporção das respectivas quotas, passando, novamente, esta distribuição à margem de qualquer tributação. Isto porque, conforme prevê o artigo 81.º do CIRC (Código do IRC), apenas é “englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.” Ou seja, na data da liquidação e consequente encerramento da sociedade, o sócio estaria legitimado a receber da sociedade o valor respeitante à sua quota (que de acordo com a escritura de aumento de capital seria de € 270.000,00), sem que para isso tivesse despendido de qualquer capital, passando este valor à margem de qualquer tributação, pois que, corresponderia ao valor de aquisição da respectiva parte social. Por tudo o que foi aqui explanado, teremos que nos reduzir aos factos e evidências contabilísticas, que são: à data de Dezembro de 2011, a sociedade, regista um saldo de Caixa, no montante de € 139.622,19, que não se encontra na posse da empresa e nesse mesmo mês, esse valor é retirado dessa conta por contrapartida de um dos sócios, tributando o facto tributário de acordo com o seu enquadramento leal.
- Enquadramento legal
O n.º 4 do artigo 5.º do CIRS (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) estipula que: “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros” conforme disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, os rendimentos derivados da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do IRS, onde se enquadram os adiantamento por conta de lucros, estão sujeitos à retenção na fonte, a uma taxa liberatória (dispensando os beneficiários dos rendimentos da obrigação do seu englobamento na respectiva declaração de IRS). Esta taxa tem sofrido alterações nos últimos tempos de acordo com o quadro infra:

Taxa
Entrada em vigor
Diploma
20%
2006-01-01
Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro
21,5%
2010-07-01
Lei n.º 12 A/2010, de 30 de Junho
25%
2012-01-01
Lei n.º 64 B/2011, de 30 de Dezembro

Este imposto é liquidado através do mecanismo de retenção na fonte, a título definitivo, por parte da entidade pagadora e o seu pagamento é realizado mensalmente, até ao dia 20 do mês seguinte à ocorrência do facto tributário (neste caso, da colocação à disposição da respectiva verba), conforme estipula o artigo 98.º do CIRS: “Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem. As quantias retidas nos termos dos artigos 99.º a 101.º devem ser entregues até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas.”
APURAMENTO DO IMPOSTO
Assim, neste caso em concreto, consideraremos que o facto tributário ocorreu na data do registo contabilístico, Dezembro de 2011, sendo a taxa aplicável de 21,5%. Daqui resulta o montante de € 30.018,77 de imposto, que deveria ter sido pago pela sociedade, por retenção na fonte através do mecanismo da substituição tributária, até ao dia 20 de Janeiro de 2012.” – pág. 8 a 10 do Relatório, de fls. 5 e 6 do PA;

7. Pelo ofício nº 84 14373, de 17/12/2012, remetido sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 21/12/2012, a AT remeteu à agora Impugnante a cópia do Relatório final acima referido – fls. 47 a 49 do PA;

8. Em 27/12/2012 a AT procedeu à liquidação n.º 2012 6410001417 relativa a IRS devido por retido na fonte, do mês de Dezembro de 2011, no montante de € 30.18,77, e dos respectivos juros compensatórios no montante de € 1.075,74, somando o total de € 31.094,51, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 6/2/2013 – doc. 1 anexo à p.i., de fls. 11 do processo físico;

9. Em 29/4/2013, sob registo postal, foi remetida a petição inicial da presente impugnação – vinheta colada no canto superior direito de fls. 2 do processo físico;

10. As únicas receitas da empresa resultam de rendas obtidas como contrapartida da cedência do armazém, por locação a terceiros – testemunha inquirida, …………………, TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

11. O Volume de Negócios anual é inferior a € 10.000,00 – testemunha inquirida, ……………………., TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

12. Os custos reduzem-se às despesas com electricidade e com algumas pequenas reparações do prédio - testemunha inquirida, ………………., TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

13. No decurso da acção inspectiva, em Dezembro de 2011, o contabilista da Impugnante fez um movimento contabilístico através do qual transferiu o saldo da conta Caixa então existente para contas em nome do sócio B…………….. – testemunha inquirida, ……………….., TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

