Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01232/16.5BEPRT 0500/18
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24321
Nº do Documento:SA22019031301232/16
Data de Entrada:05/16/2018
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………. S.A., impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o ato de liquidação da contrapartida anual relativa ao ano de 2015, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim, no montante de 3.379.745,16€, que engloba, designadamente, o imposto especial de jogo, peticionando que esta liquidação seja considerada ilegal.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 31/01/2018 (fls.476/505) julgou a ação improcedente.
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1.3. É dessa decisão que a impugnante, ora recorrente, vem interpor o presente recurso para este Supremo Tribunal, terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1ª) Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias da actividade do jogo;
2ª) A referida contrapartida anual está prevista e regulada no Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10 e é constituída por 50% das receitas brutas dos jogos explorados nos Casinos;
3ª) O referido Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, estabelece, também, que a referida contrapartida anual não pode ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atinja esse mínimo;
4ª) Essa contrapartida anual tem a natureza de um imposto, desde logo porque, ao menos em parte, é pago através das liquidações de Imposto do Jogo e, fundamentalmente, porque se trata de uma prestação definitiva, pecuniária, coerciva e que não corresponde a uma contraprestação específica;
5ª) Ao invés do defendido na douta sentença recorrida, não obstante exista um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a recorrente para a exploração de jogos de sorte e azar, essa contrapartida anual não tem matriz contratual;
6ª) O contrato de concessão limita-se a reproduzir o conteúdo de actos legislativos anteriores – o Decreto-Regulamentar nº 29/88, de 3/8 e o Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10;
7ª) A exigência do pagamento da contrapartida anual e a sua fórmula de cálculo estão estabelecidos nos referidos instrumentos legais;
8ª) Além de que, recorde-se, o pagamento, ao menos em parte, dessa contrapartida é feita com os pagamentos do Imposto de Jogo, imposto esse previsto em acto legislativo – DL nº 422/89, de 2/12;
9ª) A circunstância de haver um contrato de concessão e de a recorrente ter “aceite” o pagamento de tributos, não sana as inconstitucionalidades e/ou ilegalidades dos tributos (Imposto do Jogo e contrapartida anual) já que o Estado e os particulares apenas podem validamente obrigar-se dentro dos limites que a Constituição lhes permite;
10ª) Aliás, o STA, a propósito da questão da competência da jurisdição fiscal, já se pronunciou no sentido de que a contrapartida é um tributo;
11ª) Não há, assim, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, qualquer impossibilidade de se apreciar as ilegalidades que a recorrente considera existirem na impugnada liquidação da contrapartida;
12ª) É que a referida liquidação é ilegal porque o diploma, com base na qual foi emitida tal liquidação (Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional por violação dos art.ºs 103º, nº 2 e 165º, nº 1, i), da Constituição da República Portuguesa;
13ª) É que o Decreto-Lei nº 275/2001, foi aprovado sem ser com base em qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo;
14ª) Acresce que, conforme referido, uma parte da contrapartida anual é paga através de pagamentos do Imposto do Jogo;
15ª) Ora, o Imposto do Jogo está previsto no Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, diploma esse aprovado com base na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei nº 14/89, de 30/6;
16ª) Porém, essa autorização legislativa é amplamente genérica, não cumprindo o requisito constitucionalmente expresso de definir com rigor e precisão, “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma” (cf., à época, o artº 168º, nº 11 e, hoje, o artº 165º, da Constituição).
17ª) Na medida em que está em causa matéria fiscal, que é da competência da Assembleia da República, o referido Decreto-Lei nº 422/89, é organicamente inconstitucional e, portanto, ilegais as liquidações de Imposto do Jogo e, deste modo, ilegal a contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto;
18ª) Por outro lado, sendo, como é, a “contrapartida anual” um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real;
19ª) Na verdade, a “contrapartida anual” incide sobre as receitas brutas obtidas pela recorrente e o valor de tal contrapartida nunca pode ser inferior a um mínimo estabelecido na lei;
20ª) O que quer dizer, portanto, que a recorrente é tributada de forma completamente desligada do seu rendimento real/efectivo, podendo ocorrer, até, uma relação inversamente proporcional entre as receitas que obtém e o tributo que é forçado a suportar;
21ª) No limite, com a consagração de uma “contrapartida mínima” poderia a recorrente não ter qualquer receitas e, não obstante, está obrigada a pagar a contrapartida;
22ª) Aliás, o próprio imposto de jogo que, conforme referido, “integra” a contrapartida anual, é também inconstitucional por violação desses princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real;
23ª) É que, como decorre do artº 85º da Lei do Jogo (Decreto-Lei nº 422/89), a tributação sobre os chamados “jogos bancados” incide sobre a receita bruta, afastando-se, assim, do lucro real e efectivo;
24ª) E, quanto à tributação sobre as máquinas automáticas, ela incide sobre um “capital” fixado administrativamente pelo Turismo de Portugal, IP, havendo, deste modo, uma tributação sobre meras presunções de rendimento;
25ª) Deste modo, a impugnada liquidação é ilegal, pelo que não pode manter-se a douta sentença recorrida.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a presente impugnação, como é de Justiça.».