14. A Impugnante não efectuou, na sequência do movimento contabilístico aludido no ponto anterior, a qualquer retenção na fonte de IRS, designadamente correspondente a distribuição de lucros (rendimento de capitais) a favor do sócio B……………. – acordo, sendo certo que a Impugnante considera que não havia obrigação legal de fazer retenção na fonte».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Recorrente veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD em 12 de Novembro de 2020 no processo n.º 206/2020-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=50&id=5092.), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 399/13.9BEAVR (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/08ff1d00846d6613802583ee003b5849.), relativamente à questão da fundamentação, rectius, da falta de fundamentação do acto impugnado.
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:
i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);
ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo invocado como fundamento (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);
iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].
iv) que a decisão fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].
Quanto ao requisito enunciado em ii), entende-se que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do art. 152.º do CPTA, aplicável por força do n.º 3 do art. 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do art. 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).

2.2.2.2 Da leitura das alegações de recurso verifica-se que a Recorrente, em ordem a desincumbir-se do ónus de identificação precisa e circunstanciada dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e que existe uma efectiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento, invocou que nestes se decidiu a questão da fundamentação do acto tributário em sentido divergente.
Vejamos, pois, o que decidiram as decisões em confronto – a arbitral, ora sob recurso, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que foi invocado como fundamento – relativamente à questão.

2.2.2.2.1 A ora Recorrida apresentou no CAAD pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2015.
Entre as várias causas de pedir, invocou a falta de fundamentação, que foi indeferida nos seguintes termos:

«Alega o Requerente que no acto de liquidação de IRS n.º 2019 500576926 e respectiva liquidação de Juros Compensatórios notificados, não são explicitados todos os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores, e que se trata de IRS referente ao ano de 2015. Apenas é referido que a liquidação de IRS n.º 2019 500576926 poderá ser objecto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, sem se identificarem, sequer, as concretas disposições legais em que assentam aquelas mesmas liquidações de imposto e de juros compensatórios, e por isso estão inquinadas de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anuladas em conformidade.
Já a Requerida, em resposta, alega que a liquidação relativa ao IRS do ano de 2015 (n.º 2019 500576926), teve origem na declaração oficiosa emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 14/11/2019, pelo que o acto foi devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, foi garantido o direito constitucional conforme o disposto no art. 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e o disposto no art. 77.º da Lei Geral Tributária
Sobre a fundamentação dos actos de liquidação, encontra-se expresso no artigo 77.º, n.º 1 e 2, da Lei Geral Tributária, o seguinte:
1- A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2- A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
É comummente aceite que o acto se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos.
Neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, 3.ª ed. Vislis, Setembro 2003, pág.381-382: “No entanto, dever ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance”.
Também o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro – vide a título de exemplo os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de Abril de 2009, e 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006.
E que a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o acto em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0512/17, de 14 de Março de 2018, 42180, de 20 de Novembro de 2002, e 46796, de 14 de Março de 2001).
Ora no caso em apreço, ficou demonstrado que a Autoridade Tributária e Aduaneira, cumpriu com o dever de fundamentação de facto e de direito do acto de liquidação de IRS n.º 2019 500576926 e respectiva liquidação de Juros Compensatórios;
Ficou demonstrado que a Autoridade Tributaria e Aduaneira, deu conhecimento ao Requerente dos motivos e as razões que sustentam o acto, através do conteúdo do ofício 23096 de 26/09/2019 e do teor do ofício 27876 de 14/11/2019, suportados na informação que resulta da troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, e do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 62/2005 de 11 de Março que transpõe para a ordem Jurídica nacional a dita Directiva, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, estabelecendo o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efectivas pessoas singulares residentes noutro Estado membro da União Europeia, encontrando-se assim cumpridos os requisitos de fundamentação dos actos de liquidação, previstos no artigo 77.º, n.º 1 e 2, 76.º n.º 1 e n.º 4 da Lei Geral Tributária.
Por conseguinte, é totalmente improcedente o pedido de anulabilidade do acto de liquidação de IRS do ano de 2015 n.º 2019 500576926, por falta de fundamentação».