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1.4. O recorrido contra-alegou concluindo do seguinte modo:

«1. A natureza da contrapartida contratual tem de ser aferida considerando a sua génese e a sua integração no contrato administrativo de concessão para a exploração de jogos de fortuna nos casinos existentes na zona de jogo da Póvoa de Varzim.
2. A contrapartida é exigível à recorrente por força do disposto na cláusula 4. n.° 2, do contrato de concessão.
3. O contrato de concessão foi adjudicado à recorrente na sequência de concurso público, constando as obrigações e o processo do concurso de Decreto Regulamentar.
4. A recorrente adquiriu o direito de explorar jogos na referida concessão por ter, no âmbito do concurso, apresentado a melhor proposta, isto é, apresentado a contrapartida inicial mais alta.
5. Inexiste qualquer obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares que possa ser removido através do pagamento da contrapartida anual.
6. A diferença entre a contrapartida anual e um tributo resulta no facto de a primeira ser voluntária e o segundo coativamente imposto por lei.
7. A obrigação legal que é imposta sobre todos os contratos é o imposto especial de jogo, não decorrendo da lei a obrigatoriedade de existência de contrapartida anual, razão pela qual há contratos de concessão que não preveem esta última.
8. O Decreto-Lei n.º 422/89 não regula a contrapartida anual e o Decreto-Lei n.º 275/2001 não constitui a base que fundamenta a obrigação de pagamento dessa contrapartida.
9. A relação que se estabelece entre o imposto de jogo e a contrapartida anual, em termos de aquela poder realizar esta, decorre do específico contrato em que é prevista essa possibilidade. Que assim é o comprovam as diferentes configurações dos contratos de concessão em vigor, em que há casos em que o imposto cumula com a contrapartida, há casos em o imposto deduz à contrapartida e há casos em que não há contrapartida, mas em todos os casos é sempre aplicado imposto especial de jogo.
10. O Supremo Tribunal Administrativo até à presente data pronunciou-se apenas sobre a competência material dos tribunais tributários para decidirem as ações propostas pela Autora e aqui recorrente, atentos os termos em que esta configura a relação material controvertida.».

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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. INTRODUÇÃO
Inconformada, veio a Impugnante A………….., S.A. interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 31/01/2018, pela M.ma Juíza de Direito do TAF do Porto, que julgou improcedente a presente impugnação judicial e, consequentemente, manteve a liquidação impugnada, da contrapartida anual do ano de 2015, no valor de € 3.379.457,16, referente à concessão de jogo da zona da Póvoa de Varzim, liquidada pelo Impugnado Instituto do Turismo de Portugal, I.P. (cfr. a sentença recorrida, ínsita de fls. 476 a 505 e, ainda, as alegações juntas de fls. 513 a 532 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.)
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, e, obviamente, das respetivas conclusões, que fixam e delimitam o thema decidendum, a ora Recorrente veio assacar à decisão judicial recorrida erros de julgamento que incidiram sobre a matéria de direito, no que tange i) à julgada inverificação da ilegalidade da contrapartida anual impugnada, por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade, e ii) à decidida não inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de dezembro, que reformulou a Lei do Jogo (v. as Conclusões alegatórias, ínsitas de fls. 528 a 532 do p. f.)
Vejamos, pois, se assiste razão à ora Recorrente, nestas suas alegações.
II. DO OBJETO DO RECURSO
II. 1. Veio a Recorrente A……………, S.A. imputar, à sentença sob censura deste Colendo Supremo Tribunal ad quem, erros de julgamento de direito, consubstanciados na violação dos normativos legais convocados para a decisão e, ainda, dos já mencionados princípios gerais da legalidade, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade, com assento na Lei Fundamental e, outrossim, na lei ordinária.