2.2.2.2.2 Por sua vez, no acórdão fundamento decidiu-se o recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente, com fundamento em falta de fundamentação, a impugnação judicial de uma liquidação de IRS efectuada a uma sociedade por a AT ter considerado que esta não tinha procedido às retenções na fonte a que estava obrigada. A esse respeito, ficou dito no acórdão:
«O documento que corporiza o acto de liquidação impugnado, como refere a sentença recorrida e se constata pela respectiva análise, circunstância não questionada pela Representante da Fazenda Pública, para além da identificação formal do acto tributário, só indica o seguinte: quanto à dívida “natureza do rendimento: Capitais - outros rendimentos” (para além de “valores mobiliários” de entidades emitentes ou registadores, depositantes e outras, “juros de depósitos à ordem e a prazo”, do período 2011.12 e valor do “Imposto: € 30.019,77” referindo ainda “Fica V. Exª notificado para, até à data limite indicada (6/2/2013), efectuar o pagamento da importância apurada proveniente da liquidação de retenções na fonte de IRS relativa ao ano indicado. (…)”.
A decisão sobre a matéria de facto não foi impugnada em sede de recurso pelo que, ainda que haja um qualquer outro documento que possa ser o acto de liquidação e que possa conter uma qualquer fundamentação ou remissão para as conclusões do relatório de inspecção ele não tem qualquer existência processual.
Não consta do referido documento qualquer fundamentação autónoma, de facto ou de direito, nem qualquer remissão expressa ou implícita para o relatório de inspecção que o antecedeu, muito menos que qualquer entidade haja assumido a responsabilidade de elaboração do acto de liquidação em conformidade com as conclusões do relatório de inspecção.
Nem consta da matéria de facto provada a versão apresentada pela recorrente na contestação de que este documento 1, junto com a p.i., não seja o acto de liquidação mas uma mera notificação do montante a pagar para efeitos de dar início aos prazos para reacção contra o acto de liquidação por parte do contribuinte.
O vício formal de falta de fundamentação a ocorrer contende com a validade do acto tributário. A obrigação de fundamentar o acto de liquidação dando a conhecer aos respectivos destinatários, de forma expressa e acessível, os motivos - fundamentos factuais e as razões legais - por que se decide de determinado modo e não de outro mais não é que a concretização da obrigação geral de fundamentação dos actos administrativos, imposta pelos artigos 268.º n.º 3 Constituição da República Portuguesa, 135.º CPA e 77.º da Lei Geral Tributária.
Quando a decisão administrativa enuncia explicitamente as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do acto revela a ponderação do interesse público, e permite que o administrado percorra o processo mental que conduziu à decisão, para que, esclarecidamente, a ela adira ou contra ela possa reagir através dos meios legais ao seu dispor. Consensualmente definem a doutrina e a jurisprudência que a fundamentação do acto de liquidação deve ser suficiente – permite que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada –, clara – permitir compreender, sem ambiguidade o sentido e motivação da decisão –, congruente – por se apresentar como a conclusão lógica das razões apresentadas – e, contextual – quando se integra no texto do próprio acto ou para ele remete. No dizer de jurisprudência constante e uniforme dos tribunais, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias em que ele é praticado, cabendo ao tribunal, perante cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a utilização deste critério prático: indagar se um destinatário normal, perante o teor do acto e das suas circunstâncias, fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.
Não está em causa apenas uma notificação deficiente, incompleta ou obscura do acto de liquidação que não sendo dele invalidante apenas contenderia com a sua eficácia. O que o Tribunal recorrido julgou provado como acto de liquidação é o que consta daquele doc. 1 junto com a petição inicial o que revela ser um acto de liquidação que não estabelece qualquer ligação nem ao relatório de inspecção nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação sendo, por isso, manifesta a falta de fundamentação do acto de liquidação que pouco mais informação contém que o montante a pagar.
Fez, pois, a sentença recorrida uma correcta interpretação da lei, não enferma dos erros de direito que lhe vinham imputados, impondo-se a sua confirmação
[…]».