Defende, pois, o desacerto da decisão judicial em crise, no que concerne à interpretação e aplicação do direito que foram efetuadas pelo tribunal a quo.
Ora, o Ministério Público avança, desde já, que secunda inteiramente as posições doutrinárias veiculadas na decisão judicial sob recurso.
Na verdade, ao assim decidir, a julgadora do TAF a quo acolheu e secundou a inúmera doutrina e, outrossim, a jurisprudência do Colendo Tribunal Constitucional e deste Preclaro STA, que citou e reproduziu, as quais militam a favor do seu entendimento doutrinário.
Efetivamente, da hábil fundamentação jurídica aduzida no douto Acórdão deste Colendo STA, de 12/04/2012, tirado no Processo n.º 077/12, retira-se a sagaz argumentação de que nos permitimos transcrever o seguinte excerto: “(..) A tributação do jogo sempre esteve no plano fiscal sujeita a um regime próprio atentos os “sérios inconvenientes morais da exploração dos jogos de fortuna ou azar”, de tal modo que a partir da reforma de 1948 o legislador renunciou ao apuramento do lucro real, libertando-se, nas palavras de SÉRGIO VASQUES (Cfr. Os Impostos do Pecado o Álcool, o Tabaco, o fogo e o Fisco, Almedina, 1999, pp. 88-9.), “da situação desairosa de ser interessado nos rendimentos do jogo ou nas vicissitudes dos jogadores”. Ainda segundo o autor, “É portanto, um juízo de censura moral que subjaz à criação de um regime fiscal exclusivo da indústria do jogo, bem como à adoção das suas particulares técnicas tributárias”, passando a tributar-se “capitais de giro, lucros e receitas brutas com taxas elevadas, tratando-se o jogo como um sector de exceção”.
Atualmente as empresas concessionárias das zonas de jogo encontram-se sujeitas ao regime fiscal que consta do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, emitido ao abrigo da Lei de Autorização nº 14/89, de 30 de Junho.
Nos termos do art. 2º nº 5, daquele diploma, é concedido ao Governo autorização para “Definir o sistema fiscal aplicável ao exercício da atividade do jogo, bem como a outras a que as empresas concessionárias das zonas de jogo estejam obrigadas nos contratos de concessão”: a) “Fixando a base da incidência do imposto especial de jogo, bem como as taxas aplicáveis aos jogos bancados e não bancados...”; d) “Isentando de qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da atividade do jogo ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas no contrato de concessão”; e) “Estabelecendo mais as seguintes isenções: 1) De sisa nas aquisições dos prédios indispensáveis ao cumprimento das obrigações contratuais; 2) Da contribuição autárquica, desde que os prédios estejam afetos às concessões; 3) De quaisquer taxas por alvarás e licenças municipais relativos ao cumprimento de obrigações contratuais”.
No seguimento da lei de autorização, o Decreto-Lei nº 422/89 por sua vez alterado pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, veio no seu art. 84º, sob a epígrafe “imposto especial de jogo”, estabelecer que:
1-As empresas concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da atividade de jogo, o qual será liquidado e cobrado nos termos das disposições seguintes.
2- Não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da atividade referida no número anterior ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor.
3- (…)
4- O exercício por parte das empresas concessionárias de quaisquer atividades não abrangidas pelos n.ºs 1 e 2 fica sujeito ao regime tributário geral”.
O regime do diploma assenta numa técnica excecional na medida em que em vez de tributar as empresas pelo lucro real, tal como refere o art. 104º da CRP, tomando como base tributária o lucro apurado a partir da contabilidade (art. 17 do CIRC), o imposto do jogo incide, no caso dos jogos bancados, sobre o capital em giro inicial e sobre os lucros normais das bancas; no caso dos jogos não bancados sobre a receita bruta (cfr. arts. 85º a 87º (disponível in www.dgsi.pt tal como o que iremos citar de seguida).
Acresce que esta opção do legislador não é materialmente inconstitucional, conforme emerge do, também douto, aresto deste Colendo Supremo Tribunal, de 02/07/2003, prolatado no Recurso n.º 047836, que, arguta e expressivamente, refere, a dado passo da respetiva fundamentação, que “(…) A lei quis desconsiderar o valor dos prémios pagos aos jogadores, mandando calcular as contrapartidas a pagar pelo concessionário sobre a totalidade da receita do jogo. O que, entre outras razões, sem dúvida que contribui para tornar esse apuramento mais fácil, simplificando também as eventuais ações de fiscalização.
É certo que isso implicará, forçosamente, que o concessionário pague em contrapartidas mais do que 50% do valor dos seus reais ganhos, mas é preciso não esquecer que ele desenvolve uma atividade altamente lucrativa, com uma margem de risco desprezível. Como bem se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de 6.2.03, proc. nº 47.563, “essa é a principal razão imediata para que a regulamentação da exploração do jogo pelo Estado sempre tenha sido acompanhada da captação pública de uma elevada parcela dos rendimentos que produz, seja através de disposições fiscais especiais, seja através da afetação direta de uma percentagem dos rendimentos auferidos pelos concessionários a fins de interesse público”. Importa também não olvidar que foi nesse pressuposto que a empresa se candidatou à concessão, e celebrou com o Estado o contrato respetivo.
São, aliás, estes motivos que retiram pertinência à arguição da recorrente de que as normas do aludido Decreto Regulamentar, na interpretação que lhes é dada, violam os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. A situação da recorrente não é, manifestamente, igual à do vulgar empresário sujeito aos riscos normais do mercado, e daí que haja sobejas justificações para que seja submetida a um tratamento diferenciado.
O peso aparentemente excessivo das contrapartidas pagas pelo concessionário, quando olhado na perspetiva de um negócio como qualquer outro, também não pode impressionar, pois está na proporção da magnitude dos proventos obtidos com a exploração do jogo, que como se disse já é atividade reservada ao Estado. Se não estivesse, decerto que a recorrente não teria aspirado à concessão, e aceite as regras sobre contrapartidas constantes da regulamentação do concurso e do contrato. (...)”.
A ser assim, falece razão à Recorrente, quando imputa à sentença recorrida a afronta às disposições e aos princípios constitucionais e legais atrás enunciados.
II. 2. Ademais, cumpre ao Ministério Público realçar o exame acutilante das demais questões jurídicas suscitadas nas alegações, efetuado pelo tribunal a quo, na sentença recorrida.
Em adição, convenceu-nos, ainda, inteiramente a argumentação aduzida pelo Impugnado/Recorrido Instituto do Turismo de Portugal, I.P., em sede de contra-alegações (juntas de fls. 537 a 550 do p. f.).
Com efeito, a favor da sua posição doutrinal, aí foram analisados e criticados os argumentos aduzidos pela ora Recorrente, cujo desacerto foi por demais evidenciado e se nos afigura indesmentível.
Assim sendo, ante a clareza e a precisão dos fundamentos jurídicos que daí se retiram, os quais nos persuadiram inteiramente da justeza, rigor e acerto da solução jurídica conferida ao caso sub judice, não nos resta senão concluir que, efetivamente, o tribunal a quo não errou na interpretação e aplicação do direito, que operou na decisão judicial sob recurso.
O que vale por dizer que, na perspetiva do Ministério Público, não se mostram verificados os imputados erros de julgamento de direito e, como consequência, que a sentença recorrida deverá ser inteiramente confirmada
III. CONCLUSÃO
Em suma e em jeito de conclusão, nos termos e com os fundamentos acima sucintamente expostos, o Ministério Público emite o parecer de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, deverá ser mantida a sentença sob o escrutínio deste Colendo STA.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1) A impugnante é uma sociedade comercial anónima que, no âmbito da sua actividade, em 29/12/1988, celebrou com o Estado português, um contrato designado por concessão para exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de Póvoa de Varzim, que foi publicado no DR 3.ª Série, n.º 37, de 14/02/1989, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cópia do DR de fls. 146 e 147 do processo físico).
2) Em 14/02/2001, as partes procederam à revisão e prorrogação do contrato descrito no ponto anterior, a qual foi publicada no DR 3.ª série, n.º 27, de 01/02/2002, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cópia do DR de fls. e 147 do processo físico).
3) O impugnado procedeu à liquidação da contrapartida anual referente ao ano de 2015, da qual deu conhecimento à impugnante, na pessoa do seu administrador, Dr. ..............., com o seguinte conteúdo (documento de fls. 30 do processo físico):











4) Em 11/02/2016, a impugnante procedeu à transferência do valor total de 5.477,878,48€ para o impugnado (factura-recibo de fls. 41 do processo físico).
5) A presente impugnação deu entrada em juízo no dia 02/05/2016 (envelope de fls. 78 do processo físico).».