2.2.2.2.3 Como resulta do que deixámos exposto supra, ambas as decisões em confronto se pronunciaram sobre a falta de fundamentação do acto tributário impugnado nos processos em que cada uma delas foi proferida.
Será que o fizeram em termos que permitam concluir que decidiram a mesma questão – da falta de fundamentação do acto impugnado – em sentido divergente? Afigura-se-nos que não. Vejamos:
Da decisão arbitral recorrida, na qual foi dada como assente que a AT «notificou o Requerente da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019 5005716926, praticado em 15 de Novembro de 2019, pela Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao ano de 2015, do qual resulta o valor a pagar de € 40.935,76, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 - 248477 (no valor de € 4.803,16)» (cf. facto o 6.º facto provado), não consta, nem sequer por remissão para qualquer documento junto aos autos, o teor da notificação por que a AT comunicou à ora Recorrente a liquidação ora impugnada. Cumpre ter bem presente que a actuação deste Supremo Tribunal nesta sede não nos permite sindicar a factualidade que foi dada como provada, nem ordenar a ampliação dessa factualidade, designadamente em ordem a determinar qual o conteúdo da comunicação por que a AT notificou a ora Recorrente.
Mas, se não sabemos qual o concreto teor da notificação da liquidação, sabemos que na decisão recorrida ficou dito – numa asserção que está fora da nossa esfera de sindicabilidade – que «[f]icou demonstrado que a Autoridade Tributaria e Aduaneira, deu conhecimento ao Requerente dos motivos e as razões que sustentam o acto, através do conteúdo do ofício 23096 de 26/09/2019 e do teor do ofício 27876 de 14/11/2019, suportados na informação que resulta da troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, e do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 62/2005 de 11 de Março que transpõe para a ordem Jurídica nacional a dita Directiva, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, estabelecendo o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efectivas pessoas singulares residentes noutro Estado membro da União Europeia, encontrando-se assim cumpridos os requisitos de fundamentação dos actos de liquidação, previstos no artigo 77.º, n.º 1 e 2, 76.º n.º 1 e n.º 4 da Lei Geral Tributária».
Já no acórdão fundamento ficou provado qual o concreto teor da comunicação por que a AT notificou a liquidação à aí Impugnante, o qual, ainda que por remissão para o documento n.º 1 junto com a petição inicial, foi levado ao probatório (cf. o facto provado sob o n.º 8 e o documento para que aí se remete). E, na sequência da análise dessa notificação, ficou dito nesse aresto que «[n]ão consta do referido documento qualquer fundamentação autónoma, de facto ou de direito, nem qualquer remissão expressa ou implícita para o relatório de inspecção que o antecedeu, muito menos que qualquer entidade haja assumido a responsabilidade de elaboração do acto de liquidação em conformidade com as conclusões do relatório de inspecção».
É certo que a Recorrente pretende fazer equivaler as situações fácticas, alegando que as notificações da liquidação, no processo recorrido como no processo onde foi proferido o acórdão fundamento, são idênticas. Por isso afirma: «o Tribunal Arbitral concluiu no processo n.º 206/2020-T que o dever de fundamentação se tem por cumprido pela mera existência de notificações anteriores à emissão de uma liquidação de imposto, emitida no limite do decurso do prazo de caducidade, ainda que a liquidação de imposto não remeta, nem expressa, nem tacitamente para nenhum documento concreto que contenha a fundamentação e que esse procedimento é conforme ao dever de fundamentação previsto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 e 76.º, n.º 1 e 4, da LGT».
Mas, salvo o devido respeito, essa afirmação não tem suporte expresso ou implícito na decisão recorrida, que nunca ponderou o cumprimento do dever de fundamentação nos termos e com os contornos aí enunciados e, pelo contrário, até afirmou que «[f]icou demonstrado que a Autoridade Tributária e Aduaneira deu conhecimento ao Requerente dos motivos e as razões que sustentam o acto».
Ou seja, apesar de a Recorrente pretender que a decisão recorrida, contrariamente ao acórdão fundamento, considerou como fundamentação suficiente para o acto de liquidação a que consta de anteriores notificações, ainda que na notificação da liquidação não haja remissão, expressa ou tácita, para as notificações anteriores, a verdade é que nada permite concluir que o tenha feito.
Salvo o devido respeito, não pode, pois, concluir-se que as decisões em confronto tenham dado resposta oposta à mesma questão fundamental de direito, tal como enunciada pela Recorrente, o que, sem mais, determina que não haja de conhecer-se do mérito do recurso.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Não havendo, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão apresentado como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso interposto ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

Comunique-se ao CAAD.


*

Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento.

*
Lisboa, 26 de Maio de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.