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3.1. As questões suscitadas pela recorrente, no presente recurso, foram já apreciadas, no recurso n.º 01037/14, (0891/17), de 23.01.2019.
Estamos perante idêntica situação de facto em que o quadro normativo aplicável é o mesmo.
Acresce que as conclusões do presente recurso são em tudo semelhantes às que foram apresentadas naquele recurso.
E o STA apreciou, ainda, as mesmas questões nos acórdãos 01681/14.3BESNT (01357/17) de 23-01-2019, e 01671/13.3BESNT (0351/18) de 30-01-2019, em sentido idêntico.
Porque se acompanha a referida decisão bem como a respetiva fundamentação remete-se para o primeiro dos acórdãos referidos (n.º 01037/14, (0891/17), de 23.01.2019) no qual se escreveu o seguinte:
“4.1. Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo e do modo como foram legal e contratualmente definidas as respectivas contrapartidas, o que se constata é que embora a exploração do jogo não se reconduza a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da “concessão”) dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Por isso, como sublinha o Prof. Vieira de Andrade (no parecer junto aos autos), a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar haveria de operar-se num contrato pré-regulado por lei «(não constituindo a prestação de um serviço público), mediante uma forte contrapartida patrimonial, dado o alto potencial lucrativo da actividade (exercida em exclusivo territorial), com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo. E, neste contexto, também a necessária tributação desta actividade concessionada, enquanto actividade económica, haveria de ser especial: opta-se, desde sempre, no que respeita à exploração do jogo, pela substituição dos impostos regulares (hoje, IRC, IVA, Imposto de selo) por um imposto de regime especial, também com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo.»
Sendo que, no entanto, cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal.»
E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo).
E nem a circunstância de no Decreto nº 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a actividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jogo. Sua consignação», não obstante o art. 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas – cfr. o art. 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo — e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial.
Acresce que, como igualmente se acentua no parecer citado, a distinção entre ambas as figuras também não é afectada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza).
E em todo o caso, dado que o modo de cálculo da contrapartida não altera a sua natureza jurídica de prestação contratual, também fica desprovida de relevância a argumentação da recorrente no que respeita à unilateralidade da própria contrapartida mínima, não relevando, igualmente, a invocação de jurisprudência do STA no sentido da ilegalidade da liquidação: com efeito, como bem realça a recorrida, em termos do que foi expressamente decidido e no que respeita a liquidações relativas a contrapartidas idênticas à ora impugnada, o STA pronunciou-se apenas quanto à competência dos tributais tributários (de acordo com os termos em que a autora configura a relação material), não se pronunciando sobre o mérito da pretensão ali formulada.
E neste contexto, dando resposta àquela primeira questão suscitada no recurso, conclui-se agora que a “contrapartida anual”, prevista no DL nº 275/2001, de 17/10, se reconduz a uma prestação de natureza patrimonial.
4.2. Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), por não estarmos perante pagamento de uma qualquer quantia destinada a afastar uma proibição legal (a quantia não é paga para que a concessionária fique autorizada a explorar os jogos de fortuna ou azar, mas sim porque foi ela a adjudicatária no concurso público aberto para a concessão da respectiva zona de jogo) e por a contrapartida impugnada também não assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a contrapartida a uma taxa ou a integra no âmbito do próprio imposto de jogo), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas à liquidação, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica do DL n° 275/2001, de 17/10; inconstitucionalidade orgânica do DL n° 422/89, de 2/12, por assentar numa autorização legislativa genérica que não cumpre o requisito (nº 11 do art. 168° — actual 165º — da CRP) de definir com rigor e precisão, “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma” e inconstitucionalidade material, quer daquele mesmo diploma, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, quer do próprio imposto, por ter sido criada uma tributação sobre meras presunções de rendimento].
Aliás, neste âmbito, sempre o recurso teria que improceder, atendendo à jurisprudência, com a qual se concorda, firmada no acórdão deste STA, de 5/12/2018 [em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA, no processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15) e para o qual se remete ao abrigo do disposto no nº 5 do art. 663º do CPC], sendo que, naquela perspectiva da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso também seriam substancialmente idênticas às que foram objecto de tal julgamento ampliado, mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)».”.
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3.2. Acompanha-se, ainda, a referida jurisprudência quando afirma que “atenta a decisão, temos por verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP, acrescendo que também o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.”.
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4. Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 13 de março de 2019. – António Pimpão (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.